The Project Gutenberg eBook of Luar de Janeiro This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. Title: Luar de Janeiro Author: Augusto Gil Release date: March 10, 2006 [eBook #17962] Most recently updated: April 18, 2006 Language: Portuguese *** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK LUAR DE JANEIRO *** Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Augusto Gil Luar de Janeiro [Figura: Olhos Olhae a Direito] Luar de Janeiro AUGUSTO GIL *Luar de Janeiro* LISBOA 1909 Edição da empreza d'A Lanterna--Escriptorios, rua das Gaveas, 45, 2.^o Typ. do Commercio, rua da Oliveira, ao Carmo, 10, Lisboa Áquelles que virem, neste volume de liricas, uma reviravolta effectuada sobre a génese d'_O Canto da Cigarra_ objectarei, com antecipada promessa de facil prova, que os dois livros teem uma tão intima ligação como a existente entre os pontos extremos da curva d'amplitude dum pêndulo. Aos que me censurem pela circumstancia de não ter logrado, na minha subalterna categoria de poeta menor, firmar-me numa posição d'equilibrio estavel, pergunto, em tom humilde, quem é que neste confuso seculo de latente misticismo humanitario, de demolidora negação e d'anciedade conjunctamente afflictiva e sceptica, terá a coragem de dizer que o encontrou--já não quero como artista, porque a esse as influencias ambientes lhe communicam entre-cruzadas e descoordenadas vibrações--mas na propria e mais serena esphera do pensamento. Se algum de vós me retorquir com o _eureka_ do antigo geometra, ou é um sectario, ou um caturra,--ou um simples. Sabio, como o de Syracusa, é que não é... Adeante. Novembro de (1)909. O auctor De la musique encore et toujours * * * * * Que ton vers soit la bonne aventure Éparse au vent crispé du matin Qui va fleurant la menthe et le thym, _Et tout le reste est litterature_. Verlaine Et c'est pourquoi ce livre-ci (qu'il était peut-être bon d'écrire) nous savons, toi et moi, a quels mysterieux balbutiements le réduirait le tête-à-tête--et tout ce que je n'ai pas dit, qu'il ne fallait pas dire. Et tu sais combien de pages menteuses devront, pour des motifs de faiblesse personnelle ou de nécessité invencible, accompagner la bonne page, celle que ce livre encore annonce et ordone--_tu sais, tu comprends et tu pardonnes_... Charles Morice. _A Coelho de Carvalho_ _Tout court_, porque não ha adjectivos que não empallideçam ante a claridade dos seus talentos. Luar de janeiro, Fria claridade Á luz delle foi talvez Que primeiro A bocca dum português Disse a palavra saudade... Luar de platina, Luar que allumia Mas que não aquece, Photographia D'alegre menina Que ha muitos annos já... envelhecesse. Luar de janeiro, O gelo tornado Luminosidade... Rosa sem cheiro, Amor passado De que ficasse apenas a amizade... Luar das nevadas, Algido e lindo, Janellas fechadas, Fechadas as portas E elle fulgindo, Limpido e lindo, Como boquinhas de creanças mortas, Na morte geladas --E ainda sorrindo... Luar de janeiro, Luzente candeia De quem não tem nada, --Nem o calor dum brazeiro, Nem pão duro para a ceia, Nem uma pobre morada... Luar dos poetas e dos miseraveis, Como se um laço estreito nos unisse, São similhaveis O nosso mau destino e o que tens... De nós, da nossa dôr, a turba--ri-se --E a ti, sagrado ladram-te os cães! [Figura: A linda imagem pertence ao arruinado Mosteiro do Calvario, d'Evora, e constitue a unica mas encantadora manifestação d'arte desse pobrissimo convento. Foi doado ás monjas que o occupavam, por D. Izabel Juliana de Souza Coutinho, forçada noiva de José de Carvalho, filho do Marquez de Pombal. D. Izabel esteve enclausurada no Mosteiro do Calvario, por ordem do duro ministro, até se resolver a acceitar a mão do filho. Depois da morte do rei D. José, foi o matrimonio annullado, vindo D. Izabel a formar o tronco da casa Palmella pelo casamento com D. Alexandre de Souza. (Notas extrahidas dum artigo do erudito antiquario eborense Sr. José Barata. In _Serões_, Junho de (1)907) O menino Jesus será obra de Machado de Castro?] SEXTILHAS A UM MENINO JESUS D'EVORA _A João Barreira_ «Em Evora vi um menino... ...Que a dois annos não chegava ...Era de maravilhar»... Garcia de Rezende. _Miscellanea._ Num convento solitario D'Evora, cidade clara, Claro celleiro de pão, Existe uma imagem rara Obra dum imaginario Dos tempos que já lá vão... É um menino Jesus, De bochechinha brunida Côr de maçã camoeza, Mas no seu rosto transluz Uma expressão dolorida Que enche a gente de tristeza... De tantissimas imagens Nenhuma vi que mais prenda, Que maior ternura expanda, Com suas calças de renda, Seu vestido de ramagens, --E corôa posta á banda... Gordo, nedio, bem trajado, Deveria ser feliz, Deveria estar sorrindo; Mas o seu olhar maguado, Tão maguado, tão lindo, Que não o é, bem n'o diz... Se não fosse por ser Deus E o seu poder infinito Ter sempre que o demonstrar, Cá na terra e lá nos ceus, Estenderia o beicito --E desatava a chorar!... Corre o tempo descuidado, Passa uma hora, outra hora, Atraz desta outras se vão E, quem o vê, encantado, Sem se poder ir embora Numa perpetua attração... Eu entrei com sol a pino. Pouco depois da chegada (Pouco a mim me pareceu) Deixei de ver o Menino... Não era a vista cançada, --Foi a noite que desceu... Mesmo assim lá ficaria Absorto em muda prece De quem mal sabe rezar, Se o sacristão não viesse, Com rodas de Senhoria, Dizer-me que ia fechar... Pudesse tel-o trazido E não fosse eu rico, apenas De phantasias, d'esp'ranças, Punha-o num nicho florido Por sobre as camas pequenas Dum hospital de creanças... Dum hospital modelar Sustentado por meus bens, Entre olaias e roseiras, Cheio de sol, cheio d'ar, E em que as boas enfermeiras --Seriam