The Project Gutenberg EBook of Luiz de Camões: notas biograficas, by 
Camilo Castelo Branco

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org


Title: Luiz de Camões: notas biograficas
       Prefacio da setima edição do Camões de Garrett

Author: Camilo Castelo Branco

Release Date: February 4, 2008 [EBook #24514]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK LUIZ DE CAMÕES: NOTAS BIOGRAFICAS ***




Produced by Pedro Saborano (from images made available by
Google Book Search)






CAMILLO CASTELLO BRANCO


LUIZ DE CAMÕES



NOTAS BIOGRAPHICAS






PREFACIO DA SETIMA EDIÇÃO DO CAMÕES DE GARRETT







NA LIVRARIA DE ERNESTO CHARDRON, Editor

PORTO E BRAGA

[1]

Luiz de Camões

NOTAS BIOGRAPHICAS

prefacio da setima edição do CAMÕES de garrett

[2]

PORTO--TYP. DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA

Cancella Velha, 62


[3]

Camillo Castello Branco



LUIZ DE CAMÕES


NOTAS BIOGRAPHICAS


prefacio da setima edição do CAMÕES de garrett





Livraria Internacional
de
Ernesto Chardron--Editor
PORTO E BRAGA

1880

[4]
[5]

A

D. Antonio Alves Martins

BISPO DE VIZEU

OFFERECE O DISCIPULO E AMIGO

Camillo Castello Branco.

[6]
[7]

LUIZ DE CAMÕES

I

O protagonista do sempre formoso poema de Almeida-Garrett é um Luiz de Camões romantico, remodelado na phantasia melancolica d'um grande poeta exilado, amoroso, nostalgico. A ideal tradição romanesca impediu, com as suas nevoas irisadas de fulgores poeticos, passante de duzentos e cincoenta annos, que o amador de Natercia, [8] o trovador guerreiro, fosse aferido no estalão commum dos bardos que immortalisaram, a frio e com um grande socego de metrificação, o seu amor, a fatalidade do seu destino em centurias de sonetos. Garrett fez uma apotheose ao genio, e a si se ungiu ao mesmo tempo principe reinante na dynastia dos poetas portuguezes, creando aquella incomparavel maravilha litteraria. Ensinou a sua geração sentimental a vêr a corporatura agigantada do poeta que a critica facciosa de Verney e do padre José Agostinho apoucára a uma estatura pouco mais que regular.

Camões resurgiu em pleno meio-dia do romantismo do seculo XIX, não porque escrevêra os Lusiadas, mas porque padecera d'uns amores funestissimos. O seculo XVIII citava-o apenas nos livros didacticos e nas academias eruditas, como [9] exemplar classico em epithetos e figuras da mais esmerada rhetorica. Tinha cahido em mãos esterilisadoras dos grammaticos que desbotam sapientissimamente todas as flôres que tocam, apanham as borboletas, prégam-as para as classificarem mortas, e abrem lista de hyperboles e metaphoras para tudo que transcende a legislatura codificada de Horacio e Aristoteles.

Luiz de Camões, qual o figuram Garrett no poema tragico e Castilho no drama ultra-romantico, e as musas indigenas e forasteiras nas suas contemplações plangentes, é o que se requer que seja o martyr do amor, o soldado ardído, o talento menoscabado pela camarilha dos reis. Os maviosos sentimentalistas afizeram-nos a estas côres prismaticas--ás refulgencias das auroras e dos luares theatraes. Mal podemos encarar o [10] nosso Camões a uma grande luz natural. Queremol-o na tristeza crepuscular das tardes calmosas, na mesta solidão dos mares, nas saudades do desterro, no desconforto das primeiras precisões, vivendo da mendicidade do Jáo--do escravo, como se alguma hora houvesse em Portugal escravos de procedencia asiatica--e das economias da preta, arrastando-se sobre moletas do adro de S. Domingos para o catre do hospital. Quem nos mostrar Camões á luz com que a historia e a critica inductiva elucidam as confusas obscuridades dos homens extraordinarios--e por isso mais expostos á deturpação lendaria--poderá avisinhar-se da verdade? mas, do mesmo passo, se desvia da nossa inveterada opinião, e talvez incorra em delicto de ruim portuguez.

Eu me vejo n'este perigo e não me [11] poupo ás eventualidades da ousadia. Pretender exhibir novidades inferidas de factos comparados e probabilidades em uma biographia tantas vezes feita e refeita, será irrisorio atrevimento quando m'as poderem contradictar com provas solidamente cimentadas. O que não parecer novo n'estes traços será uma justificada emenda aos erros dos biographos antigos e recentes em que nomeadamente avultam os senhores visconde de Juromenha e doutor Theophilo Braga que segue muito confiado aquelle douto investigador com uma condescendencia extraordinaria para escriptor que tanto averigua.

[12]
[13]

II

Direi primeiro do amor meio lendario de Luiz Vaz de Camões a D. Catharina de Athaide, como causa essencial da sua vida inquieta e dos revezes da sinistra fortuna procedentes d'esse desvio da prudencia na mocidade.

Diogo de Paiva de Andrade, sobrinho do celebrado orador, deixou umas Lembranças ineditas que passaram da opulenta livraria do advogado Pereira e [14] Sousa para meu poder[1]. Diogo de Paiva nascera em 1576. É contemporaneo de Camões. Conheceu provavelmente pessoas da convivencia do poeta. Poderia escrever amplamente, impugnando algumas noticias de Mariz, de Severim e de Manuel Corrêa. Era cedo, porém, para que o assumpto lhe interessasse bastante. Na juventude de Paiva, as memorias de Camões não tinham ainda attingido a consagração poetica de que se formam as nebulosas do mytho. Diogo de Paiva pouco diz; mas, n'essas poucas linhas, ha duas especies não relatadas pelos outros biographos:

Luiz de Camões, poeta bem conhecido, tendo 18 annos, namorou Catharina de Athaide, e principiou a inclinação em [15] 19 ou 20 de abril, do anno de 1542, em sexta-feira da semana santa, indo ella á igreja das Chagas de Lisboa, onde o poeta, se achava. A esta senhora dedicou muitas das suas obras, e ainda que com differentes nomes é a mesma de que falla repetidas vezes. Foi depois dama da rainha D. Catharina, e continuando os amores com boa correspondencia, mudou ella de objecto para os agrados de que Camões se queixa em suas composições. Por estes amores foi quatro vezes desterrado: uma de Coimbra, estando lá a côrte, para Lisboa; outra de Lisboa para Santarém; outra de Lisboa para a Africa; e finalmente de Lisboa para a India, d'onde voltou muito pobre, sendo já fallecida D. Catharina, por quem tão cegamente se apaixonára.

