The Project Gutenberg EBook of Relatorio de uma viagem ás terras dos
Landins, by Joaquim Carlos Paiva de Andrada

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Title: Relatorio de uma viagem ás terras dos Landins

Author: Joaquim Carlos Paiva de Andrada

Release Date: October 7, 2010 [EBook #34041]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK RELATORIA DE UMA VIAGEM--LANDINS ***




Produced by Pedro Saborano





 

Notas de transcrição:

O texto aqui transcrito, é uma cópia integral do livro impresso em 1885. Foi mantida a grafia usada nessa edição, tendo sido corrigidos apenas pequenos erros tipográficos que não alteram a interpretação do texto, e que por isso não foram assinalados.

No livro há algumas referências a um "esboço do paiz ao sul do Zambeze", que acompanhava a edição original. Não foi possível localizar uma cópia desse mapa para acompanhar esta edição digital.

 

RELATORIO

DE UMA

VIAGEM ÁS TERRAS DOS LANDINS

POR

JOAQUIM CARLOS PAIVA DE ANDRADA

CAPITÃO DE ARTILHERIA

 

 

 

 

LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1885

 

 

 

 

RELATORIO

DE UMA

VIAGEM ÁS TERRAS DOS LANDINS

POR

JOAQUIM CARLOS PAIVA DE ANDRADA

CAPITÃO DE ARTILHERIA

 

 

 

 

LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1885

 

 

 

 

{3}

RELATORIO

DE UMA

VIAGEM ÁS TERRAS DOS LANDINS

FEITA NOS

MEZES DE DEZEMBRO DE 1884 E JANEIRO E FEVEREIRO DE 1885

Motivos da viagem

Pela portaria expedida pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, com data de 30 de junho de 1884, incumbindo-me de auxiliar a installação do governo de Manica, e por instrucções communicadas por s. ex.ª o director geral do ultramar, relativas ao cumprimento da mencionada portaria, fui tambem encarregado de visitar os regulos vizinhos e de procurar estreitar com elles relações de commercio e amisade.

Ao chegar ao Zambeze com o pessoal do novo governo constou-me que se achavam nas povoações que o sr. Manuel Antonio de Sousa, capitão mór de Manica e Quiteve, tem formado na serra da Gorongosa, dois grupos de landins; um d'elles com o fim de visitar o mencionado capitão mór e o outro o capitão mór de Senna, o sr. Anselmo Ferrão, unicas pessoas que para os landins representam a auctoridade, e os brancos ou mosungos de Senna.

Logo que o pessoal vindo de Lisboa, com destino ao districto de Manica, chegou commigo a Magagade, povoação ou logar na margem do Zambeze pertencente ao prazo Gorongosa e portanto ao referido districto, parti para o Chire, onde se achava nas operações da guerra do Matacanha o capitão mór de Manica, para combinar com elle na maneira como, com a menor demora possivel, se poderiam fazer seguir das margens do Zambeze para a saluberrima serra da Gorongosa os europeus recemchegados; e, referindo-me aos landins, lhe disse que, apesar do improprio da estação, em que iria encontrar os rios em cheia, e muita palha no mato, me parecia muito conveniente aproveitar a occasião de se acharem na Gorongosa as duas embaixadas, para ir com ellas visitar o Musila e dar cumprimento a uma parte da minha missão,{4} o que, a não se dar esta circumstancia, só mais tarde tencionava realisar.

Concordando Manuel Antonio de Sousa com a provavel importancia da minha viagem n'esta occasião, obtive delle que sustasse a sua partida para Moçambique, onde tencionava ir logo que terminasse a guerra do Chire, e fosse com a sua presença e extraordinaria influencia sobre os indigenas apressar a reunião dos machileiros e carregadores em Magagade, e me acompanhasse até aqui para resolvermos com os landins ácerca da minha desejada viagem. Os landins consentiram logo em voltar para traz e acompanhar-me até junto do Musila. Antes, porém, de eu partir chegou á Gorongosa a noticia de que o Musila, que os landins tinham deixado de boa saude, morrêra quasi de repente. Esta circumstancia difficultava a viagem, por causa das guerras e estado de agitação que quasi sempre seguem á morte de um grande potentado africano; mas pensei tambem que por causa d'ella poderia vir a tornar-se mais util e a proposito a visita, e confirmei-me na primeira resolução. Poucos dias depois de começada a viagem soube que Mudungase, um dos filhos do Musila que os landins na Gorongosa indicavam como provavel successor, tinha effectivamente como tal sido reconhecido, e que elle, receiando que seu irmão Mafumana, o mais guerreiro e mais para temer dos filhos do Musila, não se conformasse com a opinião geral e conspirasse para subir ao poder, o mandára matar, com a mulher e todos os filhos machos, e que, no mais, tudo e todos estavam e tinham estado no mais completo socego.

Paiz percorrido; suas condições geographicas, politicas, economicas e militares

Junto a este relatorio está um esboço do paiz ao sul do Zambeze, desenhado pelo secretario do governo do districto, o sr. tenente Moraes Pinto, e coordenado com o fim de mostrar a area que me parece dever desde já ser destinada á acção do novo governo de Manica. Indica elle a direcção geral dos grandes rios que cortam o paiz, e os pontos a que tenho que me referir n'este relatorio, dando algumas informações que mais se approximam da verdade do que as que se encontram em mappas já publicados. Com mais vagar tenciono coordenar um mappa em maior escala, no qual introduzirei as informações que tenho dos pequenos rios affluentes dos que vão marcados, montanhas, prazos e territorios de differentes regulos e povoações.

Hydrographia

O referido esboço mostra que o Zambeze se acha em communicação fluvial, talvez interrompida n'algum ponto, durante a estiagem, com a costa de Sofalla. O rio Zangue, affluente do Zambeze e limite dos prazos Caia e Inhamunho, vem de uma lagoa, que, por banhar o{5} prazo Absinta, tem este mesmo nome, e que communica por meio da serie de lagoas ou canal chamado Mucua, com uma grande depressão de terreno, mais ou menos cheia de agua, conforme a estação, chamada Tandora Zungue. N'esta grande lagoa desembocam varios rios vindos da serra da Gorongosa, os quaes, durante uma parte do anno, poderão ser empregados como meios de communicação por pequenas embarcações até quasi á base da serra; d'esta lagoa nasce o rio Urema, navegavel todo o anno, e que juntando-se ao rio Pungue, ou antes ao seu novo braço Mudinquidinqui, causado por uma cheia, vae lançar as suas aguas na costa de Sofalla. O rio Urema separa o prazo Gorongosa do prazo Cheringoma, e por isso é hoje limite entre os districtos de Quelimane e de Manica.

