Project Gutenberg's O culto do chá, by Wenceslau José de Sousa de Morais

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org


Title: O culto do chá

Author: Wenceslau José de Sousa de Morais

Release Date: October 29, 2011 [EBook #37879]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O CULTO DO CHÁ ***




Produced by Rita Farinha (This file was produced from
images generously made available by the Almamater
(Univeridade de Coimbra / Coimbra University) at
http://http://almamater.uc.pt






Nota de editor: Devido à quantidade de erros tipográficos existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.

Rita Farinha (Outubro 2011)

















WENCESLAU DE MORAES




O CULTO DO CHÁ




(ILLUSTRAÇÕES DE YOSHIAKI)









KOBE Typographia do "Kobe Herald"


Gravuras de Gotô Seikôdô


1905













A
Vicente Almeida d'Eça,
Sebastiäo Peres Rodrigues,
Bento Carqueja,






isto é, á Trindade benevolente, que ainda ha pouco, de täo longe, me enviou dentro das folhas de um livro—as Cartas do Japäo,—o perfume ineffavel da sua amizade, offereço este outro livro, exotico pela forma, exotico pelo texto, mas näo pelo sentimento de profunda gratidäo, que inspirou esta primeira pagina.

Kobe, Junho de 1905.





Wenceslau de Moraes.



















O Culto do Chá




Falla-se do Japäo; nem, francamente, devera presumir-se que eu ia referir-me a um paiz qualquer occidental, onde a nossa raça branca floresce.

É no Oriente, e em especial no Extremo-Oriente, que as coisas communs da creaçäo ou os usos e costumes triviaes da vida säo susceptiveis de merecer um tal requinte de solemnidade sentimental e de praxes de rito, que constituam um verdadeiro culto. No espirito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideas da epoca, atribulado pelas multiplices exigencias da vida, pervertido pela febre do negocio, näo medram de ha muito os [8] cultos. Especializando a observaçäo ao chá, havemos de convir que este artigo de commercio, que de täo longe nos vem, propositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume n'uma detestavel infusäo que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniöes banaes, para palestras väs.

A Asia é outra coisa: a muitos propositos immersa ainda em barbarismo, se assim se quer dizer; com mil defeitos e mil erros, que a sabia Europa aponta a dedo e algumas vezes corrige, quando pode, com a logica dos seus conhoës de tiro rapido; o que ella retem ainda, indiscutivelmente, esta Asia, é o caracter ancestral, nada vulgar, nada rasteiro, palpitante de orgulhos de raça, aprazendo-se em sonhos e em chimeras, acariciando a lenda, divinizando as coisas, prodigalizando os cultos; o que é, em todo o caso, uma maneira amavel, de ir comprehendendo a vida.

*

Oh, fé dos velhos tempos!... Oh, santos patriarchas de täo varios paizes e täo differentes seitas, tenazes campeöes, que fostes incutindo nos simples a crença, a esperança, o amor,—balsamos consoladores das duras miserias d'este mundo,—como eu vos amo, a todos!...
[9] Meus piedosos pensamentos elevam-se n'este momento a Darumá. Segundo a tradiçäo da gente japoneza, Darumá, o grande apostolo indiano do buddhismo, veio á China ahi pelo começo do seculo VI da nossa era christä, e em terras chinezas prégou em honra da verdade, illuminando o espirito dos povos.

Consta que, por voluntaria desistencia das ephemeras alegrias terreaes, Darumá votou-se a passar a vida de joelhos sobre o solo pedregoso, absorto em contemplaçöes mysticas, sem mesmo permittir-se o simples regalo de dormir. Tantos annos permaneceu de tal maneira, que as pernas se lhe gastaram, claro está; e é assim, sem pernas, só com a cabeça e com o tronco, envolto n'um manto carmezim, que ainda hoje é figurado. A imagem tronou-se querida e popular entre esta boa gente japoneza; é mesmo um brinquedo corriqueiro entre as mäositas das creanças,—os santos e os meninos vivem sempre em boa companhia;—lembrando o tal brinquedo o nosso frade de sabugo, pela teima em voltar, por mais voltas que lhe dêem, á sua postura habitual. Deve ainda saber-se que Darumá tem dado assumpto, desde remotos tempos até hoje, a pintores da mais alta valia; Hokusai foi um d'elles, pintando um famoso Darumá sobre uma folha de papel de cerca de duzentos metros quadrados de grandeza, empregando oitenta litros de tinta no desenho e servindo-se de cinco vassouras á laia de pinceis; estendida a tela sobre o campo, [10] no telhado de um templo a turba admirava a obra e applaudia o mestre.

Mas voltêmos ao que aqui mais nos interessa, respeitante ao venerando vulto que invoquei, ajoelhado sobre as pedras. Consta mais que, em certa noite, as palpebras se lhe cerraram de fadiga, e o bom Darumá deixou-se adormecer, para só acordar pela manhä. Entäo, pedindo a alguem uma tesoira ou instrumento parecido, cortou a si proprio as palpebras indignas e arremeçou-as ao solo, n'um gesto de despeito... As palpebras, por milagre, erraizaram, dando nascença o a um gracioso arbusto nunca visto, que medrou mui de prompto e cujas folhas, tratadas de infusäo pela agua quente, fôram um remedio precioso contra o somno e contra o cançaço das vigilias. Estava conhecido o chá; tem pois na China a sua origem, e é coisa santa, como se acava de provar. Crê quem quer; mas devo advertir que este livro foi [11] escripto para os crentes.






*

Da China, veio o chá para as terras de Nippon, mas näo se sabe quando.