as proprias mães... A mais ampla enfermaria Desse escolhido local De bondade e soffrimento --Era o fundo natural Da funda melancolia Do Menino do convento... BALLADA DA NEVE Il pleure dans mon coeur Comme il pleut sur la ville. Verlaine _A Vicente Arnoso_ Batem leve, levemente Como quem chama por mim... Será chuva? Será gente? Gente não é certamente E a chuva não bate assim... É talvez a ventania; Mas ha pouco, ha poucochinho, Nem uma agulha bolia Na quieta melancolia Dos pinheiros do caminho... Quem bate assim levemente Com tão estranha leveza Que mal se ouve, mal se sente?... Não é chuva, nem é gente, Nem é vento com certeza. Fui ver. A neve cahia Do azul cinzento do ceu Branca e leve, branca e fria... --Ha quanto tempo a não via! E que saudades, Deus meu! Olho-a atravez da vidraça. Poz tudo da côr do linho. Passa gente e quando passa Os passos imprime e traça Na brancura do caminho... Fico olhando esses signaes Da pobre gente que avança E noto, por entre os mais, Os traços miniaturais Duns pézitos de creança... E descalcinhos, doridos... A neve deixa inda vel-os Primeiro bem definidos, --Depois em sulcos compridos, Porque não podia erguel-os!... Que quem já é peccador Soffra tormentos, emfim! Mas as creanças, Senhor, Porque lhes daes tanta dôr?!... Porque padecem assim?!... E uma infinita tristeza Uma funda turbação Entra em mim, fica em mim prêsa. Cae neve na natureza... --E cae no meu coração. TOADA PARA AS MÃES ACALENTAREM OS FILHOS _A Bertha Cayolla Gil Vianna_, minha sobrinha Oh Desgraça! vae-te embora, Que esta linda criancinha Andou no meu ventre e agora Trago-a nos braços. É minha!... Do berço, segue-me os passos; Onde eu vou, seus olhos vão... E quando a aperto nos braços --Abraço o meu coração. Quando o seu chôro receio, Embalo-a, faço que acceite A alegria do meu seio Na brancura do meu leite... E quando assim não descança, Que tristezas me consomem! --Mas antes chore em creança Que depois, quando fôr homem... Se ao dal-o ao mundo soffri Tormentos, ancias mortaes, Desgraça, vae-te d'aqui, O que pretendes tu mais?! Bate as azas, mas ao voares, Não me apagues esta estrella. Se alguem d'aqui precisares, --Aqui me tens, em vez della! Tocam ás ave-marias. Foi-se o sol. Não vem a lua. Luzinha que me allumias, Que sorte será a tua?... Riquezas tenhas tão grandes, E tal bondade tambem, Que ao redor d'onde tu andes Não fique pobre ninguem. Que a todos chegue a ventura: Toda a bocca tenha pão, Toda a nudez cobertura, Toda a dôr, consolação... Mas se o oiro é mau caminho, --Antes tu venhas a ser O pobre mais pobrezinho De quantos pobres houver. Iremos por esses montes Altos e azues, como os céus... Que onde ha fructos e onde ha fontes, --Está a meza de Deus! E, quando a neve cahir E as seivas adormecerem, Iremos então pedir... (Acceitar o que nos derem!) Andaremos á mercê Dos genios bons, e dos falsos, Leguas e leguas a pé, Rotinhos, magros, descalços... E onde houver urzes e tojos, Pedras que rasgam a pelle, Porei o corpo de rôjos --Passarás por cima delle! Dorme, dorme, meu menino, Foi-se o sol. Nasceu a lua. Qual será o teu destino? Que sorte será a tua?... Se um crime tens de fazer, Antes fique vago um throno, Antes um palacio a arder, --Do que uma enxada sem dono... Se, porém, no teu destino, Ha tão cruentos signaes, Dorme, dorme, meu menino, --Não tornes a acordar mais! O NOSSO LAR _A Antonio Arroyo_ «Sonhar a vida é apenas entretel-a. Partamos della para nós, senão Lá vae o coração para uma estrella E fica a gente sem o coração!» _GUEDES TEIXEIRA_. _Esperança Nossa_ Quem vir--como eu os vejo--decorrer Annos e annos duma vida rasa Em miseraveis quartos d'aluguer, Frios no inverno e no estío em braza, --A um amôr sonhado de mulher Allía sempre o sonho duma casa... O aspecto duma casa raro mente, A côr, as linhas duma frontaria Dão logo a perceber nitidamente, Melhor do que um vizinho o contaria, O genio e a indole da gente Que nella tem o lar, a moradia. Vejam esses _cottages_ tanto em moda Entre os inglezes e os capitalistas, Com grades no jardim, a toda a roda... Impenetraveis ás alheias vistas... Não abrem nunca uma janella toda... São mudos, graves, individualistas. E aquelles caixotões de pedra e cal Que surgem ao formar-se um bairro novo, No constante engordar da Capital, (O que eu, aliás, muito aprecio e louvo...) --Não mostram bem, com o seu ar banal, A falta de caracter deste povo? Quando uma santa e pobre rapariga, Em cujo olhar se abranda o meu soffrer E a cujo coração o meu se liga, Puder chegar a ser minha mulher, Eu quero então que a nossa casa diga Bondade e alegria de viver. Terá um só andar. Grandes alturas Causam vertigens, trazem ambições. Os sonhos de riqueza e d'aventuras Enchem as almas de desillusões. A f'licidade vem ás creaturas Da pacificação dos corações. As portas sem degraus. Que sejam rentes Da terra. Portas largas e rasgadas, Convidativas, francas, attrahentes; Ao rez da terra, para as aleijadas e os tropegos velhinhos indigentes Se não cançarem a subir escadas... Amplas janellas para a natureza. Que o sol na sua clara irradiação Dissipe atravez dellas a tristeza; Amplas--e baixas. Quem precise pão, E o vir da rua sobre a nossa meza, Que estenda o braço, que lhe lance a mão... Ao lado um horto e um jardim fragrante, Sem grades aguçadas para o céu. A grade é agressiva, hostilisante, E sempre a impressão cruel me deu Dum dono que bradasse ao caminhante: --Tudo isto aqui é meu, sómente meu... Sem gradeamento. Um murosito apenas Revestido de rosas de toucar, De ariolas, de glicinias, de verbenas. Muro d'onde os que forem a passar Vejam lilazes, cravos, assucenas... --E a paz, a doce paz do nosso lar. O QUE O FOGO POUPOU DUM