The Project Gutenberg EBook of Romanceiro I, by V. de Almeida Garrett
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Title: Romanceiro I
Romances da Renascença
Author: V. de Almeida Garrett
Release Date: October 12, 2020 [EBook #63438]
Language: Portuguese
Character set encoding: UTF-8
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OBRAS
DO
V. DE ALMEIDA GARRETT
IV
(PRIMEIRO DO ROMANCEIRO)
ROMANCEIRO
PELO
V. DE ALMEIDA GARRETT
I
ROMANCES DA RENASCENÇA
QUINTA EDIÇÃO
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1875
Publicamos emfim ésta nova edição da primeira parte do ROMANCEIRO que vai muito superior ás antecedentes, tanto pela correcção como pelos addicionamentos importantes que leva.
A de Londres de 1828 continha apenas a Adozinda e o Bernal-francez; a de Lisboa de 1843 ja lhe accrescentou mais quatro romances; na presente ha oito, alêm das novas traducções em várias linguas que n’este intervallo se teem publicado pela Europa. Não são todas porém, e ja muitas das mais notaveis versões appareceram colligidas no appendice do terceiro volume da presente obra publicado em 1851; outras o tinham sido no segundo junctamente com os originaes portuguezes[v] primitivos que o nosso auctor reconstruíra.
A sua predilecção por éstas reliquias da antiga poesia peninsular tem feito com que, desde a infancia até hoje, tenham ellas sempre sido a occupação das suas ‘Horas de lazer’—‘Hours of idleness’ segundo a frisante expressão de Lord Byron; um quasi mialheiro poetico em que por intervallos, mas sempre, se vão deitando pequenas quantias até que chegam a formar um thesouro. Este é ja um verdadeiro thesouro para os que sabem avaliar a riqueza de uma lingua e de uma litteratura.
No meio dos trabalhos mais graves, das contrariedades mais apertadas da vida pública, o auctor não se tem esquecido do seu mialheiro, que, tornâmos a dizê-lo, para nós é thesouro riquissimo. Se ainda assim o não julga Portugal, saiba ao menos que essa é a opinião da Europa.
Julho 8, 1853.
OS EDITORES.
Depois que publiquei em Londres, em 1828, o meu romancinho a Adozinda que aqui vai na frente d’este volume, cheguei a ter uma bastante collecção d’essas trovas e romances populares, xácaras e soláos—designações que, sinceramente confesso, não sei ainda quadrar bem nas diversas especies e variedades em que se divide o genero.
Eram uns vinte e tantos havidos pela tradição oral do povo, quasi todos colligidos nas circumvizinhanças de Lisboa pela indústria de amigos zelosos, e principalmente pelo obsequioso cuidado de uma joven senhora minha amiga muito do coração.
Por voltas do anno seguinte, 1829, os tinha eu pela maior parte correctos, annotados,—e[vii] collacionadas as principaes das infinitas variantes que todos trazem, porque cada rhapsodista d’estes que sabe a sua xácara, a repette a seu modo, e sempre differente em alguma coisa do que outro a diz.
Cresceram logo mais os meus haveres pela contribuição de outro amigo tambem muito particular e muito prezado, o Sr. Duarte Lessa, homem de raras e prestantes qualidades que amenizava a constante applicação a mais graves estudos, cultivando a litteratura e as artes, cujas obras appreciava com tacto finissimo e zelava com fervor patriotico, porque intendia—e bem o intendia!—que ellas são o espirito, a alma, o in ipso vivimus et sumus de uma nação. Tinha elle adquirido em Londres varios livros e manuscriptos que haviam sido do célebre portuguez o cavalheiro de Oliveira, aquelle que renunciou ao importante cargo de nosso ministro na Haya para abraçar a communhão protestante, na qual viveu em Inglaterra os ultimos annos da sua vida, quasi unicamente da charidade de seus novos correligionarios.
Havia entre esses livros um exemplar da Bibliotheca de Barboza, inquadernados os tomos com folhas brancas de permeio, e escriptas éstas, assim como as amplas margens do folio impresso, de lettra muito miuda, mas muito clara e legivel, com annotações, commentarios, emendas e addições aos escriptos do nosso douto e laborioso mas incorrecto abbade.
Via-se por muitas partes que o longo trabalho do Oliveira fôra feito depois da publicação das suas Memorias, porque a miudo se referia a ellas, confirmando e ampliando, corrigindo ou retractando o que lá dissera.
Nos artigos D. Diniz, Gil-Vicente, Bernardim-Ribeiro, Fr. Bernardo de Brito, Rodrigues-Lobo, D. Francisco-Manuel, e em varios outros que vinha a proposito, as notas manuscriptas citavam, e transcreviam como illustração, muitas coplas, romances e trovas antigas—e até prophecias, como as do Bandarra—fielmente copiadas, asseverava elle, de Mss. antigos que tivera em seu poder na Hollanda e em Portugal, franqueados uns por judeus[ix] portuguezes das familias emigradas, outros havidos das preciosas collecções que d’antes se conservavam com tão louvavel cuidado nas livrarias e cartorios dos nossos fidalgos.
Foi-me logo confiada a inextimavel descuberta; percorri com avidez aquellas notas, examinei-as com escrupulosa attenção, e, extractando uma por uma quantas coplas, cantigas e xácaras achei, completas e incompletas, accrescentei assim os meus haveres com umas cinquenta e tantas peças, d’ellas anonymas e verdadeiramente tradicionaes, d’ellas de auctor conhecido e que nas edições de suas obras se incontram,—taes como Bernardim-Ribeiro, Gil-Vicente e Rodrigues-Lobo—mas que differiam das impressas, consideravelmente ás vezes, muitas até na linguagem da composição, poisque algumas alli achei em portuguez, e manifestamente antigo e da respectiva epocha, as quaes só andam impressas em castelhano.
Com este auxilio corrigi denovo muitos dos exemplares que ja tinha, e completei alguns fragmentos que ja desesperára de podêr vir[x] nunca a restaurar. E tomando para modêlo as estimadas collecções de Elis e do bispo Percy, e a das fronteiras de Scocia por Sir Walter Scott, comecei a dar novo methodo e mais amplos limites á minha compilação que ao principio intitulára Romanceiro-Portuguez.
O longo e mais serio trabalho que por esse tempo emprehendi no meu tractado geral Da Educação, cujo primeiro volume se publicou em Londres em 1829, me fez relaxar n’aquell’outro: depois os cuidados politicos e alguns officiaes, o complemento e impressão de outra obra de mais grave assumpto, o Portugal na Balança da Europa, que foi impresso no anno seguinte, 1830,—talvez alguma inconstancia de auctor, bem desculpavel n’aquella tarefa, tam tediosa ás vezes, de collacionar, estudar e explicar textos ja viciados da ignorancia do vulgo por cujas bôccas e memorias andaram, ja de outra ignorancia mais confiada e mais corruptora ainda, a de copistas presumpçosos de lettrados e de castigadores do que elles suppoem vício.
Comtudo, e apezar d’aquellas e de outras[xi] occupações e distracções, eu sempre voltava de vez em quando ao meu Romanceiro, e o tinha bastante adeantado, quando nos fins de 1831 abandonei tudo o que eram cuidados de sciencia ou recreações litterarias para me alistar no exercito da Rainha, e imbarcar para os Açores. Em Janeiro de 1832 sahi de París com praça de simples soldado, consegui por este modo tomar minha humilde parte n’aquella expedição, cujos avisados e cautelosos directores com tanto impenho afastavam toda a gente conhecida de verdadeira liberal, por todos os modos, por modos que hãode parecer incriveis, e que elles hoje negariam a pés junctos, se fosse possivel negar o de que ha tantas testimunhas e tantas victimas ainda vivas, tantos documentos que hãode durar mais que ellas.
A minha curta estada nas ilhas foi impregada quasi toda nos trabalhos de legislação e organização administrativa a que alli se procedeu, e de que me encarregou a amizade e confiança de um amigo particular, então em grande valimento, ao qual e á dura necessidade[xii] de me achar eu unico alli que tivesse estudado aquellas materias, teve de ceder forçosamente a ciosa malevolencia dos accaparadores que ja na esperança estavam devorando as ruinas de Portugal a que almejavam chegar—pelos esforços e risco alheio—não porcerto para meditar sôbre ellas como outros Marios—oh que Marios!—mas para as revolver e basculhar como Alaricos...
Faziam-me a honra de me querer mal esses senhores: lisongeio-me de lh’o merecer: davam-se ao incómmodo de me intrigar; e era desperdicio de tempo e de arte, porque não ha mister intrigas para tirar favor de principes a quem, como eu, os apprecia muito e se honra muito d’elles, mas não é capaz de fazer o mais leve sacrificio para os conservar; jamais soube, em tantas opportunidades, convertê-los em nenhuma consequencia legítima; nunca, nem o mais indirectamente que é possivel, tractou de os consolidar em nenhuma realidade utilitaria e de proveito pessoal.
Peço perdão da digressão: não a fiz eu mas as coisas,—que pelos tempos em que vivemos[xiii] tam baralhado anda tudo, que até a historia litteraria e poetica se confunde com a dos successos e relações politicas.
D’esse tam pouco e tam occupado tempo permittiu comtudo o accaso que alguns instantes se podessem approveitar em beneficio do pobre Romanceiro, que alli ia tambem, o coitado, na expedição, incolhido e amarrotado na mochilla de um triste soldado raso, sem se lembrar de aspirar á inaudita honra de seu illustre predecessor, o Cancioneiro de Rezende, que serviu de Evangelho para jurar aquelle rei gentio.—Havia pouco por alli quem lhe importasse com Evangelhos e juramentos.
Foi o caso que umas criadas velhas de minha mãe e uma mulata brazileira de minha irman appareceram sabendo varios romances que eu não tinha, e muitas variadas licções de outros que eu sim tinha, porêm mais incompletos. Assim se additou copiosamente o meu Romanceiro.
Mas este achado fez mais do que inriquecer, salvou-o: porque, ao partir para San’Miguel,[xiv] o deixei em Angra com minha mãe que Deus tem em glória, que desejava distrahir, com essas curiosidades que ella intendia e avaliava com o tacto perfeito e a sensibilidade elegantissima de que era dotada, alguma hora das tantas em que ja lhe pesavam duramente as molestias do último quartel da vida... Molestias aggravadas de muita afflicção e cuidado—nenhum que seus filhos voluntariamente lhe dessem—todos a adorámos e honrámos sempre—mas que lhe davamos, comtudo, pelas circumstâncias fataes da epocha e das confusões politicas em que andavamos mettidos.
Os meus outros papeis, trabalhos de historia consideraveis, fructo de longas visitas ao Museu-Real de Londres e á riquissima livraria portugueza do meu amigo o Sr. Goodeen; uma tragedia que tinha sido julgada valer alguma coisa pelos que a viram—era o assumpto o Infante-Sancto em Fez;—um largo poema com pretenções, antes desejos, de ser Orlando, ja em trinta e tantos cantos—e promettia crescer!—cujo assumpto era o Magriço[xv] e os seus Doze;—o segundo volume do tractado Da Educação prompto a entrar no prélo:—quatro livros ou cantos de um romance ou poema—cabia-lhe uma e outra designação—a que dava thema a interessante e romanesca legenda da fundação da casa de Menezes—pedido de minha boa irman que decerto não tinha vaidade, porque sempre lhe sobrou o juizo, mas gôsto sim, de que seus filhos se honrassem com o nome illustre de seu pae:—uma quantidade immensa de estudos e trabalhos sôbre administração pública;—tudo isso veio commigo para S. Miguel e ahi o deixei ao imbarcar, porque era defeso ao pobre soldado levar as suas mallas, e o logar era pouco para as bagagens dos que só eram bagagem. D’ahi me vinha, com outros valores mais substanciaes, e se perdeu tudo em um navio que affundaram as ballas inimigas á entrada do Porto nos derradeiros dias d’esse mesmo anno de 1832.