Velhas chronicas mencionam (no dizer dos entendidos n'este caso melindroso), que em 729 da era Christä, durante uma festa religiosa de espavento, o imperador Shomu offerecia chá a bonzos de alta gerarchia; mas fica-se ignorando se já antes seria conhecido... Parece que um bom abbade buddista, Dengyo Daishi, foi o primeiro que obteve a planta em solo japonez, em 805; o chá era entäo já uma beberagem favorita entre os bonzos chinezes, que d'ella se serviam durante as vigilias prolongadas das suas praticas nocturnas. Mais recentemente, ainda outro, bonzo, Eisei, tendo ido á China, de lá voltou, trazendo as sementes preciosas, e no monte Sefuri, em Chikuzen, cuidou da sua sementeira. Pouco depois, ainda mais outro bonzo (sempre os bonzos!) de nome Mioyé, colhendo de Eisei os varios segredos de cultura, novas sementes adquiriu, e em Toga-no-o em Uji, [12] logares visinhos de Kyoto, attentamente se entreve em cultivar o chá; em Uji, de preferencia, fôram os resultados excellentes. Dois seculos depois, cerca de 1400, o shogun (generalissimo) Ashikawa Yoshimitsu imprimiu vigoroso impulso ás plantacôes de Uji, as quaes tanto fôram prosperando, mercê da riqueza do torräo, que de entäo até hoje o chá d'aquelle sitio tem sido celebrado como o melhor de todo o imperio; d'elle exclusivamente se serve o Imperador.

*

O Japäo é a terra das camelias: camelia japonica, lá diz o latinorio dos botanicos.





Quando, por fins de novembro, começam os frios e as geadas e pouco tarda que as neves alvejem nos dorsos das montanhas, quando cessam as ultimas florescencias dos jardins, é entäo que comecam ostentando-se as bellas flores d'esta esplendida familia das camelias. Véem primeiro as sazankas, umas brancas, cutras roseas, de mimosissimas petalas frisadas; seguem-se as camelias [13] simples, sanguineas, surdindo da rama espessa de arvores gigantes, espalhadas pelos campos; e após véem as flores cuidadas, de luxo, variando em innumeras formas, variando em innumeros tons, desde o branco de leite ate ao roseo quasi negro. Entäo igualmente desabrocha a pequenina flôr do chá, que tambem é uma camelia, subtilmente perfumada, composta de cinco petalasinhas alvas contornando e protegendo o feixe aureo dos estames.


*




Passando, em horas de ocio, junto dos campos de chá, dos quaes sinto prazer em acercar-me, palestro com os aldeöes e aprendo noçöes varias, respeitantes á delicada planta. Näo pode ser transplantada, nem se multiplica por estaca ou por enxerto, só por sementeira se propaga. Os paizes quentes, como os paizes frios, säo-lhe nocivos; prospera nos climas temperados, nos sitios lavados de ar e luz, visinhos dos cursos de agua, convindo um ligeiro declive ao solo de cultura. Os arbustos säo dispostos em renques parallelos, de norte a sul, para que o sol lhes bata em cheio desde pela manhä até á noite; as plantas mais cuidadas [14] reclamam na primavera grandes toldos de palha, que abriguem das geadas as tenras folhas dos rebentos. Durante o primeiro anno, dispensam adubos, que depois se applicam em periodos frequentes. A guerra aos vermes, aos insectos, exige zelos incessantes. No fim de quatro annos, já o arbusto se presta á primeira colheita; mas säo as velhas plantas, de cem annos, de duzentos annos, as que melhor produzem.





*


Quem quizer tomar conhecimento com a planta de chá, nas melhores condiçoës de prosperidade e em mais bellas galas de aspecto pittoresco, tem de ir até Uji, distante quinze milhas de Kyoto; escolhendo de preferencia um dos primeiros dîas de maio, quando os rebentos novos começam vicejando, o que marca o inicio da faina da colheita. Faina e festa: a povoaçäo inteira acorda da sua modorra provinciana; desperta em esperanças, em jubilos, em actividades incançaveis, para votar-se aos cuidados da preciosa folha; deverá presumir-se, em bom criterio, que a [15] quadra remoçante da primavera em flores, com aromas nas brisas e quenturas creadoras, constitue tambem um forte estimulo para a alegria repentina que se pinta nos rostos de toda aquella gente.

O quadro é deveras aprazivel. Após uma banal estaçäo de linha ferrea, estende-se a cidadesinha garrida, com as suas viella muito limpas e a fila de lojinhas abarrotadas de varia mercancia. Depois segue-se o rio, de aguas limpidas e frescas, rico de tradiçöes de gloria; galga-se a ponte em arco, entra-se no bairro das chayas, dos hoteis, em tal quadra povoados de freguezes galhofeiros e de gentis mulheres, as gueishas, que cantam ou dedilham no inseparavel shamicen; e véem depois os campos, vastos campos de chá a succederem-se pelo horisonte fóra, cuidados como jardins, em longos alinhamentos de arbustos, copados, arredondados, lembrando enormes mangericos, de delicada rama de um verde esculro bronzeado; no azul distante, alguns famosos templos confusamente se recortam.