O desterro de Camões de Coimbra, onde estava a côrte, é a novidade que [16] não pude conciliar com o facto de ter residido D. João III em Coimbra nos annos immediatos a 1542, anno em que o poeta vira D. Catharina na igreja das Chagas. Os impressos que consultei, e não foram poucos, não me esclareceram. Sei tão sómente que o rei esteve em Coimbra por 1527 e 1550. N'esta segunda data já Camões se repatriára do segundo desterro em Africa. Quanto á inconstancia da dama da rainha--novidade de mais facil averiguação--os factos que vou expender a persuadem coherentemente.

D. João III, o rei-inquisidor, e piedoso por antonomasia, antes de fazer um filho em Isabel Moniz, fizera outro em Antonia de Berredo. Eram ambas de linhagem illustre. A primeira finou-se n'um convento da Guarda, sem ter visto seu filho Duarte que, aos 22 annos, morreu [17] arcebispo de Braga. A segunda ficou na côrte, e achou marido de raça fina, sem embargo da concubinagem real, aggravada pelo acto da sua notoria fecundidade. A criança tinha morrido. Os nobiliaristas chamaram-lhe Manuel e occultaram-lhe o nome da mãi, visto que ella propagou altos personagens, sujeitos envergonhados.

Antonia de Berredo casára com um viuvo rico e velho, Antonio Borges de Miranda, senhor de Carvalhaes, Ilhavo e Verdemilho, que de sua primeira mulher, da casa de Barbacena, tivera dous filhos, a quem competia a successão dos vinculos. D. Antonia concebeu do marido, e deu á luz um menino que se chamou Ruy Borges Pereira de Miranda. O marido falleceu. Os filhos do primeiro matrimonio, Simão Borges e Gonçalo Borges foram esbulhados da successão [18] dos vinculos--um estrondoso escandalo em que influiu o arbitrio despotico do rei a favor do filho da sua amante[2].

Apossado iniquamente dos senhorios de Carvalhaes, Ilhavo e Verdemilho, Ruy Borges, filho de Antonia de Berredo, affeiçoou-se a D. Catharina de Athaide, filha de Alvaro de Sousa, veador da casa da rainha, senhor de Eixo e Requeixo, nas visinhanças de Aveiro. D. Catharina [19] era pobre, como filha segunda; seu irmão André de Sousa era um simples clerigo, prior de Requeixo; o senhor da casa era o primogenito Diogo Lopes de Sousa.

D. Catharina aceitára o galanteio do poeta Luiz Vaz de Camões, talvez antes de ser requestada por Borges de Miranda. O senhor de Ilhavo, rivalisado pelo juvenil poeta, sentia-se inferior ante o espirito da dama da rainha. Seria um estupido consciente; queixou-se talvez a mãi. Não é de presumir que a mulher de D. João III se aviltasse protegendo o galanteio repellido do filho da Berredo--amante notoria de seu marido; mas é natural que a mãi de Ruy Borges recorresse directa e clandestinamente ao rei solicitando o desterro do perigoso émulo de seu filho. Assim pôde motivar-se o primeiro desterro de Camões [20] para longe da côrte, e o segundo para Africa em castigo da teimosia d'elle e das vacillações de Catharina de Athaide na aceitação do opulento Ruy Borges,--vacillações transigentes com a riqueza do rival do poeta pobre, a meu vêr. A dama não seria muito escoimada em primores de fidelidade. Das damas da côrte de D. João III, dizia Jorge Ferreira de Vasconcellos: «todas são mui próvidas em não estarem sobre uma amarra por não ser como o rato que não sabe mais que um buraco»--e talvez pensasse em Camões quando escrevia: «Elle cuida que por discreto e galante ha de vencer tudo: eu quizera-lhe muito mais dinheiro que todas suas trovas, porque este franqueia o campo, e o al é martellar em ferro frio[3]».

[21]

Sahiu Camões para a Africa em 1547, e lá se deteve proximamente dous annos. Quando regressou, a dama da rainha era já casada com Ruy Borges e vivia na casa do esposo convisinha de Aveiro, entregue ao ascetismo, sob a direcção de frei João do Rosario, frade dominicano.

Subsistem umas Memorias communicadas a Herculano em 1852, e datadas em 1573 por aquelle frade, nas quaes o confessor revela que D. Catharina, quando elle a interrogava ácerca do desterro de Camões por sua causa, a esposa discreta de Ruy Borges respondia que não ella, mas o grande espirito do poeta o impellira a empresas grandiosas e regiões, apartadas. Esta resposta, um tanto amphibologica, argue e justifica o honestissimo melindre da esposa.

Se respondesse: «fui a causa de seu [22] desterro», daria testemunho menos nobre de sua ingratidão, e teria de córar como esposa voluntaria de Ruy Borges, como treda amante do desditoso poeta, e ainda como filha espiritual do frade nimiamente indagador que varias vezes e indelicadamente a interrogava sobre o caso melindroso: E todas las vezes que no poeta desterrado por saa rasão lhe falava...--escreve frei João do Rosario.

O arrependimento, o tedio e a saudade não a mortificaram longo tempo. Morreu Catharina de Athaide em 28 de setembro de 1551, e foi sepultada na capella-mór que dotára no mosteiro de S. Domingos d'Aveiro em sepultura que talvez mandasse construir.

Camões não ignorava a tristeza raladora de D. Catharina. Este soneto exprime o sentimento d'uma vingança nobre até ao extremo de compadecida:

[23]
Já não sinto, senhora, os desenganos
Com que minha affeiçao sempre tratastes,
Nem vêr o galardão, que me negastes,
Merecido por fé ha tantos annos.

A mágoa choro só, só choro os damnos
De vêr por quem, senhora, me trocastes!
Mas em tal caso vós só me vingastes
De vossa ingratidão, vossos enganos.

Dobrada glória dá qualquer vingança,
Que o offendido toma do culpado,
Quando se satisfaz com causa justa;

Mas eu de vossos males a esquivança
De que agora me vejo bem vingado,
Não a quizera tanto á vossa custa.

Semelhante soneto dirigido á outra D. Catharina de Athaide, dama do paço que morreu solteira, não tem explicação. Claro é que Luiz de Camões allude á mulher que o vinga padecendo as mágoas resultantes d'uma alliança em que elle foi ingratamente sacrificado. Á outra dama que morreu, estando para casar, [24] segundo a versão colhida pelos primeiros biographos, não diria Camões:

... a vingança
Não a quizera tanto á vossa custa.

Como o vingaria ella, desconhecendo as tristezas de casada que não chegou a ser? Era mister que se désse mudança de vida irremediavelmente afflictiva e remordida de arrependimento para que o poeta se ufanasse de vingado,--e tanto que implicitamente lhe perdôa. O soneto que trasladei não attrahiu ainda notavel reparo d'algum biographo, sendo a pagina mais para estudo nos amores de Camões. Antes do generoso soneto, quando a julgava contente, Camões exprimia-se de mui diverso theor. O ciume, o despeito e a cólera desafogára n'outros versos perdoaveis á dôr, mas somenos fidalgos. Chamou-lhe cadella.

