The Project Gutenberg eBook of Vida de Takla Haymanot

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Title: Vida de Takla Haymanot

Author: Manuel de Almeida

F. M. Esteves Pereira

Release date: May 4, 2009 [eBook #28692]
Most recently updated: January 5, 2021

Language: Portuguese

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VIDA DE TAKLA HAYMANOT

PELO

P. MANUEL DE ALMEIDA

da Companhia de Jesus

PUBLICADA POR

FRANCISCO MARIA ESTEVES PEREIRA

 

 

 

 

LISBOA
IMPRENSA LUCAS
93--Rua do Diario de Noticias--93
1899

PREFAÇÃO

Dos successos e vicissitudes do antigo reino da Ethiopia sómente se possuem noticias circumstanciadas a partir do reinado de Amda Seyon (6807-6836 M., 1315-1344 J. C.), de cujos gloriosos feitos foi conservada a narração na obra conhecida pelo nome de Historia das guerras de Amda Seyon[1]. Dos tempos anteriores não existem chronicas, apenas ha listas dos reis[2], e muito breves noticias se encontram espalhadas em differentes escriptos. Entre os documentos, que prestam mais valioso subsidio ao estudo da historia antiga de Ethiopia, são de grande importancia as vidas dos santos, que exerceram alguma influencia no mesmo paiz, quer na introducção e propagação do christianismo, quer na implantação e diffusão do monachismo, quer nas revoluções politicas. Este facto não deve causar admiração, e resulta principalmente da indole de certo modo theocratica do governo de Ethiopia, do grande poderio do clero, e das condições sociaes dos escriptores, quasi sempre ecclesiasticos[3].

Entre os santos naturaes de Ethiopia o mais eminente é sem duvida Takla Haymanot, o qual sempre foi tido pelos Abexins por varão apostolico, de analisada virtude, e maravilhoso em milagres; e se não foi o auctor e fundador da ordem monastica, que depois teve o seu nome, reformou-a e illustrou-a grandemente, de modo que ella floresceu durante seculos em numero de religiosos, em exemplo de virtudes heroicas, e em letras, quanto se podia esperar de gente, que nunca teve mestres, que lhes dessem algumas luzes das sciencias humanas, nem da theologia scholastica[4]. O zelo de Takla Haymanot não se limitou a edificar na virtude com a pregação e o exemplo os christãos do seu paiz; mas gastou a maior parte da sua vida, longa e laboriosa, na implantação da fé christã entre as gentes rudes, que habitavam as regiões meridionaes de Ethiopia, como Damot e Davaro, as quaes ainda então viviam mergulhadas no mais grosseiro gentilismo[5].

Da Vida de Takla Haymanot existem duas redacções escriptas em geez: uma devida aos monges do mosteiro de Valdeba, em Tegre; outra dos monges do mosteiro de Dabra Libanos, em Xava.

A redacção dos monges de Valdeba parece ter sido escripta no seculo XV, provavelmente no tempo do rei Zara Yaeqob (6927-6960 M., 1435-1468 J. C.); o seu auctor foi verisimilmente um monge do mosteiro de S. Samuel de Valdeba[6]. Esta redacção é a mais breve das duas; está escripta em geez puro, sem mistura de palavras amarinhas; o seu estylo é simples e elegante. D'esta redacção só existe uma copia contida no manuscripto ethiopico n.º 136 da Bibliotheca Nacional de Paris[7]; foi publicada por Conti Rossini[8].

A redacção dos monges de Dabra Libanos parece ter sido escripta tambem no seculo XV, mas posteriormente á redacção dos monges de Valdeba; o seu auctor foi verisimilmente um monge do mosteiro de Dabra Libanos. Esta redacção é muito desenvolvida; comprehende CXVI capitulos, seguidos da narrativa da trasladação das reliquias do santo e dos seus milagres; está escripta em geez puro, sem mistura de palavras amarinhas; o seu estylo é simples e elegante. D'esta redacção existem numerosas copias: no Museu Britannico dez (ms. add. 16257, mss. orient. 696, 721, 722, 723, 724, 725, 726, 727, 728)[9]; na Bibliotheca Bodleiana de Oxford uma (ms. aeth. c. 3)[10]; na Bibliotheca nacional de Paris duas (ms. eth. 137 e 138)[11]; na collecção de A. d'Abbadie uma (ms. eth. 40)[12]. Esta redacção é inedita.

Ambas as redacções contem muitas noticias acerca das crenças dos povos, que no tempo de Takla Haymanot habitavam as regiões situadas ao sul de Ethiopia, antes de serem convertidos ao christianismo; são por isso de subido valor para a ethnographia d'aquelles povos, e por meio dellas será possivel determinar as gentes de que eram oriundos, e apreciar a influencia d'aquellas que os dominaram, ou com as quaes mantiveram relações commerciaes.

Do que se conta na Vida de Takla Haymanot não é possivel concluir-se a epocha precisa, em que o mesmo santo viveu. O P. Manuel de Almeida, da Companhia de Jesus, que esteve em Ethiopia nos annos de 1624 a 1633, observa com razão, que esta historia contem diversos e graves erros chronologicos, e que o maior é contar que o mesmo santo viveu no tempo do rei Yekuno Amlak (6762-6776 M., 1270-1284 J. C), e que recebeu o habito e capello do abba Yohani, terceiro successor do abba Aragavi como superior do mosteiro de Damo, que, pelo que se refere na sua historia[13], viveu no fim do seculo V e principio do seculo VI de J. C. Como porém na Vida de Takla Haymanot se conta, que este santo converteu ao christianismo a gente de Damot e de outras terras meridionaes de Ethiopia, e nella se não faz menção dos musulmanos[14], que logo nos primeiros seculos depois do seu apparecimento começaram a infestar o reino de Ethiopia, concluiu o P. Manuel de Almeida[15], que Takla Haymanot floresceu no seculo VIII de J. C.

Da redacção de Dabra Libanos foi feita uma traducção arabica, a qual, segundo se diz no seu titulo, foi enviada pelo rei Galavdevos (7033-7051 M., 1541-1559 J. C.) ao abba Gabriel, XCV arcebispo de Alexandria. A traducção arabica é algum tanto abreviada; os nomes proprios são todos geez, mas soffreram consideraveis alterações[16]. D'esta traducção são conhecidas duas copias: uma é contida no manuscripto arabico n.º 284 (ancien fonds n.º 159) da Bibliotheca Nacional de Paris, datado do anno de 1307 dos Martyres (1590 J. C.)[17]; outra no codice arabico christão CV da Bibliotheca Bodleiana de Oxford, datado do anno de 1310 dos Martyres (1593 J. C.)[18]. Esta traducção é inedita.

Da redacção de Dabra Libanos foi feito um resumo em portuguez pelo P. Manuel de Almeida, e por elle incluida no segundo livro da sua Historia de Ethiopia a alta[19]. Acerca do modo como foi feito este resumo diz o P. Manuel de Almeida[20]: «Escreverei aqui a vida de Tecla Haymanot, assim como está no livro de Ethiopia, que elles tem por mais verdadeiro, posto que o não é em muitas cousas, como se deixará ver no discurso da historia;... mas tambem declaro logo, que não me pareceo bem escrever aqui esta historia palavra por palavra, assim como está no seu livro, por ser demasiadamente comprida e enfadonha; comtudo não porei senão o que nella acho, e isto abreviando quanto for necessario sem deixar cousa alguma que de conta seja, cortando mais pelas palavras que pelas cousas.»