As moças de Uji estream kimonos novos para o caso, arregaçando [16] as mangas com fitas escarlates; amarram em turbante em volta dos cabellos toalhas de côr azul e branca; e assim, esbeltas, graciosissimas, em ranchos de dez, de doze companheiras, dirigem-se ao trabalho. É entäo um encanto para os olhos ir a gente surprehendel-as no afan do seu mister, dispersas pelas campinas fóra, como borboletas; indo de um ramo a outro ramo, de um arbusto a outro arbusto, por vezes occultando-se entre o verde mais denso da folhagem. Os dedos roseos, miudinhos, a escorrerem de orvalho e multiplicando-se em gestos delicados, väo colhendo os rebentos tenros do chá e atirando-os a grandes ceiras dispostas pelo chäo; as boccas väo sorrindo, patenteando as enfiadas alvas dos dentinhos; os olhos esbrazeam em juvenis amores inconfessados; as vozes unem-se ás vozes, em rythmos commoventes de velhas cançöes locaes:



[17]

"Quando nasce o sol radioso
Por cima d'aquelle oiteiro,
Todas as aguas do rio
Parecem memo um brazeiro!...

"N'estas aguas do rio d'Uji
—Taö milagrosas que säo!—
Lavam-se todos os males
De que soffre o coraçäo...




No campo, as raparigas. Nas casas, os homens, as velhas, as creanças. Será rara a familia que näo tenha interesses na labuta; as grandes fabricas constituem excepçäo, como em todas as primitivas industrias japonezas; em cada albergue se improvisa uma manufactura, modesta, familial, onde todos trabalham, risonhos, [18] palestrando. O chá é escolhido, escaldado, posto a seccar, grelhado em fornos, enroladas as folhas ou reduzido pó, depois empacotado, guardado em latas, em caixas, em boiöes; um melindroso amanho que requer mäos incançaveis, dedos prestimosos, cuidados inauditos, segredos de processo, meticulosidades devotas que espantam os profanos, nas quaes collabora a gente toda valida d'aquelles arredores.





*

Tal é a industria graciosa e tal é o chá que os japonezes bebem. Vêde agora como a civilizaçäo occidental contrasta com os usos d'estes asiaticos. Téem os japonezes, para lá do Pacifico, um grande consumidor do seu producto: é o Yankee. Tanto mimo e tanto esmero na apanha da folha e preparoçöes que se [19] succedem näo bastariam para o chá que os americanos väo beber. Vem de Uji e de outros pontos, tal como os japonezes o preparam, para as firmas estrangeiras de Kobe e de Yokohama; é entäo submetido a novas operaçöes, ao sabor do fino paladar de Nova-York e de Chicago. Näo säo agora as camponezas, esbeltas e trajando roupas novas, que acodem ao mister; trabalham machinas [20] a vopor, fumegam chaminés e guincham engrenagens; e occupa-se no preparo um mundo feminino inqualificavel, escoria das cidades, esfarrapado, piolhoso, horripilante, que a gente vê sahir das fabricas á tarde como uma leva de mendigas, cheias de pó, de pustulas, de miseria. O fabrico do chá ao gosto americano consiste n'um segundo aquecimento em grandes fornos e na addiçäo de varios productos, como o pó de uma certa pedra, soopstone, e o azul da Prussia. Assim é expedido.


*


A introducçäo e vulgarisaçäo do chá na terra japoneza deveu grande incremanto uma industria desde remotos tempos exercida, mas toscamente praticada,—a ceramica,—que havia de alcançar com o correr dos tempos um supremo grau de perfeiçäo como arte nacional. A conservaçäo da preciosa folha, exigindo escrupulos inauditos para reter o seu perfume, marcou o ponto de partida. Foi Toshiro, um oleiro da aldeia de Seto, na provincia de Owari, quem fabricou os primeiros boiöes para guardar o chá, empregando processos que aprendera na China, respeitantes á perfeiçäo da pasta e dos esmaltes. Passava-se isto ha sete seculos; e é curioso registar que seto-mono (objecto de Seto) é ainda hoje o nome consagrado para indicar qualquer artigo de ceramica.

Dos boiöes, passou-se gradualmente ás chavenas, aos bules, á gentil e complicada baixella que a infusäo foi reclamando e o [21] luxo pondo em moda; e ora aqui está como a ceramica no Japäo,—faiança ou porcellana,—que attingiu requintes de arte primorissima, deveu ao chá e á agua morna os seus melhores progressos.


*


Quando comecáram a tomar chá os japonezes, era este reduzido a um impalpavel pó e com elle se fazia a beberagem; depois veio o uso de empregar as folhas, apenas escolhidas e passadas pelos fornos; e é esta, ainda hoje, a maneira mais commum de preparal-o.




No Japäo, toda a gente toma chá,—ricos e pobres, nobres e plebeus:—bebe-se na occasiäo das refeiçöes e a toda a hora, a [22] pequeninos golos. No lar, quando entra o visitante, offerecese-lhe, após as reverencias, uma almofada de regalo e uma chavena de chá. O mercador, quando quer se amavel com o freguez, serve-lhe antes de tudo uma chavena de chá, palestra, falla da chuva e do bom tempo; só mais tarde se trata do negocio. Nos templos famosos, em Kyoto por exemplo, o bonzo offerece chá ao peregrino antes de lhe mostrar as reliquias e os museus. Pelos caminhos mais agrestes, que väo serpeando pelas collinas arriba, ha rusticos poisos espaçados aqui e acolá, onde o caminheiro descança alguns minutos, bebe uma chavena de chá, troca um sorriso, deixando em retorno um cobre sobre a esteira. Um restaurante, na pittoresca linguagem japoneza, diz-se uma chaya,—que quer dizer—casa de chá.—De sorte que a chavena de [23] chá, que acompanha os bons-dias dados a quem chega, näo constitue simplesmente uma norma rutineira, um habito banal, tornou-se como que o symbolo da doce hospitalidade japoneza, um rito da bonhomia d'esta gente, exercido religiosamente entre amigos, entre estranhos tambem, porque ao estranho, que larga á porta as sandalias, vem ao nosso lar e nos saúda, deve-se ja um sorriso e a sua parte de conforto.