[25]

O viuvo Ruy Borges passou logo a segundas nupcias como quem procura em outra mulher a felicidade que não pudera dar-lhe a devota Catharina absorvida no mysticismo, como n'um refugio aos pungitivos espinhos da sua irremediavel ingratidão.

O poeta grangeára inimigos na côrte. Deviam ser os Berredos e os parentes de Ruy Borges de Miranda. Entre os mais proximos d'este havia um seu irmão bastardo, Gonçalo Borges, criado do paço, a cargo de quem corria a fiscalisação dos arreios da casa real. Teria sido esse o espia, o denunciante das clandestinas entrevistas do poeta com a dama querida de seu irmão?

Em maio de 1552, Gonçalo Borges curveteava o seu cavallo entre o Rocio e Santo Antão, no dia da procissão de Corpus-Christi, em que se mesclava um [26] paganismo carnavalesco de exhibições mascaradas. Dous incognitos de mascara enxovalharam Gonçalo Borges com remoques. Houve um reciproco arrancar das espadas. N'este comenos, Luiz de Camões enviou-se ao irmão de Ruy Borges e acutilou-o no pescoço. O golpe, segundo parece, era a segurar; mas não deu resultados perigosos para o ferido. Camões foi preso; e, ao terminar um anno de carcere, solicitou perdão de Gonçalo Borges que, voluntario ou coagido por empenhos, lhe perdoou, visto que não tinha aleijão nem deformidade. A Carta de perdão, produzida pelo snr. visconde de Juromenha, é datada em 7 de março de 1553, e está integralmente copiada[4].

[27]

Dias depois, Luiz Vaz de Camões sahia para a India, na mesquinha posição de substituto d'um Fernando Casado, e recebia 2$400 reis como todos os soldados razos que embarcavam para o Oriente; e para isto mesmo prestou a fiança de Belchior Barreto, casado com sua tia. Aquelles 2$400 reis eram o primeiro quartel dos 9$600 reis, soldo annual do soldado reinol.

Expatriou-se na humilhação dos mais desprotegidos. Devia de ter alienado a estima e o favor de amigos influentes, porque sahia do carcere rebaixado pelo desbrio com que implorára o perdão, e réo confesso de uma vingança por motivos menos honestos aos olhos dos velhos serios, e desdourados na propria fidalguia pelas ribalderias amorosas d'um mancebo de nascimento illustre. Se Luiz de Camões embarcasse para a India como [28] o commum dos mancebos fidalgos, receberia 300 ou 400 cruzados de ajuda de custo.

A familia Camões, no reinado de D. João III, esteve relegada da consideração da côrte. O mais notavel d'essa familia, o cruzio D. Bento, prior geral da sua Ordem, gozou apenas a prelazia monastica, mas sem influencia civil d'alguma especie. Simão Vaz de Camões, parente do poeta, senhor d'um morgado mediano, era, por esse tempo, um libertino espiado pela justiça, deshonrado por delictos graves e allianças matrimonialmente ignobeis. Os outros ramos vegetavam obscuros; e alguns d'essa familia que militaram na Asia não alcançaram alguma qualificação notavel nos minuciosos annaes de Graspar Corrêa. Diogo do Couto nem sequer os nomeia.

[29]

No reinado de D, João II, Antão Vaz, avô do poeta, casára com D. Guiomar da Gama, parenta de Vasco da Gama, a quem seguiu á India, capitaneando uma caravela, talvez escolhido por Vasco, em attenção ao parentesco. O heroe dos Lusiadas enviou Antão Vaz embaixador ao rei de Melinde, a comprimental-o, a levar-lhe presentes e a concertar as pazes[5]. Luiz de Camões, com rara modestia, omitte o nome de seu illustre avô; dá-lhe, porém, predicados d'elegancia oratoria, e compraz-se em o fazer discursar largamente. Na dilação do discurso transluz uma licita vaidade. Vasco

Manda mais um, na pratica elegante,
Que co'o rei nobre as pazes concertasse;
........................................
[30]
Partido assi o embaixador prestante,
......................................
Com estylo que Pallas lhe ensinava,
Estas palavras taes fallando orava[6].

Nenhum biographo, que me conste, aproximou ainda a passagem do poema do nome do embaixador Antão Vaz. Verdade é que João de Barros, Damião de Goes e o bispo Osorio escondem o nome do enviado; e a maioria dos biographos não conheceu os mss. de Gaspar Corrêa, nem consultou senão os expositores triviaes. Antão Vaz, como se lê n'outros trechos d'aquelle prolixo chronista, é sempre o preferido nas mensagens em que é essencial o discurso. Conhece-se que Vasco da Gama o reputava efficaz no dom da palavra. Passado o anno 1508 não tenho noticias d'elle, nem sei que se avantajasse [31] no posto com que sahiu do reino, commandante de caravela, em 1502. Provavelmente não «fez fazenda», como lá se dizia na Asia, ou porque tinha espiritos por demais levantados da terra nas azas da eloquencia, como se deprehende do conceito do neto, ou porque pertencia á raça ainda generosa e desinteresseira dos primitivos soldados do Oriente. O certo é que a sua descendencia, filho e neto, não inculcam herdar-lhe os haveres.

[32]
[33]

III

Posto que na Carta de perdão se diga que o pai do soldado, Simão Vaz de Camões, cavalleiro fidalgo, morava na cidade de Lisboa, isto não affirma que elle, no anno em que o filho embarcou, alli residisse. Simão Vaz estanciára muito pela India, e possuíra em Baçaim, em 1543, a aldêa de Patarvaly que D. João de Castro, o vice-rei, lhe aforára por 60 [34] pardáos[7]. Estes aforamentos eram vitalicios e concedidos como remuneração de serviços a fidalgos pobres, porque, dizia o vice-rei, não dispunha d'outra moeda. Fallecido D. João de Castro, os governadores subsequentes Garcia de Sá e Jorge Cabral, insinuados por D. João III, que já vivia do expediente de emprestimos, annullaram as concessões do vice-rei como nocivas aos interesses da monarchia. A aldêa de Patarvaly foi reivindicada para a corôa, e a fortuna de Simão Vaz manifestou-se na pobreza da sua viuva e do seu filho unico.