No itinerario seguido, a partir da serra Gorongosa para as terras dos landins, o primeiro rio de importancia que se encontra é o Vunduse, affluente do rio Pungue; este affluente, que tem um leito de uns 100 metros de largo, mas não é navegavel, é limite do prazo Gorongosa e do reino do Barue. Depois do rio Vunduse encontra-se o rio Aruangua, que desde aqui até á foz é mais conhecido com o nome de Pungue, representando os dois nomes o mesmo rio.

Na altura em que o atravessei, na minha viagem a Manica em 1882, tem o rio Pungue muita agua, mas corre sobre um leito irregular de grandes rochas, que o torna inteiramente improprio para a navegação; no ponto onde agora o atravessei por duas vezes, com uma vara de 14 pés, ou mais de 4 metros, não encontrei fundo; mas ainda n'essa altura do rio ha grandes rochas, e a agua, dizem-me, baixa na estiagem a ponto de permittir a passagem a vau entre ellas. Um pouco, porém, mais abaixo, logo a jusante da foz do Vunduse, as rochas desapparecem e o rio continua até á foz sobre leito só de areia e com uma altura de agua, que o torna em toda esta extensão navegavel por qualquer vapor fluvial ou por vapores costeiros, como o Soutiene e Lion, que ultimamente têem frequentado alguns pontos da provincia. Todas as informações que tenho colhido me fazem suppor que na foz do Pungue, e até em frente do logar chamado Bangue, no prazo Cheringoma, ha um porto capaz de dar abrigo a navios de grande tonelagem.

Passado o Pungue é o Revue o primeiro rio importante que se encontra. É este affluente do rio Busi, o rio que passa junto á antiga villa de Manica, a tiro de pistola da arruinada fortaleza. No ponto em que o atravessei tem o leito do rio uns 100 metros de largura, e, na viagem de ida, com uma vara de 12 pés, ou mais que 3m,5, não encontrei fundo; ouvi, porém, pouco a jusante, o ruido de uma grande quéda de agua em rocha, e sei que o rio não póde ser navegavel até esta altura; mas disseram-me que o era em toda a epocha do anno, pelo menos por pequenas embarcações, como as que se empregam no Zambeze, até junto de umas rochas chamadas Inharumirua, que ficam a menos de duas horas de caminho a jusante d'este ponto. Para baixo nem o Revue nem o Busi apresentam embaraço algum á navegação, a partir da costa.

Ao Revue seguem-se, na direcção que eu percorria, successivamente o Mussapa e o Mufomose. Atravessei os dois rios seguidamente{6} na altura da confluencia do primeiro no segundo. O Mussapa tem uns 30 metros de largura de agua e o Mufomose uns 60 metros; quando os passei, na ida, tinha o primeiro 5 pés de agua e o segundo 10 pés. Na viagem da volta a agua tinha baixado, a ponto de poderem alguns dos carregadores atravessar a vau, embora com difficuldade; mas disseram-me que conservam os dois rios normalmente a altura de agua a que tinham chegado, sendo o Mufomose sempre navegavel por almandias até um ponto a montante d'este, onde me disseram se encontra a primeira obstrucção causada por umas rochas chamadas Papuquenchofo.

O Mufomose é affluente do Lusite, rio que em seguida atravessei, com uns 50 metros de largura e 10 pés de profundidade, na viagem de ida, reduzidos a 5 pés, na viagem de volta. Este rio Lusite é navegavel até muito a montante do ponto em que eu o atravessei, e constitue, combinado com o Busi, uma importante via de communicação até uma grande distancia no interior. Infelizmente esta grande via fluvial Busi Lusite, está, como a via Busi (Lusite) Mufomose, interrompida em um ponto. O arco natural sobre o rio, marcado na carta do sr. marquez de Sá sobre o Busi, e que tem o nome de Inhambimbe, está situado exactamente na confluencia do Lusite com o Busi, atravez dos dois rios, cortando a continuidade das communicações. Actualmente, na pouca navegação local entre as povoações que estão a montante e a jusante d'este ponto, procede-se como se faz no Quaqua, na altura de Mopeia, para todo o movimento do Zambeze; cargas e embarcações são passadas por terra até vencer o obstaculo. So o arco fosse isolado, visto como ha effectivamente um arco, debaixo do qual corre a agua, mas que não dá passagem a embarcações, alguma dynamite remediaria logo tudo; mas é provavel que haja mais algumas rochas no proprio leito dos dois rios. Como porém, em todo o caso, é um phenomeno isolado e pouco extenso no centro de uma planicie, sem pedras em que os dois rios por ali correm, muito facil seria abrir um ou dois pequenos canaes lateraes na altura d'esta obstrucção. Não se tratará de certo por algum tempo de resolver esta questão.

O que me parece importante que fique bem sabido é que o primeiro obstaculo á navegação no Busi só se encontra no arco Inhandimbe; que a foz do Revue fica a jusante d'este ponto e que os dois rios são navegaveis até ás rochas ou rapidos de Inharumirue, que se encontram no segundo, e que distam apenas, como direi, um dia de viagem do territorio e minas do Bandire, onde, pela via a que me estou referindo, poderá chegar com facilidade todo o material pesado necessario para a sua lavra.

Passado o Lusite atravessei o proprio Busi, mas n'uma altura em que elle nunca será empregado como via de communicação. Não tenho a mencionar n'este trabalho os mais rios que atravessei, valiosissimos para irrigação, mas inuteis como meios de communicação.{7}

Condições geraes do paiz

Entre o Zambeze e o Aruangua ou Pungue

Esta região contém antigos prazos da corôa e o reino do Barue.