Este resumo, ainda que muito breve, tem particular valor; dá uma ideia sufficientemente aproximada e completa do original, e mostra que este não soffreu alterações nos tres ultimos seculos. Os nomes proprios são escriptos algum tanto incorrectamente; comtudo é sempre facil reconhecer a forma ethiopica, e fazer a sua identificação. Além d'isso o mesmo resumo é um notavel documento dos trabalhos litterarios dos missionarios portuguezes dos seculos XVI e XVII, que ao mesmo tempo, que com incomparavel zelo implantavam e sustentavam a fé christã entre muitas nações da Africa e da Asia, com louvavel diligencia estudavam a lingua, a litteratura, a historia, os usos e os costumes dos povos, que evangelizavam. Pareceu por isso util a publicação do mesmo resumo; elle prestará sem duvida algum subsidio aos eruditos, pelo menos em quanto não é publicada a redacção original.

VIDA DE TECLA HAYMANOT

Tecla Haymanot quer dizer Planta da Fé; foi descendente de Sadoc, sacerdote, filho de Abeitar de Hierusalem; porque, quando Salamão mandou a seu filho, pera que reinasse em Ethiopia, mandou com elle a Azarias, filho de Sadoc, pera ser sacerdote, como seu pai; e sahio de Hierusalem com grande festa e honra, trazendo comsigo a arca de Siam Deos de Israel; e pouco tempo despois, chegado á terra de Tigré, casou Azarias com huma filha dos honrados da terra, que se chamava Decamadabay, e gerou hum filho, a quem poz por nome Sadoc, como seu pai; Sadoc, gerou a Levi; e Levi gerou a Hizbizaay; e Hizbizaay [gerou] a Hezbeoay; e estes sacerdotes ensinaram a Lei velha á gente de Ethiopia, até o tempo que Tiberio era Emperador de Roma, e Herodes Rei de Galileia, e Bacen Rei de Ethiopia, e Aquim sacerdote; então nasceo Nosso Senhor Jesus Christo em Bethlem de Judá; Aquim, sacerdote, gerou a Simão; e Simão gerou a Embarim; e despois da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Christo 256 annos, veio hum mercador de Hierusalem, e com elle dous meninos, que se chamavam Fremenatos e Sydracos, e se agasalharam em casa de Embarim, sacerdote; e aquella noite adoeceo o mercador, e dali a pouco tempo morreo; e os meninos se criaram em casa de Embarim. Nossos pais antigos[21] nos trouxeram a circumcisão; e o crer em Christo nos ensinou a Rainha Endake; pera nos bautizar e dar a communhão não veio a nós Apostolo; mas vós ide ao Papa de Hierusalem, pera que vos dê poder de ser nosso apostolo: e deulhe ouro e prata pera seu caminho.

Com isto partio Fremenatos de Ethiopia, e chegando a Hierusalem, referio ao Papa Athanasio os costumes desta terra, com o que elle se alegrou muito; e ordenandoo o fez Bispo de Ethiopia, e lhe poz por nome Abba Salama, que quer dizer Padre Pacifico, porque havia de por paz entre Deos e os homens; e assi tornou Abba Salama á terra de Agazy, e chegou a Embarim aos 315 annos do nascimento de Christo Nosso Senhor, e o bautizou, e lhe deu ordens de diacono, e despois de sacerdote; e mudandolhe o nome, o chamou Hezbekadez, e lhe mandou que bautizasse toda agente, e disse que lhe dava poderes de Bispo; e assi foi bautizando a todos os de Tigré, Amaharâ, e Angot, e ensinandolhes a Fé de Christo; e foram muito bons christãos. Hezbekadez gerou a Hezbebarie; este veio da terra de Tigré, e fez seu assento na terra de Daont, que se chama Baheraquedâ, aonde casou, e gerou a Tecla Kade; este casouse no Amaharâ com huma mulher, que se chamava Maguedela, e gerou sete filhos, e até agora estão ali seus descendentes; e hum daquelles sete, que se chamava Azquelevi, bautizou a gente de Olecâ e Amaharâ, e a gente de Marrabete e Manz. Este Azquelevi casou em Harbeguixe, e gerou a Abaila, a quem, despois que cresceo, mandou el Rei Dignacio á terra de Guva com cento e cincoenta sacerdotes; e chegando bautizou em hum dia vinte mil, e edificaram muitas igrejas; e Abaila escolheo a terra de Zorarê, e gerou Harbeguixê; este gerou a Bacoraseon; este gerou a Hezbekadez; este gerou a Brahanamascal; em tempo deste passou o reino de Israel a Zagoe; Brahanamascal gerou a Heotbena; este gerou a Zarajoanes; [este gerou] a Sagaza Ab, o qual he pai do nosso santo. Sagaza Ab casou com huma filha dos honrados daquella terra, que se chamava Sara; e foram ambos tementes a Deos, faziam muita oração, jejuavam, e davam grandes esmolas; e amavamse como Abraham e Sara, e Zacharias e Isabo.

Era Sara dotada de grande formosura e muito prudente; pelo que seu sogro a chamou Egzyereâ, que quer dizer Deos a escolheo, e por este nome se nomeou ao diante; porém era esteril, pelo que ella e seu marido tinham grande sentimento; e assi pediam muito a Deos, que lhes desse fructo de benção; e pera alcançar esta mercê, tomaram ao archanjo S. Miguel por seu particular avogado, e cada mez lhe faziam festa; mas vendo que havia já muitos annos que eram casados, e que não alcançavam o que tanto desejavam, offereceram a Deos, e repartiram com as igrejas e os pobres toda sua fazenda, forrando juntamente muitos escravo que tinham.