*




Na casa, nua de moveis, porem mimosa de aceios requintados, figura sempre o brazeiro sobre a esteira, enas brazas vae fervilhando a chaleira de ferro cheia de agua; o bon (uma bandeja) está cerca, contendo o bule, as cinco chavenas (cinco, porque? talvez por serem cinco os dedos em cada mäosinha japoneza), os [24] cinco pires de madeira ou de metal, o cofre de estanho contendo o chá em folhas e ainda o pequenino recipiente em porcellana chamado yuzamashi, cuja ordinaria serventia vae muito em breve conhecer-se. O sentimento artistico japonez deprava-se naturalmente na industria de hoje, em grande parte com destino á exportaçäo para a Europa e para a America; é nos utensilios communs de uso indigena, onde näo intervem o modernismo, que ainda reside o gosto esthetico, puro e inconfundivel, da gente japoneza, revelando por si o complicado conjuncto de esmeros, de elegancias, de chimeras, em que a alma d'este povo se deleita. No que respeita o serviço de chá, é innarravel a gentileza de todo este arsenal de bagatelas, minusculas, dando a impressäo de serem destinadas a um banquete de bonecas!...




A agua passa da chaleira para o yuzamashi, onde arrefece, pois é preceito fazer-se o chá com agua que ferveu, mas ja näo ferve; prepara-se depois no bule a infusäo, que é offerecida aos hospedes nas pequeninas taças de fina porcellana.

Eis a singela practica e eis a modesta offerta, actos da vida intima näo poucas vizes repetidos durante cada dia, desde pela manhä até á noite. Poderiam julgar-se sem meritos que valessem [24] do estranho um instante de attençäo e um commentario; mas näo succede assim. Para a alegria dos olhos, a simples preparaçäo do chá imprime um relevo delicioso á graciosidade innata na musumé, na attitude que lhe é mais habitual, de joelhos sobre a esteira, junto do seu brazeiro. A mimica é impressiva, unica; privilegio d'aquella figurinha meiga e ondulante e d'aquella buliçosa mäo, de finissimos contornos, da japoneza, que é, em summa, a Eva mais gentilmente pueril, mais captivantemente chimerica, mais feminina emfim, de todas as Evas d'este mundo. Parece certo que jamais o japonez, que ignora o beijo, haja poisado a bocca n'aquella mäo que exhibe esplendores de graça para servir-lhe o chá; o forasteiro, em intimidade serena, pode ensaiar o galenteio se a phantasia o tenta; e entäo verá talvez, que a mäosita da musumé, reconhecida ao afago, se conchega de encontro aos labios, se demora, como uma rola [26] docil gulosa de carinhos.






*




O chá japonez, servido invariamente sem leite e sem assucar, que lhe prejudicariam o aroma, é a bebida mais suavemente agradavel que possa offerecer-se ao nosso paladar (näo de todos porem, ams um paladar sentimental, um tanto sonhador... que n'isto dos nossos orgäos de sentir ha temperamentos, aptidöes affectivas caracteristicas...). O guyokuró, por exemplo, que é o mais celebrado chá de Uji e de todo o Japäo, instilla taes subtilezas balsamicas de sabor, que mais parece um perfume; poderia dizer-se que uma maravilhosa alchimia conseguiu liquifazer os aromas de flores—flores dos jardins, flores silvestres,—transferido do olphato ao paladar a impressäo do goso. Assim é o guyokuró; claro está que as palavras näo podem traduzir senäo por comparaçäo as emoçöes sentidas; e esta, a do agradoce deliciosissimo que nos fica nos labios, persistindo, como na memoria persiste uma reminiscencia, uma saudade, é imcomparavel...

[27] O chá joponez tem a virtude de mitigar a sêde. Assi se explica o habito dos japonezes näo beberem agua; mesmo na força dos calores, em pleno agosto, a chavena de chá, saboreada a goles, lhes dá pleno consolo. Aponta-se-lhe mais outros condöes: excita ligeiramente o organismo, combate o cançaço das vigilias, predispöe ao bem estar, infiltra no cerebro näo sei que subtil embriaguez, lucida todavia, que nos torna mais affectivos ás sensaçöes de agrado e mais aptos ás elaboraçöes do pensamento

*



A maneira de preparar a infusäo do chá em pó e a arte de servil-o constituem a täo famosa cerimonia chamada do chá-no-yu. Foi assim que o uso do chá se introduzio no Japäo, como uma pratica liturgica dos frades buddhistas da seita de Daisu, exercida no proposito de prolongares as mysticas vigilhas preceituadas; servia ao mesmo tempo de pretexto para reuniöes intimas, que eram, imagina-se, um aprazivel desenfado á proverbial monotonia do convento; sendo um meio efficaz de estreitar laços [28] de estima, pelas confidencias segredadas, pelos sorrisos beatificos que se cruzavam, em quanto que a unica taça ia passando, de mäo em mäo, de bocca em bocca, fraternalmente, até a esvaziar.




Mais tarde adoptou-se entre o povo o uso das folhas; mas o chá-no-yu persistiu nas bonzarias, propagando-se tambem nos costumes profanos, entäo com um exuberante luxo de apparato, que muito apaixonou a alta nobreza. Pelos dias que correm, ainda está em moda, sem distincçäo de classes; é um habito gentil que ficou dos velhos tempos e a que todos podem entregar-se, tido em valia pela delicadeza esthetica do scenario e ainda näo despido do prestigio ortodoxo que lhe vem da remota tradiçäo.

