The Project Gutenberg EBook of Ramo de Flores, by João de Deus This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Ramo de Flores acompanhado de varias criticas das Flores do Campo Author: João de Deus Commentator: Alexandre da Conceição Luciano Cordeiro Guiomar D. Torrezão António Cândido de Figueiredo Release Date: March 16, 2008 [EBook #24847] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK RAMO DE FLORES *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search)
João de Deus não é sómente um grande poeta, é um iniciador. A estrophe sahe-lhe do coração não só transparente e limpida, como um veio de crystal, mas espontanea, harmoniosa e originalissima, como todas as creações dos espiritos profundamente caracterisados e essencialmente creadores.
João de Deus é um grande scismador e um grande artista. Concebe admiravelmente, e executa melhor ainda. Cada lyrica é uma maravilha, cada estrophe um mimo, cada verso um primor. Reune á intelligencia apaixonada de Platão o delicadissimo senso artistico de Cellini. Ha n'aquella lyra notas e harmonias d'uma frescura e de uma novidade dignas de Homero ou de Wainamoinen. É que o talento poetico de João de Deus é essencialmente [64] espontaneo e primitivo, se me permittem a expressão.
Parece que não ha n'aquelles versos nem estudo de modelos, nem influencia de escólas, nem escolha de assumptos.
A natureza poetica de João de Deus é sobre tudo virginal, sincera, innocente. Canta, não para que o escutem, mas porque nasceu poeta; chora, não para que o consolem, mas porque nasceu triste; medita, não para que o considerem, mas porque nasceu scismador. É poeta... e não póde ser mais nada; fizeram-n'o deputado talvez para fazerem um epigramma á poesia, que tantos tem feito—epigrammas, entenda-se.—João de Deus deputado é o mesmo... que um deputado João de Deus, duas entidades a rirem-se constantemente uma da outra, como os dois oraculos de que falla Cicero.
Um João de Deus nasce feito... não se faz d'elle cousa nenhuma; ha de ser sempre João de Deus, quer o façam rei, quer regedor de parochia. Ego sum qui sum, dizia o espirito mais profundamente original da humanidade. João de Deus, e os homens de uma individualidade assim tão caracterisada podem, salvo a irreverencia, dizer o mesmo.
[65]A João de Deus deu-lhe para ser poeta; se lhe désse para ser diplomata era Bismark, e tinha a estas horas realisado a união iberica. Foi melhor assim, ao menos para se não acabar com a possibilidade de termos volumes como as Flores do Campo.
Dizem-me que João de Deus é um excellente tocador de viola, onde improvisa devaneios arrebatadores. Esta prenda caracterisa-lhe o talento artistico. É poeta como guitarrista e quasi improvisador como poeta. Aquella alma é uma lyra: vibra, estremece e canta ás aragens fugitivas da impressão. Natureza profundamente sympathica, tem um riso para cada alegria, uma lagrima para cada amargura, uma consolação para cada infortunio:
E não ha artificios n'esta poesia, que é singela como todos os grandes sentimentos, harmoniosa e virginal como um sorriso de creança, suave e consoladora como uma parabola de Christo, serena e luminosa como um dialogo de Platão:
É poesia que se sente e que poucos exprimem, são versos que se admiram e que rarissimos os escrevem.
As imagens adejam-lhe em torno frescas, vivas, alegres e graciosas, como um bando de andorinhas em torno dos frisos d'um campanario:
Não ha nada mais gracioso, mais natural, mais espontaneo, mais facil! A gente chega a pasmar de não encontrar todos aquelles dizeres elegantes, todos aquelles versos formosissimos nos outros poetas, tal é a fluencia e a vitalidade d'esta inspiração.
Na voz de João de Deus ha as inflexões carinhosas de uma creança; os versos parecem caricias; têm a suavidade affectuosa das orações de uma santa e aquelle tom amavel e triste, mas nunca pretencioso, dos verdadeiros scismadores:
Camões não a sentiu mais, nem a escreveu melhor esta poesia da tristeza, esta melancolia suave d'um scismador, esta saudade resignada de uma alma nas soledades do infortunio, nos desterros do isolamento. Ha alli poesia para vinte poemas, ha alli suavidade para vinte idyllios.
As rhimas parecem beijos, tão estreitas se enlaçam, tão ardentes se casam, tão apaixonadas se apertam:
É só a lyrica intitulada—Heresta—que me fornece estes quatro exemplos; podia fornecer-me trinta e dois, porque são trinta e duas as quadras d'essa formosa composição.
Ás vezes o verso deixa de ser uma phrase e transforma-se n'um suspiro, a estrophe deixa de ser um canto e converte-se n'um arrulho. Tudo alli é muito amar, profundamente sentir e divinamente cantar:
Quem escreve d'isto, sente-o. Um homem não arranca ao seu espirito d'estas perolas sem as lá ter em sentimento e em amor. E só o alto calor d'um grande, d'um immenso coração póde cristallisar taes diamantes; o fogo sómente do craneo não produz d'estes milagres d'inspiração:
Se isto não é inspiração, e alta inspiração, não sei que nome se ha de dar ás maravilhas do genio de Dante, de Shakspeare, de Camões ou de Victor Hugo.
Um espirito que se eleva a taes alturas tem obrigação de produzir um Hamlet, uma Divina Comedia ou uns Lusiadas.
Sente-se pela leitura d'este volume que Camões é o auctor predilecto de João de Deus. O livro abre até por uma composição que póde considerar-se uma verdadeira profissão de fé em poesia. A propria fórma poetica da maior parte das lyricas de João de Deus, um certo geito facil e correntio na composição grammatical dos periodos, a suavidade das rhimas, a doçura das expressões, a harmonia cadenciosa dos versos e um certo tom de intima melancolia que se faz sentir até nas idêas as mais graciosas revelam a decidida predilecção que o cantor da Heresta tem pelo desafortunado scismador de Macau.
É esta a feição seria, a feição elevada e talvez caracteristica do genio poetico de João de Deus. Como todas as grandes vocações, como todas as naturezas ricas, João de Deus porém não é menos apreciavel, nem menos digno de estudo pelo lado [72] alegre, malicioso e a espaços finamente epigrammatico. Ás vezes chega a ser um observador digno de competir com Molière ou Tolentino. Os Caturras é composição de emparelhar com a Funcção ou com o Bilhar do diabolico professor de rhetorica; e o Gaspar póde pedir meças em ridiculo a qualquer dos frades grotescos da numerosa collecção de Bocage. E o epigramma aqui é tanto mais pungente quanto menos grosseiro, e a caricatura tanto mais graciosa quanto menos exagerada.
Ha alli o sal attico de Terencio e não a especiaria acinante de Plauto, a não ser talvez nos versos intitulados—Uma femea,—brazileiros no titulo e no sabor, d'um piquesinho de gosto bastante equivoco.
E já que entramos no capitulo das maculas, convém dizer-se que João de Deus é por vezes revolucionario de mais em assumptos de metrificação. Eu não gosto de absolutistas nem mesmo em poesia, mas tambem não morro de amores pelos tão republicanos que nos levem á demagogia. É preciso que sejamos um pouco constitucionaes em tudo. Ora a constituição poetica tem artigos que se não podem infringir sem se incorrer no crime de leso bom gosto, porque o bom gosto foi e ha [73] de ser sempre o eterno legislador d'estes codigos. Um verso frouxo ou manco e uma rhima equivoca ou violenta hão de ser perpetuamente defeitos.