Pedro de Mariz e a serie de biographos mais antigos testificam que Simão Vaz, tendo naufragado em terra firme de Gôa, a custo se salvára e morrera depois [35] n'esta cidade. Ora, em 1552, a nau Zambuco varou no rio de Seitapor, a trinta leguas de Gôa, salvando-se a tripolação. Seria essa a nau em que Simão Vaz de Camões ia novamente no engodo da fortuna esquiva? Se era, em março de 1553, quando Camões sahiu do carcere, a morte de seu pai não podia ainda saber-se em Lisboa. É certo que, nas Lendas de Gaspar Corrêa e Decadas de Couto, o nome de Simão Vaz é inteiramente desconhecido. Seja como fôr, é necessario expungir da biographia de Luiz de Camões um Simão Vaz, residente em Coimbra, primo do poeta, que o snr. visconde de Juromenha por desculpavel equivoco da homonymia reputou pai de Luiz, descurando as inducções da chronologia e todas as provas moraes que impugnam semelhante parentesco.

[36]

Das poesias de Camões nada se deprehende quanto aos seus progenitores. Em toda a obra poetica e variadissima do grande cantor não transluz frouxo sedimento filial,--nem um verso referente ao pai. Em todos os seus poemas escriptos na Africa e Asia, na juventude e na velhice, não ha uma nota maviosa de saudade da mãi. Os poetas da renascença tinham esse aleijão como preceito de escóla. Desnaturalisavam-se da familia, da trivialidade caseira para se inaltecerem ás cousas olympicas. Gastavam-se na sentimentalidade das epopêas e das eclogas. O amor da familia, se alguma hora reluz, não é o da sua--é o das familias heroicas. Apaixonavam-se pelo mytho, e timbravam em nos commoverem com as desgraças de Agamemnon ou Nióbe. Isto não desdoura a sensibilidade do cantor de Ignez e de Leonor de [37] Sá; mas vem de molde para notar que do poeta para com seus paes não se encontra um hendecasyllabo que lhe abone a ternura. O mesmo desamor se verifica em todos os poetas coevos, quer epicos, quer lyricos. Só uma vez em Diogo Bernardes se entrevê tal qual affecto de familia a um irmão que professa na Arrabida, e em Sá de Miranda a um filho e á esposa mortos: mas de amor filial é escusado inquirir-lhes o coração nas rimas. Parece que o haverem sido um producto physiologico do preceito da propagação os isentava de grandes affectos e respeitos a quem os gerou. Não os escandecia em raptos poeticos essa vulgar e material alliança de filhos a paes.

[38]
[39]

IV

Luiz de Camões achou-se bem, confortavelmente em Gôa. As suas cartas conhecidas não inculcam nostalgia, nem a estranheza dolorosa do insulamento em região desconhecida. Rescendem o motejo, o sarcasmo e a vaidade das valentias. Não se demora a bosquejar sequer, com séria indignação, o estrago, a gangrena que lavrava no decadente imperio índico pelos termos graves de Simão [40] Botelho, de Gaspar Corrêa, Antonio Tenreiro, Diogo do Couto e dos theologos. Narra de relance e com phrases jocosas as façanhas d'esses ignorados acutiladiços, as basofias de Toscano, a moderada furia de Calisto, e as proezas do duellista Manuel Serrão. Era este Serrão um ricaço de Baçaim, senhor de quatro aldêas, que fizera desdizer um bravo da alta milicia. Comprazia-se Camões n'estas historias façanhosas, chasqueando os pimpões de lá e os de cá, uns que nunca lhe viram as solas dos pés por onde unicamente podiam vulneral-o como ao heroe grego. Acha-se tranquillo como em cella de frade prégador, e acatado na sua força como os touros da Merceana. Preoccupava-o fortemente a bravura. Como a metropole da India portugueza, não havia terra mais de feição para chibantes. Escrevia Francisco [41] Rodrigues da Silveira: «Dentro em Gôa se cortam braços e pernas e se lançam narizes e queixadas em baixo cada dia e cada hora, e não ha justiça que sobre o caso faça alguma diligencia: dando por razão que o não permitte a India, porque cada qual pretende satisfazer-se por suas mãos de quem o tem aggravado[8]».

Depois, as mulheres. As portuguezas cahem de maduras, ou porque a lascivia as sorvou antes de sazonadas, ou porque vem ao chão de velhas:--é opiniativa a intelligencia do conceito picaresco. As indigenas são pardas como pão de rala, tem uns palavriados que travam a hervilhaca, e gelam os mais escandecidos desejos. São carne de salé [42] onde amor não acha em que pegue. Lembra-se das lisboetas que chiam como pucarinho novo com agua, e manda-lhes dizer que, se lá quizerem ir, receberão das mãos das velhotas as chaves da cidade. De envolta com estas prosas facetas, envia um soneto e uma ecloga funebres á morte d'um amigo.

Esta carta encerra a nota melancolica d'uma phrase de Scipião: Patria ingrata, não terás meus ossos. Mas a comparação, para não ser um dislate d'orgulho, era de certo um gracejo de Luiz de Camões. Que lhe devia a patria em 1553? Elle tinha 30 annos; escrevera poemas lyricos excellentes, apenas louvados na roda dos palacianos e dos menos cultos. Ferreira e Sá de Miranda parece que não o conheciam. O bravo que sahira do carcere com perdão de Gonçalo Borges a quem golpeára o cachaço, ou [43] o toutiço, como disseram os physicos do exame, em verdade, confrontando-se com Scipião Africano, ao desterrar-se, não primava em pontos de modestia. O seu avantajado e indiscutivel direito á gratidão da patria era um poema começado apenas, ou talvez ainda não tracejado. Camões tem ante si dezeseis annos para pleitear com Vasco da Gama a imperecedoura glorificação que lhe prepara. A patria desconhecia ainda o seu grande acrédor que se estava germinando no cerebro potentissimo d'aquelle seu filho--unico filho que todas as nações cultas conhecem, e o maximo na immortalidade que tem de sobreviver á terra que cantou.

Os feitos valorosos de Luiz de Camões na Asia não tiveram a notabilidade que os chronistas do Oriente e de D. João III deram a lances insignificantes de homens [44] obscuros. O diffuso author das Decadas, Couto, apenas o nomeia n'uma crise de pobreza convisinha da mendiguez. Os antigos biographos e commentaristas não o condecoram como quinhoeiro nos fastos das carnificinas memorandas. Seria grande elogio á primorosa probidade de Camões o excluil-o d'esses canibalismos, d'essa

...... bruta crueza e feridade,

como elle invectiva na estancia XCIX do canto IV.

Mas entrevejo na cerração de tres seculos que o poeta, na apotheose do Albuquerque terrivel e do Castro forte--elaborando a epopêa que sagrou em idolatria de semi-deuses uma phalange de piratas, escrevia com as mãos lavadas de sangue innocente do indio, a quem [45] apenas os conquistadores concediam terra para sepultura como precaução contra a peste dos cadaveres insepultos, quando não exhumavam as ossadas dos reis indigenas na esperança de que lh'as resgatassem com aljofar e canella[9]. Façanhas de Camões não sei decifral-as nos seus poemas: elles--os poemas--só per si sobejam na sua historia como acções gloriosissimas.