O chá-do-yu, se pode definir-se, é a arte de preparar a infusäo do chá em pó, com esses escrupulos de limpeza, com esses requintes de elegancia de que só é capaz o japonez; sendo a bebida offerecida a alguns amigos de eleiçäo, a drede reunidos n'um recinto disposto para a paz do pensamento e para o agrado dos sentidos.

[29] Bom é dizer agora que os codigos referenets a materia täo grave säo innumeros, diversas as escolas; e os grandes profissionaes, chájin (homens do chá), de celebridade immoredoira, centenas de volumes escreveram sobre o assumpto.

Tudo foi regulamentado e comporta um preceito, que näo é licito esquecer. Non tempos aureos do chá-no-yu o pavilhäo que recebia os hospedes era construido n'um jardin e obedecia a uma architectura inconfundivel. No seu arranjo interno, para a côr das paredes, para a disposiçäo de luz, para o numero das esteiras, para a jarra com flores ou com um ramo de arvore, havia praxes a seguir; o kakemono (quadro suspenso da parede) devia representar uma paizagem que fôsse impressionar a pupilla com carinho; ou antes uma simples sentença escripta por um pincel de mestre calligraphico, pois nada commove tanto a aguda sensibilidate d'esta gente como os seus caractéres de estranha construcçäo, cada um equivalendo já a uma synthese de ideas e predispondo, pela sentida contemplaçäo—ora por uma desenvoltura de traço, ora por uma ondulaçäo de curva,—ao vago discorrer da alma sonhadora... [30]


O plano do jardin submettia-se a regras determinadas, pelas quaes o engenho indigena se revelava em graças prodigiosas, aqui pelos contornos do lago e pelas pontesinhas que o cruzavam, alem pela escolha dos arbustos e das pedras, na intençäo ingenua e amorosa de impôr á vista a illusäo de uma paizagem rustica, reduzida a proporçöes minusculas. Mais do que isto: a alma das coisas, o que de inexplicavel e de subtil parece emanar de um conjuncto qualquer onde os olhos se poisem,—tranquillidade das sombras, arrogancia de um tronco, ternura das relvas...—devia resaltar suggestivamente do jardinsinho japonez, imprimir-lhe um caracter, uma philosophia, acordando na mentalidade dos visitantes um sentimento de paz, de triumpho, de saudade... Claro está que as flores de luxo, como as rosas, como as camelias, como as peonias, eram excluidas, por improprias da intençäo de quadro agreste dada á scena.



Éra de estylo a monumental lanterna, tal como se encontra nos templos, de pedra, tanto mais valiora quanto mais esverdeada e roida de vetustos musgos, e espalhando pela noite vagas claridades coadas [31] pelas suas frestasinhas cobertas de papel; os japonezes deleitam-se em contemplar, após uma nevada, as amplas cupulas em unbella d'estas lanternas de templos e de jardins, receptaculos onde a neve poisa e se demora, em fofos vello de formas extravagantes, de deslumbrante alvura. Um outro accessorio se encontrava, cerca do pavilhäo: o pedaço de rocha bruta com uma pequena cavidade cheia de agua, onde os hospedes iam lavar as mäos antes de entrarem, como em purificaçäo liturgica.

Até a linguagem empregada entre os convivas obedecia a regras de pragmatica: os assumptos de religiäo ou de politica eram banidos; a phrase devia modelar-se n'um agradavel discorrer, sem ferir melindres de ninguem. A cortezia impunha-se: preceituava-se que o hospede proferisse palavras de louvor pelo que via,—alfaias de serviço, arranjo do aposento, horisontes em volta,—mas sem insistencia em demasia, que poderia parecer pouco sincera ou pelo menos importuna.

Variadissimos objectos devem encontrar-se no aposento, como o brazeiro, o carväo de reserva contido n'um cestinho, a chaleira, o abano de pennas, o cachimbo, o tabaco, o pincel, o papel e a escrevaninha. Os artigos destinados particularmente ao chá, muitas vezes contidos n'um estojo especial, säo os seguintes: [32] a boceta com perfumes, que antes de tudo se lançam sobre as brazas e embalsamam o ambiente; a jarra com agua fria e a competente colher feita de um pedaço de bambu; o chá em pó n'am cofresinho de charäo e a colherinha adjunta; duas taças, de barro ou de porcellana, uma usada no veräo, de côr clara, e outra escura, usada no inverno; um curioso utensilio feito de finas lascas de bambu reunidas em feixe, com que se agita na chavena a mistura do chá em pó com a agua morna; finalmente a tigela onde se lavam e o pedaço de seda de finissimo tecido, com que se enxugam, as peças empregadas.

É o dono da casa quem deve preparar o chá, solemnemente, prescindindo do mais ligeiro auxilio dos criados; é elle que o offerece aos convidados. A mäo executa setenta e cinco movimentos, n'um chá-no-yu havido por singelo... e trezentos, quandorequeridas todas as formalidade ortodoxas.





*


No tempo do generalismo do Imperio, chamado Toyotomi Hideyoshi, mais conhecido na historia pelo grande Taiko-sama, quasi todos os genesaes eram chajin, isto é, ferventes apaixonados da ceremonia do chá-no-yu. Em 1585, o proprio Taiko-sama [33] organisou um chá-no-yu colossal nas visinhanças de Kyoto, ainda hoje memorado como festa de inigualavel esplendor: uma extensäo de quinze kilometros quadrados era occupada por innumeros kiosques, aonde os generaes preparavam o chá; todos, nobreza e plebe, os ricos e os mendigos,—um enxame humano!—tinham entrada; Hideyoshi visitou todos os poisos e por suas proprias mäos proparou chä, que offereceo aos chefes favoritos.