Descancem em paz no amigo lodo do meu patrio rio! N’outros lodaçaes peiores teriam de cahir talvez se escapassem: o da indifferença[xvi] pública que porventura mereciam, o de muitos odiosinhos e invejasinhas tolas que não mereciam decerto, porque eram filhos de bom e innocente ânimo, como sempre têem sido os meus.
Assim fossem todos!
Desde 1834, que me voltou a Lisboa o milagrosamente escapado Romanceiro, ainda não passei verão que lhe não désse algumas das horas descuidadas que n’aquella quadra ou se hãode dar a éstas occupações mais leves ou a nenhumas. E n’estes oito annos tem-se locupletado consideravelmente com as contribuições de muitos amigos e benevolentes a alguns dos quaes nem posso ter o gôsto de agradecer aqui o favor recebido, porque incitados pela leitura da Adozinda, me remetteram anonymamente pelo correio o fructo de suas colheitas. A principal parte de um bello romance, um dos mais bellos que jamais vi em collecção alguma nacional ou extrangeira e que hoje inriquece o meu Romanceiro, assim me foi mandada, creio que do Minho. Outro fragmento que vinha nos respigos[xvii] ajunctados n’esta ceara pelo nosso insigne poeta o Sr. A. F. de Castilho, e que elle teve a bondade de me confiar, veiu dar-lhe o complemento que faltava e restituir á perfeição em que hoje está. É um romance de origem visivelmente franceza, se provençal ou normanda não me atrevo a decidir, em que se conta—um tanto diversa das chronicas antigas e do elegante poema de Millevoix, a historia do secretario Eginard e da muito bondosa filha de seu senhor e amo o poderoso imperador Carlos-Magno. Os nossos Scaldos vulgares lem hoje... não lem tal, mas repettem Gerinaldo, corrupção do que ao principio foi Eginaldo, adoçados em ll os rr francezes, como se fez em Giraldo, Reginaldo, antigamente em Bernal e Bernaldo, e em outros muitos nomes que de la vieram tam duros ou mais.
Mencionei este exemplo entre muitos por cahir em coisa notavel, e para se ajuizar dos outros.
Mr. Pichon, bem conhecido em Lisboa, que foi ultimamente consul francez no Porto[xviii] e agora creio que em Barcelona, tinha começado a formar em 1832-33 uma pequena colecção de xácaras portuguezas de que tambem me approveitei. Mas o incançavel collector a quem mais obrigações devi em Portugal foi o meu condiscipulo o Sr. Dr. Emygdio Costa, advogado n’esta côrte e ha pouco fallecido, que generosamente me confiou a sua larga collecção principalmente feita nas duas Beiras, n’aquelle verdadeiro coração e amago do Portugal primitivo que occupa a região d’entre Lamego e Serra d’Estrella.
O Sr. Rivara, bibliothecario em Evora, o meu velho amigo o Sr. M. Rodrigues d’Abreu, bibliothecario em Braga, o meu antigo e fiel companheiro o Dr. J. Eloy Nunes-Cardoso, de Montemor-o-Novo, com assentamento dobrado, como diria um bel esprit, um dos cultos de Seiscentos, na Casa Real d’Apollo, por doutor e trovador tambem,—todos estes cavalheiros me têem ajudado com indicações, livros, folhetos antigos e cópias laboriosamente escriptas sob o dictar dos rusticos depositarios das nossas tradições populares.
Os trabalhos e recopilações de D. Agustin Duran sôbre os cancioneiros e romanceiros castelhanos, obra publicada em Madrid em 1832, mas que só por aqui chegou cinco ou seis annos depois, veiu illustrar-me em muita dúvida e ajudar-me a classificar muita coisa difficil. A nova e augmentada edição do Sr. Ochoa, impressa em París em 1838, e que mais depressa nos trouxe a mais habitual conversação e commercio litterario que temos com a França, algum tanto me auxiliou tambem. A traducção elegante de Mr. Lockart que n’aquella tam linda e fastosa edição de Londres de 1841 deu á lingua e á nação ingleza a mais poetica e romantica idea que jamais será possivel dar a um povo extranho e em idioma extranho das immensas riquezas do Nibelungen peninsular, mais que nenhuma coisa me inspirou e animou no meu trabalho, porque é um documento, um monumento grandioso da extraordinaria importancia e valia que este genero de coisas está merecendo á Europa culta.
O Sr. Herculano, bibliothecario da Real[xx] bibliotheca da Ajuda, com cuja provada amisade me honro tanto quanto a nação deve gloriar-se de seus escriptos, tambem me tem ajudado não pouco com os preciosos achados que, no seu incessante lavrar das minas archeologicas, tem incontrado e repartido commigo. Por seu favor tornei a examinar, no Ms. original, o famoso cancioneiro ditto do Collegio dos Nobres, hoje na bibliotheca Real; e com éstas e com as collecções allemans e francezas, e creio que com quasi todas as dos povos do Norte, tenho collacionado as nossas rhapsodias populares, muitas das quaes, por este modo vim a conhecer visivelmente, que tinham a mesma commum origem. Os eruditos trabalhos de Mr. Raynouard sôbre a lingua romance ou provençal me allumiaram muita vez n’esta obscura e inredada tarefa.
A interessante e conscienciosa memoria do Dr. Bellermann impressa em Berlim em 1840, e o conhecimento de que a sociedade alleman para a reimpressão dos livros raros estava publicando em portuguez o nosso Cancioneiro de Rezende; o interêsse geral que hoje[xxi] se tem desenvolvido no mundo pela litteratura popular das nações modernas e especialmente das nossas peninsulares—interêsse que, porfim e emfim, hade vir a reflectir em nós tambem, e despertar-nos para abrir os olhos ás riquezas proprias, ainda que não seja senão pelas ver tam prezadas de extranhos—os conselhos e rogos do meu particular amigo e quasi compatriota nosso, o sr. João Adamson, tudo isto me fez alargar mais o plano da minha obra e collecção.
Resolvi, sob nova denominação de Romanceiro e Cancioneiro-Geral[1], reunir todos os documentos que eu podesse para a historia da nossa poesia popular, desde onde memorias ou conjecturas ha, até á epocha actual, acompanhando-os de explicações e glossas, que vão servindo de nexo, que sejam como a liaça, o nastro que áte estes pergaminhos.
Quem não tem olhado senão á superficie da nossa litteratura, quem cego do brilho classico das nossas tantas epopeas, seduzido pela[xxii] flauta magica dos nossos bucolicos, enthusiasmado pelo estro tam ricco e variado dos innumeraveis poetas que, nos quartetos e tercetos sicilianos da elegia, da epistola e do soneto, rivalizam, e tantas vezes luctam de vantagem, com o proprio Petrarcha: quem, sôbre tudo—porque n’esse genero é a musa portugueza superior á de todas as linguas vivas—adora em Sá-de-Miranda, Ferreira, Diniz, Garção e Filinto o genio redivivo de Horacio e de Pindaro—não crê, não suspeita, hade ficar maravilhado de ouvir dizer, como eu quero dizer e provar no presente trabalho, que ao pé, por baixo d’essa aristocracia de poetas, que nem a viam talvez, andava, cantava, e nem com o desprêzo morria, outra litteratura que era a verdadeira nacional, a popular, a vencida, a tyrannizada por esses invasores gregos e romanos, e que a todos os esforços d’elles para lhe oblitterarem e confundirem o character primitivo, resistia na servidão com aquella fôrça de inercia com que uma raça vencida, com que a população aborigine de um paiz resiste a igual impenho de seus conquistadores[xxiii] que lhe usurparam a dominação, e que, seculos e seculos depois, quando esses já não são, ou não cuidam ser, senão uma casta privilegiada e patriciana, reagem fortes aquell’outros com o que seus proprios senhores lhes insinaram, regenerados por seu longo martyrio, e extirpam muitas vezes, mas geralmente se contentam de avassallar, os seus antigos oppressores.
É a historia de todos os povos, e por consequencia de todas as litteraturas.
É a historia litteraria de Portugal no segundo quartel d’este seculo: é o que foi ésta reacção vulgarmente chamada romantica, mas que não fez mais do que trazer a renascença da poesia nacional e popular. Nenhuma coisa póde ser nacional se não é popular.
Aqui está o porquê, o como e o paraquê fiz a collecção de que este volume é a primeira parte, ou mais exactamente a introducção, e que apenas contêm o que eu, á mingua de melhor nome, designarei com o titulo de Romances da renascença: são os que resuscitei e como que traduzi das quasi apagadas e mutiladas[xxiv] inscripções que desinterrei da memoria dos povos.
Os textos originaes d’estes, restituidos quanto é possivel, os de muitos outros que appareceram menos imperfeitos na mesma excavação, muitissimos que se têem achado em livros e papeis desprezados hoje, e em collecções Mss., estão promptos, classificados, annotados, e sahirão em seguimento d’este volume, apenas o permittam as difficuldades, sempre recrescentes em Portugal, de se publicar qualquer coisa.
Eu tenho posto termo, ou pelo menos suspensão indefinida a toda a occupação litteraria propriamente ditta, para absolutamente me dedicar, em quanto posso e valho, á conclusão de um trabalho antigo, mas interrompido muitas vezes, que agora jurei acabar; são Vinte annos da historia de Portugal, periodo que começa em 1820 e chega aos dias de hoje, mas que não sei se ja anda mais inredado e confuso do que o dos mais antigos e obscuros seculos da monarchia.
Espero começar a publicá-lo no fim d’este[xxv] anno[2]; e nenhum tempo ou logar me sobrará portanto para mais nada. O Romanceiro porêm e Fr. Luiz de Sousa estão promptos a entrar no prelo e, quanto é por minha parte, não farão esperar o público.
Lisboa, 12 de Agosto de 1843.
Eis-ahi vai, meu amigo, o romance em que lhe fallei n’uma das minhas últimas cartas de Portugal. Estava quasi todo copiado; e aqui nem paciencia nem tempo me chegavam para as muitas correcções e alterações que elle precisava; por limar lhe vai, e por limar irá para a imprensa: tanto melhor para quem gostar de dizer mal, que não lhe faltará de quê.
Creio que é ésta a primeira tentativa que ha dous seculos se faz em Portuguez de escrever[4] poema ou romance, ou coisa assim de maior extenção, n’este genero de versos pequenos, octosyllabos, ou de redondilha como lhe chamavam d’antes os nossos. No meu resummo da historia da lingua e da poesia portugueza, que vem no primeiro volume do Parnaso-Lusitano impresso ultimamente em París,—a so coisa minha que ha n’aquella collecção, porque assim na escolha das peças, como na ordem e systema da obra me transtornaram e me inxovalharam tudo com notas pueris, ridiculas, e até malcreadas algumas,—n’esse resummo toquei de leve, e em tudo o mais, sôbre a belleza d’estes nossos versos octosyllabos, que nos são proprios a nós hespanhoes, tanto portuguezes como castelhanos, e, para certos assumptos e certos generos de poesia, mais adequados do que nenhuma outra especie de rhythmo. Boscan gaba-se de haver introduzido na Peninsula os metros toscanos: hoje está averiguado com certeza que não foi comeffeito elle o primeiro que nas duas linguas cultas das Hespanhas compoz dos taes versos hendecasyllabos; mas é certo e alêm[5] de toda a dúvida que do tempo de Boscan e de Garcilasso em Castella, e logo de Sá-de-Miranda e Ferreira em Portugal, começaram aquelles nossos metros primitivos a cahir em mais desuso, a não se impregarem senão em certo genero de poesia ligeira ou, segundo lhe os Francezes chamam, fugitiva. Francisco Rodrigues-Lobo e muito depois D. Francisco Manuel-de-Mello ainda n’elles fizeram romances historicos; Violante do Ceo muitas das suas lindas e agora tam mal appreciadas poesias; ainda se fizeram posteriormente eglogas, e o que os poetas da Phenix-renascida e os campanudos vates das mil e uma academias do seculo XVII e XVIII chamavam romances—que certamente não eram o que hoje strictamente se intende por este nome. Em tempos mui posteriores felicissimamente os reviveu o nosso grande e incomparavel Tolentino na satyra, e no tam faceto e delicadissimo seu proprio e privativo genero da poesia de sociedade.