[46]
[47]

V

As suas composições satyricas aos festejos do governador Francisco Barreto parece-me que nunca seriam vistas dos offendidos nem explicam odios desnecessarios á motivação dos infortunios do poeta. Esse papel em prosa chegou a Portugal, incluso na carta que vinha com a candeia na mão morrer nas mãos do amigo[10]. Os disparates na India não offendem, [48] não individualisam, nem exprimem nitidamente a feição social. São banaes. O desterro para Macau é uma lenda. Não se desterra um inimigo desprotegido e desvalido com uma provedoria, cujo triennio afiançava uma riqueza relativa.

Provedor dos defuntos e ausentes de Macau, Luiz de Camões fruía abundantes recursos para trabalhar com socego, despreoccupado, estudando a historia e a geographia asiatica nas Decadas de João de Barros, ao passo que sinzelava de primorosos lavores a epopêa architectada. O poeta gastava á medida dos proventos e talvez o que licitamente podia dispensar sem menoscabo da sua rectidão. Mariz culpa-o de demasias nas liberalidades comsigo e com os outros: Gastador, muito liberal e magnifico, não lhe duravam os bens temporaes mais que [49] em quanto elle não via occasião de os despender a seu bel-prazer. Mas nem a enchente de bens que lá grangeou (em Macau) o pôde livrar que em terra gastasse o seu liberalmente, e no mar perdesse o das partes em um naufragio que padeceu terrivel[11].

Sem umas intermittencias de estouvanice dissipadora, e destemperada desordem de costumes, Camões seria a excepção do genio. Tem o talento transcendente crises vertiginosas, doudices sublimes que o extraviam da pauta do bom viver. Elle apreciava mais os gozos, a magnificencia, as commoções do que os pardáos amuados na arca. Sabia que o arranjar dinheiro na India era facil, excluidos os escrupulos. Disse-o elle: Os que se cá lançam a buscar dinheiro, [50] sempre se sustentam sobre agua como bexigas; mas os que sua opinião deita á las armas Mouriscote como maré corpos mortos á praia, sabei que antes que amadureçam se seccam[12]. Parece pois que não procedeu com o espolio dos defuntos e o direito dos ausentes de modo mais zeloso e exemplar que o commum dos provedores das cidades asiaticas.

Os politicos organisadores e residentes na India aconselhavam D. João III que nomeasse thesoureiro privativo para o espolio dos mortos, e obstasse a que os dinheiros passassem pelas mãos dos provedores. Logo citarei um exemplo d'esse alvitre que foi grande parte na accusação que Luiz de Camões soffreu como delapidador dos espolios.

Accusado e chamado a Gôa, sob prisão, [51] pelo governador Francisco Barreto, antes de fechado o triennio da sua provisão, naufragou e perdeu os haveres proprios e os alheios de que lhe pediam conta. Recolhido á cadêa, instaurou-se-lhe processo para o capitularem e remetterem ao reino. Raramente, porém, os capitulados por culpa d'essa especie vinham ao reino.

Francisco Barreto, gabado exageradamente na sua honra e limpeza de mãos pelo bispo D. Francisco Alexandre Lobo e pelo snr. visconde de Juromenha, havia sido tambem concussionario quando, oito annos antes, governava Baçaim. Contra ordem expressa d'el-rei D. João III desmoutava as matas e de mãos dadas com o feitor vendia ao Estado a madeira pelo triplo da quantia que lhe custava o córte--uma ladroeira que não o impediu de ser governador da India, [52] assim como Garcia de Sá, duas vezes preso como concussionario, substituiu no governo o honrado D. João de Castro. Em 1552 escrevia o veador da India, Simão Botelho, a D. João III estas graves accusações de Francisco Barreto: «O capitão de Baçaim tomou tanta posse com os poderes que lhe vossa alteza mandou, que faz mercês em seu nome, como o vice-rei; vi-o por dous mandados seus; fez escrivão da fazenda a que poz de ordenado cento e cincoenta mil reis, sem licença do vice-rei, e mandou-lhe logo pagar um anno de antemão; paga quanto soldo quer... E comquanto vossa alteza defendeu por sua provisão que os capitães de Baçaim não cortassem madeira, não o quiz Francisco Barreto deixar de fazer, mas antes pediu ao vice-rei, depois de a tirar, que lh'a tomasse para vossa [53] alteza por avaliação; e custando-lhe a corja de dezoito até vinte pardáos, lh'a avaliaram a cincoenta e oito pardáos em que se montou perto de dezoito mil pardáos de ouro, que se fez bem a sua a vontade; e assim tinha certos cavallos seus, e vende-os no soldo, para que tambem lhe o vice-rei deu licença para se pagar d'elle, o qual comprou, em que se montou seis ou sete mil pardáos; e dizem alguns que estavam concertados elle e o feitor sobre estes ganhos, e por se agora desavirem se souberam estas cousas e outras, e mal pela fazenda de vossa alteza...[13]». Aqui está o perfil do tão encomiado Francisco Barreto que poz em justiça Luiz de Camões. D'aquelle governador diz magnanimamente o snr. visconde [54] de Juromenha: homem por todos os respeitos mui digno de occupar um lugar tão elevado... E não acha motivo para que o poeta o censurasse apaixonadamente[14]. Chama-lhe «joven», e o snr. Theophilo Braga tambem adjectiva de joven o governador. Porque? Francisco Barreto em 1548 sahiu do reino capitão-mór de tres naus. Tão importante cargo não era dado a moços. Nove annos depois era provido no governo da India. Orçaria por perto dos cincoenta annos--uma juventude realmente duvidosa.

Camões estava preso quando cessou o governo de Barreto. D. Constantino de Bragança deu-lhe liberdade, quer movido por compaixão do poeta, quer por inducções de sua innocencia. Livre d'este [55] perigo, Luiz de Camões voltou á vida dos amores e das suciatas. Um dia, banqueteava os seus amigos: a primeira cortina do jantar, espiritualmente succulenta, eram trovas. Fez poesias elegiacas á incognita Dinamene, uma quem quer que fosse que morreu afogada.

Ah! minha Dinamene! assim deixaste
Quem nunca deixar póde de querer-te!...
Puderam essas aguas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste!...

N'esta dôr, porém, deve descontar-se o que vai de artificio no rhythmo, e de engenho calculado:

«............ Torno a bradar Dina...
E antes que diga Mene, acórdo e vejo
Que nem um breve engano posso ter».

Cantou a baiadera Luiza Barbora, captivo,

Da captiva gentil que serve e adora.
[56]

Sempre amores.

Diz elle sinceramente:

No tempo que de amor tiver sohia
Em varias flammas variamente ardia.