Quem disser o contrario ou é tolo ou tem ouvidos de cortiça. João de Deus cahe por vezes nestes dous peccadilhos, deixando alguns versos arrastados, e outros duros; estes porém muito menos frequentes do que os primeiros. Mais frequentes são as rhimas violentas, algumas realmente d'um mau gosto insustentavel, taes como: justiça rhimando com pinça, como a paginas 152; rio e viu, como a paginas 159, e ainda algumas outras.
É da tarifa dizer-se em occasiôes similhantes, como são da tarifa todas as vulgaridades, que não ha livro sem defeitos. Eu creio piamente na sentença, e até creio que um livro sem defeitos, se existisse, devia ser o mais defeituoso de todos os livros, o mais sorna e o mais semsaborão. Eu porém quando abro um livro não é para lhe andar a catar os defeitos pagina por pagina, como quem anda ao pulgão pelos vinhedos. O que busco n'um livro são ensinamentos, calor de vida, fogo de coração e luz de intelligencia; esplendores de espirito e esplendores de palavra; genio, alma e sentimento.
[74]Ora um livro de versos onde ha composição como a Rachel, O Musgo, Ultimo adeus, o Remoinho, a Carta, e trinta outras lyricas de tal novidade e tal merecimento, tem obrigação de ter defeitos, por que sem elles... seria um livro impossivel, uma verdadeira monstruosidade. Diga-se aqui pois, e para se pôr ponto ao aranzel, que o livro de João de Deus tem maculas, mas que estas, como as do sol, desapparecem no meio dos esplendores d'aquella immensa luz de vida, de genio e de inspiração. Flores do Campo é finalmente um livro de versos, como ha poucos n'este paiz, desde que por cá se escrevem versos.1
Guarda, 4 de fevereiro de 1869.
Alexandre da Conceição.
1Jornal do Porto (1869) n.º 33.
Flores do campo, por João de Deus, publicadas pelo seu amigo José Antonio Garcia Blanco—Lisboa, typ. Franco-portugueza, 1868—Em casa de Ferin & Robin—1 vol. in-16.º—271.
João de Deus é um personagem semi-lendario na tradicção academica, e apesar de homem do nosso tempo, e tão do nosso que até com um diploma de deputado se nos apresentou ha pouco, anda-lhe o nome rodeado de quasi os mesmos fulgores e as mesmas sombras em que uma historia superficial ou mentirosa envolveu os velhos trovadores da Provença.
Permittam-me uma digressão.
[76]Ha n'esta sociedade portugueza—já agora, ao que parece—condemnada a refocilhar em monturo de sanefas lantejouladas e rotas que lhe deixou o passado, e a dar ao mundo o triste espectaculo d'uma nacionalidade sem idêa que a represente na historia philosophica de amanhã, sem ideal que lhe seja pharol e bussola na tormentosa navegação das sociedades d'hoje; ha, digo, n'esta nossa sociedade amortecida: extraordinarias visões, mysteriosos anceios, esforços convulsivos como que filhos de ignotos impulsos, que bem poderiam passar por agonias e paroxismos annunciadores da proxima dissolução, se um diagnostico escrupuloso não encontrasse antes n'aquillo promessas de reacção proxima, de rejuvenescimento que não vem longe, de evolução fatal, que, em Portugal como em toda a parte, denuncia por aquellas aberrações e anormalidades a sua sublime prenhez d'uma nova idêa, d'uma era nova.
Erguem-se no meio da grasnada petulante ou esteril da litteratura, vozes persistentes... doces ou enthusiasticas, sympathicas ou ameaçadoras... frescas, novas, originaes—raræ voces!—que parece irem na turba desmoralisada pôr em vibração alguma cellulasinha não contaminada do mal.
[77]E a turba põe-se a escutar, a applaudir, a aspirar soffregamente os frescores e doçuras, que tão enormemente se distanceiam dos miasmas do ambiente habitual, do sabor da habitual pitança.
Alteiam-se, no meio da calaçaria geral, do geral e natural desanimo, vontades energicas que a pedraria da mestrança ignorante, intolerante e madraça não consegue desviar um momento da faina do estudo e da evangelisação scientifica.
E a turba vae attentando n'ellas, vae sympathisando com aquelles revolucionarios heroicos do marasmo, vae comparando-os com os idolos anões que, sem ella saber como nem porque se grudaram aos altares da sua admiração, vae fitando os novos horizontes para onde lhe apontam os novos chefes, vae-os seguindo já ao impulso d'uma necessidade indefinivel mas fatal. Ha n'isto, já se vê, alguma cousa d'allucinação infantil. Crê-se que os novos Moysés levam comsigo, completas, as verdadeiras taboas da lei, e rasgarão com a magica varinha as brumas que envolvem a terra da promissão.
Engano. Não lhes dão as forças para mais que para um terço do caminho, se tanto. Mas isso mesmo é muito, é o que basta. Hão de apparecer [78] novos guias. A questão é saír da esterilidade do deserto.
Citemos porém dois factos, tiremos dois exemplos, apenas, de tantos que podiamos apresentar da revolução litteraria que se realisa surdamente no seio da nossa pequena sociedade.
Sejam elles, por hoje, dois poetas: Theophilo Braga e João de Deus; dois verdadeiros revolucionarios como outros de que para o diante terei de fallar. Um, apesar do mal que dizem d'elle, e do mal, que é maior talvez, que elle a si proprio faz, é inegavelmente um dos nossos poucos talentos originaes na concepção e na manifestação litteraria, na idêa e na fórma, e se não é marco que no futuro atteste um grande e brilhante progresso na litteratura patria, é como que atrio imperfeito e tosco, mas espaçoso e altaneiro que póde servir d'entrada a pantheon de explendidos engenhos.
E grande engenho é Theophilo, de certo.
Por entre uma saraivada d'apodos e improperios de mau gosto ou má fé, conquistou elle um logar elevado, na poesia portugueza d'hoje, cujos magnates na maxima parte, persistem, com risivel teimosia, em trazer-lhe engastada na corôa á laia de fina joia, o carvão da ignorancia, ou em mascararem-na [79] com um falso e retrogrado classissismo.
Theophilo porém avançou menos do que devia.
O idealismo desvairou-o, o romancismo perdeu-o.
Um dia a voz sympathica, insinuante, ora melancholica e dolorida, ora—bem poucas vezes!—alegre e enthusiastica de João de Deus começou de fluctuar por sobre o borburinho cançado e monotono das nossas letras. Não se sabe como nem quando foi. Perdeu-se a chronologia biographica nos encantos do quasi—extasis. Sabe-se sómente que a reputação do poeta não nos entrou na terra, dentro do cavallo de pau d'algum chefe grego, mestrão consummado n'estas maquinações. Sabe-se tambem que João de Deus não andou por salas e officinas, annunciando a fazenda que tempos depois, atirada ao mercado, podia realisar o caso da mons parturiens.
João de Deus apparecia-nos uma ou outra vez n'um periodico de Coimbra; ora nos segredava uma estrophe singela e melodiosa pelo postigo de uma typographia alemtejana; ora surgia em um periodico da capital a contar-nos umas duvidas que o magoavam, umas saudades indefiniveis que o pungiam, uns vagos amores que lhe andavam rumorejando lá dentro em vagas harmonias.