Durante muito tempo os prazos da corôa da margem direita do Zambeze, a jusante da serra da Lupata, todos sujeitos á jurisdicção de Senna, eram invadidos annualmente pelos landins. Estes levantavam pesados tributos, não só nos prazos, mas na propria villa de Senna, onde ao principio, se não havia coragem e meios sufficientes para resistir ao pagamento d'estes tributos, havia a riqueza necessaria para a elles satisfazer. Os landins, com que agora viajei, disseram-me que um antigo modo de os tributar consistia em abrir um furo no alto da cobertura conica de palhotas circulares, e obrigar a deitar por esta abertura fazendas até que a palhota se recusasse a receber mais. Custa a comprehender como tal exagero podia realisar-se. Por estes motivos os prazos invadidos foram successivamente abandonados e a villa de Senna chegou ao miseravel estado de que não mais se levantará.

Cabe ao sr. major Braga, actual governador do districto de Tete, o merecido elogio de, entre muitos serviços que fez como commandante militar de Senna, ter sido levado pelo seu caracter valente e decidido a auxiliar quanto podia os intentos do cidadão Manuel Antonio de Sousa, natural de Goa, negociante sertanejo, sobrinho de um antigo residente no districto, que pretendia repellir pela força as correrias dos landins aos prazos de Senna. Manuel Antonio de Sousa, chamado pelos cafres Gouveia, foi nomeado capitão mór de Manica e Quiteve, e veiu assentar a sua casa na serra da Gorongosa, em uma posição naturalmente fortificada por tal modo, que um homem resolvido a defender-se não tinha mais a temer n'esta base de operações os ataques dos landins. A serra da Gorongosa estava absolutamente deserta quando Manuel Antonio aqui chegou com os pretos que reuniu a si; nas mesmas condições quasi se achava todo o prazo d'este nome. Foram duros os primeiros tempos em que toda esta gente tinha que ir buscar, com os meios que Manuel Antonio tinha obtido e ia obtendo com o seu commercio, mantimento aos prazos limitrophes, todos muito afastados d'este ponto, ao reino do Barue e ainda á Maganja, no outro lado do Zambeze, quando houve fome em toda a margem direita do rio. Hoje muitos milhares de pessoas habitam em centenas de povoações a serra e os territorios que a rodeiam, tanto na Gorongosa como no reino do Barue. Desde que Manuel Antonio para aqui veiu como barreira, todos os prazos cobertos pelo da Gorongosa começaram a gosar de não interrompido socego e a verem desenvolver-se n'elles a cultura dos generos de exportação, com proveito dos indigenas, até ao presente os unicos agricultores, bem como dos que com elle negoceiam e em geral do paiz.

Se a villa de Senna se não resentiu da mudança de circumstancias, a não ser pelo descanso dos que n'ella continuam a vegetar, é porque se acha em situação e condições taes, que a obrigam forçosamente{8} a desapparecer. De ha muito que pela variação do leito do rio deixou Senna de ser um bom porto de abordagem para os que navegam no Zambeze, qualidade que antigamente motivára a creação e grandeza d'esta villa, apesar da bem merecida fama de insalubridade que sempre teve.

O actual talweg do rio correrá a mais do 2 kilometros da villa, e na estiagem é necessario atravessar a descoberto um ardente areal d'esta largura para chegar da margem acostavel ás primeiras casas. O areal porém não é plano, e quando não está todo descoberto na estiagem ou coberto pelas grandes cheias, periodo em que as aguas do rio voltam a correr junto ás muralhas da velha praça de S. Marçal, formam-se n'esta zona de 2 kilometros varios mucurros, cujas aguas deixam muitas vezes de correr, e que não só augmentam a insalubridade da villa pelas suas emanações, mas tornam na maior parte do anno a villa do Senna um dos pontos da margem do Zambeze de mais difficil accesso.

N'este trabalho só desejo dizer que sou de opinião que a villa de Senna, como tem sido proposto, deve sair da margem direita do rio, passando com todo o commando militar d'este nome para a outra margem; pois não devo demorar-me a mostrar as grandes vantagens que este commando militar, pertencente ao districto de Quelimane, quando tiver a sua séde em ponto escolhido, ou nas alturas em frente de Senna, onde as casas Regís e Hollandeza têem já grandes edificios, ou um pouco mais sobre o Zioé Zioé, ha de ter no desenvolvimento da nossa acção na valiosissima região limitada pela margem direita do Chire, pelo Zioé Zioé e pela margem esquerda do Zambeze até á Lupata no ponto onde vier a terminar o districto de Tete.

Comquanto o prazo Gorongosa siga ao longo do Aruangua até avistar o mar, não chega elle até á costa, porque a confluencia do Urema na bacia que supponho ser um bom porto de mar, traz com a margem esquerda d'este rio uma porção do grande prazo Cheringoma a interpôr-se entre a Gorongosa e o Oceano. É nesta altura que os landins que se desacostumaram de pisar como conquistadores o prazo Gorongosa, passam hoje para os terrenos ao norte do Pungue atravessando o deserto prazo Cheringoma (onde julgo que tambem deixam algum destacamento) para, graças ao terror que inspira o seu nome e o apparecimento de um só de entre elles entre os pontos da foz do Zambeze, irem sugar alguns d'estes pretos e mesmo mosungos que estejam nos prazos marginaes a jusante do Gorongosa, isto é, os prazos Caia, Inhamunho, Chupanga, Luabo e Melambe.