POEMETO QUEIMADO _Ao Conego Manuel do Nascimento Simão_ I Escrevo em testamento este poema Que elle tenha, na angustia com que o ligo, O brilho rutilante duma gemma Achada nos farrapos dum mendigo... Ao vesperal crepusculo da vida E sob o olhar da morte é que o componho; Erguendo assim, por minha despedida, O ultimo escalão dum alto sonho. Nesse degrau que d'entre os soes dispersos Hade attingir a cúpula dos céus, Direi ao mundo os derradeiros versos, Porei o coração nas mãos de Deus! E as mãos de Deus que os astros têm guiado Como se leve pluma cada um fôra, Hão de o sentir pesar, sollicitado Pelo logar da terra onde ella móra... II ...Sei lá pintar! Se eu soubesse pintar, era pintor. _Guedes Teixeira_ Na mais alta cidade portuguêsa Nasceu, para abrandar meu fundo mal, A mais santa, a mais cheia de pureza Das moças deste lindo Portugal. Os seus olhos são tristes e suggerem Todo um passado de resignação. São tristes, certamente por não verem O rosto incomparavel onde estão... A voz é clara como as assucenas E dolorida, candida, modesta. É dolorida, porque sente penas D'abandonar a sua bocca honesta... O riso, que é em nótulas delidas Vibra em seus labios tão rapidamente Como um beijo d'amor, ás escondidas, Na curva duma estrada em que vem gente... A mão della, uma vez, poisou na minha; Pareceu-me ao sentir-lhe a commoção, Que era o seu proprio coração que eu tinha A palpitar dentro da minha mão... Se passa, ás tardes, e de traz cahindo, O sol abraza os longes da paizagem, A sombra que em sua frente vae seguindo É a luz--a abrir-se, p'ra lhe dar passagem... Se passa, acalma os corações maguados Como outr'ora as parabolas de Christo Acalmavam a dôr aos desgraçados. Acalma os corações?! Não... não é isto. As estrophes d'amor, a quem o sinta, Dão um trabalho cheio de tormento; O tenebroso liquido da tinta Apaga, rouba a côr ao sentimento. Quiz celebrar dum modo original As finas graças do seu corpo. Errei-as. Oh Fórma! És como um fato d'hospital. Palavras! Sois a nevoa das ideias... MELODIA CONFIDENCIAL (De Albert Samain) _A L.C._ Num andamento Discreto, lento, Mal se ouve o pêndulo lavrado e antigo. Vamos vogando No lago brando E sem limites do silencio amigo... O ultimo e cavo Accorde do cravo Ficou vibrando exclamativamente. E, em espiral Ascencional, Cingiu-nos num abraço enlanguescente. Na alcatifa macia Entrou na agonia Uma rosa sedenta e abandonada, E a ambos nos invade A mistica vontade D'entrar na morte, no não ser, no nada... Com seu docel vermelho Forrado d'oiro velho, Que evoca velhas eras d'esplendor, O leito pesado, Como um deus concentrado, Remembra obscuramente o nosso amor... Na atmosphera morna O teu corpo entorna Um perfume subtil, sensual, complexo, Aroma inapagavel, Philtro informulavel Gerado á chama clara do teu sexo. Teus olhos silentes E transparentes Teem, no fundo, verdes melancolicos, E as brazas do fogão, Já quasi extinctas, dão Clarões hypnotisantes e symbolicos... Amêmo-nos assim Com um amor sem fim, Verdadeiro na carne e nas ideias; P'los dedos enlaçados Sejamos penetrados D'amor, até ás mais miudinhas veias. Em extasis intensos Quedemo-nos suspensos Por sobre a terra ironica e brutal Sem nada saber, Sem nada ver, --Numa vida isolada e musical... Não fales. Não? Ou se o fizer's, então Que seja de vagar, muito baixinho, Numa toada, leve Como o halito breve Duns labios d'anjo numa pel' d'arminho... O PASSEIO DE SANTO ANTONIO _A Columbano_ La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous de puiser, dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables pretextes à fiction qu'il recèle. (_Litterature à Tout á L'Heure_.) Sahira Santo Antonio do convento, A dar o seu passeio costumado E a decorar, num tom rezado e lento, Um candido sermão sobre o peccado. Andando, andando sempre, repetia O divino sermão piedoso e brando, E nem notou que a tarde esmorecia, Que vinha a noite placida baixando... E andando, andando, viu-se num outeiro, Com arvores e casas espalhadas, Que ficava distante do mosteiro Uma legua das fartas, das puxadas. Surprehendido por se vêr tão longe, E fraco por haver andado tanto, Sentou-se a descançar o bom do monge, Com a resignação de quem é santo... O luar, um luar clarissimo nasceu. Num raio dessa linda claridade O Menino Jesus baixou do céu, Poz-se a brincar com o capuz do frade. Perto, uma bica d'agua murmurante Juntava o seu murmurio ao dos pinhaes. Os rouxinoes ouviam-se distante. O luar, mais alto, illuminava mais. De braço dado, para a fonte, vinha Um par de noivos todo satisfeito. Ella trazia ao hombro a cantarinha, Elle trazia... o coração no peito. Sem suspeitarem de que alguem os visse, Trocaram beijos ao luar tranquillo. O menino, porém, ouviu e disse: --Oh Frei Antonio, o que foi aquillo?... O santo, erguendo a manga de burel Para tapar o noivo e a namorada, Mentiu numa voz doce como o mel: --Não sei que fosse. Eu cá não ouvi nada... Uma risada limpida, sonora, Vibrou com timbres d'oiro no caminho. --Ouviste, Frei Antonio? Ouviste agora? --Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho... --Tu não estás com a cabeça boa... Um passarinho a cantar assim!... E o pobre Santo Antonio de Lisboa Calou-se embaraçado, mas por fim, Córado como as véstes dos cardeaes, Achou esta sahida redemptora: --Se o Menino Jesus pregunta mais, ...Queixo-me á sua mãe, Nossa Senhora! Voltando-lhe a carinha contra a luz E contra aquelle amôr sem casamento, Pegou-lhe ao collo e acrescentou: Jesus, São horas... --E abalaram p'r'ó convento. UM GRÃO DE INCENSO _A Lourenço Cayolla_ Entraste com ar cançado Numa egreja fria e triste. Ajoelhei-me ao teu lado --E nem ao menos me viste... Ficaste a rezar alli, Naquella immensa