[80]E ninguem sabia quem era João de Deus. E ninguem procurava saber quem fosse. Ou antes, julgavam todos sabel-o. Conheciam-no todos. Era um cerebro em ebullição, um coração em ataxia permanente, um estomago que valia por uma adega.
João de Deus era um doudo que forrava as paredes do albergue com as folhas das sebentas, que dormia dentro da enxerga, porque achava mais commodo isto do que dormir-lhe em cima, que se matriculava todos os annos na faculdade em que o secretario-universitario se lembrava de matriculal-o, que fôra de Coimbra a casa, d'algibeira vasia e lapis constantemente occupado em fazer magnificos versos ou magnificos desenhos, que se fizera um dia sachristão, e pozera n'outro, todo um bairro em sobresalto, subindo aos telhados para apostrophar a lua, etc., etc.
E as anecdotas galantes succediam-se, e a cada nova poesia annexava-se uma historieta, e quando as poesias escaceavam, attribuiam-se ao poeta novas doudices, novas excentricidades, como a certo honrado e já defuncto general se attribuiam quantos dispauterios o soalheiro burguez produzia. Se eu fosse biographo de João de Deus havia talvez de lavrar aqui um protesto esmagador.
[81]Como não sou, limito-me a dizer o que penso do illustre algarviense. Mais ou menos todos somos poetas. N'este mais e n'este menos está, creio eu, o segredo da organisação sensorial, se póde dizer-se assim, organisação modificada é certo, mas não completamente transformada pelo meio e pelo habito.
Tal sensação que n'uns individuos poria o cerebro n'um estado de effervescencia que lhe exagerasse a realidade, a ponto muitas vezes de a substituir por uma concepção puramente subjectiva, em taes outros póde dar apenas o facto funccional em condições normaes e ordinarias, e, concentrando-se, converter-se em reflexão. Precisava isto longo desenvolvimento. Ora como o primeiro modo de ser sensorial póde dar-se em todos, mas com mais ou menos intensidade, com maior ou menor frequencia, digo eu (e dizem bons escriptores) que todos são mais ou menos poetas. Isto quanto ao facto intellectivo. Quanto á expressão, o mesmo se póde dizer sem receio de contestação seria.
Pois na concepção como na palavra eu tenho João de Deus por verdadeiro poeta.
Dizia Merck, homem de profundo bom senso, a Goëthe, seu amigo:
[82]«A tendencia irresistivel do teu genio é a de imprimir a fórma poetica ás cousas reaes. Outros procuram uma soi-disant poesia tranformando em realidades, puras imaginações, o que só produz disparates.»2
Sem concordar incondicionalmente com a primeira phrase do sensato allemão, sem querer acceitar a segunda como lei comprovada de critica litteraria, parece-me que de João de Deus se poderá dizer que reune as duas tendencias, as duas feições designadas, a idealisação (phrase consagrada e porventura inexacta) do real, e a personificação, melhor talvez, a realisação plastica do imaginario.
Como que as sensações sensoriaes3 n'aquelle cerebro delicado, ou atravez d'aquelle organismo exageradamente impressionavel se destacam algumas vezes do estimulo, ou alteram a natureza [83] da propria objectividade e criam um mundo novo, um mundo mystico, permittam-me a expressão, a que o poeta dá uma realidade objectiva moldando-o pelas manifestações plasticas do mundo em que vive. Acontece porém, poucas vezes, nem podia deixar de ser assim, quando a indole da época e a illustração do poeta se estão oppondo á formação e sustentação d'estas concepções puramente subjectivas. Adivinha-se aqui ou alli a lucta tremenda que vae no cerebro de João de Deus, lucta que é a feição caracteristica do seculo, e que o manto esfarrapado do eclectismo immoral não consegue abafar, lucta entre o velho crêr e a duvida, a duvida, que como a hydra da mythologia surge após cada decepamento, e que não é possivel destruir como aquella decepando-lhe o tronco. Ouvide um exemplo:
Que profunda crença, que certeza mystica, se póde dizer-se assim, não rescende a suave morbidezza d'estes versos! Ha alli alguma cousa do cantor da Bice. Vêde porém a tempestade que se annuncia; a duvida atravessou como um relampago o cerebro do poeta. Ouvide:
Refaz-se a crença, resurge a esperança consoladora:
Pobre sonhador! Aquelle segundo verso é um protesto ironico contra o teu ideal mystico, é o [85] grão d'areia que ha de intorpecer e desmandar todo o machinismo psycologico da tua crença!
Continúa:
e accrescenta:
Fulge de novo o relampago, baqueia o edificio da crença, vêde que tormento:
Pobre Hamlet!
... the rest is silence
Pobre Faust! O insufficiente (das Unzuloengliche) atormenta-te, porque te fascina o inenarravel [86] (das Unberchreiblichee). Que tempo precioso perde comtigo o sensato Mephistopheles!
Preferes á gargalhada que te chama á realidade da vida, o chorus mysticus que te amargura a existencia com a mentira da miragem!
João de Deus é rigorosamente um artista insaciavel: «Satiari artis cupiditate non quit,» como diria Plinio.
Adivinha-se em cada estrophe d'elle um ancear indefinivel, um vago aspirar, se póde dizer-se assim, uma como que miragem que atráe o poeta, que o alenta umas vezes e o desespera não poucas, que parece enviar-lhe dos visos do horisonte uns suaves frescores envoltos em deliciosos perfumes, e que como a miragem do deserto, lhe foge sempre aos labios sequiosos.
E o pobre viandante vae caminhando e cantando sempre. É um descantar dolorido geralmente, como que descantar de saudade do que sonhou e não acha, e não gosa, e não encontra no caminho, como que de saudade do que lhe foge sempre, deixem-me usar a dôce palavra que bem sei eu que não fica ella bem lexicographicamente applicada.
[87]E assim com a imaginação embalada por um vago ideal vae João de Deus poetisando como Goëthe na opinião do seu, já citado amigo, tudo o que no caminho encontra. Poucas vezes se lhe altera a harmonia cerebral ao impulso d'uma vibração mais violenta. Os successivos amores—fundem quasi n'uma abstracção, parecem subtilisar-se até no feminino eterno do cantor do Fausto. Hoje Margarida, amanhã Helena, depois... Depois quem sabe?
Hoje Marina. É uma recordação.
Custa a resistir á tentação de transplantar para aqui completas, estas magnificas singelesas. Não ha n'aquillo alguma coisa do que é espontaneo e bello na Vita Nuova?
Mas, como dissemos, o poeta approxima-se tambem do Faust na volubilidade artistica.
Depois é Margarida:
Depois... Ha nomes que não se proferem, que não se denunciam. São como certo nome do Deus judaico.
O poeta diz simplesmente: No leito nupcial. Um nome depois d'isto fôra mais que uma profanação, fôra uma infamia. Julgaes porém que ides ouvir uma recriminação amarga ou uma indiscripção villã?
Depois é Beatriz:
E assim vae cantando sempre, de nome em nome, e de mysterio em mysterio e d'amor em amor, de duvida em duvida, de saudade em saudade, [92] d'anceio em anceio. Não ha Beatriz que o retenha e lhe oiça o Ecce Deos fortior me veniens dominabitur mihi.
Um dia encontra uma mulher formosa, joven, alegre. Ama. Será amado?
E o sonho foi-se e a visão desappareceu. Como se chamava aquella mulher? Vão lá saber como se chama a estrella cadente que rasga a amplidão do espaço e desapparece n'ella?