Quando em 1881 vim pela segunda vez á Zambezia e fiz o conhecimento do Manuel Antonio de Sousa, disse-me elle que se o governo do districto de Quelimane lhe desse de arrendamento os prazos de Chupanga e Cheringoma, pelo preço rasoavel que então quizesse marcar, mas com a condição de que os não poria em praça durante nove annos, tempo por que andavam arrendados os prazos do districto de Tete, a fim de evitar que passados tres ou quatro annos de despezas, trabalhos e perigos, outros viessem concorrer em igualdade de condições para o goso dos resultados obtidos, elle, assim como tinha fechado aos landins a villa de Senna e os prazos envolvidos pelo da Gorongosa, se{9} compromettia a pôr no prazo Cheringoma uma barreira que evitasse para sempre a passagem dos landins para os prazos Caia, Inhamunho, Luabo e Melambe: disse-me mais que já tinha proposto ao arrendatario do Cheringoma que se oppozesse aos landins, mas que este apenas se contentava em aproveitar o prazo para mandar caçar alguns elephantes ou apanhar borracha que n'elle abunda, pagando successivamente ao Musila os tributos de fazenda que a este fossem contentando. Não apreciei então devidamente o grande poder que a rara intelligencia ou perspicácia especial, a actividade, a coragem, o amor do trabalho, a generosidade e a acção absoluta que estas qualidades exerciam sobre milhares de indigenas davam a Manuel Antonio, nem o grande valor que para o paiz tinha a sua proposta, e não a communiquei a pessoa alguma.

No meu diario, 20 de dezembro de 1884, encontro umas palavras que escrevi ao chegar á margem do rio Pungue, quando me via em frente de um poderoso obstaculo que exercitos munidos com bons trens de pontes não deixariam de respeitar. Espero fazer bem transcrevendo-os: «O terreno na ultima parte percorrida é park-like como todo o que precede, mas ainda tem melhores pastagens e melhores terras para agricultura,—terras soltas que serviriam para mendobim—grés e muitos filões de quartzo, nas margens granito. Póde-se considerar verdadeiramente sujeita á soberania portugueza, ou a Manuel Antonio, com relação ao Barue, toda a vasta area comprehendida entre o Zambeze e o Aruangua. Vejo que todos os que me rodeiam assim o reconhecem; assim como consideram como terras de landins as dos regulos da margem direita do rio. É necessario e urgente occupar aqui um ponto na margem esquerda do Aruangua. Estou certo, agora, que as nossas relações com os landins vão ser muito boas, e espero alcançar alguma cousa para o sul do Aruangua; só um acto de hostilidade declarada é que os poderia trazer em massa ao que elles consideram nossas terras, apesar de costumados a fazer com meia duzia de homens o que n'ellas fazem; mas a este acto nas circumstancias em que estamos podiamos bem resistir. Assim, por um modo ou por outro, Cheringoma, Luabo[1], Melambe, Chupanga, Inhamunho e Caia ficarão de futuro abertos com segurança aos nossos pretos e em breve se acharão habitados.»

Esta riquissima região proximo da costa, que por si só, quando aproveitada, póde render bem mais do que toda a actual provincia de Moçambique, acha-se deserta e de todo desaproveitada, só pelo terror que causa o nome dos landins e a chegada annual de uns vinte ou trinta pretos adornados com pelles e pennas, e armados com um escudo e duas pequenas zagaias. Em dias, que é de esperar não estarão longe, custará a acreditar que um tão aviltante estado de cousas se possa ter continuado por tantos annos n'uma tal localidade.

Alem dos prazos da corôa de que tenho fallado, ha mais, entre o rio{10} Zambeze e o Quelimane para leste do Aruenha, uns muito pequenos prazos juntos ao prazo Gorongosa ou mesmo n'elle encravados, arrendados por Manuel Antonio; alguns pequenos prazos nas proximidades de Senna arrendados por diversos, o muito povoado prazo Chemba, arrendado por Manuel Antonio e d'onde elle tirou mais de dois mil cypaes que levou á guerra do Matacanha (pois para esta guerra não teve que tocar na gente da Gorongosa); o prazo Amoesa, o prazo Chiramba marginal, como o Chemba o é, do Zambeze, tambem arrendado por Manuel Antonio, mas parte invadido por gentes do Bonga, o grande prazo Tambára, de ha muito sertão abandonado, e os prazos todos occupados pela gente do Bonga, incluindo o prazo Masangano.

Em toda a valiosa região de que estou fallando, comprehendida entre o Zambeze e o Aruangua encoutrâmos apenas dois obstaculos ao seguro desenvolvimento dos seus grandes recursos naturaes. O primeiro, pouco importante, é o Bonga; o segundo são os landins. Ha dois unicos homens, dedicados ao paiz, que têem poder sobre os indigenas que habitam a maior parte das terras da antiga capitania dos Rios de Senna. São os dois homens que com toda a probabilidade salvaram ha poucos mezes a soberania portugueza na Zambezia. São Manuel Antonio de Sousa e Anselmo Ferrão. Este, comquanto capitão mór de Senna, habita hoje a margem esquerda do Zambeze e tem d'este lado um vasto campo onde empregar utilmente a sua acção. Fica Manuel Antonio de Sousa e é só contando com o auxilio d'este capitão mór que praticamente se poderão remover, dentro da area de que trato, estes dois obstaculos. O centro de acção, a base de operação de Manuel Antonio de Sousa, é a serra da Gorongosa, e é na serra da Gorongosa que se acha provisoriamente a séde do governo de Manica; por este motivo e pelo mais que fica dito parece natural e conveniente que os territorios desde o ponto de resistencia á passagem dos landins no prazo Cheringoma, até á aringa do Bonga na foz do Aruenha façam parte do districto de Manica.

Assim, parece que o limite norte a recommendar para o districto seria toda a margem esquerda do Zambeze desde a costa até á foz do rio Aruenha.

O conhecimento porém, que hoje temos da importancia do porto do Inhamissengo, os resultados que se prevêem da fundação da villa Mesquita, proposta pelo sr. capitão-tenente Augusto de Castilho, fazem esperar um tal desenvolvimento á importação e exportação directas de todo o commercio da Zambezia, a realisar de futuro por esta via e porto, que dar toda a margem direita do Zambeze, dar a villa Mesquita e o porto do Inhamissengo ao districto de Manica causaria um grande abalo no systema financeiro de Quelimane. Evita-se de todo este inconveniente, conservando no districto de Quelimane os dois prazos Luabo e Melambe, que têem parte dos seus terrenos no delta do rio, passando agora para Manica por inteiro os restantes prazos, ficando para mais tarde a rectificação da fronteira dos dois districtos desde a margem do Zambeze até á costa, se se encontrar uma linha de separação mais natural do que o poderão ser as para nós desconhecidas confrontações dos prazos Luabo e Melambe com os prazos Chupanga e Cheringoma.{11}

D'aqui resulta que o commando militar já creado na Chupanga ficaria pertencendo ao governo de Manica, o que teria a vantagem de fazer abrir caminho da séde de commando, ou forte que se fez ou está fazendo no antigo Luane do Prazo (a mais solida casa da Zambezia) para villa Gouveia, devassando e rasgando um paiz compacto, cheio de recursos, hoje deserto, e que não tardaria a ir sendo habitado ao longo da linha de communicação.