Relembrando o passado, justamente n'um periodo de effervescencias guerreiras culminantes no Japäo, talvez pareça estranho, talvez pareça comico, que esses rudes heróis de täo grandes façanhas, os indomaveis veteranos das guerras na China e na Coréa, despissem armaduras, tirassem os dois sabres da cintura, para virem votar horas chimericas a aquecer a agua sobre brazas e a preparar o chä... Mas o contraste, por si, explica o facto: era precisamente essa dura existencia de batalhas e de lances sangrentos, de inclemencias de vida nomada, de longo cogitar em extratagemas e em argucias, que impunha aos homens dirigentes a doce tregua do chá-no-yu. O convivio com os partidarios e os amigos, o desfilas do povo alegre a reverente, [34] a verde paizagem de repoiso, a solemnidade hypnotica dos gestos, tudo contribuia para offerecer um curto aprazimento áquella gente, que assim ia apagando da memoria os amorgores soffridos, estretando sympathias, retemperando forças para as proximas luctas.


*




O chá-no-yu attingiu depois, durante a longa paz da dynastia shogunal dos Tokugawa, uma epocha de exaggeros faustuosos, de dissipaçöes paradoxaes. Escolhiam-se as baixellas de entre objectos muitos antigos e firmados por um nome de fabricante prestigioso, e por isso rarissimos, preciosissimos; e estava entäo em moda offerecel-os, no momento das ruidosas despedidas, ás bellas companheiras do festim, que haviam com as suas guitarras, com as suas cançöes, com as suas graças profissionaes, enfeitiçando os hospedes... Sorveram-se fortunas n'este abysmo.

É de entäo que se conta que um amador empregou n'um chá-no-yu utensilios no valor de trinta e oito mil yens, o que [35] passa de quatro mil libras esterlinas; um outro adquiria por trinta mil yens um só boiäo de chá!...

Ha cerca de tres ou quatro annos, em um leiläo de Tokyo, um japonez comprou por tres mil yens uma chavena de chá-no-yu; prova isto que ainda ha devotos chajin presentemente. Com effeito, se o luxo sem limites que caracterizou o chá-no-yu dos bons tempos feudaes desappareceu para sempre com a mudança de regimen e com a mudança de costumes, continuou todovia esta elegante pratica merecendo uma alta estima. Hoje, os dois sexos a ella se dedicam, e pode affirmar-se que faz parte da boa educaçäo de uma menina, exigindo uns seis ou sete annos a sua aprendizagem. As gueishas tambem se instruem em tal culto; as celebres danças primaveraes da cidade de Kyoto, conhecidas pela denominaçäo de Miyako-odori, säo sempre precedidas do chá-no-yu, em que é officiante uma das mais gentil gueishas do logar; e a multidäo acode, com devota deligencia, a saborear o perfumado chá.


*


Näo me peçam agora, a mim, profano na materia e viageiro fatigado de täo multiplices impressöes que tenho vindo colhendo [36] por este mundo fóra, uma opiniäo pessoal sobre o chá-no-yu. Estive uma vez, é certo, com dois ou tres amigos, em uma das chayas de mais fama da cidade de Kobe; e Tama-Guiku (o Malmequer-Precioso) era a esplendida sacerdotiza da cerimonia. A impressäo que d'aquella noite guardo é indefinida, fugidia, como de um vago sonho que tivesse. Ficaram-me reminiscencias indecisas do luxo sombrio e harmonioso e do aceio extremo das coisas impregnadas de exotismo onde poisou o meu olhar. Na meia luz do placido aposento, amplo e silencioso como um templo, contornava-se, distante, um vulto de mulher, de joelhos, envolta em sedas magnificas. As attencöes fixavam-se especialmente, como que por attracçäo hypnotica, nas suas mäos finissimas, alvejando no espaço como se fossem de marfim, tomando de estranhos utensilios, preparando näo sei que filtro de magia, poisando [37] em mimicas hieraticas, quaes mäos de mystica officiante de uma religiäo desconhecida. Por fim, convidado a partilhar no sacrificio, acceitava uma taça com chá que me era offerecida e levava-a aos labios commovido, com näo sei que subitos escrupulos de apostata mal firme...

Tama-Guiku concluira. Ergueu-se, deslumbrante de graças, de atavios, de magestade. O seu rostinho meigo illuminava-se entäo da exaltaçäo beatifica que lhe electrizava o espirito; dirigiu sobre nós a ardencia negra dos seus olhos, saudou-nos reverente... reverente, näo porque uma imfima cortezia sequer lhe merecessemos,—pobres occidentais ignaros!—mas em estricta abediencia aos preceitos rituaes; e desappareceu da scena.


*


A proposito d'estas divagaçöes respeitantes ao chá e ao seu culto, vem-me agora ao pensamento e ainda me compunge um dramatico episodio da existencia intima japoneza, que contado me foi ha cerca de tres annos. Vou tentar descrevel-o.

Éra no fim de maio. Eu achava-me em Kobe. Um meu amigo japonez, chajin apaixonado, partira para Uji, onde devia assistir a umas costumadas reuniöes votadas ao chá-no-yu, em casa de um parente, cuja filha, a gentilissima O-Hana, era eximia na arte; entre nós ficára combinado que eu iria encontral-o, passadas tres semanas, em Nara, a cujos velhos monumentos queriamos votar horas de estudo.