O certo é que não ha vestigios de lagrimas, nem signaes d'uma grande mortificação. Vivia de emprestimos. Miguel Rodrigues Coutinho embargava-o na cadêa por dividas, e elle satyrisava o fero Miguel armado com a sua espada de fios seccos. Não cahia aquelle forte espirito a repellões de infortunio. Transigia com a desgraça como quem não póde queixar-se conscienciosamente da injustiça humana e da fatalidade das cousas. Arrostou os perigos de segundo encarceramento. A não se darem novos motivos, Camões não pudera ainda illibar-se da nota de peculato, quando o conde de Redondo lhe deu liberdade.

[57]

Os snrs. visconde de Juromenha e doutor Theophilo Braga, encarecendo a estima que o poeta grangeára com o vice-rei conde de Redondo, citam uma carta, escripta para o reino, em que o conde, fallando do expediente do seu governo, mostra a consideração que lhe merece Camões, n'esta passagem: «Remetto-me a S. Domingos, e mando tirar os prégadores do pulpito para que venham despachar commigo os feitos; agora me valho algum tanto do provedor-mór dos defuntos».

Este equivoco original do snr. visconde, como feição nova na historia de Camões, é disparatado pelas incongruencias que suggere. Como se ha de crêr que o vice-rei chamasse á mesa do despacho um ex-funccionario arguido de concussão no exercicio da provedoria de Macau, e ainda não julgado nem absolto, [58] porque, segundo Pedro de Mariz, devia vir para o reino capitulado--accusado em capitulos, ou, como hoje se diria, pronunciado? Concedido ainda que o ouvidor geral de Gôa o absolvesse de ambas as vezes que foi preso--o que se não prova, porque a sua liberdade foi acto arbitrario e por ventura equitativo de dous governadores--como admittir que os magistrados se acamaradassem com o manchado ex-provedor dos defuntos no expediente dos negocios? Esta incompatibilidade facilmente se deslinda, e não viria a lume na obra erudita do snr. visconde de Juromenha, se ao versado escriptor occorresse que em Gôa havia um provedor-mór de defuntos e que esse devia ser o provedor a quem alludia o conde de Redondo. E, de feito, esse magistrado era o licenceado Christovão Ferreira, homem probo, consoante [59] o testemunho do veador Simão Botelho de Andrade que, em carta de 30 de janeiro de 1552, dizia a el-rei D. João III: «... O ouvidor geral André de Mendanha é infamado n'esta terra acerca de peitas: póde ser que será mentira: e no mais do seu cargo parece que o faz bem: o provedor-mór Christovão Fernandes é muito bom homem, segundo dizem, se não é um pouco embaraçado no cargo: parece que havia de haver thesoureiro do dinheiro dos defuntos, porque será melhor despacho para as partes, e andará o dinheiro mais liquido e certo, quando o não houver de arrecadar a pessoa que houver de julgar[15]. O frade dominicano que o vice-rei [60] chamava ao seu despacho era esse mesmo Simão Botelho das cartas austeras, que depois de ter sido muitos annos veador e capitão de Malaca, vestira o habito de S. Domingos, e assim mesmo era consultado por todos os vice-reis, e acompanhára D. Constantino na jornada de Jafanapatão, em 1560, arvorando á frente da hoste um Christo crucificado. Rodrigo Felner, prefaciando os escriptos ineditos de Simão Botelho, mostrou-se pezaroso por não saber o fim d'aquelle homem, «um dos mais illustrados do seu tempo, e alma incorruptivel». Facil era averigual-o, se buscasse na vulgar Chronica de S. Domingos, por frei Luiz Sousa, ou sequer em Diogo do Couto os [61] ultimos actos de tão interessante personagem.

Outra hypothese que me não parece aceitavel:--a do provimento da feitoria de Chaul em Luiz de Camões pelo vice-rei D. Antão de Noronha. Achou o snr. visconde de Juromenha o alvará de Philippe I de Portugal que concede a Anna de Sá a tença de 15$000 reis que recebia o filho fallecido. Diz o alvará: ... havendo respeito aos serviços de Simão Vaz de Camões e aos de Luiz de Camões, seu filho, cavalleiro da minha casa e a não entrar na feitoria de Chaul de que era provido, etc. D'isto deprehendeu o biographo que Luiz de Camões fôra provido pelo vice-rei D. Antão de Noronha.

Camões não regressaria pobre, empenhado, vivendo do bem-fazer dos passageiros, se o vice-rei o provesse na vaga [62] d'uma feitoria que avultava ao rendimento de 500 pardáos, com rendimentos e cargos annexos licitamente percebidos. Esse provimento lhe bastaria como hypotheca a adiantamentos e independencia relativa. A mim me quer parecer que a feitoria de Chaul lhe foi dada por provisão real depois da publicação dos Lusiadas, ao mesmo tempo que se lhe deu a tença, sob condição de residir na côrte. A condição de residencia seria inexplicavel d'outro modo. Logo que a feitoria vagasse, cessaria a tença. A condição inhibia-o de auferir a tença desde que exercesse o officio.

[63]

VI

A tença dos 15$000 reis, o apregoado escandalo da sovinaria dos ministros, não era, áquelle tempo, a miseria que se nos cá figura. Vejamos e comparemos os ordenados d'aquella época. O ordenado dos desembargadores do cardeal infante eram 30$000 reis, do copeiro-mór 6$000 reis, do vedor das obras 4$000 reis, do guarda-mór 13$000 reis, e do veador da fazenda [64] 30$000 reis. As tenças de 30$000 reis eram apanagio de homens de muitos serviços.

Na conta de receita e despeza de 1557 vê-se que o regedor da justiça, 45 desembargadores, e os do paço que não eram poucos, e os da fazenda que eram muitos, todos juntos, receberam dos seus ordenados 3:777$800 reis. O governador da casa do civel, 24 desembargadores, 6 alcaides, 100 empregados e outros officiaes de justiça, todos juntos, receberam dos seus ordenados 1:664$200 reis[16]. Trinta annos depois, o numerario não estava mais barato, e os reis de tença de Camões haviam de parecer um excesso, um esbanjamento da fazenda nacional a qualquer d'aquelles desembargadores. Diogo Botelho, [65] tão celebrado em Africa e Asia, recebia 12$000 reis de tença[17]. Luiz de Camões não se julgaria desdourado com os 15$000 reis, nem essas hypotheses de fomes, frios e mendicidades que se encarecem deve aceital-as a critica desligada de velhos preconceitos.