O commandante militar de Chupanga, dependendo do governo de Manica, havia de vir á séde do seu governo e atravessar a area do seu commando; dependendo de Quelimane, fará geralmente, como geralmente fazem os commandantes militares de Senna, que chegam ao seu commando vindo de Quelimane, navegando pelo Zambeze acima, desembarcando proximo de casa, e não saíndo mais da villa de Senna senão para voltar a Quelimane.

A adopção dos limites, que proponho, imporia a realisação previa ou simultanea da, tantas vezes proposta, mudança do commando militar de Senna, e da villa d'este nome para a margem fronteira; pois seria absolutamente impossivel, a querer trabalhar-se para resultados praticos, o introduzir desde já no nascente districto de Manica, a aperfeiçoada legislação, mais perfeita que a de qualquer colonia de qualquer outro paiz, que vigora nos restantes districtos da provincia, e portanto na actual villa de Senna.

Provisoriamente a praça, e só a praça de S. Marçal, deveria ficar sob as ordens do commandante militar de Senna, que n'ella poria um fiel e os homens necessarios para a arrecadação do material que n'ella se quizesse guardar.

Não é possivel, porém, conservar como occupadas enormes areas com um numero de auctoridades como o que até ao presente temos tido na provincia de Moçambique; e por isso o commando militar de Senna, passando para a margem esquerda do rio para ficar no districto de Quelimane, não deve deixar de ser substituido por um outro, com a séde não longe da actual villa de Senna, mas em logar mais recommendavel pela sua salubridade e facil acostamento. Parece-me que facilmente satisfará a estas condições algum ponto escolhido no muito povoado prazo Chemba, pouco a montante da foz do rio Musingase.

O terreno, que eu bem conheço, é elevado e saudavel. Ha n'elle formosissimas arvores de grande sombra, nas quaes se deveria pensar ao escolher o logar para as habitações e limitar os jardins que as rodeiem.

O novo commando militar poderia receber o nome de commando militar de Chemba.

Chemba seria uma excellente testa de estrada para o centro do Barue e para os importantissimos campos de oiro do Alto Aruenha e dos seus affluentes, estrada que podia ser para nós muito util, quer nós mesmos vamos occupar estes campos, quer deixemos tranquillamente os estrangeiros d'elles se apoderarem, pois uma das soluções em breve terá logar.

Os campos de oiro a que me refiro, e que ficam ao sul de Tete, estão mais proximos desta villa que de Senna, mas o caminho para elles partindo de Tete passa por serras muito cansosas de atravessar,{12} parte das quaes eu conheço desde que fui ao Rio Mazoe; e por isso quando os Campos de Oiro do Imperador Guilherme e outras minas vizinhas eram trabalhadas pelos nossos antepassados, era de Senna que elles partiam para ellas.

O caminho de Chemba torneará a serra da Lupata e todas as que rodeiam Tete, seguindo como o de Senna por terrenos planos até ás origens dos rios, e tem sobre este decidida vantagem por causa das condições relativas em que se acham as duas testas de estrada, e que eu indiquei.

Reino do Barue

Com os prasos da corôa da antiga capitania de Rios de Senna, e ainda nos terrenos ao norte do Aruangua, de que me estou occupando, confinam os extensissimos territorios do reino do Barue, seguindo-se-lhes para sudoeste e oeste, e ao sul do districto de Tete, territorios de outros regulos, que se consideravam vassallos do Macombe, o fallecido rei do Barue; territorios valiosissimos pelas incontestaveis riquezas em minas de oiro, que em si contêem.

Não me é possivel indicar os contornos do reino do Barue; só direi que a villa Gouveia está na margem direita do rio Inhandue, e que as colinas fronteiras na margem esquerda pertencem ao Barue; que para vir de Senna ou de Chemba pelo caminho mais curto para este ponto se atravessa o Inhandue quasi em frente da villa, e portanto se passa pelo Barue; e que nos dois itinerarios, que tenho seguido para ir ha tres annos a Manica e agora ao Gunguneana, passei o rio Vunduse, que sei ser, até á sua confluencia no Aruangua, limite do praso Gorongosa e do reino do Barue.

Os reis do Barue eram antigamente coroados por uma auctoridade portugueza, mas nunca auctoridade portugueza exerceu jurisdicção sobre este reino. Mesmo durante a grande prosperidade da nossa feira e villa de Manica, os negociantes que transitavam entre esta villa e a de Senna, e eram obrigados a atravessar o reino do Barue, soffriam vexames dos baruistas, aos quaes tinham sempre que pagar algum tributo.

Nos tempos do fallecido Macombe, Senna recebeu muitas embaixadas insolentes, foi muitas vezes obrigada vergonhosamente a responder a ellas, mandando grandes tributos em fazenda, e, satisfazendo favoravelmente á exigencia de que mandasse um certo numero de pretos, com suas familias, para escravos do Macombe.

Manuel Antonio do Sousa, a quem a villa de Senna deve o ter cessado de pagar tributo aos landins, depois de ter antigamente negociado no Barue e trazido de lá uma das filhas do rei, com quem teve relações, das quaes resultaram os dois rapazes, que por conta do governo estão sendo educados em Lisboa na escola academica, tendo sido victima de varios roubos e vexames, que a elle e a outros negociantes faziam os baruistas, começou, como particular, só por si e com despeza unicamente sua, uma lucta com o Macombe, que durou muitos annos, e terminou ha pouco mais de um anno com o tomar elle{13} posse do reino do Barue e ser reconhecido como seu chefe ou rei, e seu filho, neto do Macombe, como seu successor.