Haviam decorrido apenas uns tres dias, quando do tal sujeito recebi um bilhete, pouco mais ou menos n'estes termos:—"Pode seguir para Nara, onde me encontrará. Falhou o chá-no-yu. O-Hana suicidou-se. Pesava sobre ella uma desdita igual [38] á pobre Hichi da lenda..."—

Ora, eu conhecia O-Hana; e a lenda, que por signal constitue o thema de uma notavel peça de theatro, näo me era de todo estranha.


*


Vamos por partes. A lenda é como segue.

Näo sei ha quantos seculos e nem sei em que logar,—nem importa sabel-o,—havia em certa rua dois estabelecimentos de negocio, dos que se chamam Yaoya em lingua do paiz, onde se vemdem variadas provisöes,—fructos, legumes, hortaliças, ovos, peixe e muitas coisas mais.—Defrontavam um com o outro. N'um, habitava certo casal com uma filha unica, O-Hichi; n'outro, um outro casal com um só filho, Kichisa. Quiz a mofina sorte que se enamorassem um do outro.

Mofina sorte? Sim, embora, á primeira vista, näo seja o caso concebivel, quando se saiba que ambos eram jovens, gentis e animados de doces enternecimentos amorosos. Eu me explico todavia. Os velhos codigos nipponicos, ainda hoje respeitados, impöem aos filhos o preceito de herdarem o appellido de seus paes; o filho mais velho herda a mais o encargo de chefe de familia, com a administraçäo dos bens e a superintendencia no culto piedoso devido aos parentes fallecidos. É por este processo que as genealogias näo offerecem mysterios e as familias se eternizam, conservando religiosamente o mesmo appellido durante seculos sem conto; cessando apenas no caso excepcional de todos os descendentes acabarem, consanguineos ou näo, pois é de uso corrente chamar ao lar, por adopçäo, filhos alheios. O filho unico pode certamente casar, e a esposa recebe o appellido do marido. A filha unica pode igualmente casar e entäo o esposo [39] recebe o appellido da mulher. Está-se agora percebendo como para O-Hichi e Kichisa o problema se complicava em demazia, por serem ambos filhos unicos. Um meio só se apresentava, o de uma das familias adoptar um filho estranho, sobre quem recahissem os encargos de uma supposta primogenitude. Mas o alvitre era quasi impraticavel, por aquelles tempos feudaes que iam correndo, dependendo da sancçäo suprema do daimyô, que a negaria, por ser o caso novo; sem já contar com o orgulho revoltado dos paes da noiva, ou dos paes do noivo, da familia emfim que, para evitar de ser extincta, tivesse de investir um filho alheio nos deveres que competem ao legitimo.




É certo que as duas familias se oppozeram com toda a vehemencia a taes amores, e a casa se transformou para O-Hichi em duro encerro e a estima dos seus em aggressöes continuas. Foi entäo que a pobre musumé, captiva n'uma alcova, desesperada, louca de amores, meditou em pôr fogo ao seu lar de tormentos, na crença de que as chammas lhe trariam a liberdade e o ensejo de reunir-se áquelle a quem votara todo o seu affecto. Errou porem nos calculos, como succede tantas vezes quando se tem quinze annos e o pensamento voêja no mundo das chimeras: descoberto o seu crime apenas posto em pratica, foi trazida á justiça da [40] cidade e condemnada á morte.




Vem agora a proposito narrar um pormenor curioso, que é de toda a tragedia o que mais me enternece. A misera seguia, conforme o estylo, pelas ruas populosas, amarrada ao dorso de uma besta, para ignominia propria e para licçäo do povo; mais tarde seria executada. A meio da jornada expiatoria, os seus longos cabellos soltos, como até entäo eram usados, cahiam-lhe em desalinho sobre a fronte, cheios da poeira dos caminhos, escorrendo de suor, fustigando-lhe as faces. Entäo, ou porque quizesse poupar-se a um tormento a mais, ou—quem sabe?—por um resto de garridice deminia, viram-n'a rasgar com [41] os bellos dedos tremulos um pedaço da seda carmezim do forro do vestido, com quem amarrou junto á nuca, erguendo os braços, esses pobres cabellos... A idea pareceu graciosa ás raparigas, que se iam juntando em grupos curiosos para observarem o cortejo; e desde entäo as japonezas começaram de usar aquelle enfeite, que persiste até hoje e a que chamam kikidashi—litteralmente: farrapo—em memoria de O-Hichi, a triste namorada de Kichisa...





*


Mas vamos depressa ao fim da historia.

Quando em Nara deparei com o meu amigo japonez, o triste fim de O-Hana esclareceu-se em breve.

Havia em Uji duas familias abastadas, Fukumoto e Yamaguchi, possuindo as mais bellas culturas de chá d'aquelles campos. Os Fukumoto juravam que o seu chá éra o melhor de todo o Imperio, e os Yamaguchi diziam do seu chá a mesma coisa; eram no fim de contas uns caturras, professando um supino [42] orgulho do seu nome e um culto pelo mister a que se davam; alem d'isto, ou por isto, pouco affeiçoados entre si, confirmando a justiça d'aquelle ditado portuguez, com curso em todas as longitudes do planeta... dos officiaes do mesmo officio.

O casal Fukumoto tinha um filha unica, O-Hana; o casal Yamaguchi tinha um unico filho, Naotarô. Este era um perfeito rapazola, amavel, intelligente, segundo affirma quem o viu. O-Hana era uma musumé em plena flôr da vida, educada em todos as gentis prendas do seu sexo. Ninguem como ella desprendia suavissimos sons do koto, a harpa nacional; nenhumas mäos se mostravam täo habeis de pinheiro ou de lirios floridos trazidos do jardim; no chá-no-yu era incomparavel.