A nossa poesia primitiva e eminentemente nacional, a que do principio e, para assim[6] dizer, do primeiro balbuciar da nossa lingua, nos foi commum com todos os outros povos que mais ou menos tiveram communhão com a lingua provençal, primeira culta da Europa depois da invasão septentrional, foi seguramente o romance historico e cavalheresco, ingenua e ruda expressão do enthusiasmo de um povo guerreiro. Logo vieram esses trovadores de Provença e nos insinaram modos mais cultos porêm menos originaes e menos cunhados do sêllo popular: era coisa mais de côrte. E como tal não pôde absorver, senão modificar, o que brotára spontaneamente do natural da terra. Mas as duas feições ficaram ambas, e deram assim á poesia portugueza um character talvez unico no mundo,—nas Hespanhas decerto.
Em geral a poesia da meia-edade, singela, romanesca, apaixonada, de uma especie lyrica-romantica que não tem typo nos poetas antigos, comquanto deixou seu cunho impresso no caracter das linguas e poesias modernas de todo o sul e occidente da Europa, não teve comtudo imitadores nem se cultivou e apperfeiçoou[7] nunca mais, quasi desde o completo triumpho dos classicos, senão agora recentemente depois que as balladas de Bürger, os romances poeticos de Sir W. Scott e alguns outros ensaios inglezes e allemães, mas principalmente os do famoso escocez, introduziram este gôsto e o fizeram da moda. Fatigados do grego e romano em architecturas e pinturas, começámos a olhar para as bellezas de Westminster e da Batalha; e o appetite imbotado da regular formosura dos Pantheons e Acropolis, começou, por variar, a inclinar-se para as menos classicas porêm não menos lindas nem menos elegantes fórmas da architectura e da sculptura gothica.
Succedeu exactamente o mesmo com a poesia: infastiados dos Olympos e Gnidos, saciados das Venus e Apollos de nossos paes e avós, lembrámo’-nos de ver com que maravilhoso infeitavam suas ficções e seus quadros poeticos nossos bis e tres-avós; achámos fadas e genios, incantos e duendes,—um stylo differente, outra face de coisas, outro modo de ver, de sentir, de pintar, mais livre, mais[8] excentrico, mais de phantasia, mais irregular, porêm em muitas coisas mais natural. O antiquado agradou por novo, o obsoleto entrou em moda: arte mais fina, gôsto mais delicado e de ingenhos mais cultos o soube impregar habilmente, ‘decalcar n’outra civilização.’ A poesia romantica, a poesia primitiva, a nossa propria, que não herdámos de Gregos nem Romanos nem imitámos de ninguem, mas que nós modernos creámos, a abandonada poesia nacional das nações vivas resuscitou bella e remoçada, com suas antigas galas porêm melhor talhadas, com suas feições primeiras porêm mais compostas. É a mesma selvatica, ingenua, caprichosa e aeria virgem das montanhas que se appraz nas solidões incultas, que vai pelos campos allumiados do pallido reflexo da lua, involta em veos de transparente alvura, folga no vago e na incerteza das côres indistinctas que nem occulta nem patenteia o astro da noite;—a mesma beldade mysteriosa que frequenta as ruinas do castello abandonado, da tôrre deserta, do claustro coberto de hera e musgo, e folga de cantar suas endeixas[9] desgarradas á bôcca de cavernas fadadas—por noite morta e horas aziagas. É a mesma sem dúvida: porêm o gôsto mais puro e fino de seus adoradores, sem alterar a lithurgia, modificou os ritos e os accommodou para espiritos e ouvidos costumados aos hymnos, menos variados porêm mais cadentes, da antiguidade classica. Não ficou menos natural nem menos nacional, porêm muito mais amavel e incantadora a nossa poesia primitiva assim resuscitada agora.
Muito antes do nomeado escocez ja tinha havido tentativas para nacionalizar a poesia moderna e a libertar do jugo da theogonia d’Hesiodo:—mas a propria e verdadeira restauração da poesia dos trovadores e menestreis, sem questão nem disputa, só W. Scott a fez popular e geral na Europa.—Com ella se restauraram tambem os metros simples e curtos que mais naturaes são ao stylo cantavel, essencial ás composições d’aquelle genero.
Depois de muitas tentativas, de exame longo e reflectido, eu por mim convenci-me de que o metro proprio e natural de nossa[10] lingua para este genero de poesia, e para todos os generos populares, não era o hendecasyllabo, o que dizemos vulgarmente heroico. Os portuguezes são uma nação poetica, a sua lingua naturalmente se presta e spontanea se offerece ás fórmas e cadencias metricas; os nossos mais rudos camponezes improvisam em seus serões e festas com uma facilidade que deve de espantar os extrangeiros: mas observe-se que o metro d’estes improvisos é sempre sem excepção alguma o de redondilha de oito syllabas, rara vez o da endexa; acaso farão os versos compostos visivelmente de dois metros, isto é, os alexandrinos ou dittos de arte-maior. A causa é óbvia; aquella é a medição mais natural que lhes offerece a musica da lingua.
Entre as canções antiquissimas conservadas nos dois cancioneiros, o do Collegio dos Nobres (impresso por Sir Charles Stuart em París) e o de Rezende, ha muita variedade de metros; mas outras poesias mais antigas, os romances populares ou xácaras, que por tradição immemorial se conservam entre o povo,[11] principalmente nas aldeias, todos são no metro octosyllabo ou em endexas. Logo direi aqui alguma coisa mais de vagar sôbre éstas curiosissimas, e tam desprezadas mas tam interessantes, reliquias da nossa archeologia.
O genero romantico não é coisa nova para nós. Não fallo em relação aos primeiros seculos da monarchia: restam-nos ainda specimens das canções que não serão talvez de Gonçalo Hermigues, de Egas Moniz, d’elrei D. Pedro Cru, mas são antiquissimos documentos de certo. As trovas dos Figueiredos, apezar do tam suspeito testimunho de Fr. Bernardo de Brito, creio, por convicção intima, que são das mais antigas composições poeticas da lingua que chegaram até nós. Não alludo porêm a epochas tam remotas e incultas. Depois de introduzido o gôsto classico por Sa-Miranda, e Ferreira principalmente, depois de esquecidas as graças singellas de Bernardim Ribeiro pelos mais ataviados primores de Camões e Bernardes, ainda então houve quem de vez em quando deixasse a lyra de Horacio e a frauta de Theocrito para tocar o alahude romantico[12] dos menestreis. O proprio auctor dos Lusiadas nas canções, que, depois d’aquella, são sua melhor composição, para meu gôsto, n’essas canções tam bellas e tam profundamente sentidas, tam repassadas de melancholia suavissima, em alguns episodios dos mesmos Lusiadas, foi todo romantico, e felicissimamente o foi. Francisco Rodrigues-Lobo, segundo ja observei, em muitas das pequenas peças que se incontram dispersas pelo Pastor-peregrino, pela Primavera, e nos seus romances moiriscos e historicos, é eminentemente romantico. Tal é Jeronymo Cortereal no Naufragio-de-Sepulveda, quando o deixam com a natureza e lhe permittem ter senso commum as loucuras mythologicas com que perdeu tam bem escolhido assumpto, tam bellas scenas.
Deixando outros muitos, dos quaes o menor exame facilmente mostrará o mesmo, citarei aquelle romancesinho de Gaia e do rei Ramiro, que V. descobriu em Londres com o precioso achado dos papeis e livros do nosso infeliz Oliveira.
Depois que, na extincção dos Jesuitas, e pelos esforços da benemerita Arcadia se restauraram as bellas-letras e a lingua, e o verdadeiro gôsto poetico affugentou os acrostichos e os labyrintos seiscentistas, o genero classico resuscitou mais puro e tam bello nas lyras do elegante e puro Garção, do altissonante Diniz, do sublime Filinto, do numeroso Bocage, do classico Ribeiro-dos-Sanctos, do ingenuo Maximiano Tôrres, do galantissimo Tolentino, do philosopho Caldas; mas o genero romantico injustamente involvido na proscripção do seiscentismo, esse desprezado e perseguido, ninguem curou d’elle, julgaram-n’o sem o intender, condemnaram-n’o sem o ouvir.
No meu poemasinho do Camões aventurei alguns toques, alguns longes de stylo e pensamentos, annunciei, para assim dizer, a possibilidade da restauração d’este genero, que tanto tem disputado na Europa litteraria com aquelloutro, e que hoje coroado dos louros de Scott, de Byron e de Lamartine vai de-par com elle, e, não direi vencedor, mas tambem não vencido.
D. Branca, essa mais decididamente entrou na lice, e com o alahude do trovador desafinou a lyra dos vates; outros dirão, não eu, se com feliz ou infeliz successo.
Não é portanto, em nenhum sentido, novo hoje para a litteratura portugueza o genero romantico, nem me appresento agora com este meu romancesinho ao público portuguez a pedir privilegio de invenção ou patente de introducção. Se reclamo aqui prioridade é somente em ter instaurado as antigas e primitivas fórmas metricas da lingua em uma especie de poesia que tambem foi a primitiva sua, e ao menos a mais antiga de que tradição nos chegou.
De pequeno me lembra que tinha um prazer extremo de ouvir uma criada nossa, emtôrno da qual nos reuniamos nós os pequenos todos da casa, nas longas noites de hinverno, recitar-nos meio cantadas, meio rezadas, éstas xácaras e romances populares de maravilhas e incantamentos, de lindas princezas, de galantes e esforçados cavalleiros. A monotonia do canto, a singelleza da phrase, um não-sei-quê[15] de sentimental e terno e mavioso, tudo me fazia tam profunda impressão e me inlevava os sentidos em tal estado de suavidade melancholica, que ainda hoje me lembram como presentes aquellas horas de gôso innocente, com uma saudade que me dá pena e prazer ao mesmo tempo[4].
Veio outra edade, outros pensamentos, occupações, estudos, livros, prazeres, desgostos, afflicções—tudo o que compõe a variada tea da vida,—e da minha tam trabalhosa e trabalhada vida!—tudo isso passou; e no meio de tudo isso, lá vinha de vez em quando uma hora de solidão e de repouso,—e as noites da minha infancia e os romances incultos e populares da minha terra a lembrarem-me, a lembrarem-me sempre.
Lendo depois os poemas de Walter Scott, ou, mais exactamente, suas novellas poeticas,[16] as ballads allemans de Bürger, as inglezas de Burns, comecei a pensar que aquellas rudes e antiquissimas rhapsodias nossas continham um fundo de excellente e lindissima poesia nacional, e que podiam e deviam ser aproveitadas.
Em París fui ver o cancioneiro do Collegio dos Nobres na defeituosa edição de Sir Charles Stuart; depois voltando a Portugal tornei a percorrer o de Rezende: no primeiro nada, no segundo pouco achei do romance historico ou narrativo. D’ésta última especie não ha impresso mais que esses duvidosos fragmentos conservados por Fr. Bernardo de Brito e por Miguel Leitão.
Recorri á tradição: estava então eu fóra de Portugal; stimulava-me a leitura dos muitos ensaios extrangeiros que n’esse genero íam apparecendo todos os dias em Inglaterra e França, mas principalmente em Allemanha. Uma estimavel e joven senhora de minha particular amizade—a quem por agradecida retribuição é dirigida a introducção do presente romance—foi quem se incumbiu de me procurar[17] em Portugal algumas cópias das xácaras e lendas populares.