E foi uma estrella cadente, aquella. Perdoem a indiscripção.
Outro dia é o poeta que se afasta, que foge, [93] porque receia macular com o seu halito o puro fulgor da estrella.
Vou findar com as transcripções, que bastam as que ficam feitas para comprovar o que ácerca d'estas mimosas poesias e d'este original poeta tenho dito e hei de para o diante dizer. Não posso porém resistir á tentação de citar ainda uns trechos d'uma das mais bellas e caracteristicas composições de João de Deus. Podesse eu transcrevel-a toda!
Não tem nome. Chamam-lhe alguns «A vida». Innumeras vezes tem ella feito cessar as alegrias [94] das salas e interrompido brilhantes festas como o austero bispo de certa poesia de Thomaz Ribeiro, para mendigar ao sentimento das damas um condoimento de triste sympathia pelas intimas amarguras do poeta. Tem por epigraphe aquellas formosas palavras do Tasso:
e começa:
Estas linhas fazem recordar Camões. Ha n'este tristuras que se manifestam por versos parecidos, mas eu prefiro estes ao tão conhecido soneto da [95] «Alma minha gentil,» etc. Parece denunciar-se n'esta singelesa morbida, se póde dizer-se assim, mais sentimento e espontaneidade.
Vamos mais além. Que superabundancia de ímagens! Que riquesa e variedade de sensação! Que esplendidos quadros! Que magnificencia de colorido!
Depois d'isto comprehendeu-se que João de Deus se propozesse a traduzir o Cantico dos Canticos.
Como, se bem me lembro, diz Herder, os elementos primordiaes da poesia hebraica são a sensação e a imagem, e posto que, no meu entender, a boa critica não possa monopolisar aquella feição em favor apenas d'aquella poesia, porque ella é caracteristica de todas as litteraturas na sua genese, e nos primeiros periodos de constituição, em quanto predominam no homem os sentimentos elementares como diz Veron6, comtudo a poesia hebraica propriamente tal quasi não chega a ultrapassar o periodo d'aquelle predominio. Poderiam talvez accusar-se os versos que acabo de transcrever de certo garridismo que mal iria ao sentimento [99] que exprimem, se a violencia d'esse sentimento, o estado de exaltação sensorial não estivessem justificando o que parece defeito aos leitores que não sintam a transfusão psychologica que muitos hão de experimentar ante aquelles versos magnificos.
A poesia de João de Deus é verdadeira musica. Se eu estivesse agora para combater os que julgam como Lamartine7 que a versificação, o rhythmo, a cadencia, a rima, são cousas indifferentes á poesia na «época adiantada e verdadeiramente intellectual dos povos modernos», os que teem tudo isso, como Heine (cit. por Max. Buchon) por completa puerilidade, para valente comprovação me podiam servir os versos do nosso poeta.
São elles geralmente como que uma psalmodía. Allia-se a musica e a poesia que tantos querem distancear, como se o rythmo fosse apenas elemento especial d'uma arte. João de Deus como que tem uma rhythmopêa espontanea. Sahe-lhe o verso moldado pela ideia e pelo sentimento, e n'este [100] como n'aquelle a modulação existe pelas fataes variantes dos estimulos e das vibrações cerebraes. Procuraram os gregos systematisar as relações do rhythmo para com a idêa e o sentimento, como se fôra possivel marcar limite numerico aos modos de ser do pensamento, ou aos productos da actividade intellectual e esthetica. Se, pois, em muitos casos, são acceitaveis as velhas regras, geralmente a rhythmopêa deve ser producto espontaneo, e não canon de escóla. E porque se dá o primeiro caso em João de Deus, é que talvez se revela nos seus versos, bem salientemente o cunho da personalidade, condição essencial d'uma obra poetica. É necessario não perder aquella de vista, porque, como diz o critico francez, que atraz citei, o verdadeiro merecimento, na poesia, está antes na esthesia do poeta de que na do leitor. Ora bastam as transcripções que fiz para vêr como a personalidade do poeta, o seu sentir e pensar se patentêam na expressão, na fórma, que em outros escriptores mal disfarça com arrebiques e ouropeis a carencia da sensibilidade e inspiração pessoal.
Ha mais poesia n'algumas singelezas de João de Deus do que em muitos versos laureados que [101] por ahi correm como modêlos de metrificação, e que bem podem sêl-o, o que não basta de certo.
Toquei eu agora n'uma das melhores poesias de João de Deus, poesia que elle diz ser fragmento, e fragmento que bem faz desejar a apparição da obra toda.
Vou ainda transcrever alguns trechos que lançam de certo muita luz sobre o vulto, quasi lendario do poeta, em pontos menos esclarecidos pelas transcripções anteriores.
Ahi tendes o apostolo, o campeão social. Não lhe aceiteis, muito embora, a doutrina. Acatae-lhe a generosidade, a grandeza da ideia, a robustez da convicção. Que poema enorme, magestoso e bello não será aquelle!
Colligir as poesias de João de Deus que por ahi andavam dispersas, mutiladas e perdidas, foi de certo um grande serviço ás patrias letras.
Prestou-o o snr. José Antonio Garcia Blanco.
Poeta mais original, mais rico, mais verdadeiro do que aquelle, não conheço na litteratura portugueza, e tanto como elle, ha de ser difficil de encontrar entre nós, na litteratura d'hoje. Um certo mysticismo mal definido que recendem as suas poesias, é menos producto da tradicção que originalidade genial. João de Deus é um homem do Meio-dia com o vago ancear d'um poeta do norte. Opprime-o o insufficiente como ao Faust. Se lhe désse para ser philosopho, onde iria parar?...
Como poeta tem alguma cousa de Ossian com alguma cousa de Goëthe...8
Luciano Cordeiro.
2 «Goethe et Schiller» por E. Rambert. (Revue Suisse—fev. 1869).
3 Quando digo «sensações sensoriaes», fallo das sensações «externas e internas», como vulgarmente se classificam, e não excluo as que se dão sem realidade objectiva que as provoque, e que constituem o estado pathologico da «allucinação», estado a que porventura se poderia reduzir algumas vezes, creio, o «mens divinior» dos antigos. Esta ultima observação é minha, as anteriores são de Luys (Recherches sur le système nerveux, etc., etc., cit. par Littré) e E. Littré, De la méthode en psychologie (Phil. posit.—Revue—1.er vol.)
4 Seguia-se a seguinte quadra, que não apparece na collecção e que eu acho não só egual em bellesa ás citadas, mas superior a algumas:
5 Variante:
6 Superiorité des artes modernes.
7 Cours fam. de litt.
8 Revolução de Setembro (1869) n.os 8012, 8015 e 8023.
É indispensavel crêr na poesia como se crê no Evangelho, como se acredita em Deus. No perpassar d'esta via dolorosa, cortada a todo o passo de agrestes sinuosidades, a poesia luzindo de quando em quando ao viageiro extenuado como um iris de bonança, significa a mais completa redempção da materia pelo espirito.
Aguia sobranceira que elevando-se até perder de vista o lodo em que se immergem tantos e tantos seres, vae roçar com a fimbria da aza a crista das nuvens, confundindo os seus arrulhos mysteriosos com as melodias dos seraphins!