Neste tempo se levantou hum tyrano, por nome Mutolamê[22], cuja mãi se chamava Aseldanê, e reinou nas terras de Damot, Xaoa, Amaharâ, até o rio Gemâ; este adorava os idolos, e destruia as igrejas. Hum dia veio este tyrano dar hum assalto na terra de Salalgi, e cercou a Zorarê; fugiu Sagaza Ab; seguioo hum cavalleiro dos do tyrano, e indo já perto lhe atirou com huma lança, mas errouo; segundou com outra, mas esta se virou no ar, e lhe veio atravessar hum braço; ficou o homem espantado, e Sagaza Ab teve tempo pera se meter em huma alagoa, que ali perto estava, na qual S. Miguel o guardou por espaço de tres dias debaixo da agoa. Egzyereâ cativou neste assalto; e vendo os soldados sua extraordinaria formosura, a levaram a seu Rei, o qual a cubiçou pera mulher; e dandolhe ricos vestidos, mandou aparelhar grandes festas pera a receber e coroar por rainha diante de hum seu idolo em hum templo, que se chamava Malberedê s. Seiva de Deos. Egzyereâ estava muito triste, e passava os dias e noites em oração, pedindo a Deos a livrasse das incestuosas bodas do tyrano. Chegou o dia sinalado, que foi o de 22 de agosto; sahio Mutolamê com toda a sua corte, do melhor que nella havia; e mandou trazer a Egzyereâ ricamente vestida até o templo dos seus idolos; estava o ceo claro e sereno; porém em hum momento se toldou de nuvens grossas e espessas, as quais se romperam em trovões espantosos, e em tantos raios e coriscos, que mataram a mil soldados, e a trezentos feiticeiros e sacerdotes dos idolos; e o tyrano Mutolamê ficou tam assombrado, que perdeo de todo o juizo, e desta maneira viveo muitos annos; só a serva de Deos ficou intacta, porque o archanjo S. Miguel no meio daquella escuridão lhe appareceo com grande luz e resplandor; e tomandoa, e levandoa pelos ares, de Damot a poz em hum momento em sua terra de Zorarê. Sahia da igreja Sagaza Ab, aonde fora encommendar a Nosso Senhor a vida e saude de sua mulher; encontrando com ella, ficou não menos espantado, que alegre, ouvindo contarlhe as maravilhas, que Deos e o santo archanjo obraram em seu livramento; contoulhe elle tambem os favores que primeiro recebera de S. Miguel; e passando o dia em louvores de Deos, naquella noite concebeo Egzyereâ, e teve ella e seu marido varios e mysteriosos sonhos, em que Deos lhe descobrio as grandezas do filho, que Deos lhe queria dar; era 23 de agosto o seguinte dia que amanheceo, e dali a nove mezes, aos 30 de dezembro lhes nasceo o bemdito menino; o qual ao terceiro dia despois de nascer, alevantando a mãosinha, e abrindolhe Deos a bocca, disse em alta voz estas palavras: Hum Padre Santo, hum filho Santo, hum Spirito Santo: pasmaram todos os presentes, e deram a Deos grandes louvores; e como se acabou o tempo da purificação, que são quarenta dias, levaram o menino ao templo, e o bautizaram, pondolhe por nome Feça Sion, que quer dizer Alegria de Siam, polla muita que lhes trouxe, e muita mais que trazia Deos a toda a igreja por meio deste menino. Sendo de treze mezes Feça Sion, em toda a Xaoa e Zorarê havia grande fome; e chegandose a festa de S. Miguel não tinham seus pais com que a festejar, dando nella como costumavam largas esmolas aos pobres; havia em casa hum cesto com hum pouco de trigo, hum calão com alguma manteiga, e algum sal. Sobre tudo isto poz o menino as mãos, e fez o sinal da cruz; e logo o trigo pullou no cesto, cresceo a manteiga e sal, de maneira que se encheram doze cestos de trigo, muitos calões de manteiga, e houve sal em abundancia; fizeram sua festa dando as costumadas esmolas, e sobejoulhe ainda pera todo o tempo da fome.

Cresceo o menino em idade e saber; aprendeo os salmos de David com admiravel facilidade; jejuava muito, e com o jejum e paciencia se armava contra as tentações do diabo. Chegando aos dezoito annos o levou seu pai ao Abbuna Kerilos, sendo Patriarcha de Alexandria Abba Benjamin, pera que o ordenasse de diacono; appareceo S. Miguel ao Abbuna, e reveloulhe como Deos tinha escolhido aquelle menino pera cousas de grande gloria e honra sua; e por isso em o vendo, lhe mostrou muito amor e respeito, e lhe deu as ordens de diacono com grande vontade. Voltando Feça Sion pera sua terra, a hum homem que o tratou mal, e não quiz agasalhar em sua casa, alevantandoo no ar, o fez açoutar S. Miguel, até que elle pedia misericordia, e Feça Sion fez oração por elle; indo mais adiante, anoitecendolhe em hum lugar, em que não havia agoa, a pedio elle a Nosso Senhor com muitas lagrimas, e chegando as que chorava, ao chão, arrebentou huma fonte muito clara, em a qual elle e vinte homens, que vinham em sua companhia, beberam e mataram a sede.

Pouco despois de chegar a sua casa ordenado de diacono, trataram seus pais de o casar; repugnou elle a isto com grande determinação, dizendo que tinha offerecido a Deos sua riqueza; porém os pais, pretendendo sahir com seu intento, trouxeram a donzella, com quem o queriam casar, pera sua casa; mas Deos acudio, e ordenou, que ella dentro de poucos dias adoecesse e falecesse. Feça Sion então se foi a buscar o Abbuna Keriloa, e lhe disse que attentasse pelos abusos que havia na terra, que faziam outra Fé, e outro costume novo da igreja, porque bautizavam os meninos antes de os circumcidarem; ouvindo isto o Abbuna Kerilos lhe deu a benção, e disse: Porque tendes zelo das cousas de Deos, como Elias propheta de Israel, haveis de ser novo apostolo, e derrubareis os idolos, e lançareis aos demonios fora dos corpos, e fareis que muitos, deixada a adoração dos demonios, adorem a Christo Nosso Senhor polla graça do Spirito Santo, que está em vós: e logo o ordenou de missa, e fez como vigario geral seu em toda a terra de Xaoa, e o mandou pera ella com muita honra.

Pouco despois de chegar á sua terra morreram seus pais, Egzyereâ aos 12 de agosto, e Sagaza Ab aos 16 do mesmo mez; teve Feça Sion o devido sentimento com a morte de tão bons pais; e gosando das riquezas que lhe deixaram, e cumprindo com as obrigações de sacerdote, esteve sete annos em sua casa, no fim dos quais, sahindo hum dia á caça, e apartandose no campo dos companheiros, lhe appareceo S. Miguel com tão notavel luz e resplandor, que assombrado Feça Sion cahio no chão como morto; mas o archanjo o alevantou, e animou; e tirandolhe o medo, lhe disse: Este officio não he vosso, que não pertence ao sacerdote ser caçador das feras, senão das almas dos homens pera as trazer a Deos; assi o fazei daqui por diante; e sabei que Deos vos dá poder pera resuscitar os mortos, sarar os doentes, e lançar os demonios dos corpos humanos; o vosso nome não seja Feça Sion, senão Tecla Haymanot, que quer dizer Planta da Fé, porque a plantareis em muitas terras e nas almas de muitos. Dizendo isto S. Miguel, Christo Nosso Senhor appareceo em figura de mancebo muito formoso, assentado sobre as azas do archanjo, e fallandolhe com grande amor, lhe disse que pela bocca de S. Miguel lhe mandara, e dera nome novo pera o mandar a hum povo novo, aonde não chegaram seus Apostolos; ouvindo isto Tecla Haymanot se lançou por terra, e deu a Deos muitas graças por tão grande mimo e mercê.

Desappareceo a visão, e o santo se ajuntou com seus companheiros; e vindose pera casa, repartio e deu aos pobres tudo quanto tinha, começando vida nova e apostolica, pregando com grande spirito, e acompanhando a pregação com espantosos milagres, aos quais seguia a conversão de almas sem conta. Sahindo logo de sua terra, se foi a huma, que se chamava Catata, por lhe dizerem em Tigré, que os moradores nella adoravam a huma arvore, e ao demonio que lhes falava nella; fez oração, arrancouse a arvore com tal força, que matou a vinte e quatro dos que achou mais perto; e logo o demonio, forçado da mesma oração, por mandado do santo declarou a todos, como não era Deos, e os enganos em que os trouxera tanto tempo; pasmava a gente do que via, e ouvia; e desenganados se lançaram aos pés do santo, prometendo de fazer tudo, que lhes mandasse e ensinasse. Elle, pera mais os confirmar, pedio a Deos que resuscitasse os vinte e quatro, que a arvore matou, e logo se alevantaram vivos e sãos; e com elles mais quinze homens da mesma terra, os quais perguntados, quem eram, aonde estavam, e como resuscitaram, responderam, que viveram naquella terra no tempo que reinava Abra e Azbaha; e morrendo estiveram sempre em hum lugar, em que padeciam grandes tormentos, donde foram tirados; porque pela oração que o santo fizera pelos vinte e quatro, fora mandada a misericordia do ceo; e porque estavam ali juntos, os alcançara tambem a elles.