Depois de muitos trabalhos e indagações, de conferir e estudar muita cópia barbara, que a grande custo se arrancou á ignorancia e acanhamento de amas-sêccas e lavadeiras e saloias velhas, hoje principaes depositarias d’esta archeologia nacional,—galantes cofres, em que para descobrir pouco que seja é necessario esgravatar como o pullus gallinaceus de Phedro,—alguma coisa se pôde obter, informe e mutilada pela rudeza das mãos e memorias por onde passou; mas emfim era alguma coisa, e forçoso foi contentar-me com o pouco que me davam e que tanto custou.
Assim consegui umas quinze rhapsodias ou, mais propriamente, fragmentos de romances e xácaras que em geral são visivelmente do mesmo stylo, mas de conhecida differença em antiguidade, todavia remotissima em todos. Comecei a arranjar e a vestir alguns com que ingracei mais; e para lhe dar amostra do modo por que o fiz, adeante copio um dos[18] mais curiosos[5], ainda que não dos menos estropiados, e com elle o restaurado ou recomposto por mim, o melhor que pude e soube sem alterar o fundo da historia e conservando, quanto era possivel, o tom e stylo de melancholia e sensibilidade que faz o principal e peculiar character d’estas peças.
A minha primeira idea foi fazer uma collecção dos romances assim reconstruidos e ornados com os infeites singelos porêm mais symetricos da moderna poesia romantica, e publicá-la com o titulo de Romanceiro-portuguez, ou outro que tal, para conservar um monumento de antiguidade litteraria tam interessante, e de que talvez só a lingua portugueza, entre as cultas da Europa, careça ainda; porque de quasi todas sei, e de todas creio, que se não pode dizer tal[6].
Mas sobreveio tanta interrupção, tanta distracção de tam variado genero, mortificações,[19] cuidados, trabalhos mais serios; emfim desisti da impreza.
Ja tinha decorrido muito tempo, e voltado eu a Portugal, lembrando-me sempre de vez em quando este impenho tam antigo e tam fixo; e a occasião a fugir-me. Uma circumstância fatal e terrivel me fez voltar ás minhas queridas antigualhas. Lançado n’uma prisão pela maior e mais patente injustiça que jamais se ouviu[7], voltei-me, para occupar minha solidão e distrahir as amarguras do espirito, aos meus romances populares, que sempre commigo têem andado, como uma preciosidade, que bem sei não avalia ninguem mais, de que muita gente rirá, mas que eu apprecio, e me ponho ás vezes a contemplar, e a estudar como um antiquario fanatico a quem se vão as horas e os dias deante d’um tronco de estatua, d’um[20] capitel de columna, d’um pedaço de vaso etrusco, d’um bronze ja carcomido e informe, desinterrado das ruinas de Pompeia ou de Herculano. Mas quantos Davids e Canovas não faz, quantos Raphaeis e Miguel-Angelos não fez o estudo d’esses fragmentos que despreza porque mais não intende o vulgo ignorante!
Assim passei muitas horas de minha longa e amofinada prisão, suavizando mágoas e distrahindo pensamentos.—Tinha eu começado a ageitar outro romance que originalmente se intitula A Silvana, cujo assumpto notavel e horroroso exigia summa delicadeza para se tornar capaz de ser lido sem repugnancia ou indecencia. Era nada menos que uma nova Myrrha, ou antes o inverso da tragica, interessante, mas abominosa historia da mythologia grega; é um pae namorado de sua propria filha!—A filha joven, bella, virtuosa, sancta emfim.—A difficuldade do assumpto irritou o desejo de luctar com ella e vencê-la se possivel fosse. Dava larga o tempo, pedia extenção a natureza dos obstaculos; o que fôra começado para uma xácara, para uma cantiga,[21] ou, como lhe chamam Allemães e Inglezes, para uma ballada, sahiu um poemeto de quatro cantos, pequenos sim, porêm muito maiores do que eu pensei que fossem, e do que geralmente são taes coisas. Mudei-lhe o titulo e chamei-lhe Adozinda, que soa melhor e é portuguez mais antigo. O fundo da historia, as circumstâncias do desfecho d’ella são conservadas do original; o ornato, o mechanismo do maravilhoso é outro mas accommodado, creio eu, ao genero e á indole do assumpto.
Mando-lhe aqui tambem uma cópia do romance original para ver e combinar. É dos mais mutilados e desfigurados, mas certamente dos que têem mais visiveis signaes de vetustade quasi immemorial[8].
Ora eis-aqui, meu amigo, a historia e origem da minha Adozinda, gerada no exilio, nascida entre sustos, criada na miseria e padecimentos de uma prisão. Entre tudo o que tenha rabiscado de prosas e versos este romancesinho[22] é a composição minha a que tenho mais amor pelas memorias que me lembra, pelas affecções que me desperta.—Que de coisas passaram por mim durante o tempo que o compuz, os intervallos tam longos em que o deixei!—até o nascimento e a morte de uma filha unica, tam querida e para sempre chorada!...
Adeus, meu amigo: não sei o que ahi vai escripto, nem como. São ideas sem nexo, pensamentos desatados, coisas á toa como o espirito de quem as escreve. Lea-as assim, e assim se imprimam se porventura estão em termos d’isso,—do que muito duvido, porque eu por mim, nem que me dessem os louros de Camões, ou me fizessem apotheoses como a Homero, me punha a corrigir, nem siquer a rever o que ahi vai escripto, quer prosa quer versos[9].
Londres, 14 d’Agosto de 1828.
Campolide, 11 d’Agosto 1827.
Este romance é tirado de uma das mais conhecidas e provavelmente mais antigas xácaras que o povo canta. Sua contextura simples mas forte, a scena tão dramatica com que abre, o fexo sublime com que termina dão-lhe todos os characteres de poesia primitiva e grande de um povo heroico, de uma gente que tomava as coisas da vida ao serio, como a nossa era. Estou que é originariamente portuguez: não apparece em nenhum dos romanceiros castelhanos, nem na vasta collecção de Ochoa.—O texto, como o conservou a tradição oral dos povos, da-lo-hei no logar competente, segundo lh’o talhei no prefacio d’este volume[12], e demandava o systema da minha[90] compilação: e ahi se vejam as conjecturas que tenho feito sôbre ésta preciosa reliquia da nossa poesia popular.
Mr. Southey, o famoso poeta e historiador inglez, tendo lido a Adozinda e o Bernal, quando os publiquei a primeira vez em Londres em 1828, escrevia ao meu amigo Mr. Adamson, o biographo de Camões: ‘que estes eram dois monumentos de mais remota antiguidade talvez do que nenhumas d’aquellas canções irlandezas que elle até alli tivera na conta de serem os vestigios mais antigos de toda a poesia popular das nações do oeste da Europa.’
Communicando-me ésta reflexão, tam lisongeira para um collector enthusiasta de antigualhas, mandou-me o Sr. Adamson a traducção ingleza que pela primeira vez agora sai impressa, e o leitor achará logo adeante do texto portuguez[13].
No verão de 1840, quando apromptei para a presente edição ésta parte do volume, dediquei o Bernal-Francez a uma joven senhora que juntava a outras admiraveis qualidades a de possuir, no mais eminente grau que ainda incontrei, o sentimento do bello, do grande, do verdadeiro nas artes. Este romancinho era o seu valído d’entre todas as minhas escreveduras poeticas: consagrei-lh’o... Hoje é um monumento! bem pobre e mesquinho para memoria de tanta saudade!
Todavia o seu desejo e impenho era que eu fizesse uma verdadeira epopea, e me deixasse d’estas coisas que nunca podiam passar de bonitinhas. A perda de D. Sebastião em Africa era o assumpto que me dava: dizia—e dizia bem—que devia ser o reverso da medalha dos Lusiadas, e que podia ser o mais popular e nacional de todos os poemas portuguezes depois d’aquelle. Ponho isto aqui para commentario dos versos que se seguem, e que alias não seriam intendidos.
15 de Outubro de 1842.
Bemfica, 12 de maio de 1840.
Este romance é e não é da minha simples composição. Estavam-me na saudosa memoria as vagas reminiscencias d’aquelles cantares tam graciosos com que, na minha infancia, ouvia o povo do Minho festejar a abençoada noite de San’João; estavam-me as fogueiras e as alcachofas de Lisboa a arder tambem na imaginação; e eu era muito longe de Portugal, e muito esperançado de me ver n’elle cedo: aqui está como e quando fiz ésta cantiga.
Foi em San’Miguel, as antenas dos nossos navios ja levantadas para sahir a expedição;—soltámo-las ao vento d’ahi a horas... Isto escrevia-se na quinta do meu velho amigo, o Sr. José Leite, cavalheiro dos mais distinctos, e velho o mais amavel que produziu o archipelago dos Açores.
Tambem alli estavam, para inspirar o poeta,[118] uns olhos pretos de quinze annos, que promettiam arder ainda tanta noite de San’João, fazer queimar tanta alcachofa por sua conta!... Ja os cubriu a terra.
Faz hoje dez annos que aquillo foi; e ainda não invelheci bastante para o esquecer.
O romance é tam feito dos ditos e cantares do povo, que nem uma idea nem talvez um verso inteiro tenha que seja bem e todo meu. Por este motivo, principalmente, lhe dei logar aqui.
Lisboa, 23 de Junho 1842.
Na collecção ja citada, a LUSITANIA ILLUSTRATA, part. II, pelo Sr. J. Adamson appareceu a traducção ingleza d’este romance, que vai transcripta no appendice ao LIVRO II do presente ROMANCEIRO.
Sabe-se tambem de uma versão em Italiano, e de outra em Allemão, que não chegámos a ver ainda.
Abril, 16—1853.
OS EDITORES.
O célebre êrro commettido pelos Settenta na traducção do v. 2 do cap. VI do GENESIS deu um poema inteiro a Thomaz Moore, ‘Os Amores dos Anjos—The Loves of the Angels’ E d’este partiu o pallido reflexo da ‘Chute d’un Ange’ que apenas animam as bellas pinturas de paizagem feitas do vivo e natural, e como de mão que as copiou nos proprios sitios: em tudo o mais o poema de Lamartine é inferior ao do Anacreonte d’Irlanda.
Hoje lêmos na Vulgata:—‘Videntes filii Dei filias hominum quod essent pulchrae, acceperunt sibi uxores ex omnibus quas elegerant.
O Padre Antonio Pereira verteu:—‘Vendo os filhos de Deus, que as filhas dos homens[126] eram fermosas, tomárão por suas mulheres as que d’entrellas lhes agradárão mais.’
O Padre João Ferreira d’Almeida assim:—‘Viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram fermosas, e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram.’
Mas os Settenta não tinham intendido assim o texto hebraico, e em vez de—filhos de Deus, traduziram—anjos de Deus (οἰ Αγγελοι του Θεου); êrro, que ajudado pelos commentos poeticos de Philon, e pelas ficções do apocrypho livro de Enoch, accendeu as imaginações meio pagans de Tertuliano, de Lactancio, e até de San’Clemente-Alexandrino. Seja ditto com o devido respeito a estes Padres da Egreja: nem Hesiodo nem Ovidio estenderam fábula alguma do polytheismo por maiores desvarios do que elles poetizaram acêrca d’esta ficção. Rejeitou-a todavia a maior parte dos Sanctos Padres. Deplorou-a como absurdo San’João Chrysostomo, stigmatizou-a de loucura San’Cyrillo. Segundo elles as palavras—filhos de Deus—querem dizer:—os descendentes de Seth por Enos, porque[127] foram os primeiros que invocaram o nome do Senhor. Assim por estoutras palavras—as filhas dos homens—devemos intender:—as filhas da corrupta raça de Cain. É opinião seguida sem disputa, na egreja catholica e em quasi todas as outras, desde Sancto Thomaz até hoje.
O TARGUM DE ONKELOS, que é a mais antiga das paraphrases chaldaicas, e a versão de Symacho traduziram—os filhos dos nobres ou grandes; a versão samaritana diz—os filhos dos juizes.
E parece que a palavra hebraica, Elohim, admitte todas éstas tam desvairadas interpretações.