Creou Deus a poesia para que a primavera com os seus canticos e perfumes, com a sua opulenta [106] vegetação, encontrasse quem a comprehendesse, quem a cantasse: creou Deus a poesia para escarmento ao vicio, distanceando-nos do finito que é o começo do scepticismo, para o infinito que é Deus! Surgiu a poesia para que nas trevas de um mundo que ri de tudo como Democrito, que tudo amesquinha, brilhasse uma luz que só de vêl-a a alma se purificasse e o espirito adejasse para o ideal.
Não chamem á poesia trivialidade.
Estudem os seculos; contemplem as nações e digam se a poesia teve ou não extraordinaria influencia nos grandes acontecimentos sociaes.
Quem, senão Roger de l'Isle, ergueu palpitante toda a França com umas quantas estrophes, a Marseillaise?
Não foram os versos de Shakespeare, de Milton, de Pope, que poderosamente concorreram a immortalisar a Inglaterra?
Portugal não deve a fama da sua gloria aos Lusiadas de Camões?
Consintam os homens de algarismos, os materialistas que antepõem a carne ao espirito, que fazem d'ella o seu credo, que os poetas, os sonhadores de chimeras deixem devanear a imaginação por esses horisontes de anil; deixem que reclinados [107] á proa do baixel da vida namorem o azul das aguas depois de terem contemplado o dos céos.
Ai da humanidade, se o poeta deixar pender a fronte desalentada ao partirem-se-lhe as cordas da lyra! a prosa invadirá o sanctuario dos mais nobres estimulos, e o sceptico exultará ao soltar a sua risada infernal como a dos condemnados do Dante.
Não sei quantas vezes temos lido as Flores do Campo, exhaurindo sempre novos e exquisitos perfumes.
Tem isso a originalidade, que é o distinctivo d'este poeta. Costumamos dizer com referencia a qualquer notavel escriptor nosso: aquelle talento tem a suavidade de Lamartine, o sentimento de A. de Musset, o mysticismo de Chateaubriand, a ironia de Byron, a energia apaixonada de Victor Hugo.
Porque não havemos de dizer que João de Deus tem o cunho original da poesia portugueza na sua mais genuina expressão?! Quem se compraz em parodiar constantemente os usos e idiomas dos de fóra, deve uma vez por outra, ufanar-se do que tem de seu original e portuguez de lei, como o é João de Deus em todos os seus escriptos.
[108]Atravez dos versos do mimoso poeta contemplam-se as noites estrelladas de Portugal, o Tejo com as risonhas margens, Coimbra com a sua Fonte das Lagrimas, o clima emfim e a vegetação esplendida d'este pequeno eden.
Vê-se que este poeta é portuguez de feição, e comprehende-se quanto na patria de Camões e Garrett a poesia se manifesta espontanea e esplendida na fórma e ideia!
Começa o livro com a poesia Camões e Byron, e termina com o Cantico dos Canticos: abre pois com chave de prata para fechar com chave de ouro.
Ha estrophes de uma suavidade tão nimiamente infantil, tão peculiarmente despretenciosa, que a ninguem senão a João de Deus poderiam attribuir-se, quando mesmo o seu nome não estivesse engrinaldando luxuosamente o adito d'este livro.
Citaremos, entre muitas, estas:
Na poesia Innocencia revela o poeta, a par de uma finura de sentimento e extrema sensibilidade, um preito á virtude, que toda a mulher que a lêr deve necessariamente sentir-se attrahida por um sentimento de gratidão para quem a escreveu:
Percebemos tambem que João de Deus pertence ao numero dos crentes, ainda tão mal limitado; prova-o exuberantemente as suas poesias Luz da Fé, Fragmento, e varias outras.
Como o poeta adora a poesia e o quanto tem d'ella feito o seu credo, dil-o eloquentemente esta quadra:
Na alma d'este homem que tem na fronte uma estrella de fogo e talvez um martyrio no coração, suspiram ternuras indiziveis que a sua lyra traduz em canticos suavissimos:
Querem dizer, e talvez com razão, que João de Deus abusa da rima deixando-a por vezes defeituosa.
A meu vêr esta pecha está na razão das manchas que o sol contém, mas que os nossos olhos não descobrem sem o auxilio do telescopio, o que não obsta a que o sol seja o astro do dia.
[111]«Marcar balisas á poesia, é impossivel, diz um illustre poeta e critico, a poesia é livre como o pensamento, e grande como a immensidade.»
Eis-ahi está o segredo da culpa, e feliz culpa!
Se João de Deus pertencesse a um certo numero de poetas que esgravatam na areia e folheiam livros alheios primeiro que possam rabiscar algumas insulsas linhas, talvez a rima lhe saísse menos incorrecta segundo a arte, mas acanhada e rachitica segundo o pensamento.
A verdadeira poesia, como diz C. de Figueiredo, surge livre como a natureza; irrompe, inunda de luz de fogo, sem muitas vezes poder sujeitar-se aos acanhados moldes da arte.
Apparece-nos o poeta, namorado como Bernardim Ribeiro, n'estas dulcissimas estrophes:
Seria um nunca acabar se fossemos a exarar aqui todas as preciosissimas joias d'esta corôa opulenta que veio enriquecer a nossa litteratura.
[112]Apartamo-nos do livro com extrema saudade, recommendando á leitora, que por acaso ainda o não possue, a prompta acquisiçao d'elle para collocal-o ao lado das rosas, jasmins e violetas com que, durante a formosa estação que se avisinha, ha de perfumar o seu boudoir.9
D. Guiomar D. Torrezão.
9 Voz Feminina (1869) n.º 60.
Á hora dos phantasmas, á meia noite, escreveste o Anno litterario de 1868. A noite é sombria e triste; e por isso as tuas reflexões humoristicas não occultam de todo a descrença, a tristeza e o desanimo, com que espalhaste a vista pelas coisas litterarias da nossa terra.
Fundado ou infundado, não chamarei eu esse desalento, porque, de onde em onde, nos encontrariamos, se eu fosse ajustar o padrão da tua critica ao juizo que eu fizesse de producções da arte.
Não posso, comtudo, deixar de querer muito a essa franqueza, que é o teu caracter, e a tua regra em materias de critica. E tanto mais lhe quero, quanto eu reconheço que a franqueza, hoje em dia, [114] é fazenda de contrabando nas nossas alfandegas litterarias.
Quando o anno de 1868 pertencia já ao passado, scismavas á meia noite sobre o mau rumo que te pareceu levarem as nossas letras. Eu sou um pouco mais crente, e menos atrabiliario: á entrada de 1869, estendo os olhos ao futuro, e espero e creio muito, porque já não são de pouca monta as primicias que nos offerece o anno litterario de 1869. Fallo das Flores do Campo de João de Deus.
Com a analyse d'este livro, abro uma serie de apreciações, em que te fallarei das obras poeticas que n'este anno, e em Portugal, se derem á estampa. O meu voto, em materia alguma tem força, nem eu procuro dar-lh'a, para se insinuar no animo do publico: é um voto individual, em que apenas acharás o merito da sinceridade e da franqueza.
Direi de caminho que não sigo a trilha que me deixou o teu Anno litterario. Não deslembrarei os preceitos da critica analytica, para não apreciar, em synthese, obras que exigem demorado exame das suas partes.
Tambem não escolho, para te escrever, a hora lugubre dos phantasmas. Começo a escrever-te ás [115] horas d'uma esplendida manhã, espalhando os olhos por aquellas duas margens do nosso Mondego: a relva rasteira que as veste, e que me falla de vagas esperanças, ha de desentranhar-se em flores e fructos. Deixa-me crêr muito no dia de ámanhã.