Eu creio tanto na mendicidade de Homero como nos peditórios nocturnos de esmola do Antonio de Java para sustentar Camões. Se o poeta chegasse ao extremo da penuria, acharia no refeitorio dos seus bons amigos dominicanos com quem tratava frequentemente a farta mesa que alli encontravam somenos benemeritos. Não me soffre o conceito que fórmo d'esse egregio espirito que elle quizesse a vida sustentada com tão [66] desprimorosos expedientes. É a lenda da miseria em que se comprazem as imaginações sombrias. Porque elle pediu em verso uma camisa em Gôa, decidiram que o poeta não tinha camisa. Parece ignorarem que a dadiva d'uma camisa como ellas por esse tempo se presenteavam era um objecto caro e luxuoso. A fabula tecida sobre a fome de Camões originou-se talvez d'alguns poetas subalternos que entenderam desforçar-se da sua pobreza affrontando a nação que vira finar-se no desconforto o principe dos poetas da Hespanha. Consolavam-se assim com a camaradagem e vociferavam contra a ingratidão dos parvos. Espanta, porém, que se não clamasse com mais justiça contra os aulicos que deixaram morrer no hospital Antonio Galvão, o apostolo das Molucas, e Duarte Pacheco Pereira.

[67]

Não se póde ajuizar que os proventos do poema impresso lhe auxiliassem a vida. Os Lusiadas talvez lhe não surtissem o equivalente da tença nos oito annos da sua maior popularidade. Devia ser vagarosa a extracção da obra, attentas as calamidades d'aquelles annos--pestes, ameaças de guerra, pobreza do estado, corrupção de costumes, desavenças no paço, a preponderancia dos livros mysticos e o descahimento das letras profanas. A segunda edição do poema, no mesmo anno de 1572, em vista dos argumentos plausiveis do academico Trigoso[18], não é aceitavel nem sequer verosimil. Falsificaram retrospectivamente a data porque havia razão para recear que uma censura mais severa [68] prohibisse nova edição sem os córtes das estancias que desagradaram á clerezia e á pudicicia d'uns velhos que poderiam, na verdura dos annos, ter assistido sem pejo ás chocarrices obscenas de Gil Vicente. Não se póde calcular quantos annos intercorreram da primeira á segunda edição; é, todavia, provavel que a segunda se fizesse em vida do poeta.

Luiz de Camões, se a vida se lhe prolongasse, teria mais abastada velhice. Philippe II de Castella, vindo a Portugal mezes depois da morte do poeta, perguntou pelo author dos Lusiadas. Não me consta que os reis naturaes, os legitimos, alguma hora perguntassem por Camões. O intruso concedeu á provecta mãi do poeta fallecido a tença que o filho recebia. Este procedimento, e a curiosidade benevola do usurpador é o [69] unico acto honorifico que liga a biographia de Camões á dos monarchas. D. João III desterrára-o, D. Catharina e o cardeal desprezaram-o, D. Sebastião ouviria novas do seu poema, lêl-o-hia, e não impugnaria a concessão da tença e do officio na Asia. No desprezo, se não odio da rainha D. Catharina transpira a vingança do rancoroso Francisco Barreto contra quem Camões, livre dos ferros, dardejaria violentas, mas não injustas satyras. Barreto, chegado a Lisboa, vingou-se de quantos inimigos deixára na India. O bravo Gonçalo Falcão, que logo que elle sahiu do governo o desafiára a combate singular, foi mandado carregar de ferros e conduzir a Lisboa. Pôde fugir a tamanha ignominia o bravo de Jafanapatão, escondeu-se em Lisboa, e conseguiu ser absolvido, allegando que os duellos ainda não eram prohibidos [70] pelo concilio tridentino, quando elle reptou Francisco Barreto. Não obstante, a rainha mandou-o riscar dos livros da nobreza e reduziu-o á miseria. D. Sebastião, volvidos annos, restituiu-o á capitania de Sofála, onde expirou apenas tomou posse. Barreto fanatisára a rainha brindando-a com uma pedra milagrosa que levou da India. O seixo tinha sete céos de côres diversas e uma figura de mulher com um menino no collo. Era Nossa Senhora, achada nas mãos d'um bonzo! Agua onde mergulhassem a pedra sarava muitas doenças; mulheres de parto muito bem pariam, assevera Miguel Leitão de Andrade na Miscellanea; e nas mãos da rainha o calhau fazia os mesmos milagres. A viuva de D. João III, além d'estes seixos milagrosos, gostava muito que os governadores do Levante lhe vendessem bem e pelo maior preço [71] a pimenta. É o que ella pedia fervorosamente a D. João de Castro e aos outros vice-reis. A respeito de poetas e viajantes, dava tanto por Luiz de Camões como por Fernão Mendes Pinto--rivaes no infortunio, mas não iguaes no merecimento de melhor sorte. Os favores, embora apoucados, que Luiz de Camões recebeu da côrte são posteriores ás finaes desavenças de D. Sebastião com sua avó. Esse divorcio deu-se em 1571, e o alvará da tença é lavrado em 1572.

Não vituperemos Philippe I pelo desamor com que tratou os nossos escriptores. Não cahe a ponto aqui a lista dos talentos portuguezes protegidos pelos reis castelhanos, desde Diogo Bernardes, o moço da toalha, até Manoel de Sousa Coutinho, o incendiario da casa de Almada, que, depois de frade, offerecia [72] a sua chronica ao terceiro dos usurpadores. Se Camões se bandearia em Castella como Gabriel Pereira de Castro, Caminha, Pereira Brandão e Côrte Real não sei; porém, quando o snr. Theophilo Braga me nomeia os amigos de Camões parciaes do prior do Crato, e entre elles está Miguel Leitão de Andrade, lembra-me se Camões, vivendo, seria tanto por D. Antonio como o preconisado Leitão de Andrade. Diz o snr. doutor Theophilo Braga na sua primeira Vida de Camões e repete na segunda, publicada ha dias, que o author da Miscellanea «esteve a ponto de ser degolado pelo invasor hespanhol». O snr. Braga entendeu a passagem do carnaz. Miguel Leitão esteve a pique de ser decapitado justamente porque fugia de D. Antonio para o usurpador Philippe. Elle mesmo o refere na Miscellanea, n'estes termos [73] explicitos: No tempo que o snr. D. Antonio se levantou rei, me achei com elle em Lisboa, por não poder escusar servil-o, sendo fidalgo de sua casa. Porém, vendo entregar-se a fortaleza de S. Gião a Sua Magestade me pareceu ir-me para o dito senhor, e indo ja na Gollegan, a meu parecer fóra ja do perigo de morte a todos os que se fossem de Lisboa, a qual executava cruelmente Manoel da Silva fronteiro de Santarem, alli me prenderam, etc. E conta depois como pôde evadir-se pela latrina, e foi depois mais tarde a Madrid requerer com o traslado authentico dos trabalhos que passou para fugir. Tambem o snr. visconde de Juromenha conjecturou que Camões estivesse no Pedrogão, convidado por Miguel Leitão de Andrade quando foi desterrado para Riba-Tejo. Camões soffreu este desterro em 1546, e [74] Miguel Leitão de Andrade nasceu em 1555. Não me parece aceitavel que Camões fosse visitar um sujeito que nasceu nove annos depois da visita. Que processos tão de palpite e phantasmagoricos tem usado estes doutos na biographia de Camões! Se não seria melhor estudar o assumpto!