A região entre o Zambeze e o Aruangua, comprehendendo os antigos prasos e o reino do Barue, constitue só por si uma importantissima colonia, com todos os elementos necessarios para ter um rapido desenvolvimento.

Os prazos Cheringoma e Chupanga são riquissimos em madeira e borracha, e tanto estes prasos como as terras marginaes do Zambeze se prestam a toda a cultura tropical.

A serra da Gorongosa, onde a vinha brava rebenta por toda a parte, pede o immediato ensaio da cultura da vinha. Se os resultados forem, como parece deverem ser, ter-se-ha introduzido, só por este ramo, uma grande fonte de conforto, de commercio e de riqueza na provincia.

No Barue e na Gorongosa, onde ha uma quantidade prodigiosa de excellente agua, facilmente se encontram terrenos, onde o milho cresce e produz por modo que na Europa não poderá facilmente acreditar-se, onde a cultura de todos os cereaes deveria ser ensaiada e a do trigo provavelmente poderia ser emprehendida em larga escala.

Finalmente é nas terras de um pequeno regulo, que sempre se considerou vassallo do Barue, terras que, occupado este reino, viriam a constituir novos commandos militares do oeste do districto de Manica, que se encontram visiveis provas dos extensos trabalhos mineiros feitos pelos antigos portuguezes nos campos de oiro, que Mauch visitou e achou tão importantes, que os designou com o nome de Campos de Oiro do Imperador Guilherme, chamando Bismarck e Moltke ás duas serras entre as quaes elles se acham situados. Dahi para o norte e para o oeste até ao Zambeze continua a extensa região aurifera, a que o proprio Mauch se refere, e que os nossos trabalharam em varios pontos nas minas de Tete e do Zumbo.

Para sueste, diz Mauch, a serra Moltke commanda o jazigo aurifero de Manica, conhecido já de ha seculos, e certo é que os tres jazigos auriferos (do Mogoe, dos Campos do Imperador Guilherme e da Manica) vão rivalisar.

Os Campos de Oiro do Imperador Guilherme estão comprehendidos na area da concessão, que me foi feita em 1878. Nunca os poude visitar.

Portugal está ainda hoje em condições de se apoderar de grandes centros de riqueza, de prosperidade, de força, de prestigio, empregando limitadissimos esforços; d'estes centros poderá depois expandir-se do que é seu para o que não é seu, sem que estrangeiros tenham a intervir.

Deixar porém attingir esses centros de vida e pretender depois fechar-lhe as communicações é cousa que hoje se tornou absolutamente impossivel.

Direi ainda que n'esta admiravel provincia, comprehendida entre o Zambeze e o Aruangua, onde milhões de homens poderiam empregar-se em trabalhos de agricultura, trabalhos de minas e em todos os ramos da actividade humana, onde ha regiões tão sadias e proprias{14} para o desenvolvimento da raça branca, como as mais sadias da Europa, onde temos a assegurar e desenvolver a nossa occupação, não haverá alem dos empregados do governo umas seis pessoas brancas!

Tudo convida a colonisar, com portuguezes e portuguezas misturados com hespanhoes, este paiz. Em parte alguma das nossas possessões poderão colonos encontrar mais auxilio para a sua installação, maior numero de braços indigenas promptos a empregar em seu serviço por uma modestissima remuneração. Com segurança poder-se-ia mandar já da Europa uns dez ou vinte colonos nas condições em que até ao presente o governo tem mandado colonos para a Africa, porque com os poucos recursos disponiveis do governo do districto e outros recursos locaes, estes homens poderão receber o necessario amparo até que o producto do seu trabalho os possa sustentar e lhe dê a independencia. Com não menos segurança de resultado favoravel poderia o governo mandar em viagens successivas, e com sufficiente aviso previo, alguns centenares de colonos, se, por meio de uma combinação qualquer, lhes assegurasse, ou por intervenção de uma empreza particular, por adiantamentos a serem mais tarde reembolsados pelos colonos, meios efficazes de trabalho, em terrenos, ferramentas e braços dos indigenas e sustentação durante pelo menos o espaço de dois annos.

Não é porém nas margens do Zambeze que convem colonisar com gente branca, e o trazer colonos de Quelimane até á serra da Gorongosa, pelo Zambeze, emquanto não houver estradas e meios de transportes convenientes tanto fluviaes como terrestres, é despendioso e não póde deixar de offerecer perigo. Assim, se não houver a possibilidade, ou empregando o pequeno vapor que a empreza de navegação é obrigada a ter sempre em serviço na provincia, ou por qualquer outro meio, de fazer desembarcar os colonos na margem do Aruangua ou do Urema, para onde desde já o governo do districto trata de abrir bons caminhos, a partir da villa Gouveia, será preferivel não mandar colono algum.

Entre o Aruangua e o Revue

Passando o Aruangua ou Pungue para a margem direita entra-se no Quiteve ou Utévé, como se diz ahi. O paiz que do Aruangua ao Revue percorri é encantador; não é plano, nem muito montanhoso; geralmente com arvores nem muito grandes, nem muitos densas, tem de espaço a espaço pequenos bosques muito fechados ao lado dos quaes se passa. Por toda a parte campinas admiraveis para a creação de gado, e excellentes terrenos para agricultura.

Está o Quiteve dividido por differentes regulos todos sujeitos aos landins. Estes não habitam parmanentemente o paiz, não têem ahi povoações suas, mas por um ou outro motivo percorrem-o constantemente, sustentando-se á custa das povoações indigenas. Qualquer que seja o numero de landins que chegue a uma povoação ou grupo de povoações, por mais miseraveis e pequenas que ellas sejam, é necessario que appareça farinha para fazer massa e cabritos ou gallinhas para quissâo para todos. Isto sempre e sempre. Mais ainda, se os landins têem cargas,{15} ao chegar ao Quiteve nunca mais pegam n'ellas, e são os habitantes que as levam de uma para outra povoação.

Qualquer preto landim, por mais baixa que seja a sua categoria entre os seus, procede assim com os povos de Quiteve. Se o indigena por troca ou por presente possue um panno ou um lenço, o landim que passa junto a elle não deixa de lh'o levar. Todas as raparigas de regular apparencia são obrigadas a viajar para o sul para serem lá mães de landins nas suas terras.