E porque não virão as flôres da poesia derramar perfumes sob este céo de Portugal, n'este jardim da Europa, onde já suspirou melodias Bernardim, Camões, Garrett, Castilho! Não morre a poesia portugueza: a estatua da deusa ainda não tremeu na peanha; e quando os iconoclastas do bello quizessem contra ella erguer braços profanos, a quantos apostolos da arte não teriam de suffocar a voz!
Bem-vindos sejam estes sonhadores de chimeras, estes utopistas cheios de alma e coração, luctando de contínuo com o mundo real, e de contínuo erguendo-nos a mundos imaginarios, mas bellos d'uma belleza que não é da terra!
Fallo-te da poesia individual, e eu sei bem que lhe não queres tanto como eu. Desejas que a poesia se concentre no mundo estreito dos fins sociaes; entendes que a poesia deve de limitar-se a mostrar o caminho á humanidade que marcha, ou á [116] exaltação dos dogmas do seculo. Por certo que se não desvirtua a poesia, seguindo por taes veredas; mas o genio não tem peias nem limites: veste de luz o lirio dos valles; alumia a estrada ao caminheiro da vida; doira as arestas do serro escalvado; enche a noite de luz; de fulgores inunda o espirito, e não sei por quantos mundos nos leva a alma absorta!
Marcar balisas á poesia, é impossivel, porque a poesia é livre como o pensamento.
Deixa pois cantar os poetas que levantaram a vista do pó da terra, onde tudo é limitado como a materia, e vil como o gusano das ossadas. Deixa que eu te falle de um poeta, cujo espirito é aguia que raro avisinha a ponta das azas aos marneis da sociedade. A gente pasma da altura a que se eleva aquelle espirito, e acontece ás vezes que a nossa vista não póde acompanhar tão levantados vôos: perde-se elle no vacuo, e, quando divaga em mares de luz, ficamos nós em trevas, sem vêr a direcção que elle toma...
João de Deus não canta para a sociedade, canta para si. Quer discorra por vergeis de poesia singela e perfumada, quer se eleve a alturas desmedidas, não se importa de que lhe não oiçam nem [117] entendam o canto sempre harmonioso. É talvez por isso que elle não publicou, nem publicaria as Flores do Campo.
Ao amigo que lh'as estampou, muito devemos nós todos os que presamos as nossas boas letras.
Agora se me offerece caso para cogitações profundas: as Flores do Campo saíram a lume ha quasi um mez, e, até á data em que te escrevo, dormem os nossos criticos a bom levar, sem que uma palavra lhes haja irrompido dos labios, sobre o merecimento d'este magnifico livro. Aqui, ha por força caso virgem, mas... ponto em bôcca.
E pois que os criticos não querem, ou não ousam, pronunciar o seu veredictum, vou eu mostrar-te o valor em que tenho as Flores do Campo, por que me digas ao depois se não são ellas, para a nossa litteratura, prenuncios d'um outono avergado de fructos.
Quando o visconde de Chateaubriand trabalhava por agremiar em torno da cruz as multidões, que ainda sentiam nos ouvidos a voz tentadora de Robespierre e Mirabeau, surgia na Inglaterra um homem extraordinario, personificação pasmosa do genio e do scepticismo—lord Byron.
Ninguem como o cantor do Childe Harold, pôde [118] jámais aliar uma alma de poeta ao scepticismo, á duvida, á frieza, que ressumbram de cada verso do Don Juan:
Mas... na mente de Byron reflectia-se uma das tendencias mais caracteristicas da sociedade contemporanea; o scepticismo apresentou-se revestido com a aureóla do genio, ergueu-se como chamma incendiaria, e lavrou pela litteratura do seculo.
Que restava aos adeptos da poesia? O maior numero, como os companheiros de Ulysses, deixou-se arrastar pelos cantos da sereia, e, se não abordou á ilha encantada, d'onde lhe acenava a gloria, mediu a profundeza do abysmo que a tentação lhe abriu aos pés...; outros, refugiram á attração, e velejaram alegres por onde os não batessem os pampeiros da descrença e do scepticismo.
A poesia que abre o livro de João de Deus é o emblema dos dous rumos por onde tomam os argonautas da arte, e estrema o scepticismo e crença, Camões e Byron. Não sei se esta composição [119] vale muito aos olhos dos mestres; para mim, é das mais somenos de João de Deus, e, se não fôra collocada alli para denunciar, talvez, as crenças litterarias do auctor, não a quizera vêr á entrada d'este livro. A arte exige para um edificio primoroso um portico lavrado a primor.
Na composição alludida, se a ideia é grande e original, a fórma que a reveste não, não é perfeita; sem fórma, não concebo arte, e sem arte não se traduz o sentimento do bello.
Não vás porém julgar que estou dando lições de poetica a um poeta como João de Deus. Mais do que ninguem, conhece elle por ventura os defeitos do seu livro, e, se os poupou, ao limar os seus versos, é que não teve em tanta conta, como geralmente se tem, certas exigencias da arte.
Nem a critica imparcial tanto exige, nem eu tenho logar bastante para transcrever aqui todas as estrophes, em que as rimas se me deparam defeituosas e erradas. Cito-te de passagem queime e geme, deixe e feche, confesso e immenso, cuides e virtudes, outro e encontro, géra e inteira, teimo e supremo, prega e negra, avaro e ara, sêde e hei-de, põe e foi, vê e adorei, inteiro e quero, etc.
E comtudo João de Deus parece brincar com as maiores difficuldades da rima. Para não fallar na poesia Boas Noites, basta apontar-te aquelle trecho da poesia O Musgo:
Em metricação tambem as Flores do Campo nos offerecem provas de que João de Deus não é, n'este ponto, nimiamente escrupuloso. Assim ficou errado este decassyllabo:
[121]e aquelle septissylabo que vae sublinhado:
para não citar passagens como estas:
Versos ha tambem nas Flores do Campo defeituosos pela disposição dos accentos predominantes. Bastam tres exemplos em versos decassyllabos:
Mas um verso completamente errado, e que por certo não sahiu assim da penna de João de Deus, é aquelle
Não é necessario ser auctor das Flores do Campo, para condemnar um verso tal. Descuido do [122] impressor, e falta de cuidado na revisão, occasionaram aquelle erro, a que de prompto se obviaria com a suppressão de dous ss inuteis.
O que para alguém não será defeito, mas que para muitos torna inintelligiveis algumas passagens, do livro, é, por vezes o abstruso da ideia, velada por sombras impenetraveis. Dá-me tu, se podes, a chave d'este enigma:
E quando João de Deus, á vista d'um retrato, exclama:
Quem é que fluctua na fornalha acesa pelo sôpro eterno? Será o sol?
Especialmente n'aquelle fragmento que principia na pagina 130, mais alguns pontos se me deparam, para cuja interpretação me não sinto com [123] forças. Não te faço mais citações, a este proposito, porque bem póde ser que toda a gente penetre o que para mim é escuro. Demais d'isto, parece-me que o poeta nem sempre tem obrigação restricta de moldar os vôos da sua imaginação pela myopia dos que só podem curvar-se diante das nuvens que velam a sarça ardente...
Agora, vaes talvez esquecer as manchas que divisastes n'esta joia litteraria, para festejares comigo quadros esplendidos de poesia originalissima, rica de sentimento, de graça e de harmonia.