Ensinou, e doutrinou Tecla Haymanot a todos os que ali eram presentes, e bautizou naquelle dia 12.345, e entre elles a todos que resuscitaram; mas [disselhes] que não temessem, porque não hiriam pera o lugar de tormentos, aonde primeiro estavam, senão ao lugar de descanso; e logo morreram, e forão enterrados; ao dia seguinte veio muita mais gente, e logo ao principe daquella terra, que se chamava Darasgued, e a todos o santo ensinou, e converteo; e os que nesta terra receberam o santo bautismo chegaram a 645.387. Ao principe poz o santo por nome Bamina Christos, e a sua mulher Acrocia; e da arvore, que arrancou, fez fazer huma formosa igreja na terra de Enquedem, no lugar de Jateiber; aqui se deteve tres annos, e mandou á sua terra de Zorarê buscar sacerdotes, pera que o ajudassem a ensinar, e cultivar tão grande numero de christãos; na quaresma se mettia Tecla Haymanot pelo deserto, e jejuava sem comer mais que aos domingos, e nelles seu comer eram as hervas do campo, sem fazer differença entre as doces e as amargas. Estando hum dia no deserto lhe falou Deos, e mandou que fosse a pregar a Fé ao reino de Damot, e lhe revelou que naquelle lugar do deserto havia de alevantar huma igreja hum seu filho spiritual, que se chamaria Tadeus. Cumprindo Tecla Haymanot com o que Deos lhe mandava, despedindose daquelles christãos com muitas lagrimas e sentimento de todos elles, entrou pelas terras de Xaoa pregando o santo Evangelho, e convertendo a muitos; e dali passou a huma grande serra, que se chama Oifat, na qual o demonio, apparecendo de noite aos moradores em figuras espantosas, cavalleiro sobre hum lobo, e fazendo grandes males aos que o não adoravam, se fazia adorar por Deos de toda aquella pobre gente; mas o santo, pregandolhes e ensinandolhes que adorassem ao verdadeiro Deos, e bautizandoos, os livrou daquelle cativeiro do demonio, lançandoo fora daquelle monte e dos corpos de muitos, aos quais tyranisava com varias doenças e aleijoens. Daqui passou ás terras de Ennaret, aonde derrubou muitos idolos; e destas a Oiraguâ, e Catal, e á terra de Bilat, aonde reinava hum insigne feiticeiro, ao qual Tecla Haymanot deu huma grande bofetada, e derrubou com ella de huma cadeira dourada, na qual assentado, com varias e diabolicas adivinhações, enganava o povo; mas os criados do feiticeiro o carregaram de tantas e tão pesadas punhadas e pancadas, que o deixaram morto ao pé de huma arvore; resuscitouo S. Miguel, e logo tornou ao feiticeiro, e lhe fez o mesmo que primeiro sem medo algum; desta vez foi pelos criados do feiticeiro açoutado com cadeias de ferro, de tal maneira que lhe appareciam os ossos; e ficando espedaçado e morto, S. Miguel o curou e resuscitou segunda vez; quarenta dias trabalhou o santo debalde pera ensinar e converter a esta gente; mas vendo a sua dureza, aceso em zelo da honra de Deos, como outro Elias, fazendo oração pedio que se abrisse a terra, e os subvertesse vivos, o que Deos lhe concedeo; e no dia seguinte ouvio huma voz do ceo, que lhe disse, que lhe nasceria hum filho spiritual, por nome Anoreos, o qual converteria a gente daquella terra, e edificaria ali igreja.

Daqui chegou Tecla Haymanot ao reino de Damot, no qual fez grandissimos milagres. Era vivo, e havia vinte e cinco annos que estava fora do seu juizo el Rei Mutolamê; sarouo Tecla Haymanot; disselhe que era filho daquella mulher de Xaoa, que elle escolhera pera esposa; resuscitou os mil homens e tresentos feiticeiros, que S. Miguel matou no dia que livrou a Egzyereâ, e a levou pelos ares a sua terra; e a estes, e a outros muitos converteo á Fé de Christo Senhor Nosso; bautizou ao Rei, e pozlhe por nome Feça Sion, e com elle bautizou 10.299 almas. Detevese nesta terra doze annos; jejuava sempre a quaresma com o rigor que acima dissemos. Aqui pois no sabbado santo, bem á meia noite, lhe appareceo Nosso Senhor com a Virgem Santissima, sua Mãi, acompanhados de S. Miguel, S. Gabriel, e dos doze sagrados Apostolos, e outros muitos santos do ceo, e lhe disse: A paz de meu Padre Eterno, e do Spirito Santo esteja convosco; alegraivos, porque vosso nome está escrito no livro da vida; vim pera vos dar hoje grande alegria, porque vós ma destes a mim grandissima com tantas almas que trouxestes á minha Fé; todo aquelle que der pão, ou offerecer incenso, até um pucaro de agoa, em vosso nome, passe convosco ao reino do ceo; e a todo que vos chamar no dia do seu trabalho, eu o livrarei: e deulhe huma herva e a agua da vida, dizendo: Comei, e bebei: com o que se alegrou muito sua alma, de maneira que lhe parecia não ter jejuado hum só dia; tambem lhe disse: Ide á terra de Amaharâ, e ali estai, até que eu vos mande pera outra parte, e S. Miguel estará convosco: e dandolhe osculo de paz, desappareceo a visão, e o santo ficou todo banhado em huma cordeal e celestial consolação.

Despediose Tecla Haymanot do Rei Feça Sion e da gente daquella terra com grande sentimento e lagrimas, dos que ficavam; e caminhou pera onde Deos o mandava; e o mesmo Senhor ordenou, que achasse no caminho hum frade que foi sua guia, e o trouxe ao mosteiro de Abba Michael, fazendo no caminho muitos milagres. Neste mosteiro começou a servir aos frades, accarretando agoa e lenha, e moendo farinha, de modo que se fez escravo de todos; e pera os descançar tomava sobre si o trabalho de todos os religiosos; rezava muitos salmos cada dia, e afora isso adorava a Deos inclinando a cabeça até o chão 1750 vezes; despois de alguns annos por mandado do abbade ou mestre, fazendo oração, começou a dar saude a alguns enfermos, e resuscitou a hum sobrinho do mesmo mestre, pelo que todos o respeitavam, e honravam mais, do que seu spirito humilde podia sofrer; e assi pedio a Nosso Senhor que o mandasse pera outra parte, aonde não fosse conhecido nem honrado. Ouvio Nosso Senhor sua tão santa e justa petição, e mandou a S. Miguel, o qual lhe disse que se fosse pera hum mosteiro, que estava em huma ilha da alagoa de Dambeâ, que se chamava Haic, porque ali estava hum varão santo, o qual lhe daria o habito, e poria aos hombros o jugo da religião. Dez annos se deteve Tecla Haymanot em Amaharâ, no mosteiro de Abba Michael.