tristeza. Rezei tambem, mas a ti, --Que aos anjos tambem se reza... Ficaste a rezar até Manhã dentro, manhã alta. Como é que tens tanta fé --E a caridade te falta?... A MÁSCARA _A Santos Tavares_ Por acaso, parou na minha frente, De _loup_ e dóminó de seda negra, Uma mulher d'olhar resplandecente E mento breve de figura grega. Tomei-lhe as mãos esguias entre as minhas... E os seus olhos doirados reluziram Como os punhaes ao sol, quando se tiram, Aguçados e frios, das bainhas. --Máscara, quem és tu? --E tu quem és?... --Um homem que te viu e te deseja... E um riso vago, de desdem talvez, Floriu na sua bocca de cereja. Ergui-lhe as mãos asceticas. Beijei-as. Em vibrações entrecortadas, sêccas, Tiniam taças irisadas, cheias. E uma phrase d'amôr, toda em colcheias, Vibrava nas arcadas das rebecas. Levei-a para o vão duma janella. --Máscara, quem és tu? --Para que insistes?... Outro riso subiu da bocca della Aos olhos enigmaticos e tristes. E descobriu a face. No capuz Emoldurou-se um rosto lindo e sério. Que differente porém do que eu supuz! A gente nunca deve entrar com luz Nos divinos recantos do misterio... IN PROMPTUM PASTORAL _A Amadeu de Freitas_ «Muito vence quem se vence Muito diz quem não diz tudo, Porque a um discreto pertence A tempo fazer-se mudo.» (_Copla do Infante D. Luiz_.) Sob este céu creador De manhã vergiliana, Apetece ser pastor E tocar frauta de cana; Não, pastor d'autos d'amor, D'eclogas frias e velhas, Mas verdadeiro pastor De verdadeiras ovelhas... Não conhecer o talento Nem nada do que se ensina. Esta dôr do entendimento É peor do que se imagina... Guiar o meu coração Num ingenuo christianismo. Esta civilisação É cheia de pessimismo... Comer pão negro, pão duro, Beber o leite das peáras. Pão de centeio é escuro, --Mas põe as almas ás claras... Amar alguma pastora Com palavras e com obras. Estas senhoras d'agora São mais falsas do que as cóbras... E vêr crear com carinho, Com cuidados infinitos, Á companheira, um filhinho... E ás ovelhas, borreguitos... MEDITAÇÕES SOBRE THEMAS DO ECCLESIASTES I _A Celestino Steffanina_ Vaidade de vaidades, disse o Ecclesiastes: vaidade de vaidades, e tudo vaidade. (_Capit. I, v. 1_). Semeador de iniquidades, Porque é que mandas sobre os teus eguaes?! O mando o que é? _Vaidade de vaidades_, Fumo que ao desfazer-se engrossa mais... Oh minha vista o que é que foi que viste Cá neste mundo impiedoso e rudo? _Que só a vaidade existe_ --Em todos nós, e em tudo!... II _A Israel Anahory_ Todas as coisas são difficeis; o homem não as póde explicar com palavras. Os olhos não se fartam de vêr nem o ouvido se enche de escutar. (_Capit. I, v. 8_). Palavras são palavras... Nada dizem. Teias d'aranha que jámais impedem Que as ideias se escapem e deslizem... Nescios os homens são quando procedem Como quem a verdade sempre traja E nunca della se encontrou despido... Difficil é... o que mais simples haja --Quanto mais o que fôr mais escondido!... Para que uma verdade vá julgar, Para que um sentimento vá sentir, Olhos: não vos canceis nunca d'olhar E vós, ouvidos, não deixeis d'ouvir. Mas por fim Nem assim... O mais profundo pensamento É sempre insubsistente e aerio, Por que a todo o momento --Se perde no misterio... III _A José Barbosa_ Que é o que foi? É o mesmo que hade ser. Que é o que se fez? É o mesmo que o que se hade fazer. Que é o que foi? --O mesmo que hade ser... A vida é como o passo egual dum boi Que vem dos campos ao anoitecer; Com o seu lento e resignado aspeito, Andou um passo, e logo um outro dá. _Tudo quanto foi feito De novo se fará_... IV _A Ladislau Patricio_ Os olhos do sabio estão na sua cabeça: o insensato anda em trevas: e aprendi que era uma e mesma a morte dum e doutro. (_Capit. II, v. 14_) O sabio tem os olhos da razão Além desses que tu na fronte levas, Oh nescio que sem guia e sem bordão Vaes pela vida a caminhar nas trevas... (_E d'ahi? E depois? Se surge um incidente, Fere indistinctamente Ou ambos elles, ou qualquer dos dois_...) V _A Adelaide Gil, minha irmã_ Todas as coisas caminham a um logar: de terra foram feitas e em terra se hão de tornar do mesmo modo. (_Capit. III, v. 3_). Mas o que é, afinal, a perfeição? Como é que tudo, oh sabios, evolue _Se as coisas todas caminhando vão Para um egual e unico logar, Se o pó que as constitue Em pó se hade tornar_? VI _A Eduardo Graça_ Todas as coisas teem seu tempo e todas ellas passam debaixo do céu segundo o termo que a cada uma foi prescripto. (_Capit. III, v. 2_). Socega, coração attribulado, De toda a dôr se apaga todo o traço. Pois quanto ao mundo vem, traz já marcado _O seu tempo e tambem o seu espaço_... E queira Deus, coração, Que esta hora de anciedade E de pranto e d'afflicção --Nunca te cause saudade!... A CANÇÃO DAS PERDIDAS _A Vianna da Motta_ I Quem por amôr se perdeu Não chore, não tenha pena. Uma das santas do céu --É Maria Magdalena... II Minha mãe foi o que eu sou. Eu sou o que tantas são. Que triste herança te dou, Filha do meu coração! III Meu pae foi para o degredo Era eu inda pequena. Se não morresse tão cedo, Morria agora--de pena... IV E ha no mundo quem afronte Uma mulher quando cae! Nasce agua limpa na fonte, Quem a suja é quem lá vae... V Aquelle que me roubou A virtude de donzella Se outra honra lhe não dou, --É porque só tive aquella!... VI Nós temos o mesmo fado, Oh fonte d'agua cantante, Quem te quer, pára um boccado. Quem não quer, pássa adeante... VII O meu amôr, por amal-o, Poz-me o peito numa chaga: Deu-me facadas. Deixal-o. Mas ao menos não me paga! VIII Nem toda a agua do mar Por estes olhos chorada Daria bem a mostrar O que eu sou de desgraçada! IX Como querem vêr contente Este paiz desgraçado, Se dão só livros