Originalidades litterarias, poucos ha, já agora, que n'ellas creiam. Escorre de vez em quando, por ahi uma sanie de novidade tão asquerosa pelas folhas volantes da nossa litteratura de hoje, que os apreciadores de pituitaria melindrosa, não ha quem os desatrelle da sentença de que tudo o que é novo é mau, e que tudo o que é bom é velho.
Nihil sub sole novum!—cantava o Gessner biblico, asseguravam os juizes de Galileu, e rouqueja Boileau com os demais amphyctiões da litteratura. Respeitemos o talento; mas aos que duvidam da grandeza do genio, e pedem ao passado a chave do futuro, atiremos-lhe á face com a resposta de Galileu:—E pur si muove.—
[124]Admittida a originalidade, moldada pelo bom gosto, devemos saudal-a em João de Deus, o poeta mais original que eu conheço entre os nossos homens de letras. Estudo João de Deus, dês que leio versos, e ainda não pude encontrar o segredo d'aquella harmonia tão sua, d'aquella elegancia tão despretenciosa, d'aquelle sentimento que tanto nos captiva a alma, sem sabermos como.
Ou eu me engano muito, ou da poesia de João de Deus me vêm uns aromas que não desdizem d'aquella fragrancia que o esposo dos Canticos aspirava nos jardins da Sulamite biblica; d'aquella gravidade scismadora que resaltava das cordas do psalterio de David; d'aquelle adejar sublime e vago da aguia de Páthmos. Tranemos agora o mar dos seculos, ponhamos ao lado das Flores do Campo as fantazias de Schiller a Laura, e verás que muitos arrojos da imaginação do bardo portuguez não desmerecem a companhia dos do bardo do norte.
Mas, sobretudo, o que mais me enfeitiça nas Flores do Campo é aquelle mimo e suavidade que matizam estrophes como estas:
[125]É assim que João de Deus se recorda da visão fugitiva que lhe doirou os sonhos de poeta e moço. [126] Mais adiante, parece esquecer o lucto da saudade, mas não perde a doçura da harmonia:
Ao terminar a transcripção d'este mimosissimo trecho, sinto não poder attribuir a João de Deus a chave que o fecha. O aprimorado e suave oratoriano Manoel Bernardes já tinha dito na sua excellente Luz e Calor, fallando a Jesus menino:
[127]«Menino da minha alma, meu eterno nascido de ainda agora, meu gracioso molhinho de amores perfeytos, minhas bellezas encantadoras do coração humano: faze-me Serafim, para que te ame muito: dá-me limpeza grande em meus labios para calçar teus pésinhos de mil osculos santos: deyxa cahir das conchinhas de teus olhos hua lagryma sobre meu peyto, etc.» (Pag, 556, ediç. 1724.)
Mas que importa isso? Prouvera a Deus que os plagiatos, de que a litteratura anda eivada, se pautassem por este!
Vivacidade de expressão, galanteria e graça, podes vêr d'isso um modelo no madrigal, epigramma, ou como quizeres chamar-lhe, feito A uns olhos azues:
De vez em quando, o poeta apparece-nos pensador [128] e philosopho; mas, ainda assim, a razão não vence o sentimento:
Mais longe iria eu, se me propozesse trancrever tudo o que nas Flores do Campo se apresenta digno dos mais levantados encomios. Assim, por não alongar em demasia a presente carta, recommendo-te a leitura da Heresta, da Rachel, do Ultimo adeus, da Marina, do Remoinho, do Leito nupcial, da Innocencia, da Joven captiva, e, muito especialmente, do Cantico dos canticos de Salomão.
Lamennais e Renan haviam traduzido esplendidamente o Cantico dos canticos; João de Deus inspirou-se da pastoral de Sulem, e fez um poema quasi seu: seu pela fórma, pelo colorido, e pela disposição das scenas.
O Cantico dos canticos pertence, como sabes, ao numero dos livros sagrados, e é ponto inconcusso, [129] entre os padres da Egreja, que os desposorios de que falla Salomão exprimem a união mystica do Verbo incarnado com a natureza humana, com a Egreja e com as almas justas.
Os presidentes da synagoga judaica prohibiam a leitura d'este livro a quem não tivesse mais de trinta annos; e, ainda em tempos do piedoso João Gerson, nem os doutores o liam antes d'essa edade. E de feito nem Theocrito nem Florian deram jámais aos seus idylios aquelle perfume voluptuoso que, por entre flôres de poesia immorredoira, livremente se respira no idylio de Salomão.
Theodoro Mopsueste teve o ousio de ligar a esse idylio um sentido exterior, e não mystico, interpretando-o litteralmente, mas foi condemnado pelo segundo concilio de Constantinopla. Hoje não ha temor de que a Egreja condemne João de Deus, e todos os que separam da poesia o dogma, talvez porque a Egreja, boa mãe, não quer vêr o mundo coalhado de herejes.
E que importam ao leitor as convicções de João de Deus? A alma piedosa que se edificava na contemplação dos amores da Sulamite, pela versão de S. Jeronymo, que perde ella contemplando-os na lingua de Camões? «Para um coração puro, tudo [130] é puro.»—É palavra de Deus, com que o poeta se auctorisa para trazer a lume a interpretação litteral do Cantico dos canticos.
Já agora, apezar da extensão d'esta carta, deixa-me ainda expôr á tua vista algumas das paizagens mais seductoras d'este paraizo de amor, onde a volupia oriental se escoa semi-nua por ondulantes pradarias em flôr. Ouve:
Se a esta hora me não accusasses de abuso de paciencia, ainda te repetia toda aquella mimosa carta que principia:
Mas... basta. O livro de João de Deus tem defeitos: escaceia a revezes a ligação dos pensamentos, a clareza das ideias, a exactidão do metro, a perfeição da rima, e não metteria uma lança em Africa o linguista que nas Flores do Campo descortinasse, uma vez por outra, impureza e incorrecções de linguagem. Se, porém, eu mirasse a comprovar, n'esta rapida e singela revista, com os versos de João de Deus a sympathia e a admiração que elles me devem, não seria este o espaço que abrangesse tudo o que alli me pareceu filho d'uma inspiração verdadeira e original. Demais, o poeta não lucraria com estas transcripções a esmo, [134] sobre não poderes fazer do livro uma ideia exacta, á mingua de apreciador conspicuo.
Alexandre Herculano diz bem: a critica em Portugal é impossivel. Mas se nós todos cruzarmos os braços diante dos Ananias da litteratura que introduzem a mercancia do encomio, o servilismo e a chocarrice no santuario das letras, quem expulsará ámanhã os vendilhões, do templo? Já que me não ouvem, prega tu a estas multidões que não sabem o que amam, nem o que detestam; e praza a Deus que a tua voz não seja a voz do que bradava no deserto.
Bem avisado andei eu, quando, a proposito dos versos obscuros de João de Deus, tive a franqueza de conceder que toda a gente penetrasse o que para [135] mim era obscuro. Os versos nublosos que lá citei, eram, pelo que me dizem, claros como agua. Um amigo nosso, optimo charadista ao que parece, pôz-me tudo em pratos limpos; e, pelos modos, o nosso Œdipo tem artes para desdar o nó aos mais envencilhados enigmas da mais implacavel Sphynge. Ora eu, que respeito o mysterio mas desadoro o enigma, e a quem nunca charadas desvelaram as noites, não pasmei de vêr luz onde se me antolhavam trevas. O discipulo amado de Jesus não jubilaria tanto, se visse quebrar os sete sêllos do livro que elle viu na visão do Apocalypse, como eu jubilei quando, a par de outras revelações, soube que o individuo que fluctua na fornalha accêsa pelo sopro eterno é o anjo que as lendas piedosas figuram no purgatorio, dando a mão aos que lá se purgam das culpas temporaes para subirem ás regiões do premio eterno.