Seja como for, d’aquelle desvio de texto e de imaginação nasceu muita poesia para os escriptores mysticos dos judeus e dos christãos primitivos e dos gnosticos e de todas essas seitas do Oriente, e porfim, em nossos dias, para os poemas de dois vates, ambos christianissimos hoje, ambos eminentemente catholicos—o francez talvez agora um tanto menos,—o inglez muito mais, principalmente[128] depois d’essa ultima sua obra philologo-orthodoxa.
Eu porêm não quiz fazer mais do que uma ‘lenda-romance’ como a comporia um menestrel da edade-media em cujas coplas os donairosos sonhos da mythologia, assim como os severos mysterios da crença, tomavam sempre os habitos sociaes do seu tempo. Jupiter era Dom Jupiter, rei de coroa na cabeça e barbas até á cinta, rodeado de condes e de pagens, servido por nobres donzellas de espartilho e toucas altas; San’Miguel e o proprio Lucifer dois cavalleiros de lança em punho e escudo imbraçado, justando em mui leal batalha n’essas nuvens, com Legiões e Potestades por mantenedores do campo;—o Olympo era um castello feudal, e o ceo uma roca-forte. Em summa, sem princezas e cavalleiros não havia poesia para elles, nem a podia haver, porque essa era a vida que elles conheciam, o bello e sublime da vida que concebiam.
Por isto o tom biblico d’esta lenda ou legenda necessariamente é modificado e predominado[129] do ar cavalheresco ou romantico, proprio de um cultor da Gaya-Sciencia. Veja-se no Cancioneiro de Rezende como, ainda no seculo XV, o nosso João Rodrigues de-Sa-e-Menezes traduzia—não tanto do latim para portuguez, quanto do romano para romance, a epistola de Laodamia. Veja-se como o proprio Sá-de-Miranda na egloga IV reconta as classicas aventuras de Cupido e Psychis,—verdadeira fonte tambem da muito romantica e trovada historia da carochinha, A Bella e a Fera, que toda a gente sabe—ou soube quando era pequeno.
O fio da minha legenda é muito singelo. Era uma vez a filha de um rei, môça, linda, e unica herdeira do throno. Fugia das diversões e grandezas da côrte para se intregar á meditação na soledade. Adoece mortalmente emquanto el-rei seu pae anda á guerra. Volta elle triumphante e vem-n’a achar na derradeira agonia. O seu mal não o intendem os physicos. Lembra-lhes se será alguma secreta paixão d’amor. Elrei está prompto a tomar para genro seja quem for, comtanto que lhe[130] viva a filha. Nem assim. Morre a pobre da princeza, e morre de mal d’amores. Mas como não havia de ser, se a sua fatal paixão é por um espirito—um gnomo, um sylpho, um anjo—quem sabe o quê!—talvez outro Bertrand que se apoderou d’esta Rosalia.—Ao menos, escapámos de segundo Roberto-do-diabo, porque a boa da infanta era de consciencia, e morreu antes d’isso.
E d’ahi, quem sabe? seria anjo bom o que ella amava. Segundo San’Basilio, de vera virginitate, não póde ser; segundo Tertuliano e San’Clemente-Alexandrino ja se viu que podia ser.
Campolide, 5 d’Outubro 1842.
Ésta lenda-romance foi escripta no seu album, Minha-Senhora, para cumprir uma promessa feita ha tanto tempo, e por cujo desimpenho tam retardado V. Ex.ª teve a bondade de nunca ralhar commigo. Dedico-lh’a agora que sai impressa; e é a primeira vez na vida que offereço versos ou prosas minhas a pessoa que podesse imaginar devê-lo á sua qualidade e grandeza. Será provavelmente a última,[132] emquanto não fizer mais proselytos e imitadores o espirito verdadeiramente nobre e as maneiras verdadeiramente fidalgas que me obrigam a quebrar n’esta occasião o meu proposito tam firme e tam necessario n’esta terra.
De V. Ex.ª
Criado e fiel captivo
ALMEIDA-GARRETT
Campolide, 20 de Outubro 1842.
Foi verdadeiramente reconstruida ésta xácara dos fragmentos soltos da composição popular antiga, como hoje se reconstruiria das pedras cahidas de uma tôrre velha,—não exactamente o mesmo edificio, porque o cimento, e algum inchume novo aqui ou alli, seria mister impregar—mas quasi a mesma coisa; na fórma e nos materiaes a mesmissima.
Vieram-me de Evora os fragmentos por intervenção do Sr. Rivara, o habil e zeloso bibliothecario d’aquella cidade: são parte em prosa, parte em verso, estado em que alguns d’estes fósseis se desinterram ás vezes. Verifiquei depois que pelas vizinhanças de Lisboa se incontravam na mesma fórma e quasi os mesmos.
Deixei-lhe com mais seguridade o titulo de xácara que trazem muitos outros de nossos romances populares, porque effectivamente creio que quadra mais aos d’esta especie de narrativa que é feita dramaticamente pelos dizeres de um e outro dos seus personagens, emquanto o poeta pouco ou nada diz epicamente elle mesmo.
Nós temos, se me não ingano, no genero narrativo popular as tres especies, romance, xácara, soláo: no romance predomina a fórma epica, conta e canta principalmente o poeta; na xácara prevalece a fórma dramatica, diz o poeta pouco, ás vezes nada—fallam os seus personagens muito: o soláo é mais plangente e mais lyrico, lamenta mais do que reconta o facto, tem menos dialogo e mais carpir: ás vezes, como no soláo da Ama em Bernardim-Ribeiro, não ha senão o lamento de uma só pessoa que vai alludindo a certos successos, mas que os não conta.
Apezar do que levo ditto no princípio d’estas linhas, como não posso negar que ha bastante do meu cimento no ligar e assentar das[143] pedras velhas, e ellas eram tam poucas e tam sôltas, escrupulisei de pôr ésta peça no II livro do ROMANCEIRO paraque me não accusassem de macaquear as imposturas de Macpherson ou de Fr. Bernardo de Brito.
A anecdota, que eu deixei religiosamente como a refere o povo, parece dever ter sido algum facto que realmente acontecesse:—como, quando e aonde? Não pude encontrar vestigio. É o que diz o pobre do conde, scismando:
mas cujo é, e a que pé serve, só se voltar do outro mundo o dito rei para no-lo dizer.
Lisboa, 27 de Março de 1843.
No appendice ao II livro do ROMANCEIRO achará o leitor a versão ingleza d’esta xácara, publicada pelo Sr. Adamson na sua LUSITANIA ILLUSTRADA, part. II.
Abril, 17—1853.
OS EDITORES.
É verdadeiramente sublime, tem toda a frescura viçosa das imagens da poesia primitiva, a com que termina este romance. Tudo o que ha de asqueroso n’uma sepultura desapparece do tumulo em que amor desfolhou os seus goivos: alli não ha corrupção nem vermes: uma bella árvore, um rosal florido reproduzem em ‘novas e mudadas fórmas’ os corpos de dois amantes. A vida não acabou, mudou só; e nem mudou tanto, que a vegetal seiva d’esses ramos não ferva ainda do mesmo ardor que ja animou aquelle sangue. Tendem umas para as outras as apaixonadas vergonteas; cortam-n’as e ellas recrescem, e vão-se abraçar como duas palmeiras namoradas.
Sente-se aqui o BELLO, sente-o qualquer porque é bello devéras. Assim se popularizou ésta imagem e fez a volta da Europa, que a[160] achâmos nos romances e soláos de quantos povos entraram na grande communhão romano-celtica, romano-theutonica, ou celto-theutonica:—talvez seja o modo mais exacto de dizer, este último.
O romance Prence Robert, publicado por Sir Walter Scott, da tradição oral das raias d’Escocia[20], remata com éstas coplas:
Cito éstas coplas escocezas por serem as que mais se parecem com as do nosso romance: ha muitos outros parallelismos, mais ou menos approximados, nos romanceiros e cancioneiros de quasi todas as linguas. Não é possivel descubrir hoje onde nasceu a idea original; no portuguez é onde ella está mais lindamente[161] expressada e com mais ‘sentimento.’ Na famosa historia de Dom Tristam, apontada a este proposito por Sir W. Scott, occorre a mesma imagem.
‘Ores veitil que de la tumbe de Tristam yssait une belle ronce verte et feuilleuse, qui aleoit par la chapelle, et dêscendoit le bout de la ronce sur la tumbe d’Isseult, et entroit dedans.’ Tres vezes cortaram a milagrosa planta, mas, continúa o bom do historiador, Rusticien de Puise, ‘le lendemain estoit aussi belle comme elle avoit cydevant été, et ce miracle estoit sur Tristam et sur Ysseult à tout jamais advenir.’
É um ponto luminoso para as indagações philologicas na historia das linguas modernas—ou da sua poesia, que é a mesma coisa. É para mais ainda; porque a historia do homem, por aqui a hade começar a estudar quem verdadeiramente a quizer saber.
Eu fiz este romance de tres fragmentos diversos, tam fragmentos que nenhum d’elles per si se intendia bem. O primeiro appareceu-me inserido no de Eginaldo, Reginaldo—ou[162] Girinaldo, como diz em muitas partes o povo. O segundo e terceiro involtos com o de Claralinda ou Clara-lindes, que os castelhanos chamam Clara-niña, e ao romance o do conde Claros.
No logar competente do cancioneiro darei esses romances que hoje tenho restituidos pela collação de outros fragmentos e de melhores cópias que depois me vieram[21].
Campolide, 8 de Setembro 1843.
Tambem na LUSITANIA ILLUSTRATA vem a traducção ingleza d’este romance que vai copiada no appendice á II parte do LIVRO II do nosso ROMANCEIRO.
Aqui damos agora o bello estudo e versão franceza de M. Edouard Fournier sôbre a Rosalinda, que se publicou em Paris em 1852.
Abril, 16-1853.
OS EDITORES.
Les rapports entre la littérature française et la littérature portugaise, au moyen-âge, furent plus grands et plus directs que l’éloignement des deux pays ne le donnerait à penser. M. Raynouard a été des premiers à le remarquer; il ne s’est même pas borné à une simple constatation du fait, il l’a appuyé de toutes sortes de preuves. Afin même de montrer complètement combien la langue portugaise se rapprochait de la langue romane, il a été jusqu’à traduire dans la langue des troubadours, une petite pièce du Camoëns[22]. Épreuve triomphante! car à quelques syllabes près, les deux pièces, l’original et la traduction, se sont trouvés les mêmes. Il n’y a pas plus complète identité contre les Noei en patois bourguignon et la très facile traduction française que tout le monde peut en faire. Qu’on en juge par la seconde des deux strophes:
| PORTUGAIS | LANGUE DES TROUBADOURS |
| Melhor deve ser | Melhor deu esser |
| N’este aventurar | En est aventurar |
| Ver e não guardar | Vezer e no guardar |
| Que guardar e ver. | Que guardar e vezer. |
| Ver e defender | Vezer e defender |
| Muito bom seria, | Molt bon seria, |
| Mas quem poderia? | Mas qui poiria? |
Dans tout cela, je le répète, il n’y a pas une syllabe qui ne soit sœur de celle qui la traduit.
Les mots qui servaient à designer les diverses sortes de pièces de poésie étaient les mêmes pour les poëtes portugais et pour les poëtes de la langue romane. Ceux-ci, par exemple, avaient le lai qui correspondait directement au leod allemand et au laoi des Irlandais; ceux-là, Portugais et Espagnols, avaient le loa. La même chose sous le même mot. Une autre espèce de poëme s’appelait dict chez les trouvères, et les Portugais le connaissaient aussi sous un nom presque pareil. Dans la Carta del marquès de Santillana, se lit cette phrase par laquelle se trouvent indiqués ces dicts en langue portugaise: ‘Cantigas serranas, e dicires Portugueses e Gallegos.’ Pour exprimer la rime dans toute sa primitivité native, mais mélodieuse, nous avions le mot assonnance qui est resté, et le verbe assonner qui n’a malheureusement pas eu le même sort. Les Espagnols et les Portugais avaient de même le verbe asonar qu’ils étendaient jusqu’au sens de l’expression ‘mettre en musique[23].’ Enfin, il n’est pas jusqu’au mot troubadour qui ne se retrouve à peine modifié dans la langue portugaise. Tantôt c’est trobar, tantôt c’est trobador. Le premier de ces mots se trouve dans ce vers des Fragmentos de hum Cancioneiro inedito[24]:
et le second, aux fol. 91 et 101 du même recueil.