E elles acabados, quando S. Miguel tomou o caminho pera a ilha de Haic, e chegando á borda da alagoa, não achando embarcação, fez oração a Deos, e logo vio ao anjo S. Miguel, que vinha sobre a agoa, e lhe dizia que o seguisse; assi o fez, hindo sobre a agoa como se fora em terra firme. Chegou á ilha e ao mosteiro; mas primeiro S. Miguel revelou ao mestre delle, que se chamava Abba Jesus, quem era, o que o vinha buscar, e lhe disse que era vontade de Deos, que lhe desse o habito. Recebeo Abba Jesus com grande alegria e mostras de amor a Tecla Haymanot, e dahi a pouco lhe deu o habito[23]; Tecla Haymanot o recebeo com especial devoção; e como se começara seu noviciado, assi se exercitava em todas as obras de virtude. Estando nesta ilha e mosteiro, teve huma visão muito mysteriosa, e foi que o anjo de Deos o levou a huma sala que resplandecia mais que o sol; tão larga e comprida, que a gente do mundo todo a não poderia encher; tinha muitas columnas de grande obra; o pavimento era de cristal, e o tecto mais claro que o sol; no meio estavam tres cadeiras todas formosas a maravilha; excedia porém a do meio em grandeza, obra, e formosura, e a todos cercava, e rodeava o arco celeste, que chamamos Iris. Na cadeira do meio estava hum vestido de luz, como huma lingoa de fogo, e sobre elle hum rotulo, que dizia: Alleluia ao Padre, alleluia ao Filho, alleluia ao Spirito Santo. Na cadeira da mão direita estavam sete coroas, differentes humas das outras. Estava Tecla Haymanot suspenso e assombrado á vista de cousas tam novas e maravilhosas; o anjo porém o animou e lhe tirou o medo; perguntou então quanta era a grandeza daquella casa, e quem era o dono della. Respondeolhe o anjo: Attentai primeiro bem pera tudo, e despois vos direi o que perguntais. E vendo nas columnas escritos varios nomes, perguntou quem eram aquelles, cujos nomes ali estavam escritos, quantas as columnas, e cujas as tres cadeiras. Respondeolhe o anjo: Esta casa he vossa, e a cadeira do meio, o vestido, e coroas vosso he tudo; nas cadeiras da mão direita e esquerda se assentarão vossos filhos, que vos hão de seguir, e guardar vossos mandamentos; o numero das columnas da mão direita...[24], os da mão esquerda outras tantas; os nomes que nellas estão escritos são dos filhos, que vos hão de nascer do Spirito Santo até ao fim do mundo. Respondeo Tecla Haymanot: Quem sou eu, peccador, pera alcançar tanta graça? Disselhe o anjo: Deos dá a graça a quem quer. Acabado isto levou o anjo ao santo ao ceo, e meteuo dentro da cortina, e fez que estivesse em pé diante do throno da Trindade, aonde adorou e deu louvores a Deos; e logo ouviu huma voz, que sahio do throno, e dissse: Tecla Haymanot, Tecla Haymanot, seja vossa parte com os vinte e quatro meus sacerdotes: e deramlhe hum thuribulo de ouro com elles, e foi sua gloria e vestido semelhante ao dos vinte e quatro, e via claramente Deos na Trindade. E disselhe Deos: Assi como me amastes, vos amarei, e como me honrastes vos honrarei, e farei vosso nome honrado; por verdade vos digo que todo aquelle que confiar em vossa oração, será salvo por amor de vós; e todo aquelle que em vossa lembrança offerecer o que poder, o farei grande no ceo e na terra; e ao que se vir em alguma tentação, se chamar por vosso nome, o livrarei della: e ao que servir a vossa igreja, eu lhe pagarei com os sete meus archanjos; e aonde for lido o livro dos vossos milagres e chamado vosso nome, ali será paz e misericordia pera sempre. Ouvindo isto o santo adorou, e deu a Deos muitas graças; e o anjo o tornou ao lugar aonde primeiro estava.

Com estes mimos e favores do ceo crescia cada dia mais o desejo da perfeição, em que se abrasava; e havendo dez annos que estava no mosteiro da ilha de Haic, lhe veio desejo de ir a outras terras, e conhecer e tratar outros frades pera imitar suas virtudes; e o anjo S. Miguel lhe disse, que fosse a Tigré ao mosteiro de Damô; e despedindose com grandes saudades de seu mestre Abba Jesus, passando por cima da agoa da alagoa a pé enxuto, como a primeira vez, se foi a Tigré, e subio á rocha Damô, em que está o mosteiro, o qual foi fundado por hum daquelles nove santos, que vieram de Rum e Egypto, reinando Alamida, filho de Saladoba, os quais nove santos são estrellas de claridade que alumiaram todas as terras; alguns delles semeavam pela manhã, e colhiam á tarde; outros traziam agoa em peneiras, sem se entornar; e faziam outros muitos milagres. Entrando no mosteiro lhe perguntou Abba Joanni, que era mestre delle, como se chamava, e quem lhe dera o habito; respondeo que se chamava Tecla Haymanot, e que o habito lhe dera Abba Jesus, que morava na ilha de Haic; disse abba Joanni: Em verdade sois filho de meu filho, porque eu o gerei em spirito: e benzendo um capello e asquema[25] lhos deu; recebeuos Tecla Haymanot com grande devoção, e logo começou a fazer os milagres que faziam os nove santos primeiros, e prophetisava as cousas futuras muito antes de acontecerem.

Neste mosteiro esteve Tecla Haymanot doze annos, no fim dos quais lhe disse o anjo, que fosse visitar outros mosteiros e santos do deserto de Tigré; e alcançando licença de seu mestre Abba Joanni, se foi descendo da rocha, que he tão alta, que he necessario corda de trinta covados pera por ella descer ao chão; quebrou a corda, mas foramlhe dadas seis azas, com as quais voou seis legoas, o que visto por Abba Joanni e outros frades, deram a Deos grandes louvores. Entrou Tecla Haymanot no deserto Oallis, aonde achou muitos santos, com os quais passou quarenta e oito dias jejuando sempre; e dali passou ao mosteiro de Haiozan, sarando muitos doentes, até chegar ao mar Roxo; e não achando nao, fez oração, e logo S. Miguel lhe appareceo, e o levou sobre a agoa, atravessando em huma hora a largura do estreito. Chegando á outra banda, achou hum homem morto, ao qual resuscitou; e perguntandolhe quem era, disse que era christão do povo de Sion, e que por falta de agoa morrera hindo para Hierusalem; e tomando a este por companheiro chegou á santa cidade, visitou ao sepulchro de Nosso Senhor, e aos mais lugares santos, e dali foi ao Patriarcha de Alexandria, o qual era então Abba Michael; este lhe deu muitas bençãos; e despedido delle foi visitar ao deserto Sihots, s. Asquetes, e tomou a benção de muitos santos monges, que ali moravam; com estes se queria ficar Tecla Haymanot toda sua vida; mas o anjo lhe appareceo, e mandou que tornasse para a terra de Ethiopia, e desse o habito aos que lhe pedissem, porque não viriam a elle senão os que fossem escolhidos para o ceo. Cumprio o que o anjo lhe mandava, tornouse pera Ethiopia, e na terra de Tigré edificou muitos mosteiros, e deu o habito a muitos frades, e primeiro que todos o deu áquelle seu companheiro, ao qual resuscitou vindo pera Hierusalem; e quando lhe deu o habito lhe poz por nome Brahaya Sagahu. De Tigré tornou duas vezes a Hierusalem, e na derradeira lhe disse o Patriarcha Abba Michael, que não tornasse lá mais, senão que assentasse em algum lugar do deserto; pelo que vindo a Tigré, subindo ao monte Damô, tomou a benção de Abba Joanni, e dali se foi a hum monte, que se chama Cantorar, aonde jejuou quarenta dias, e determinou fazer ali seu assento, porque a terra era deserta; mas appareceolhe o anjo de Deos, e disselhe que não era aquelle o lugar, pera onde Deos o chamava, posto que ao diante morariam ali muitos filhos seus; que se fosse ter com Abba Jesus, e fizesse o que elle lhe dissesse. Ao dia seguinte muito cedo se poz ao caminho, e chegando á borda da alagoa, e não achando embarcação, caminhou por cima da agoa, como se fora por terra; e chegou a Abba Jesus, o qual se alegrou muito de o ver, e lhe perguntou quem lhe dera capello e asquema; respondeo que Abba Joanni do monte Damô; disse elle: Pois daime a mim capello e asquema, porque o desejo receber de vossas santas mãos: e nosso padre Tecla Haymanot lho deu por lhe ter mandado o anjo que fizesse o que elle lhe dissesse.