á gente Nas escolas do peccado... X Dormia o meu coração Cançado de fingimento. Bateste-me, e vae então Acordou nesse momento. XI Se aquillo que a gente sente, Cá dentro, tivesse vóz, Muita gente... toda a gente Teria pena de nós! CARTA A UM RAPAZ SENTIMENTAL «Um mover d'olhos brando e piedoso Sem vêr de quê; um riso brando e honesto Quasi forçado; um doce e humilde gesto De qualquer alegria duvidoso * * * * * Um encolhido ousar; uma brandura, Um medo sem ter culpa; um ar sereno, Um longo e obediente soffrimento. * * * * * Camões Num quente e perturbante fim de tarde, Cujo magnetico e profundo enlevo Ainda agora em mim crepita e arde, Como se fosse a tarde em que te escrevo, Ergui os olhos distrahidamente, A ver se já brilhava alguma estrella No concavo do céu opalescente --E vi, numa varanda, os olhos della... Do episodio que acabo de contar-te Tão simples, tão banal, que dá vontade, Para lhe pôr um boccadinho d'arte, De lhe roubar um pouco de verdade, Foi que este amor espiritual nasceu, Nasceu, cresceu e se tornou eterno... Repara, amigo, como olhando o céu A gente, ás vezes, póde achar o inferno. Mas quem podia então adivinhal-o? O olhar dessa mulher era tão lindo Que deslumbrado me fiquei a olhal-o. Descera a noite. A lua ia subindo... Era lua cheia e, para mais, d'agosto; Dava em toda a varanda. Assim, eu via As fórmas portuguêsas do seu rosto Nitidamente, como á luz do dia. E cá dentro de mim senti nascer A dúvida, a incerteza, a hesitação Sobre o que mais desejaria ser: Se o noivo della, se o primeiro irmão... Uma estrella cadente reluziu Por sobre as torres da vizinha egreja, Pensei commigo: Deus o decidiu: É minha noiva que Elle quer que seja. Não dizia ventura, mas desgraça, A claridade do signal aereo. (Na mesma direcção da egreja, passa A rua que vae dar ao cemiterio...) Porém, como querendo agradecer-me A decisão que attribuira a Deus, Inclinou-se de leve para ver-me E os doces olhos demorou nos meus. Sob a caricia desse olhar cinzento, Que ao abaixar-se parecia negro, O coração que me batia lento, Mudou o andamento para alegro. Uma hora decorreu. Outras passaram. Passaram, foram-se; e naquelle enleio Que tempo os nossos olhos conversaram!... Estava a noite já em mais de meio. Vinha dos montes uma brisa ardente. O céu ganhára tons d'azul cobalto. O luar cahia silenciosamente. Na sombra, os rouxinoes cantavam alto. Arrependidos, ou então, cançados De se fitarem com demora em mim, Os seus olhos piedosos e sagrados Ao dialogo d'amor puzeram fim. Desviára-os; e entre as palpebras discretas, Poisára-os nas mãos claras e pequenas, Como se foram duas borboletas Voando para duas assucenas. Ergueu-se. O busto delicado e fino Tinha os suaves, religiosos traços Da Virgem num altar. Só o Menino Faltava na doçura dos seus braços... Num olhar impregnado de candura, Disse-me adeus e recolheu. Depois... A luminosa noite fez-se escura. Calaram-se na sombra os rouxinoes. Entrei em casa e quiz dormir. Raiára A madrugada sem que o conseguisse. Quem um sonho tão limpido sonhára, Inutil se tornava que dormisse... Annos felizes neste amor gastei. Vieram em seguida as horas más. O que nellas soffri, o que passei, Um dia, noutra carta, o saberás. MÃOS FRIAS CORAÇÃO QUENTE Dez da manhã. Vento da serra. Tres graus negativos _Mãos frias, coração quente_! Quanta vez isto dizias Com o teu ar sorridente, Apertando-me as mãos frias... Agora decerto o tenho Num brazeiro, num vulcão. O frio é tanto, é tamanho Que a penna cae-me da mão... Q'ria dizer-te o que penso E o que faço e premedito, Mas posso lá ser extenso Com este frio maldito! Tu perdoas certamente, Tu não te zangas, pois não? _Mãos frias, coração quente_ --Lá diz o velho rifão... NOIVA _A João da Silva_ «Anda a dôr dissimulada Mas ella dará seu fruito.» Crisfal «_Vae ser pedida. Casa qualquer dia._» (_Trecho duma carta_) Tive noticias hoje a teu respeito: «Vae ser pedida. Casa qualquer dia». E o coração tranquillo no meu peito --Continuou a bater como batia... Surpreso duma tal serenidade, Todo eu, intimamente, me sondava: Pois nem ciume? Nem sequer saudade?! --E nem ciumes, nem saudade achava... Saudades, não; que o teu amor antigo Guardam-no as cinzas (neste coração) Como em Pompeia aquelles grãos de trigo Que após centenas d'annos deram pão... Saudades! Mas de quê?! Pois não sei eu A lei antiga como o proprio mundo De que o prazer mal chega, já morreu, E só a dôr nas almas cava fundo? Causei-te longas horas d'amargura, Não consegues voltar a ser feliz; A chaga que te abri não terá cura, E se curar--lá fica a cicatriz. Á luz dum juramento que trahiste Tu has de vêr-me toda a vida pois. Ergueste-o a Deus num dia amargo e triste E Deus casou-nos esse dia, aos dois... Ciumes tambem não, por te venderes. Desgraçadinha! Antes te houvesses dado; Não descerias tanto entre as mulheres, Seria mais humano o teu peccado. Porém, embora a tua falta aponte, P'ra mim és a que foste (ou que eu suppuz); O sol desapparece no horisonte --E a gente vê-o ainda a dar-nos luz... Póde a desgraça erguer em frente a mim Altas montanhas d'elevados cumes. O sol do amôr doiral-as-ha, e assim, Vendo-o tão alto, não terei ciumes. Ciumes! _Elle_ é que hade tel-os, quando, Em claras noites de luar silente, Ouvir vibrar alguma voz, cantando Os versos que te fiz devotamente. Versos para te ungirem os ouvidos E os labios d'anemica e de santa, Tão pobres, tão ingenuos, tão sentidos, Que o povo humilde os acolheu e os canta. Então, se te olhar bem, logo adivinha... Logo sombriamente se convence De que a tua alma se fundiu na minha --E apenas o teu corpo lhe pertence. DE PROFUNDIS CLAMAVI AD TE DOMINE _Á Leo_ Ao charco mais escuso e mais immundo Chega uma