Ces similitudes ne se retrouvent pas seulement dans les idiomes, mais encore dans le génie des deux nations. On voit par les œuvres qu’ont laissées leurs poëtes que toutes deux puisent aux mêmes sources et se renvoient mutuellement l’inspiration. Mais elle vient surtout des troubadours, il faut bien le dire; et quand nous avons appris que le roi de Portugal Diniz prit pour maître en l’art des vers le troubadour de Cahors, Aymeric d’Ebrard, qui lui apprit à faire même des vers provençaux, et qui reçut en récompense l’archevêché de Lisbonne où il fonda la fameuse université transportée en 1308 à Coïmbre; nous n’avons pas été surpris. À cette époque déjà, tous les bons maîtres venaient de France.
Pour preuve de la communauté d’inspiration des poëtes portugais et des troubadours, nous citerons deux exemples. Une chanson portugaise que nous lisons au fol. 78 du recueil rarissime cité tout-à-l’heure sera le premier. On la trouva ainsi traduite dans les Prolégomènes de l’Histoire de la Poésie scandinave, par M. Edelestand Du Méril[25].
‘Par Dieu! ô dame Léonor, notre Seigneur fut bien prodigue pour vous.
‘Vous me semblez si belle, ô dame, que jamais je n’en vis d’aussi belle et je vous dis une grande vérité, telle que je n’en sais pas de plus vraie. Par Dieu,[172] ô dame Léonor, notre Seigneur fut bien prodigue pour vous.
‘Et Dieu, qui vous tient en sa puissance, vous combla si généreusement de ses dons, qu’il n’est rien au monde qui puisse ajouter à votre mérite. Par Dieu, ô dame Léonor, notre Seigneur fut bien prodigue pour vous.
‘En vous créant, Madame, sa puissance montra tout ce qu’il était capable de réunir en une dame de mérite, de beauté et d’esprit. Par Dieu, ô dame Léonor, notre Seigneur fut bien prodigue pour vous.
‘Comme brille le bon rubis au milieu des perles, vous brillez entre toutes celles que j’ai jamais vues, et c’est pour moi qui suis épris de tant d’amour que Dieu vous a créée. Par Dieu, dame Léonor, notre Seigneur fut bien prodigue pour vous.’
Notre second exemple será ce chant charmant de la Rosalinda. M. de Almeida-Garrett, avec ce tact exquis et cet haut goût archéologique qui le placent à la tête des poëtes les mieux inspirés et en même temps les plus érudits du Portugal, a retrouvé dans les vieilles traditions du peuple lusitain, et reconstruit d’après trois différents fragments, les meilleures variantes de ce chant depuis si longtemps populaire. Le poëte se trouve à chaque vers de cette chanson telle qu’il l’a rétablie, et l’érudit à chaque ligne de l’introduction historique dont il l’a fait précéder. Jamais en n’a mieux prouvé que dans cette préface[173] savante, les rapports poétiques qui existèrent au moyen-âge entre les races du midi et celles du nort. Où M. Garrett trouve-t-il, en effet, le premier germe de la poétique image qui couronne la ballade portugaise? Dans les chants écossais, dans la romance du Prince Robert, telle que la tradition orale l’avait transmise a Walter-Scott pour son Minstrelsy of the scottish border etc.[26]; ou bien encore dans cette fameuse histoire de Tristam et de la belle Iseult, par Rusticien de Puise, dont il cite, d’après Walter-Scott, de trop courts fragments...
Ces détails miraculeux de l’histoire d’Iseult se retrouvent dans les dernières strophes de la Rosalinda[27]. On le verra, du reste, par la traduction complète que nous en avons tentée. Elle est en vers souvent inélégants et mal rimés, mais exacts, je crois, et serrant du plus près qu’il est possible la strophe portugaise, bien que dans un rhythme différent. Pour nous excuser des rimes insuffisantes et des mots vieillis, nous dirons que s’ils sont de mise quelque part, c’est dans un chant populaire, et nous alléguerons, à qui ne nous le pardonnerait pas, l’enthousiasme du morose Alceste pour cette vieille chanson du roi Henri, qui cependant est pleine de ces mêmes défauts. Ce qu’il dit pour les excuser devra nous justifier nous-même, et c’est l’un des vers que Molière lui prête que nous servira d’épigraphe.
É a terceira vez que se imprime o romance MIRAGAIA; só agora porêm vai restituido ao seu devido logar n’este primeiro livro do ROMANCEIRO. Publicou-se primeiramente no ‘Jornal das Bellas-artes[29],’ foi logo vertido em Inglez não sei por quem, e não me lembra em que publicação appareceu, nem o acho.
Traduziu-o em Francez um curioso[30]; e não me metto a appreciar a que elle modestamente chama ‘imitação’ do meu romance; dou-a em appendice.
Tambem sei que existe uma versão castelhana pelo Sr. Isidoro Gil, o mesmo que n’esse idioma traduzira o BERNAL-FRANCEZ. Creio que se publicou em um jornal de Madrid, mas não a vi nunca.
Eu, quando dei esta bagatella aos Srs. editores do ‘Jornal das Bellas-artes’ para encherem algum vão que lhes sobrasse n’aquella sua linda e elegante publicação, escrevi, a um canto do proprio rascunho original que não tive paciencia de copiar, as seguintes palavras:
‘Este romance é a verdadeira reconstrucção de um monumento antigo. Algumas coplas são textualmente conservadas da tradição popular, e se cantam no meio da historia ‘rezada’ ainda hoje repettida por velhas e barbeiros do logar. O conde D. Pedro e os chronistas velhos tambem fabulam cada um a seu modo sôbre a legenda. O auctor, ou, mais exactamente, o recopilador, seguiu muito pontualmente a narrativa oral do povo, e sôbre tudo quiz ser fiel ao stylo, modos e tom de contar e cantar d’elle; sem o quê, é sua íntima persuasão que se não póde restituir a perdida nacionalidade á nossa litteratura.’
O postscriptum, servindo de nota ao commento, sahiu impresso no referido jornal, e foi ampliado com algumas observações por[183] extremo lisongeiras dos Srs. editores, a quem muito desejei auxiliar como elles mereciam por sua gentil imprêza, que era a mais bella e das mais uteis que se teem commettido em Portugal.
Devo ao seu favor, não só o terem adornado a minha MIRAGAIA com as lindas gravuras em madeira que todos admiraram, mas o permittirem que se fizesse com ellas a pequena edição em separado com que quiz brindar alguns amigos, apaixonados, como eu, de nossas antigualhas populares.
Era uma folha avulsa do meu ROMANCEIRO, e n’elle vai reposta agora que se offerece tempo e logar conveniente.
Foi das primeiras coisas d’este genero em que trabalhei: e é a mais antiga reminiscencia de poesia popular que me ficou da infancia, porque eu abri os olhos á primeira luz da razão nos proprios sitios em que se passam as principaes scenas d’este romance. Dos cinco aos dez annos de edade vivi com meus paes n’uma pequena quinta, chamada ‘O Castello’ que tinhamos áquem Doiro, e que se diz tirar esse[184] nome das ruinas que alli jazem do castello mourisco.
Na ermida da quinta se venerava uma imagem antiquissima de Nossa-Senhora com a mesma invocação ‘do Castello,’ e com a sua legenda popular tambem, segundo o costume.
Com os olhos tapados eu iria ainda hoje achar todos esses sitios marcados pela tradição. Muita vez brinquei na fonte do rei Ramiro, cuja agua é deliciosa comeffeito; e tenho idea de me ter custado caro, outra vez, o imitar, com uma gaita da feira de San’Miguel, os toques da bozina de S. M. Leoneza, impoleirando-me, como elle, n’um resto de muralha velha do castello d’elrei Alboazar: o que meu pae desapprovou com tam significante energia, que ainda hoje me lembra tambem.
Assim ólho para ésta pobre MIRAGAIA como para um brinco meu de criança que me apparecesse agora; e quero-lhe—que mal ha n’isso?—quero-lhe como a tal. Não a julguem tambem por mais, que o não vale.
Lisboa, 24 de Janeiro 1847.
Lisbonne, 10 janvier 1847.
Dou aqui logar a ésta composição que, moderna, como é, e minha, toda é feita de coisas populares e antigas. A anecdota devêra ter sido celebrada pelos menestreis do tempo: não o foi, e eu procurei supprir o seu descuido. Não apparece pois em meu nome, senão no d’elles, embora de longe os rastreie.
Quando a primeira vez sahiu de minha carteira a presente ballada foi para se imprimir na ILLUSTRAÇÃO[31], jornal que se publicava em Lisboa em 1845-46. Reimprimirei com ella aqui tambem a carta que então escrevi ao redactor d’aquelle jornal, porque devéras contêm a historia de sua composição.
Eis aqui a carta:
’—Queria escrever-lhe um artigo, meu caro redactor, para a sua ILLUSTRAÇÃO, que realmente faz milagres no meio d’esta escacez de tudo, e d’estes impedimentos para tudo que characterizam a nossa boa terra. É promessa velha e que eu devia ter cumprido ha muito. Mas como, mas quando? E que hade um homem escrever que se leia—que se leia por damas bellas e elegantes cavalheiros—quando lhe anda intallado nos bicos da penna o fatal fio da politica, que a faz espirrar e esgravatear em tudo o mais?
‘Com as leis das eleições, e as questões da fazenda, e as organisações ministeriaes, e não sei que mais coisas taes, foi-se-me detodo a derradeira reminiscencia litteraria que ainda por cá havia. Tenho saudade d’ella, mas foi-se, ‘morreu pela patria!’
‘Não sei se morreu bem ou mal, se fez bem ou mal em morrer; mas é certo que morreu.
‘Eu porêm nunca prometti, que faltasse, a homem nenhum—nem a mulher, que mais é! O ponto está que me acceitem em pagamento[239] aquillo que eu posso dar. Que, ás vezes, o máu pagador não é máu senão pelas absurdas e excessivas exigencias do crédor. Axioma de eterna verdade, especialmente quando applicado a tudo o que passa entre os representantes de nosso pae Adão e as representantas de nossa mãe Eva...
‘Passemos adeante. Quer, senhor redactor, acceitar-me, em pagamento da lettra de minha promessa, este papel que achei embrulhado entre mil rabiscos de projectos de lei, tenções de autos, notas ao orçamento e outras coisas galantes do mesmo genero?
‘Se quer aqui o tem, e disponha d’elle.
‘Deixe-me só dizer-lhe o que é, e como foi feito.
‘Estava eu em Cintra, foi em... Que importa lá quando foi? Basta saber que não era n’essa estação fashionavel em que a elegancia de Lisboa se vai infastiar classicamente para o mais romantico sítio da terra. Era na primavera; passeavamos dois sós, ou quasi sós, n’aquelle Eden delicioso. Fomos ver o palacio; chegámos á sala das pêgas. Pêgas são[240] chocalheiras e linguarudas: eu detesto o bicho... e n’este tempo, estava-lhe com zanga de morte...
‘Abominavel bicho! Isto ja lá vai ha muito tempo, meu caro redactor, e ainda me faz ferver o sangue...
‘Passemos adeante!
‘Perguntaram-me a explicação d’aquellas pêgas da sala. Contei a historia popular que é tam sabida. Acharam-lhe graça, pediram-me que a posesse em verso: fiz isto.