E assi a serie dos nossos padres he esta: o anjo S. Miguel deu o habito de frade a Abba Antonios; Abba Antonios deu o habito a Abba Macarios, Abba Macarios o deu a Abba Pachomios; Abba Pachomios o deu a Abba Arogaua; Abba Arogaua veio a Ethiopia, e deu o habito a Abba Christo Bezanâ; e este o deu a Abba Mascalmoâ; e este o deu a Abba Joanni; e este o deu a Abba Jesus; e Abba Jesus o deu a Abba Tecla Haymanot; despois Abba Tecla Haymanot deu capello e asquema a Abba Jesus, como já dissemos. Despediose Tecla Haymanot de Abba Jesus, e caminhou pera a terra de Amaharâ, e chegando a Arabeâ, achou ali hum monte, que se chama Daddâ, aonde subio com seu discipulo Azaya Sagahu, e achou huma serpente muito grande, a qual abrindo a boca o queria engulir; mas o santo fez o sinal da cruz, e logo a serpente se fez em tres pedaços; mandou a seu discipulo que a medisse, e achou que era de 175 covados. Acudio a gente da terra, e o rei com elles, pasmados de tão grande milagre; e pregandolhes o santo receberam todos a Fé de Christo Nosso Senhor; e descendo ao rio Soaâ, benzendo o santo a agoa, bautizou a 3.000 homens, a fora mulheres e meninos, e deulhes a todos a communhão; mandoulhes que sobre o monte, aonde matou a serpente, fizessem huma igreja á honra dos quatro Evangelistas, a qual até hoje dura.

Estando aqui Tecla Haymanot ouvio huma voz do ceo, que lhe disse: Ide á terra de Xaoa, porque ficaram poucos os fieis, que ali ajuntastes; vizitaios, ensinailhes a Fé, como primeiro, e ali será vossa sepultura, e vossos filhos se multiplicarão, como as areias do mar e as estrellas do ceo; e edificarseha em vosso nome hum mosteiro, como Hierusalem; e vosso nome será ouvido em toda a terra. Despediose então com muitas lagrimas daquelles christãos, e deixoulhes por mestre seu discipulo Azaya Sagahu; chegando á terra de Xaoa deu o habito de frade a ib, e entre elles a hum seu primo, filho de hum irmão de seu pai; despois indo com hum seu discipulo ao lugar de huma alagoa, sahio um spirito maligno, e começou a atormentar a seu discipulo; fez então Tecla Haymanot o sinal da cruz, dizendo: Sahe spirito mau de meu filho: e fugio logo delle; e querendose tornar a meter na agoa, fez outra vez o sinal da cruz, e não pode entrar nella. Chegou Tecla Haymanot, e pegando delle lhe disse: Porque vos atrevestes a entrar em meu filho? Como vos chamais? Respondeo: Porque me pareceo, que ereis como os outros homens; meu nome he Bahara Alcao. Perguntoulhe Tecla Haymanot se queria ir com elle, ou ficar aonde primeiro estava; respondeo: Como fizestes o sinal da cruz, perdi meu poder; já não posso entrar aonde estava. Levouo então comsigo, circumcidouo, e levandoo a huma igreja lhe poz por nome Christos harayo, id est, Christo o escolheo; e despois de servir algum tempo, lhe deu habito de frade, e foi amado de Deos em toda a sua vida, até que morreo e entrou no reino do ceo.

Pouco tempo despois veio a Ethiopia o Abbuna João, e mandando chamar a Tecla Haymanot o queria fazer Bispo, e entregarlhe a metade de Ethiopia; mas elle se escusou, dizendo que lhe não convinha tão alta dignidade; e vindo pera sua casa converteo a hum filho de hum feiticeiro. Teve o pai grande sentimento, e ajuntando muitos companheiros seus no tal officio, vieram pera matar ao santo, gritando como leões e cães; mas o santo mandou á terra que se abrisse, e os tragasse a todos; esta maravilha se divulgou por toda a terra de Xaoa, e receberam a sua doutrina com muita vontade até á terra de Gueraria. Tambem vieram muitos demonios á sua porta gritando, com o que seus discipulos tiveram grande medo; mas o santo, fazendo o sinal da cruz, os afugentou. Estando despois em oração, veio a elle huma serpente de dois cornos, e o quiz engulir; mas fazendo o sinal da cruz, arrebentou, e ficou ali morta; mandou que a medissem, e acharam que era de sessenta covados; affirmou então a seus discipulos que Christo lhe mandara que lhes dissesse, que todo aquelle que mata-se serpente em quinta feira, ou domingo, lhes seriam perdoados os peccados de quarenta annos.

Estando doente hum senhor grande, a quem tinha convertido, e chegada a hora da morte, disse: Vejo a meu pai Tecla Haymanot, e vós outros não no vedes; graças a Deos que mo mostrou: e morreo logo, estando nosso padre longe dali. Também testemunham muitos santos, que visitava a seus filhos na hora da morte, e todas as almas por elle, ou seja de justos, ou seja de peccadores, vão a elle; porque a do justo não entra em sua herança sem chegar a elle, e a do peccador chegando a elle, se nella vê alguma boa obra, como chamar pelos padres antigos, ou por elle, roga a seu Deos conforme ao conceito que tem, e faz que vá a vida eterna.