Accusam os jesuitas de propulsores da jornada de Africa, porque aferventavam o zelo religioso do principe fanatisado contra a mourisma. Porque não accusam com maior justiça e sobre provas escriptas Luiz de Camões? Affirma o snr. Theophilo Braga que o poeta não sympathisava com a jornada d'Africa. Tanto sympathisava que, ao proposito da setta enviada pelo Papa a D. Sebastião, lhe escreveu uma epistola recheada de versos assignalados por uma virulenta rhetorica sanguinaria:

[75]
Já por ordem do céo, que o consentiu,
Tendes o braço seu, reliquia cara,
Defensor contra o gladio que feriu
O povo que David contar mandára,
No qual, pois tudo em vós se permittiu,
Presagio temos, e esperança clara,
Que sereis braço forte e soberano
Contra o soberbo gladio Mauritano.

....................................
Que as vossas settas são na justa guerra
Agudas, e entrarão por derradeiro
(Cahindo a vossos pés povo sem lei)
Nos peitos que inimigos são do Rei.

Está revendo a incitadora carta um coração que ainda vibra hostil como outr'ora o braço valoroso do mancebo que se estreára em Ceuta, Não se condemne Luiz de Camões por esse enthusiasmo; mas reservemos os louvores da prudencia discreta e previdente para o bispo Jeronymo Osorio e Martim Gonçalves da Camara. Se pretendem illibar Camões da nodoa quasi commum dos fidalgos--para que nos dizem que o alquebrado [76] poeta escreveu bastantes estancias cantando, por hypothese, o regresso triumphal do coroado imperador de Marrocos? Essa mal estreada epopêa condiz á indole bellicosa de Camões--foi a ultima e mallograda explosão do seu patriotismo; todavia, é uma prova negativa do seu juizo politico. Emfim, sempre poeta e sublime poeta do amor e das batalhas, foi astro que refulgiu até ao occaso, apesar dos annos aggravados de doença, de necessidades supportadas com a impaciencia da velhice, e um pouco do fel do ciume d'outros poetas eleitos para cantarem a Iliada africana.

[77]

VII

Se Luiz de Camões, em pureza de costumes, condissesse com a sobr'excellencia do engenho, seria exemplar unico de talento irmanado com o juizo. Não se conciliam as regras austeras da vida serena e pautada com as convulsões da phantasia. Amores d'alto enlevo e de baixa estôfa, o ideal de Catharina de Athaide e as carnalidades das malabares e baiaderas levantinas--o exalçar-se a [78] regiões de luz divina e o cahir nos tremedaes do vulgo--essas vicissitudes que a si mesmo fazem o homem assombroso em sua magestade e miseria, tudo isso foi Camões, e em tudo isso foi semelhante aos genios eminentissimos; mas nenhum homem como elle pôde redimir-se de suas fragilidades, divinisando os erros da imprudencia, fazendo-se amar nos extravios, e immortalisando-se em um livro que, ao fechar de tres seculos, alvoroça uma nação. É de nós todos esse thesouro legado por um homem que no dia 10 de junho de 1580 expirava na obscuridade. Elle teve de esmola a mortalha. Permitta a Providencia das nações que os Lusiadas não sejam a esplendida mortalha que Luiz de Camões deixou a Portugal.

[79]
[80]

[1] Por compra feita ao livreiro snr. Rodrigues, da travessa de S. Nicolau, em 1871.

[2] Nobiliario das gerações d'Entre Douro e Minho escripto por Manuel de Sousa da Silva. D'este genealogico nos dá noticia abonatoria D. Antonio Caetano de Sousa, no Apparato á Historia genealogica, pag. CLXIII: «Manuel de Sousa da Silva, filho de Antonio de Sousa Alcaforado e de sua mulher D. Isabel da Silva, filha de Duarte Carneiro Rangel. Foi capitão-mór do concelho de Santa Cruz de Riba Tamega: escreveu notas ao conde D. Pedro em um grande volume em folio que se conserva original da sua mesma letra na livraria de Luiz Carlos Machado, senhor de Entre Homem e Cavado. Escreveu em quintilhas os solares de todas as familias do reino manuscriptas, e um grande numero de titulos de familias com muita exacção porque viu os cartorios dos mosteiros antigos do Minho de que tirou muitas antiguidades para as familias de que tratou».

[3] Eufrosina. act. I, sc. VI, e act. II, sc. II.

[4] Obras de Luiz de Camões, ediç. Jur., tom. I, pag. 166.

[5] Lendas de Gaspar Corrêa, tom. I, pag. 560 e 561.

[6] Veja as estancias desde LXXVII a LXXXIV do canto II.

[7] Tombo do Estado da India, por Simão Botelho. (Na Collecção dos ineditos para a Historia das conquistas dos portuguezes, pag. 198).

[8] Memorias d'um soldado da India, compiladas por A. de S. Costa Lobo. Lisboa 1877.

[9] Lendas de Gaspar Corrêa, III, 637.

[10] Carta II.

[11] Vida de Camões.

[12] Carta I.

[13] Carta de Simão Botelho, pag. 32. (Na Collecçao de monumentos ineditos para a historia das conquistas dos portuguezes, tom. V).

[14] Ediç. Jur., tom. I, pag. 70 e 83.

[15] Cartas de Simão Botelho, pag. 40 e 41. Este alvitre do veador, sempre honrado e muito aceito ao monarcha, surtiu as cautelas e desconfianças que puzeram Camões ao lado de muitos réos do mesmo delicto, porque sentenceavam a entrega dos dinheiros que «arrecadavam», tornando-os por isso menos liquidos e certos.

[16] Rebello da Silva, Historia de Portugal, tom. V.

[17] Hist. gen. da casa real. Provas, tom. VI, pag. 633 e seg.

[18] Historia e memorias da Academia real das sciencias.






End of the Project Gutenberg EBook of Luiz de Camões: notas biograficas, by 
Camilo Castelo Branco

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK LUIZ DE CAMÕES: NOTAS BIOGRAFICAS ***

***** This file should be named 24514-h.htm or 24514-h.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
        http://www.gutenberg.org/2/4/5/1/24514/

Produced by Pedro Saborano (from images made available by
Google Book Search)


Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties.  Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark.  Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission.  If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy.  You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research.  They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks.  Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.



*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
http://gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH F3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
http://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit http://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including checks, online payments and credit card donations.
To donate, please visit: http://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     http://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.