‘E isto que é? Não sei. É romance ou é apologo? É fabula ou é cantiga? Nunca fui grande classificador d’essas coisas; que fará agora!
‘O que lhe sei dizer é que no seculo XVI a XVII, segundo consta do ‘Fidalgo aprendiz’ do nosso Francisco Manuel de Mello, se cantava em Portugal uma cantiga que começava assim como ésta:
‘Nunca pude encontrar o resto, nem procurei muito por elle; mas ingracei com este[241] princípio, e servi-me d’elle aqui. Acha mal feito? Eu não.
‘Se soubesse, meu caro senhor, todas as circumstancias d’esta composição! Se soubesse de certa pêga ou pêgas que me perseguiram com seu malditto palrear, e me queriam, ainda em cima, assacar, a mim gavião, ellas pêgas, as manhas que só ellas têem!
‘Mas ficou lograda a pêga e...
‘Adeus, meu amigo, outra vez, adeante! O gavião, e sobretudo o gavião branco—note—é animal nobre, de especie, genero e até de familia differente da pêga.
‘Passe muito bem. Aqui estão os versos; eu vou salvar a patria.’
‘Julho, 22—1846.’
[1] Alterou-se este plano; só se tracta por agora do Romanceiro.
[2] Dez annos são passados e a promessa nem commeçou a cumprir-se (1853). Suppomos o A. receioso de arrostar com a audaciosa responsabilidade de historiador contemporaneo.
[3] Serviu de prefacio á primeira ed. de Londres no anno de 1828.
[4] O Sr. Duque de Ribas, bem conhecido na Europa hoje, tomou para epigraphe do seu Moro-esposito este paragrapho da presente carta: não me desvanece por mim, mas dá-me gôsto que precedessemos os nossos vizinhos na restauração da poesia popular das Hespanhas. Ed. de 1843.
[5] É o do Bernal Francez, n’este vol.—Vid. tambem o vol. II, pag. 121.
[6] É o pensamento que agora se realiza.
[7] O auctor esteve por espaço de tres mezes preso sem mais pretexto que o de ter tido parte em uma publicação censurada e impressa com todas as licenças necessarias. Não foi preso o censor, nem prohibida a publicação, nem no fim de tres mezes se achou materia de culpa! Ed. de 1828.—O jornal era o Portuguez, cuja moderação em doutrina, e urbanidade em estylo ainda não foram imitadas. Ed. de 1843.
[8] Está a pag. 101 do II vol. do ROMANCEIRO, liv. II, part. I, rom. 8.
[9] Corrigiu-se comtudo agora ésta carta para a presente reimpressão, porque escripta muito á pressa em Londres logo ao chegar de Portugal, não tinha agora essa desculpa, que então podia valer. Ed. de 1843.
[10] Ruinas de fortificações antigas em Campolide. Vid. notas no fim.
[11] Aqueducto das aguas livres.—Vid. notas no fim.
[12] Vid. ROMANCEIRO, liv. II, part. I, no tom. II, pag. 135.
[13] Vid. loc cit. a nova traducção por M. Adamson, LUSITANIA ILLUSTRAT., part II. Newcastle 1846. Ésta segunda versão ingleza vem a pag. 142 do referido II vol. no ROMANCEIRO. E a pag. 151 ibid. a traducção castelhana do Sr. Isidoro Gil, já tam conhecida e appreciada entre nós.
[15] Vigia.
[16] Vid. nota no fim.
[17] Fe, fee, fei. Vid. nota no fim.
[18] Pé, pee, pei. Vid. nota no fim.
[19] Vid. nota no fim.
[20] Minstrelsy of the Scottish border etc. by Sir Walter Scott, mihi, ed. de Paris 1838—2 vol. pag. 125.
[21] Vej. no livro II, part. I, o romance XIII, Claralinda, pag. 219 do 2.º vol.; e na part. II, o romance XVIII, Conde Nillo, pag. 19 do 3.º vol.; ibid. o romance XX a Peregrina, pag. 35, etc.
[22] Poèsie des Troubadours, tom. VI, pag. 385.
[23] Ap. Sanchez, tom I, pag. LVIII.
[24] Le manuscrit du Cancioneiro date du XIII siècle et les pièces qu’il contient semblent plus anciennes. Il a été publié à Paris en 1823 par Sir Ch. Stuart of Rothsay et tiré seulement à 23 exemplaires, dont aucun n’a été mis dans le commerce. Vid. a nova ed. do Sr. Varnhagen, Madrid 1851.
[25] Pag. 339, note 1.
[27] Vid, ibid.; e tomo II do MINSTRELSY etc. de Sir. W. Scott.
[28] Note pour la traduction
[29] Jornal das Bellas-artes, Lisboa 1845, vol. I.
[30] Mr. Zanole que foi depois, em 1848-1849, addido á legação franceza na China.
[31] Illustração, vol. II, n.º 5, 1 de Agosto 1846.
O romance em que lhe fallei n’uma das minhas últimas cartas de Portugal
A Adozinda foi começada em Campolide, ao-pé de Lisboa, no verão de 1827, concluida na cadeia do Limoeiro no fim d’esse mesmo anno, e publicada em Londres no outomno de 1828, em 1 vol., 12.º sem nome do auctor, e com a seguinte breve advertencia precedendo a carta ao sr. Duarte Lessa que era o verdadeiro prefacio:
‘Advertencia.—O auctor d’este romance, animado pelo lisongeiro favor que outras publicações suas teem merecido ao público portuguez e a distinctos litteratos extrangeiros, imprehende ésta nova publicação, cujo assumpto é tirado da antiquissima tradição popular e se refere aos mais remotos tempos e costumes de nossas epochas heroicas e maravilhosas. Espera elle que não desagradará aos amantes de um genero[250] que fez a colossal reputação de Sir Walter Scott, e restituiu á antiga Escocia—na republica das lettras—o nome e independencia que ha tanto perdêra na ordem politica.
‘Aindaque em pouco habeis mãos, a lingua portugueza sahirá mais uma vez a próva singular de bisarria com as mais cultas e gabadas linguas da Europa: e será culpa do cavalleiro, não sua, se o premio da belleza e valentia lhe não for adjudicado por todo o juiz imparcial.’ (Nota da segunda edição.)
Resummo da historia da lingua e da poesia portuguesa, que vem no I vol. do PARNASO-LUSITANO
Foi o meu primeiro ensaio de critica litteraria, e muito ha que devo ao público reimprimi-lo emendando-o e additando-o, como tanto precisa. É trabalho que demanda porêm o vagar de outros cuidados e uma serenidade de espirito que não tenho tido. Heide fazê-lo e breve. (Nota da terceira edição.)
Boscan gaba-se de haver introduzido na Peninsula os metros toscanos
A expressão é inexacta: os Toscanos houveram os metros hendecasyllabos dos mesmos de quem nós[251] os houvemos, dos trovadores. Vej. o Cancioneiro do Collegio dos Nobres. (Nota da segunda edição.)
A lingua provençal, primeira culta da Europa
Generalizaram ésta opinião no mundo os eruditos trabalhos de Mr. Raynouard: eu duvido hoje muito d’ella, isto é, formulada d’este modo. Estou inclinado a crer que houve uma lingua romance, que teve por base o Romano-rustico fallado, e que geralmente predominou nos paizes de dominação wisigothica desde a extrema Aquitania até o que hoje é Algarve; e que ésta lingua quasi-latina é o commum tronco do Provençal que morreu á nascença, do Aragonez que não passou da infancia, do Portuguez e do Castelhano que chegaram a perfeita maturidade, e de outros mais obscuros dialectos cujo desenvolvimento as circumstancias politicas e topographicas annullaram. Nem julgo difficil demonstrá-lo; mas não é aqui o logar, nem caberia no curto espaço de uma nota. (Nota da segunda edição.)
Logo vieram esses trovadores de Provença...
A simples leitura dos nossos cancioneiros mostra que aquella não era a poesia popular: os seus requebros,[252] todos cortezãos e palacianos, desdizem da ruda singeleza e energica originalidade do trovar do povo. E comparados aquelles cantares de saraus com os fragmentos das xácaras e soláos que a tradição oral tem conservado, aindaque pervertidos e viciados como elles andam, ve-se que estes é que são a primitiva e legitima poesia nacional. (Nota da segunda edição.)
As balladas de Bürger, os romances de Sir W. Scott
Vej. na collecção intitulada Minstrelsy of the Scottish border (cancioneiro das fronteiras da Scocia) a historia da renascença do genero popular na Gran’Bretanha contada pelo mesmo W. Scott. (Nota da segunda edição.)
Cancioneiro do Collegio dos Nobres
Ha tempos que se designa com este nome o Cancioneiro do tempo d’elrei D. Diniz que se guarda na livraria do que hoje é Escola Polytechnica, e era então Collegio dos Nobres. Copiou-o quando esteve ministro em Lisboa Sir Charles (depois Lord) Stuart, e em Paris o imprimiu, 25 exemplares creio eu, quando alli foi embaixador.
Descubriram-se, ha poucos annos, na Bibliotheca de[253] Evora algumas folhas que faltavam no manuscripto de Lisboa, e com este additamento se reimprimiu em Madrid ultimamente pelo zeloso cuidado do Sr. Varnhagem, ministro do Brasil n’aquella côrte. (Nota da terceira edição.)
Canções que não serão talvez de Gonçalo Hermigues, etc.
Éstas e todas as reliquias duvidosas do nosso romance irão todavia no logar e livro competente da actual collecção. (Nota da terceira edição.)
Aquelle romancesinho de Gaia e do rei Ramiro
É um curioso e rarissimo exemplar, documento notavel da litteratura portugueza do seculo dezesette. Intitula-se Gaia, e é impresso no Porto em um folheto de 4.º, com 15 ou 20 paginas. Tenho hoje grande pena de não ter tirado cópia inteira d’elle antes de o restituir ao meu amigo o Sr. Lessa, em cujo espólio deverá estar: mas não pude obter mais noticias d’elle; e outro exemplar não o vi nem sei de quem o visse. Começa com éstas duas oitavas que agora incontro, incompletas, entre os meus apontamentos. Todo o poema é na mesma rhyma.
(Nota da segunda edição.)
Possuo hoje um exemplar completo que devo ao obsequioso cuidado do Sr. N. M. de Sousa Moura, distincto e letrado official do nosso exercito, que, talvez por isso, não occupa n’elle o logar que lhe pertence. (Terceira edição.)
Adeante copio um dos mais curiosos (o do Bernal-francez)
O romance d’este nome na primeira edição da ‘Adozinda’ em Londres ia inserto na presente carta: por melhor classificação vai agora separado. E o texto original, segundo o conservou a tradição dos povos, irá no logar competente do ‘Romanceiro’, mas muito[255] mais correcto e melhorado agora pela collação das diversas versões que tenho obtido. (Nota da segunda edição.)
Em Campolide e nas alturas que avizinham o célebre aqueducto das Aguas livres se incontram muitos restos de fortificações antigas e que parecem de diversas datas. O proprio nome de Campolide, abreviação de campo da-lide, ficou a este sitio da batalha que alli se deu nas guerras da acclamação de D. João I. Vej. Próvas genealogic., Duarte Nun. e quasi todos os nossos historiadores. (Nota da primeira edição.)
O aqueducto das Aguas-livres é o mais nobre e util monumento de Lisboa: edificou-o D. João V, que nem sempre impregou tam bem os immensos cabedaes dos thesouros do estado, que então regurgitavam com o ouro das minas do Brazil e de outras possessões portuguezas. D. João V todavia amou, ao menos protegeu, as artes e as lettras; foi culpa não sua mas do seculo, se de tam mau gôsto eram as lettras que[256] protegeu. O crepusculo de nossa rehabilitação litteraria luziu em seu reinado. A isto alludem os versos:
Assim como alludem tambem a seus bem sabidos amores e espirito galanteador. D. João V tinha a ambição de querer imitar Luiz XIV, seu contemporaneo—até nas fraquezas. (Nota da primeira edição.)