hora no correr do dia Em que um raio de sol, claro e jocundo, O visita, o alegra, o alumía; Pois eu, nesta desgraça em que me afundo, Nesta contínua e intérmina agonia, Nem tenho uma hora só dessa alegria Que chega ás coisas infimas do mundo!... Deus meu, acaso a roda do destino A movimentam vossas mãos leaes Num aceno impulsivo e repentino, Sem que na cega turbulencia a domem?! Senhor! Não é um seixo o que esmagaes; Olhae que é--_o coração dum homem_!... JOANNINHA _A Mayer Garção_ Descance de quando em quando... Passar assim toda a tarde Sempre bordando, bordando, Sem que um momento desista, Até faz pena! Não lhe arde Nem se lhe perturba a vista?... Descance de quando em quando... Erga os olhos do bordado E veja quem vae passando. O trabalho alegra a gente, Mas assim, tão aturado, --Não lhe faz bem certamente. Erga a carinha tranquilla, Erga esse rosto tão lindo E veja os moços da villa A passarem por aqui, Uns descendo, outros subindo, --E todos d'olhos em si... Descance de quando em quando E veja se escolhe algum; Já é tempo d'ir pensando Em casar. Não é assim?... Se não lhe agrada nenhum, --Diga se gosta de mim. Desde os começos do outono Que eu a trago no sentido, Não como, não tenho sono, Tudo me dá ralação? Quer-me para seu marido? --Diga que sim ou que não... QUANDO AS ANDORINHAS PARTIAM... _A Cassianno Neves_ Bocca talhada em milagrosas linhas, A luz augmenta com o seu falar. Esta manhã um bando de andorinhas Ia-se embora, atravessava o mar. Chegou-lhes ás alturas, pela aragem, Um adeus suave que ella lhes dissera, --E suspenderam todas a viagem, Julgando que voltára a primavera... A PARÁBOLA DO PUCARO D'AGUA Acreditaram os romanticos que a arte residia principalmente na disformidade. Se atravez das proprias dores descessem ás profundas realidades da vida, teriam observado que... o viver do povo encerra em si uma poesia sagrada. Sentil-a e mostral-a não é tarefa de machinista; para tal, não é necessario juntar-lhe effeitos theatraes. ... O que é preciso é ter olhos para vêr na sombra, na pequenez e na humildade, é um coração que auxilie a vista nestes recessos do lar, nestas sombras de Rembrandt. _MICHELET_. _O Povo_ _A Manuel Penteado_ Buscava em algum assunto adrede A versos que inculcassem novidade, Quando uma intensa e irreprimivel sêde Me fez voltar do sonho á realidade. E pedi agua (já se vê) que veio Consoante é d'uzo cá por entre o povo Num pucaro de barro ingenuo e feio, Servindo-lhe de salva um prato côvo. Bebi o liquido dum trago só; E dito o «Deus te pague» habitual, Subi de novo a escada de Jacob No heroico intuito de escalar o ideal... Mas o idealismo é como a nevoa ondeante Que os rios erguem pela madrugada; O olhar destingue-a, quando está distante, E da que nos rodeia--não vê nada... De que serve afinal tentar a gente Reter, dentro das mãos, fumo de palha, Se aqui, aos nossos olhos, no existente, Ha tanta coisa que os attráia e valha?... A agua vinda neste vaso fragil Que um ignorado artista modelou Num gesto--já mechanisado e agil-- Á força d'imitar o que encontrou, É um assunto cheio de belleza, Cheio de claro e alto ensinamento. Assim na branda fala portuguêsa O désse eu, como o tenho em pensamento!... A agua é como a esp'rança Que a tudo se sujeita... Onde quer que se deita Lá fica humildemente acommodada, Seja a concha da mão duma creança, Ou a taça lendaria da ballada... Tanto sacia Num vaso tyrrêno dos da antiga Roma (Que um só valia O rútilo oiro d'avaro banqueiro) Como a que se toma Na argilla porosa, Alegre trabalho dum simples oleiro... E é Até Bem mais saborosa No barro suarento Deixado á janella, Que num opulento Copo lavrado Que seja pertença de rica baixella E sonho gentil, cinzel phantasista Dalgum grande artista Dos raros d'agora, ou do tempo afastado... Bichos humanos, féras em pé, Sêde bondosos como a agua o é... No luzente alcantil da magnitude, Ou no áspero declive da pobreza, Nunca cerreis o espirito á virtude, Nunca fecheis os olhos á belleza. Que todo o coração, Desde o sabio de genio ao cavador, Seja o Calix de paz e de perdão Contendo a agua limpida e lustral Dum irmanado e perpetuo amôr... Agua que limpe a mácula do mal E mitigue a miseria, a ancia, a magua Desta cruenta e impiedosa guerra Em que tantas creaturas se consomem. Nem só da agua Que vem da terra Tem sêde o homem... Nasce uma fonte Rumurejante Na encosta dum monte; E mal que do seio Da terra brotou, Logo o seu veio Transparente E diligente Buscou e achou Mais baixo logar... E sempre descendo, E sempre a cantar, Vae andando, Galgando, Vencendo, (Ou tenta vencer...) Folha, raíz, areia, o que tolher A sua descida... Ao brotar da dura frágoa --É uma lagrima d'agua... Mas esse humilde fiozinho, Que um destino bom impelle, Encontra pelo caminho Um outro que é como elle... Reunem-se, fundem-se os dois, Proseguem de companhia, E fica dupla depois A força que os leva e guia... Junta-se aos dois um terceiro, Outros confluindo vão, E o regato é já ribeiro E o ribeiro é rio então... E nada agora o domina Ao fiozinho da fonte. Entre collina e collina, Ou entre um monte e outro monte, Caminha sem descançar, Circula atravez do mundo --Até á beira do mar Omnipotente e profundo... Da altura em que estejaes (ou vos pareça; A vaidade é uma amante enganadora) Que o mais alto de vós se humilhe e desça Como se humilde e pobre sempre fôra... E que os demais desçam tambem de todo O orgulho e mando sobre escravas gentes Até ao valle, de lagrimas e lôdo Onde a miseria brada e range os dentes. E como as aguas que se vão juntando E juntas, e cantando, vão descendo, Reuni o choro derramado, quando Atravessardes esse valle horrendo. E o atoleiro que se havia feito No