Comprehende-se assim como a degeneração da raça dos quitevistas progride rapidamente e o estado de infelicidade e de miseria de todas as povoações, apesar dos verdejantes campos e das extraordinariamente bellas varzeas de milho e outros cereaes de que as vi rodeadas.

Alem d'estas rapinas individuaes feitas pelos landins que acontece passarem, ha-as feitas por outros que vem, como os dos destacamentos que tributam os nossos prazos da margem do Zambeze, encarregados de receber dos regulos tributos de fazenda, que apesar de pequenos não sei como ainda possam continuar a ser pagos.

Os regulos não se distinguem facilmente dos seus subditos. Em certas terras é praxe antiga que o regulo seja mulher, que se diz não ser casada. Muitos d'estes regulos só conservam o nome por tradição; não penso que tenham a menor acção sobre as povoações que se acham espalhadas nas vastas areas que dizem pertencer-lhes.

Assim o regulo mulher Mahongo, cujo nome se vê nas antigas cartas, e deve ter tido grande prestigio, possue ainda nominalmente extensas terras. Passei por muitas povoações relativamente consideraveis, de grandes de Mahongo. A povoação da propria Mahongo ficava-me no caminho; naturalmente suppunha encontrar centro mais importante do que as povoações que tinha visto, e foi com grande estranheza que um dia, chegando a uma meia duzia de miseraveis palhotas espalhadas n'um vasto campo soube que a palhota isolada junto á qual, por acaso, eu me achava era a do regulo, e que a velhinha quasi nua que estava sentada á porta era a propria Mahongo.

O regulo mais importante do Quiteve, entre o Pungue e o Revue é a rainha Gomani. Comquanto passasse por muitas povoações dos seus grandes e não longe da sua propria povoação e lhe mandasse alguns presentes, não me desviei do caminho que seguia para a ir ver, e não a posso comparar com a Mahongo.

Os regulos do Quiteve que limitam com o Aruangua a partir da foz do rio, são: o regulo Pica, nas terras do qual estão as minas de oiro que dizem muito ricas, de Inhaoxo.

A região das minas está hoje abandonada e é de muito facil accesso, podendo-se chegar ás minas com pequena marcha por terra, se se aproveita o rio Pungue e o seu affluente rio Muda.

Todo o baixo Quiteve, ou região do Quiteve junto á costa é uma perfeita planicie á excepção do logar onde se levanta a serra isolada da Chiruvo, onde estão as minas de Inhaoxo e de onde sáe o rio Muda, que dizem navegavel até quasi á base da serra.

Por informações mais recentes parece que Inhaoxo é uma pequena serra contigua á de Chiruvo, mas d'ella separada justamente pelo rio Muda que vem de mais longe no Quiteve.{16}

N'estas condições comprehende-se quanto nos seria facil a occupação da serra Chirua e o dar absoluta segurança a um sitio que dizem conter riquezas importantes, que é elevado e deve ser sadio, e onde se estaria tão proximo da costa, e com ella em tão facil communicação. A occupação de Inhaoxo teria ainda uma grande importancia para a execução de qualquer projecto tendente á reoccupação de algumas terras, ou antigos prazos para o districto de Sofalla.

A montante do regulo Pica, seguo-se o regulo Guenjere, a montante de Guenjere o regulo Chaurumba, a montante do Chaurumba o regulo Ganda. As terras d'este confinam, junto ao Aruangua, com as do do reino de Manica.

Foi com grande surpreza que fui vendo que o extraordinario poder de Manuel Antonio se estende ao Quiteve. O regulo Pica propõe-lhe fazer entrega de todas as suas terras que vão do Aruangua até ao Busi, e, por pouco que o governo podesse fazer, a occupação da Chiruvo e terras vizinhas em breve estaria realisada.

O regulo Guenjere abandonou ha pouco as suas terras, e passou com a sua gente para a Gorongosa.

O regulo Chaurumba, rapaz forte e de aspecto valente, parece ser um homem inteiramente dedicado a Manuel Antonio, e ás escondidas dos landins tem muitas armas por este fornecidas. O regulo Ganda actual é que não está bem com Manuel Antonio. Ha não sei bem que desavenças de familias n'estas terras; o que sei é que Manuel Antonio já o bateu e que Ganda, cujas terras muito extensas se estendem até ao Revue, abandonou as proximidades do Aruangua e acha-se no alto das grandes montanhas que n'essa longitude já existem entre os dois rios. Dois filhos ou sobrinhos de Ganda estão em Gorongosa, talvez sendo preparados para mais tarde substituir o pae ou o tio.

Os landins servem-se da gente do Quiteve como de cousa sua, e é claro que no caso, pouco provavel, de um ataque feito por elles ás terras da margem esquerda do Aruangua, elles mandariam na sua frente com a zagaia nos rins, como primeiras tropas landinas toda a gente que encontrassem no Quiteve e não tivesse tido tempo de fugir como amiga para este lado.

Todas estas circumstancias, e as relações que em substituição de Manuel Antonio, convem que as auctoridades do governo de Manica tenham com os regulos do Quiteve, mostram a necessidade de fazer comprehender legal, embora theoricamente, no districto de Manica todo o territorio comprehendido entre o Pungue e o Revue.

Disse que o reino de Manica limita com as terras do regulo Ganda, junto ás margens do Aruangua. Junto ao Aruangua o reino de Manica póde considerar-se como deserto, e facil será chegar com o rei a um accordo para nos ceder esta porção do seu territorio que elle não occupa.

O reino de Manica estende-se muito para o sul e é para o sul do Revue e já na margem de um afluente do rio Save que está a aringa do Mutaça, rei de Manica.

O antigo territorio portuguez de Manica está no valle do Revue, e a velha villa, junto á margem esquerda d'este rio, e portanto comprehendido entre elle e o Aruangua.{17}

Na viagem que ha tres annos fiz a esta villa segui o itinerario marcado no esboço junto, atravessando da bacia do Aruangua para a do Revue, n'uma longitude onde o terreno é muito accidentado e a divisoria das duas bacias hydrographicas de cota muito elevada.