É a xácara ou lenda da ‘Silvaninha’, cujo texto original vai no logar competente do ‘Romanceiro.’ (Nota da segunda edição.)
A tradição popular attribue ésta nefanda aventura a um rei que se namorou da sua propria filha, como a antiga Myrrha se namorára de seu pae.—Provavelmente[257] ambas as duas anecdotas teem seu fundamento historico na chronica escandalosa das familias de alguns regulos ou senhores das diversas epochas. O observador curioso notará o differente character de duas historias tam similhantes, e colherá o essencial ponto em que o nosso maravilhoso moderno differe da antiga mythologia, não tanto nos nomes de deuses e deusas e outros agentes sôbrenaturaes, mas principalmente no tom, na moral, na sensibilidade, e n’um certo não sei quê de ternura e melancholia que nos mais rudes e imperfeitos ensaios da poesia nacional se acha sempre como principal e dominante côr do quadro. A differença não está em chamar ao sol Apollo, ao amor Cupido, á guerra Marte; sim na maneira de conceber, de pensar, de pintar, de moralisar as mesmas ideas, as mesmas coisas por differente modo. (Nota da primeira edição.)
Cantiga primeira
Na primeira edição chamavam-se cantos as quatro partes d’este romance. Era dar-lhe uma pretenção de epopea que o pobre não tinha. Demais, cantiga é o nome popular verdadeiro, e por isso lh’o mudei para elle. Os antigos menestreis inglezes chamavam fitts—como quem diria accesos—os francezes lays—como quem diz ramos—às diversas secções em que partiam os seus romances mais longos. A partição fazia-se[258] por causa do canto: e cantiga, ‘o que se póde cantar de uma vez’ parece portanto o mais proprio nome. O Cancioneiro do Collegio-dos-Nobres diz cantares. (Nota da segunda edição.)
O Gerez é serra altissima na provincia do Minho, de alpestres alcantis, coberta de plantas alpinas de curiosissima flora; as summidades conservam quasi todo o anno resplandecentes massas de gêlo. Ha nas faldas da serra as famosas aguas mineraes conhecidas pelo nome de caldas do Gerez. (Nota da primeira edição.)
É uma occurrencia muito commum nos romances populares, e de sincera belleza homerica, ésta de negar o senhor do castello a poisada ao peregrino, mas ceder depois ás intercessões da filha compadecida, donzella innocente e malfadada, que quasi sempre vem a ser victima de sua propria bondade.[259] Assim na lenda tam sabida e tam nacional de Sancta Iria:
(Nota da segunda edição.)
Moirama, na phrase do povo, quer dizer terra de moiros. N’outro genero de poesia é certo que não ficaria bem o vocabulo, mas n’este quadra. (Nota da primeira edição.)
Em minha imaginação puz a scena d’este romance em um dos sitios mais pittorescos da mais formosa provincia de Portugal, o Minho. Landim (haverá mais terras do mesmo nome; ésta é a que eu conheço) é uma povoação pequena em que houve, outro tempo, uma famosa casa e pingue possessão de Jesuitas: fica perto dos rios Ave e Vizella, que não longe d’ahi se juntam para correr unidos a desimbocar em Villa-do-Conde e perder-se no mar. (Nota da primeira edição.)
Éstas bôccas de cavernas, e outros recéssos—assim de bosques, montanhas e que taes, são em todos os paizes, pela imaginação do vulgo, povoados de entes mysteriosos e ás vezes malfazejos. Sombras de finados cantando seus hymnos terriveis, bruxas celebrando os torpes mysterios do seu sabbado, são cosmopolitas. A nossa mythologia popular tem mais outra especie de entes sobrenaturaes, que é privativa nossa.—São as moiras incantadas, que nem são bruxas, duendes nem fadas, mas lindas e amaveis creaturas que se divertem a incantar, a excitar os desejos dos pobres mortaes—e ás vezes, tam boas são! a satisfazê-los.
Não é d’este logar o exame, que sería bem curioso, da mythologia nacional portugueza. Basta dizer, como o A. de D. Branca, que devemos explorar ésta mina tam ricca, e tam pouco lavrada, de bellezas poeticas originaes e novas que, sem imprestimo nem favor alheio, podêmos haver do nosso e de casa. (Nota da primeira edição.)
O povo é geralmente fatalista; e o nosso portuguez o mais fatalista que eu conheço. Tinha de succeder,[261] ra coisa que o perseguia, e outras que taes razões, são a explicação de todo o phenomeno estranho que os surprehende.
Aqui a cegueira da ignorancia leva pelo mesmo caminho que os desvarios da sciencia. A coisa é a mesma ao cabo: vaidade e presumpção humana. (Nota da primeira edição.)
A maldicção do pae desacatado, ou do pobre maltrattado, passam entre o povo por ser as mais terriveis e inevitaveis. Atéqui a moral de accôrdo com a crença vulgar. Mas a maldicção, hereditaria em seus effeitos, é outra parte d’este dogma popular que em verdade repugna.—É certo porêm que se é acaso, o acaso tem servido muito bem os fautores d’aquella crença. (Nota da primeira edição.)
O leitor verá n’esta passagem, no conselho de Auzenda á filha, em muitos logares d’esta e da cantiga IV principalmente, quanto fiz por me conservar perto[262] do romance primitivo, assim no pensamento como até na phrase e stylo, tanto quanto o permittia a decencia, e outras vezes a correcção da phrase, e ja tambem a indole do meu romance. (Nota da primeira edição.)
Sette annos e um dia é o periodo mysterioso de quasi todos os nossos contos de fadas, incantamentos e coisas similhantes.
No mui galante romance do Caçador, que é um dos mais queridos do povo, se diz:
O numero sette é mysterioso em todos os povos, mas ésta expressão algebrico-negromantica de 7 + 1 creio que é só portugueza. (Nota da primeira edição.)
É de toda a peninsula. Vej. os romanceros castelhanos. (Nota da segunda edição.)
Veja o glossario de S.ta Rosa para ampla explicação do que eram infanções entre nós. Para intelligencia[263] d’esta passagem basta saber-se que era uma especie de vassallos mais distinctos. (Nota da primeira edição.)
Sôbre ricco-homem, veja o mesmo glossario. A dignidade de ricco-homem perfeitamente obsoleta em Portugal, ainda a mencionam os fidalgos castelhanos em seus titulos.
Ricco-homem, naturalmente, quer dizer magnata, da primeira aristocracia, procer, grande senhor. (Nota da primeira edição.)
Ésta especie de vindicta-pública, com que o povo stigmatisa a memoria dos malvados e grandes criminosos, é muito provavelmente a origem das almas-do-outro-mundo, dos revenants, vampiros, etc., etc.
Se se procurar bem a fonte primitiva de todas as fábulas, ver-se-ha que não ha credulidade mythologica que não tenha por base o instincto da moral e da justiça, commum a todos os povos. (Nota da primeira edição.)
Por estes versos começa o romance original, tradicionalmente conservado na memoria do povo, e sómente impresso a primeira vez em Londres na primeira edição da Adozinda em 1828. Ja n’outra parte se deram as razões por que irá agora esse texto no logar competente do Romanceiro, no segundo livro e segundo volume d’elle. (Nota da segunda edição.)
A versão ingleza, quasi sempre litteral, afasta-se aqui do texto sensivelmente, mas sem alterar as proprias ideas, sómente a fórma d’ellas. (Nota da segunda edição.)
É uma cantiga popular do Minho ainda hoje cantada por toda essa noite de San’João, que n’aquellas terras ninguem dorme, como é sabido. A superstição da alcachofa é toda do Sul, toda lisboeta, talvez coirman d’aquellas de dia de Maio que o catholico senado municipal votou e prometteu a Nossa Senhora da Escada de acabar para sempre. Mas San’João fez-se um santo de exemplar tolerancia desde que lhe tiraram a cabeça por elle não podêr ver, sem ralhar, as desinvoltas pernas da baiadera Herodias.
Não quero folgar com o que é serio: mas é notavel que a devoção quasi universal dos christãos tomasse para patrono e orago de seus mais livres folgares e festanças, e lhe consagrasse a mais risonha e lasciva estação do anno, ao austero percursor do Christo, o jejuador penitente do deserto, o severo censor da soltura cortezan, o protomartyr da moralidade evangelica.
Sería que a timida singelleza de nossos passados fôsse de proposito buscar aquelle austero e invisivel[266] inspector de seus ainda então innocentes brinquedos? (Nota da segunda edição.)
Nós temos, se me não ingano, no genero narrativo popular as tres especies, romance, xácara, soláo
Ésta classificação é em parte conjectural, ou para fallar com mais propriedade, sim ésta é a regra, mas com tantas excepções que chegam a fazer duvidar d’ella. Os que escreviam e compunham n’aquelles tempos primitivos curavam pouco de cingir-se a regras ou classificações. D’ahi veio uma certa anarchia, constituida e fundada no exemplo, ou na falta d’elle, que se prolongou por muitos seculos depois.
A respeito de soláos, por exemplo, temos para abonar a definição que d’elles se dá no logar annotado, a auctoridade immensa de Bernardim Ribeiro na Menina e Môça: ahi cap. 21.
Pondo-se a ama a pençar a menina sua criada como sohia, como pessoa agastada de algua noua dor, se quiz tornar ás cantigas, e começou ella entam contra a menina que estaua pençando, a cantar-lhe um cantar á maneira de soláo, que era o que nas coisas tristes se acostumava nestas partes: e dizia assi: etc.
Mas por outra parte, temos o não menos grave pêso de Sá-de-Miranda na egloga 4:
Da primeira citação parece concluir-se que o soláo é, como deixo ditto, um cantar todo lyrico, de tristeza e lamentos: na segunda considera-se como narrativo e usurpando propriamente a provincia do romance. (Nota da segunda edição.)
Vej. o que a este respeito se escreve no liv. II do ROMANCEIRO. (Nota da terceira edição.)
Nas provincias transtaganas e em muitas das ilhas adjacentes pronunciam-se as palavras fé, pé e similhantes—fei, pei, etc. Talvez seja devido á antiga orthographia que nas vogaes longas, a, e, dobrava as lettras em vez de as carregar com assento grave ou agudo. O povo, que sempre foge dos hyatos, preferiu mudar a última lettra, fazendo o som mais suave. (Nota da segunda edição.)
Vej. a nota antecedente. (Idem.)
O mez de maio foi sempre o valido dos poetas populares de todas as nações: um sem-número de cantigas dos trovadores provençaes, dos menestreis normandos e saxonios, dos minnesingers allemães começam com éstas alegrias do mez de maio. Citarei dos minnesingers de que aqui incontro apontamentos, por serem os menos conhecidos entre nós. Uma bella canção do tyrolez Steinmar começa:
Outra do margrave Othon de Brandeburgo:
Estoutra do duque de Breslan é uma especie de drama lyrico entre o poeta, Maio, as flores, o bosque e o prado:
Herzog Heinrich von Pressela, IV do nome, reinou de 1266 a 1299, e foi o objecto dos elogios de todos os poetas do seu tempo. A cantiga citada é uma das mais bellas e extraordinarias composições d’aquelles seculos. (Nota da segunda edição.)
FIM DO VOLUME PRIMEIRO
| Pag. | ||
| Introducção dos Editores na terceira edição | v | |
| do A. na segunda edição | vii | |
| Romanceiro, livro i | 1 | |
| I | Adozinda | 33 |
| II | Bernal-francez | 87 |
| III | Noite de San’João | 115 |
| IV | O Anjo e a Princeza | 123 |
| V | O chapim d’elrei | 139 |
| VI | Rosalinda | 157 |
| VII | Miragaia | 179 |
| VIII | As Pêgas de Cintra | 235 |
| Notas | 247 | |
End of the Project Gutenberg EBook of Romanceiro I, by V. de Almeida Garrett
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