The Project Gutenberg eBook of A estatua do poeta

This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook.

Title: A estatua do poeta

Author: Joaquim de Araújo

Release date: March 16, 2008 [eBook #24845]
Most recently updated: January 3, 2021

Language: Portuguese

Credits: Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
of public domain material from Google Book Search)

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK A ESTATUA DO POETA ***



JOAQUIM DE ARAUJO



A ESTATUA DO POETA


ODE NACIONAL





PORTO
TYP. DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA TEIXEIRA
Cancella Velha, 70
1891





A ESTATUA DO POETA





TIRAGEM ESPECIAL

Deste opusculo extrahiram-se três exemplares em papel Japão, três em papel China, e quatro em papel Whatman, numerados seguidamente de 1 a 10.



JOAQUIM DE ARAUJO



A ESTATUA DO POETA


ODE NACIONAL





PORTO
TYP. DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA TEIXEIRA
Cancella Velha, 70
1891





AO SENHOR

CONSELHEIRO JOSÉ DIAS FERREIRA





affectuosamente e respeitosamente


o A.





I



Num vozear estridulo e vibrante,
    Irrompe a multidão:
Palpita como um hymno triumphante,
    Em cada coração.

Vem pagar uma divida sagrada,
    E, em francas ovações,
Junto á Estatua de bronze immaculada,
    Victoría Camões.

Três seculos havia, a morte escura
    Fulminara esse heroe,
Que até na doce paz da sepultura
    Tão desgraçado foi!

Três seculos havia. Inenarravel,
    Essa agonia atrós:
No catre do hospital, inexoravel,
    A Morte, o duro algoz.

E, cá fóra, ao bom Sol, o claro amigo,
    Cá fóra do hospital,
Os villões trabalhando no jazigo
    Do antigo Portugal...

Um circulo dantesco e pavoroso:
    O Genio num covil,
E no triumpho, erguido e magestoso,
    O asqueroso reptil.

A Traição galanada: o cru Cinismo
    Fingindo de Altivês:
Hiante, escancarado, o fundo abismo
    Do nome português.

Não ha na infamia quem se não adestre,
    Esmagando tropheus,
Tal como sobre a tunica do Mestre
    Jogavam os Judeus.

As Tradições ao vento, ao torvelinho,
    A Gloria,—ás bachanaes...
Adejam os milhafres junto ao ninho...
    Onde as aguias reaes?

Onde as aguias reaes? Foram seu rumo,
    Fugiram da ralé:
—Crestava-lhes a aza o escuro fumo
    Do escuro auto-de-fé.

O balsão do Impudor fluctua ao vento,
    Nos tragicos festins...
É morta a fina flôr do Sentimento,
    Miserrimos chatins!

Dormiam nos seus tumulos augustos,
    Ainda alta a cervís
De denodados campeões robustos,
    Os infantes de Avís—

E todos os titans, de Gloria trémulos
    Outrora, aos vivos soes,
Galgando mundos, continentes,—émulos
    Dos primevos heroes...

E a Nação dêsses inclytos herdeira
    Ia rojar no chão
A honra intemerata da bandeira,
    O invencivel pendão...

E o Poeta-cavalleiro esmorecia,
    Ao fim do seu lidar:
Com a Patria morria—se morria!—
    Quem tanto a soube amar.

Tres seculos havia... Mas vibrante
    Irrompe a Multidão:
Palpita como um hymno triumphante,
    Em cada coração.

E o Vidente, na Estatua alevantada
    Nem de leve acordou:
Na magestade erecta e bronzeada,
    Immovel se ficou!...




II



A Patria! a Patria! dá rebate e chama,
    Chama por todos nós.
Ha uma corrente electrica que inflamma
    Os netos e os avós!

Irrompe a multidão a afiar a espada
    Do combate leal,
No pedestal da Estatua immaculada
    No eterno pedestal,

E vae cobrir de lucto a grande Imagem
    Do heroico luctador,
Como um protesto contra a villanagem
    Do estrangeiro rancor!

Mas a Estatua que fora innacessivel
    Ás grandes ovações,
Num delirio de pompa indescriptivel,
    A estatua de Camões

Animou-se um momento e pela face
    O pranto lhe rolou,
Como astro de esperança, que raiasse...
    E á espada a mão levou!




Esta ODE foi expressamente composta e recitada pelo autor
no sarau da Sociedade Nacional Camoniana, realisado
no theatro Gil-Vicente do Palacio de Crystal,
aos 10 de junho de 1891, sob a presidencia
do ex.mo sr. conde de Samodães,
secretarios os ex.mos srs.
Tito de Noronha e Almeida Outeiro.



PREÇO, 200 REIS