Sendo já velho Tecla Haymanot, e não podendo andar de hum lugar pera outro ensinando a Fé, como costumava, fez no deserto huma casinha, que abastava pera estar em pé, e poz na parede oito pregos com as pontas pera dentro, dois detraz, dois diante, dois pera cada huma das ilhargas; e assí esteve muitos annos em pé, sem se encostar, e sem comer, nem beber, mais que aos domingos algumas hervas e agoa, com o que lhe veio a apodrecer e cahir hum pé, ao qual seus discipulos enterraram na igreja perto do altar; despois esteve sobre o outro pé sete annos, e quatro delles nem agoa bebeo, pelo que veio a não ter mais, que a pelle pegada aos ossos. No cabo lhe appareceo Christo, Senhor Nosso, com a Virgem Santissima, sua Mãy, Nossa Senhora, Prophetas, e doze Apostolos, e outros muitos santos, vestidos de luz e claridade; e disselhe: Como estais, meu amigo? Tecla Haymanot, vim hoje pera vos levar ao descanso e alegria, que não terá fim; digovos de verdade que todo aquelle, que em vossa lembrança der esmolas, e chamar por vosso nome, perdoarei não só a elle, mas a seus descendentes até á decima geração; e quem edificar igreja em vosso nome, eu lhe edificarei casa no reino do ceo; e ao que escrever, ou fizer escrever o livro de vossos milagres, crendo, eu escreverei seu nome no livro da vida; e ao que receber algum hospede em vosso nome, eu o receberei, quando vier a mim; e ao que der de comer e beber em vosso nome, eu lhe darei a comer o pão da vida, e a beber da fonte do sangue, que sahio do meu lado; e todo o que fizer vossa festa com alegria, eu o assentarei comigo no jantar de mil annos; e ao que offerecer á igreja incenso, vinho, e azeite, eu aceitarei sua oração, e lhe perdoarei seus peccados; e ao que visitar vosso sepulchro, seja de longe, seja de perto, eu lhe darei o premio, como se visitasse o meu sepulchro de Hierusalem. Respondeo nosso padre: Graças vos dou, Senhor, que me fizestes tantas mercês, não por meus merecimentos, senão pelo amor, que tendes aos homens; aonde mandais, Senhor, que seja enterrado o meu corpo? Disselhe o Salvador: Aqui será enterrado até cincoenta e sete annos, e despois deste tempo cahirá esta casa, e vossos filhos edificarão aqui pera huma banda hum grande mosteiro em vosso nome, e tresladarão pera elle vosso corpo; e eu serei guarda dos que estiverem ali, e ouvirei suas orações; e a vossos filhos, que morrerem neste deserto, contarei como martyres: e dizendo isto lhe deu paz, beijandoo tres vezes, subio pera o ceo com grande gloria.

Mandou logo nosso padre Tecla Haymanot ajuntar todos seus filhos, e disselhes: Eis aqui chegou a festa das bodas; eu sou chamado; apparelhaivos, porque me disse hoje meu Senhor Jesus Christo, que era chegado o tempo de minha morte, e alguns de vós ireis comigo. Ouvindo isto seus discipulos, alguns se alegraram cuidando que acompanhariam a seu pai, morrendo juntamente com elle; outros se entristeciam, e choravam arreceando que ficariam sem elle nesta vida; nosso padre os exhortou a todos ao desprezo do mundo e suas cousas; e encomendoulhes que se amassem huns aos outros, porque o amor do Spirito Santo faz limpa a carne e a alma; e disselhes que se guardassem isto, seriam fructo da vida, e seus filhos verdadeiros; e ordenou que Elsaâ ficasse em seu lugar, e lhes fosse pai. Dizendo isto, se lhe agravou a doença, e na noite de 27 de agosto entrou na casa, aonde estava, huma luz tão grande, e hum cheiro tão suave, que arrebatava o coração; e appareceolhe Christo, Nosso Senhor, com sua Mãy Santissima, S. Miguel, S. Gabriel, vinte e quatro sacerdotes com thuribulos nas mãos, e muitos anjos com candeias; e vendo nosso padre ao Salvador, o adorou pondose de joelhos, como se tivera sãos ambos os pés. Disselhe o Salvador: Ó meu amigo, todos vossos trabalhos estão escritos em Hierusalem: e dizendo isto sahio a alma do corpo de nosso padre Tecla Haymanot; Christo, Senhor Nosso, a recebeo, e lhe disse: Alma limpa, vinde a mim: e subindo, cantavam os anjos: Quem trabalhou no mundo, viva pera sempre; este he o dia, que fez o Senhor; gozemos e alegremonos nelle: e assi a levaram, e entrou em sua herança pera sempre; e deulhe o Salvador a vestidura, que os anjos lhe tinham mostrado com a lingua de fogo, que fallava da Divindade, e as sete coroas que rezam de sua fé, e outras virtudes; viveo neste mundo 103 annos e 45 dias.

Ficaram todos seus filhos chorando; e amortalharam, e enterraram o corpo cantando como he costume dos sacerdotes; tres dias despois morreo hum diacono, primo do nosso santo, por nome Amda Mascal; amortalharamno, e levaramno a enterrar; e despois de acabar o officio dos defuntos, bulia; abriram a mortalha, e perguntaramlhe que fora aquillo; respondeo: Morri, como vistes, e fui levado diante do Senhor da verdade, e dali me levaram ao nosso padre Tecla Haymanot, e vi o com tão grande gloria, que lingua humana não na pode declarar; sua corôa resplandecia sete vezes mais que o sol; a grandeza do que vi, não se pode fallar; mandoume que tornasse, e vos dissesse: Elsaâ venha a mim, e Philippe fique em seu lugar; porque em seu tempo se manifestarão minhas cousas por toda a terra: e dito isto tornou a sahir a alma do corpo, e o enterraram. Dali a tres mezes morreo nosso padre Elsaâ, e seus discipulos puzeram em seu lugar a nosso padre Philippe, como se lhes tinha mandado; e nelle se mostrou a graça do nosso padre Tecla Haymanot, porque delle sahiram quatorze pastores, que manifestaram, e fizeram guardar a Fé. A oração do nosso padre Tecla Haymanot, mestre honrado, nos livre da força do inimigo, e das cousas más, em todo o tempo, e em todas as horas. Amen.

[1] Perruchon, Histoire des guerres d'Amda Seyon, roi d'Éthiopie, Paris, 1890.

[2] Dillmann, Zur Geschichte des abyssinischen Reiches, no Zeitschrift der Deutschen Morgenländischen Gesellshaft, t. VII, p. 339-350; Drouin, Les listes royales éthiopiennes, p. 48 e segs.

[3] Cfr. Relazione de Guidi e Teza, em Conti Rossini, Il Gadla Takla Haymanot, p. 3.

[4] Almeida, Historia de Ethiopia a alta, t. I, fol. 104, v; Tellez, Historia geral de Ethiopia a alta, liv. I, cap. XXXIII.

[5] Cfr. A. d'Abbadie, Catalogue raisonné des manuscrits éthiopiens, p. 48; Conti Rossini, Il Gadla Takla Haymanot, p. 4.

[6] Conti Rossini, Il Gadla Takla Haymanot, p. 6.

[7] Zotenberg, Catalogue des manuscrits éthiopiens de la Bibliothèque Nationale, p. 205.

[8] Conti Rossini, Il Gadla Takla Haymanot, Roma, 1896.

[9] Dillmann, Catalogus codicum manuscriptorum, qui in Museo Britannico asservantur, pars III, cod. aeth., p. 49; Wright, Catalogue of the ethiopic manuscripts in the British Museum, p. 182, 194, 195 e 196.

[10] The Academy, June 7, 1894, n.º 1157, p. 11.

[11] Zotenberg, Catalogue des manuscrits éthiopiens de la Bibliothèque Nationale, p. 204 e 206.