val, dantesco, pútrido, sombrio, Mudar-se-ha no irrigante leito Dum fertilisador e claro rio; E o rio, andando, andando, hade alargar --Com biliões de lagrimas vertidas-- Num infinito e luminoso mar De novas e amplas e cantantes vidas! Outubro de 1909. INDICE Prefacio Dedicatoria Luar de Janeiro Sextilhas a um menino Jesus d'Evora Ballada da Neve Toada para as mães acalentarem os filhos O nosso lar O que o fogo poupou dum poemeto queimado Melodia confidencial O passeio de Santo Antonio Um grão de incenso A máscara In promptum pastoral Meditações sobre themas do Ecclesiastes A canção das perdidas Carta a um rapaz sentimental Mãos frias coração quente Noiva De profundis clamavi ad te domine Joanninha Quando as andorinhas partiam A parábola do pucaro d'agua Acabado de imprimir aos trinta e um de dezembro de 1909 em Lisboa, na Typographia do Commercio, Rua da Oliveira, 10, ao Carmo. *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK LUAR DE JANEIRO *** Updated editions will replace the previous one—the old editions will be renamed. Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright law means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg™ electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG™ concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for an eBook, except by following the terms of the trademark license, including paying royalties for use of the Project Gutenberg trademark. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the trademark license is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. Project Gutenberg eBooks may be modified and printed and given away—you may do practically ANYTHING in the United States with eBooks not protected by U.S. copyright law. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. START: FULL LICENSE THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg™ mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase “Project Gutenberg”), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg™ License available with this file or online at www.gutenberg.org/license. Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg™ electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg™ electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy all copies of Project Gutenberg™ electronic works in your possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project Gutenberg™ electronic work and you do not agree to be bound by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. 1.B. “Project Gutenberg” is a registered trademark. It may only be used on or associated in any way with an electronic work by people who agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few things that you can do with most Project Gutenberg™ electronic works even without complying with the full terms of this agreement. See paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project Gutenberg™ electronic works if you follow the terms of this agreement and help preserve free future access to Project Gutenberg™ electronic works. See paragraph 1.E below. 1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation (“the Foundation” or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project Gutenberg™ electronic works. Nearly all the individual works in the collection are in the public domain in the United States. If an individual work is unprotected by copyright law in the United States and you are located in the United States, we do not claim a right to prevent you from copying, distributing, performing, displaying or creating derivative works based on the work as long as all references to Project Gutenberg are removed. Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg™ mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg™ works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg™ name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg™ License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg™ work. The Foundation makes no representations concerning the copyright status of any work in any country other than the United States. 1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: 1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate access to, the full Project Gutenberg™ License must appear prominently whenever any copy of a Project Gutenberg™ work (any work on which the phrase “Project Gutenberg” appears, or with which the phrase “Project Gutenberg” is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, copied or distributed: This eBook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. 1.E.2. If an individual Project Gutenberg™ electronic work is derived from texts not protected by U.S. copyright law (does not contain a notice indicating that it is posted with permission of the copyright holder), the work can be copied and distributed to anyone in the United States without paying any fees or charges. If you are redistributing or providing access to a work with the phrase “Project Gutenberg” associated with or appearing on the work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the Project Gutenberg™ trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.3. If an individual Project Gutenberg™ electronic work is posted with the permission of the copyright holder, your use and distribution must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked to the Project Gutenberg™ License for all works posted with the permission of the copyright holder found at the beginning of this work. 1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg™ License terms from this work, or any files containing a part of this work or any other work associated with Project Gutenberg™. 