Pelo que vejo, a decifração não era para fazer suar o cabello; mas confesso-te que, se cem braços eu tivera, como Briareu, para revolver o embotado escalpello da minha critica, cem braços me desfalleceriam diante dos cem olhos d'estes Argos que espreitam maliciosos o rumo indeciso dos mineiros obscuros da justiça e da verdade...
[136]Seguiu-se-me noite de insomnia. Visões estranhas vieram povoar-me o leito. Sobre o meu travesseiro dormiam comigo as magestosas Torrentes de Theophilo Braga, livro de que, em seguida ás Flores do Campo, eu contava fallar-te. Por cima de mim, por cima do livro, emtorno do meu leito, adejavam uns demoniosinhos, microscopicos como os lilliputianos de Gulliver: uns expediam risadinhas agudas, como de feiticeiras em noites de S. João; outros folheavam o livro e dobravam os joelhos por baixo das estrophes de mais levantada inspiração; estes murmuravam monotono kyrie em volta do livro, arrancando-m'o da mão, como da mão d'um profano se arranca a hostia sacrosanta; aquelles desfaziam o livro em tiras, entreteciam com ellas uma corôa, e collocavam-n'a na cabeça. Se me voltava para a direita, os da esquerda escouceavam-me com um arreganho diabolico; se me voltava para a esquerda, os da direita afiavam a pequenina dentadura, e arranhavam-me as pantorrilhas. O equilibrio era impossivel: esmagava-me um pesadelo! Acordei.
Sobre a minha meza de trabalho estava um livro, notavel pela despretenção e suavidade do estylo, e pelo primor da versificação, sobre ser escripto [137] em portuguez sem mistura; mas apenas no frontispicio li o nome de Antonio Feliciano de Castilho, passou-me pela mente a visão das Torrentes, e os lilliputianos da noite acercaram-se do Medico á força, reproduzindo os sarcasmos ou as ovações, os afagos ou as mordeduras, consoante as tendencias de cada qual.
Estava entre a bigorna e o martello, entre a cruz e a caldeirinha. Quem me salvaria de posição tão melindrosa? Um esforço supremo: fechar as Torrentes e o Medico á força, e não aventurar juizo sobre estes notaveis livros.
Suspendo, pois, a revista do anno litterario de 1869, em quanto me vier á ideia aquella visão aterradora. Sinto-me com algumas forças para luctar com os lilliputianos da visão, mas não me sinto com paciencia para lhes soffrer os motejos e os tripudios, as risadinhas e as beliscaduras. Quero dormir a somno solto, e levar estas noites de Coimbra a sonhar sem pesadêlos, em paz com anjos e demonios, e até com os individuos das mais infimas classes animaes.
Não quero luctar como Chatterton. Chatterton luctou, mas teve depois Vigny que o cingiu de louros, immortalisando-o. A troco da immortalidade, [138] ainda eu me atiraria á lucta: ve lá se queres ser o meu Alfred de Vigny.11
Candido de Figueiredo.
10 Já que ao generoso critico merece especial menção a carta, advertiremos que o primeiro verso da ultima quadra é assim:
11 A Folha, (1869) n.º 7, 8, 9 e 10.
Fim das criticas das "Flores do Campo."
I—Sede de amor | 5 |
II—Lamento | 13 |
III—Enlevo | 15 |
IV—Sempre | 19 |
V—Espera | 21 |
VI—Adeos | 23 |
VII—Melancholia | 25 |
VIII—Sympathia | 29 |
IX—11 de Maio | 31 |
X—Attracção | 35 |
XI—Desânimo | 37 |
XII—N'um Album | 41 |
XIII—O seu nome | 43 |
XIV—Saudade | 51 |
XV—* * * | 57 |
Criticas das Flores do Campo | |
Flores do Campo, por Alexandre da Conceição | 63 |
Livros—Revista critica-bibliographica, por Luciano Cordeiro | 75 |
Flores do Campo, por D. Guiomar D. Torrezão | 105 |
Anno litterario de 1869, por Candido de Figueiredo | 113 |
Obras de fundo e edições:
Memorias de Fr. João de S. Joseph Queiroz, bispo do Gran-Pará. Com uma introducção e muitas notas illustrativas, por C. C. Branco. 1 volume. | 500 |
Poesias e prosas ineditas de Fernão Rodrigues Lobo Soropita, com uma introducção e notas por Camillo Castello Branco. 1 volume. | 500 |
Ponson du Terrail.—Os Filhos de Judas, Tomo 1.º Um conto das mil e uma noites.—2.º O amor fatal. 2 volumes. | 1$000 |
Estudos de Escripturação Mercantil, por J. M. Outeiro. Segunda edição consideravelmente augmentada. 1 vol. | 1000 |
End of the Project Gutenberg EBook of Ramo de Flores, by João de Deus *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK RAMO DE FLORES *** ***** This file should be named 24847-h.htm or 24847-h.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/4/8/4/24847/ Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at http://gutenberg.org/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. 1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be used on or associated in any way with an electronic work by people who agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works even without complying with the full terms of this agreement. See paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic works. See paragraph 1.E below. 1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the collection are in the public domain in the United States. If an individual work is in the public domain in the United States and you are located in the United States, we do not claim a right to prevent you from copying, distributing, performing, displaying or creating derivative works based on the work as long as all references to Project Gutenberg are removed. Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning the copyright status of any work in any country outside the United States. 1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: 1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, copied or distributed: This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org 1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived from the public domain (does not contain a notice indicating that it is posted with permission of the copyright holder), the work can be copied and distributed to anyone in the United States without paying any fees or charges. If you are redistributing or providing access to a work with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted with the permission of the copyright holder, your use and distribution must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the permission of the copyright holder found at the beginning of this work. 1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm License terms from this work, or any files containing a part of this work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. 1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this electronic work, or any part of this electronic work, without prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with active links or immediate access to the full terms of the Project Gutenberg-tm License. 1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any word processing or hypertext form. However, if you provide access to or distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than "Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm License as specified in paragraph 1.E.1. 1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided that - You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, "Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." - You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg-tm works. - You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work. - You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg-tm works. 1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm electronic work or group of works on different terms than are set forth in this agreement, you must obtain permission in writing from both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the Foundation as set forth in Section 3 below. 1.F. 1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread public domain works in creating the Project Gutenberg-tm collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic works, and the medium on which they may be stored, may contain "Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by your equipment. 1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all liability to you for damages, costs and expenses, including legal fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH DAMAGE. 1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a written explanation to the person you received the work from. If you received the work on a physical medium, you must return the medium with your written explanation. The person or entity that provided you with the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a refund. If you received the work electronically, the person or entity providing it to you may choose to give you a second opportunity to receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy is also defective, you may demand a refund in writing without further opportunities to fix the problem. 1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance with this agreement, and any volunteers associated with the production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, that arise directly or indirectly from any of the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of electronic works in formats readable by the widest variety of computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.