[12] A d'Abbadie, Catalogue raisonné des manuscrits éthiopiens, p. 48.

[13] Guidi, Il Gadla Aragavi. Comtudo nesta obra (p. 34) diz-se que o abba Yohani foi o septimo successor do abba Aragavi.

[14] Comtudo no cap. XCV de redacção de Dabra Libanos da Vida de Takla Haymanot conta-se, que um homem da tribu do El-Agam (Al Adjam), propheta dos Tanbalat, de Davaro, foi com sua mulher e um seu filho ainda menino a Fatagar, onde então estava Takla Haymanot, procurar o santo, para que lhe desse remedio para salvação de suas almas; e que o santo, depois de lhes ensinar a fé christã, os baptizou, pondo ao mesmo homem o nome de Tasfa Hesan, á mulher o de Iyolita, e ao filho o da Qireqos. A origem d'esta historia é evidente; o auctor da Vida de Takla Haymanot introduziu este episodio para exaltar o santo attribuindo-lhe tambem a conversão de uma familia de musulmanos de Davaro.

[15] Almeida, Historia de Ethiopia a alta, t. I, fol. 105, v; Telles, Historia geral de Ethiopia a alta, liv. I, cap. XXXII. Comtudo não é bem certo que Takla Haymanot vivesse no seculo VIII.

[16] Zotenberg, Catalogue des manuscrits éthiopiens de la Bibliothèque Nationale, p. 205.

[17] Slane, Catalogue des manuscrits arabes de la Bibliothèque Nationale, p. 205.

[18] Uri, Bibliothecae Bodleianae codicum manuscriptorum catalogus, pars I, p. 146.

[19] D'esta obra, ainda inedita, existe um manuscripto no Museu Britanico, ms. add. 16255; d'elle foi feita uma copia actualmente depositada na Bibliotheca Nacional de Lisboa. A Vida de Takla Haymanot está t. I, fol. 92, v a 104, r.

[20] Almeida, Historia de Ethiopia a alta, t. I, fol. 92, r e v.

[21] No manuscripto ha evidentemente uma lacuna; a traducção da passagem correspondente do texto geez é: «E um dia Fremenatos disse a Embaram: Ó meu senhor, eu na verdade admiro os vossos usos da gente de Ethiopia; a circumcisão e a crença de Christo existe entre vós; mas o baptismo e o receber da communhão não existem. E Embaram disse a Fremenatos: A circumcisão na verdade trouxeram os Levitas, nossos paes, e a crença trouxe o eunucho da rainha Hendake; e para dar o baptismo e ministrar a communhão não nos foi enviado apostolo. Mas eia, vae tu ao arcebispo, e recebe d'elle a ordenação para seres nosso apostolo.» (Gadla Takla Haymanot, cap. IV; ms. aeth. c. 3 da Bibliotheca Bodleiana, fol. 3, v).

[22] Em geez este nome é escripto Motalame. Dillmann (Chrestomathia aethiopica, p. 177) conjectura que este nome é derivado do verbo arabico lama (brilhar); Basset (Études sur l'histoire d'Éthiopie, p. 231) o compara com a palavra arabica musalama (dada, concedida); Conti Rossini (Il Gadla Takla Haymanot, p. 32, nota 3) julga que o mesmo nome é uma palavra cuxita. Em um hymno em honra do rei Amda Seyon (Guidi, Le canzioni geex-amariña, VIII. v. 27) um principe de Damot, inimigo d'aquelle rei, tem o nome de Mot lami. Em galla a palavra moti significa rei (Cecchi, Da Zeila alle frontiere del Caffa, t. III, p. 229), mas esta palavra é provavelmente de origem cuxita, tomada de uma das linguas falladas nas regiões situadas ao sul de Ethiopia. A palavra Motalame é talvez por Mot Alame, e Alame por Alamale (Historia das guerras de Amda Seyon, ed. Perruchon, p. 10, l. 16), e esta é o nome de um antigo reino situado ao sul de Xava, a oeste de Vaj, e a leste de Hadya. (Conti Rossini, Catalogo dei nomi propri di luogo dell'Etiopia, p. 14). Assim Motalame, que o escriptor abexim tomou por um nome proprio, significaria simplesmente rei de Alamale.

[23] «Muitos dos [Religiosos de Ethiopia] que professam vida eremitica, vestem pelles escodadas tingidas de amarello, ou pannos da mesma cor.» (Tellez, Historia geral de Ethiopia a alta, liv. I, cap. XXXIV).

O monachismo christão de Ethiopia foi, segundo é tradicção, propagado do Egypto; comtudo em algumas peças de vestuario não póde deixar de se reconhecer a influencia hindu.

O habito dos monges hindus compõe-se de tres peças de vestuario, que são simples pedaços de tecido de algodão tingidos de amarello.

[24] No manuscripto falta o numero, que segundo o texto geez era de quarenta e cinco centos de centos (450000). (Gadla Takla Haymanot, cap. LXIII).

[25] «Aschema he como Escapulario; e parece que aquelles primeyros Monges [os nove Santos], como eram Gregos, lhe chamaram Asquema por ser tamquam schema Monachismi, que he a divisa de Monge. Porque quasi todos os Monges de Ethiopia andam vestidos, como cada um pode, e lhe parece; mas em trazendo aquelle escapulario, que he feyto de correyas brandas, e bem curtidas, sam avidos por Macarios, e Pachomios.» (Tellez, Historia geral de Ethiopia a alta, liv. I, cap. XXXIII). «Asquema he huma transinha de tres tiras de couro ordinario, e vermelho, as quays lançadas ao pescoço se rematam em huma argolinha de ferro, ou cobre, que trazem em huma correya, com que se cingem.» (Tellez, op. cit., liv. I, cap. XXXIV).

A palavra askema, em syriaco askema, em arabe askim, do grego schema, designa em particular a estola angelica, que segundo é tradicção um anjo deu a S. Antam, principe dos monges do Egypto, e que por elle foi deixada a seu successor, como superior do seu mosteiro, em signal da sua dignidade. (Dillmann, Lexicon linguae Aethiopicae, c. 752; Brun, Dictionarium Syriaco-Latinum, p. 25; Vansleb, Histoire l'église d'Alexandrie, p. 42). Esta estola, que em copto tem o nome de marchnoh, foi depois usada por todos os monges da ordem de S. Antam, e por ella se distinguiam dos outros monges. (Peyron, Lexicon linguae Copticae, p. 104). Mas segundo o testemunho de Maqrizi (Khitat, t. II, p. 508) e do Padre Sicard (Nouveaux memoires des Missions dans le Levant, t. V, p. 150) a estola angelica ou askim tinha forma muito differente do askema usado pelos monges Abexins. (Evetts, The Churches and Monasteries of Egypt, attributed to Abu Salih, p. 164, nota 1).

A forma do askema usado pelos monges de Ethiopia é muito semelhante ao cordão usado pelos Brahmanes. «A todos aquelles [tres] espiritos regentes do mundo [os Brámenes] fazem como filhos da primeira causa [filhos de Deus], e participantes da sua divindade, e per honra, e culto supersticioso dos tres, que dissemos, traz cada Brámene hum tiracollo de tres fios atados, e rematados em hum só nó.» (Lucena, Historia da vida do Padre S. Francisco de Xavier, liv. II, cap. XI)