1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this electronic work, or any part of this electronic work, without prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with active links or immediate access to the full terms of the Project Gutenberg™ License. 1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any word processing or hypertext form. However, if you provide access to or distribute copies of a Project Gutenberg™ work in a format other than “Plain Vanilla ASCII” or other format used in the official version posted on the official Project Gutenberg™ website (www.gutenberg.org), you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon request, of the work in its original “Plain Vanilla ASCII” or other form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg™ License as specified in paragraph 1.E.1. 1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, performing, copying or distributing any Project Gutenberg™ works unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing access to or distributing Project Gutenberg™ electronic works provided that: • You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg™ works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg™ trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, “Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation.” • You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg™ License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg™ works. • You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work. • You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg™ works. 1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg™ electronic work or group of works on different terms than are set forth in this agreement, you must obtain permission in writing from the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the manager of the Project Gutenberg™ trademark. Contact the Foundation as set forth in Section 3 below. 1.F. 1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread works not protected by U.S. copyright law in creating the Project Gutenberg™ collection. Despite these efforts, Project Gutenberg™ electronic works, and the medium on which they may be stored, may contain “Defects,” such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by your equipment. 1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the “Right of Replacement or Refund” described in paragraph 1.F.3, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project Gutenberg™ trademark, and any other party distributing a Project Gutenberg™ electronic work under this agreement, disclaim all liability to you for damages, costs and expenses, including legal fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH DAMAGE. 1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a written explanation to the person you received the work from. If you received the work on a physical medium, you must return the medium with your written explanation. The person or entity that provided you with the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a refund. If you received the work electronically, the person or entity providing it to you may choose to give you a second opportunity to receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy is also defective, you may demand a refund in writing without further opportunities to fix the problem. 1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you ‘AS-IS’, WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone providing copies of Project Gutenberg™ electronic works in accordance with this agreement, and any volunteers associated with the production, promotion and distribution of Project Gutenberg™ electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, that arise directly or indirectly from any of the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg™ work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any Project Gutenberg™ work, and (c) any Defect you cause. Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg™ Project Gutenberg™ is synonymous with the free distribution of electronic works in formats readable by the widest variety of computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg™’s goals and ensuring that the Project Gutenberg™ collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg™ and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation information page at www.gutenberg.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non-profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation’s EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state’s laws. The Foundation’s business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation’s website and official page at www.gutenberg.org/contact Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg™ depends upon and cannot survive without widespread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine-readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit www.gutenberg.org/donate. While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: www.gutenberg.org/donate. Section 5. General Information About Project Gutenberg™ electronic works Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg™ concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For forty years, he produced and distributed Project Gutenberg™ eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg™ eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as not protected by copyright in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our website which has the main PG search facility: www.gutenberg.org. This website includes information about Project Gutenberg™, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.