[43]




Eu vi O-Hana uma só vez, nos parques de Kyoto, quando em peregrinaçäo primaveral se vae contemplar, á luz da lua, a celebre cerejeira de Guion, toda vestida de pequeninas petalas.

O-Hana éra uma d'essas japonezinhas embebidas de enlevo e de exotismo, taes como vós as conheceis dos leques, dos biombos. Isto basta, á falta de melhor, para definir-lhe o vulto em miniatura, esguio e ondulante, coberto de sedas preciosas; e para imaginar-lhe o rosto pallido em forma de pevide de meläo, os olhinhos cerrados, os finos traços das sobrancelhas em viez, a boquinha sorridente, rubra, lembrando uma cereja, e o penteado... o penteado colossal como uma enorme borboleta de azeviche, que lhe houvesse pousado, de azas abertas, sobre a nuca. Ria, curvava-se em mesuras, em meneios, agitando no ar as descommunaes mangas do kimono; e lá ia seguindo o seu caminho entre um bando de amigas, antes ziquezagueando, a passos miudinhos, indécisos, sem intuito. E eu ia pensando que alli estava, em carne e osso, a companheira deliciosissima, anjo de graças e fada de sorrisos, para quem podesse offerecer-lhe—japonez claramente,—uma [44] casinha de papel em extremos de limpeza, com duas esteiras sobre o chäo, um bule com chá, um prato com confeitos, uma jarra com ramos vicejantes; e á frente o jadinsinho,—bambus tufados, azaleas em flor, pedras musgosas, o pequinono lago, onde peixes vermelhos nadassem pachorrentos e räs coaxassem em noites estivaes...—




O-Hana e Naotarô amaram-se.. Näo se sabe porque. Porque eram ambos jovens, visinhos, conhecidos; e em circunstancias semelhantes a juventude attrahe a juventude...

Quando esta inclinaçäo foi conhecida, as duas familias irromperam em näo dissimulados azedumes. O casamento era impossivel. Se a adopçäo de um filho alheio podia resolver em theoria o problema, quem vinha sujeitar-se ao sacrificio? Os Yamaguchi? Os Fukumoto? Mas nem uns nem outros, com os diabos!... Os nomes das duas familias, procedentes de uma linhagem täo remota que em väo se tentaria investigar-lhes [45] a origem, gosavam em todo o Imperio de um prestigo inconfundivel, conquistado durante annos sem conto pela pobidade mercantil dos seus negocios, pela excellencia do chá da sua lavra, pela nobre chientela nos castelos; podendo apenas pôr-se em duvida, se o chá dos Yamaguchi preferival ao chá dos Fukumoto. Ora,—mercê de um capricho de estouvados,—investir, por uma adopçäo do acaso, um estranho na posse de tal nome, e ungil-o dos nobres encargos que competem a um futuro chefe de familia—Fukumoto ou Yamaguchi,—nem por brincadeira se propunha!... Que O-Hana e Naotarô se casassem, intendia-se; era esse mesmo o seu dever, de perpetuar pela prole os nomes dos avós; mas confiassem no bom tacto dos paes, que saberiam escolher-lhes noivos do seu agrado e em condiçöes de näo virem parturbar a paz das familias e ferir o amor das tradiçöes.




Muito bem. Quando os dois namorados se convenceram da impossibilidade de viverem um para outro, tiveram certa noite uma furtiva entrevista á beira do Ujigawa, a pittoresca ribeira, que entäo serpeava em grande cheia de aguas, resultado das ultimas chuvas copiosas. Deram-se as mäos, parece; sorriam-se um para o outro; näo se sabe o que segredaram entre si, porque [46] ninguem esta alli para os ouvir...

Quando, ao romper do dia, as moças de Uji seguiam para a apanha do chá, em ranchos galhofeiros, quedaram-se de repente junto ao rio, cheias do espanto, de pavor, vendo a boiar dois corpos detidos na maranha dos juncos, rigidos, lividos, mortos, porem sorrindo ainda e dando-se ainda as mäos...


*


"N'estas aguas do rio d'Uji,
—Täo milagrosas que säo!—
Lavam-se todos os males
De que soffre o coraçäo...












Lista de erros corrigidos

Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


Original Correcção
#pág. 19 do outros ... de outros
#pág. 23 ama norma ... uma norma
#pág. 24 ua industria ... na industria
#pág. 24 a modernismo ... o modernismo
#pág. 26 da flores ... de flores
#pág. 33 exteusäo ... extensäo
#pág. 33 homeus ... homens
#pág. 37 desappaeceu ... desappareceu
#pág. 38 appelldo ... appellido
#pág. 39 dos familias ... das familias
#pág. 39 umo supposta ... uma supposta
#pág. 45 pela excellencias ... pela excellencia
#pág. 45 nobre encargos ... nobres encargos








End of the Project Gutenberg EBook of O culto do chá, by 
Wenceslau José de Sousa de Morais

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O CULTO DO CHÁ ***

***** This file should be named 37879-h.htm or 37879-h.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
        https://www.gutenberg.org/3/7/8/7/37879/

Produced by Rita Farinha (This file was produced from
images generously made available by the Almamater
(Univeridade de Coimbra / Coimbra University) at
http://http://almamater.uc.pt


Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties.  Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark.  Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission.  If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy.  You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research.  They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks.  Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.



*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
https://gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.