Desde então a occupação da serra Humbe por Manuel Antonio fez d'este ponto do Barue, ponto forçado do caminho entre a Gorongosa e Manica; e comquanto menos directo, poderá ser preferivel ao que eu segui, se alem do Aruangua houver a subir e a descer serras menos altas e menos asperas.

Não é porém pela Gorongosa o caminho natural entre Manica e a costa. A viagem que acabo de fazer permittiu-me tomar conhecimento de um caminho direito, que convenientemente limpo e rectificado permittirá chegar, vindo da costa a Manica com uns quatro dias de facil viagem a pé. Com melhor estrada, havendo cavallos, poderia vir a ser vencido em menos de dois dias. O ponto de partida para a viagem de terra seria a margem direita do rio Pungue na altura das terras de Guenjere, em ponto onde sempre poderá chegar o vapor que fizer o serviço do rio.

Não inscrevo aqui o itinerario detalhado. No terceiro dia de viagem por este caminho é cortado o que eu segui indo ás terras dos landins. No quinto dia ficam os pretos na margem do rio Musa, affluente do rio Chimesa, que é affluente do rio Revue.

N'este ponto da margem do Musa disseram-me, que havia ainda hoje ruinas de um antigo forte, muralhas de altura de homem e vestigios de importantes trabalhos de minas. A antiga villa e feira de Manica fica a poucas horas de caminho do rio Musa.

Entre o Revue e o rio Mussapa

Terreno muito elevado e accidentado, coberto de um a outro rio por continua e densa floresta. Passei a garganta da divisoria, que fica muito mais proxima do Mussapa que do Revue, n'uma altitude de 2:230 pés, mas no seguimento do caminho, subindo e descendo sempre, attingi varias vezes altitudes não muito inferiores a este maximo.

Em parte da floresta encontra-se uma grande quantidade das trepadeiras de que tiram a borracha e que dão um fructo que, embora bastante acido; é muito agradavel ao paladar. Cultivar n'uma grande area da floresta esta trepadeira constituiria sem duvida uma industria consideravelmente remuneradora. Cruzando o caminho, e sem necessidade de menor pesquiza vêem-se duzias de grandes filões de quartzo, havendo probabilidades de que muitos d'elles sejam auriferos. Toda esta região entre o Revue e o Mussapa fazia parte do alto Quiteve. O paiz que fica junto á margem do Revue no ponto onde atravessei este rio é o Zauve, e é n'elle, um pouco a oeste do meu itinerario, que está encravado o antigo territorio portuguez do Bandire, hoje abandonado, e que contém as valiosas minas d'este nome.

O chefe do Zauve é o regulo Murinane, que foi antigamente de grande importancia; apesar de se vestir como os outros pretos, de como elles se sentar no chão, ainda se apresenta com uma certa grandeza comparado com todos os mais chefes que eu vi. D'este regulo{18} recebi muitas informações ácerca das minas, que estão situadas nas montanhas do Bandire, tanto na vertente do Revue como na do Mussapa.

Não me parece haver ahi um placer aurifero como incontestavelmente o ha em Manica; o trabalho das minas é todo em rocha, e é por isso que penso que dos numerosos filões que encontrei entre o Revue e o Mussapa alguns pelo menos têem probabilidade de ser auriferos. Comquanto Murinane, que é um preto de cincoenta annos, de bello aspecto, me dissesse tanto como todos os outros regulos do Quiteve com quem primeiro estive, que muito desejaria ver-se livre dos vexames dos landins, e escondesse d'aquelles que me acompanhavam os presentes que lhe dei, notei grande differença entre o que vi na grande povoação d'este regulo e a miseria das gentes de áquem Revue.

Na povoação do Murinane nota-se maior independencia; já ahi todos têem as orelhas rachadas, quasi caracteristicas dos landins; todos, a começar pelo regulo, fallam bem o vatua, ou a outra lingua dos landins.

As rochas Inharumirua, que offerecem o primeiro obstaculo á navegação no Revue, desde a costa pelo Busi, ficam a menos de duas horas a jusante da povoação de Murinane; conversando pela manhã, pelas oito horas com o regulo a respeito d'esta obstrucção e da distancia ao ponto onde estavamos, mostrou elle entre os homens que estavam sentados no chão ao redor do nós, um que me disse ser o chefe de uma povoação mesmo junto a estas rochas e que n'aquella mesma manhã de lá tinha partido. Para irem da povoação de Murinane ás minas do Bandire dormem um dia no caminho, chegando no seguinte de manhã; vê-se portanto a que curta distancia estas minas estão de uma via fluvial; quando mesmo ella não seja bem navegavel em todo o tempo, para transporte de pesos muito consideraveis, e que não ha a remover constantemente, póde-se bem escolher a estação propria.

O elevado macisso de montanhas que ha entre o Revue e o Mussapa desce rapidamente do lado d'este ultimo rio, cujo valle é uma larga planicie verdejante, sem quasi arvore alguma, na qual serpenteia de um e outro lado o leito do rio.

N'este valle muito cultivado ha já algumas povoações de landins com o caracteristico bode ou rodella de cêra preta na cabeça. O contraste é bem notavel entre estas povoações landinas, onde cada um se sente seguro em sua casa e gosa tranquillamente do que é seu, onde as mulheres e creanças sabem que não podem ser levadas pelos primeiros que passem, e as infelizes povoações do Quiteve principalmente as que se acham entre o Aruangua e o Revue. As povoações landinas da margem esquerda do Mussapa são muito poucas e só formam, como testas de ponte para as densas povoações da outra margem; o territorio de Bandire é nosso, e o regulo Murinane e outros da margem direita do Revue, apesar de obedecerem hoje aos landins e de deverem marchar contra nós, se a isso forem forçados, muito prefeririam estar sujeitos directamente e só á soberania portuguesa. Não vi se, para jusante da foz do Mussapa, na pouca extensão da margem esquerda do Mufomose e do Lusito que ainda segue até ao Busi, e em toda{19} a margem esquerda d'este rio, desde a foz do Lusite até á costa, ha ou não muitas povoações de landins. Os limites do districto de Manica, se bem que theoricos, não devem ser só fixados com as terras do Gunguneana, mas, proximo da costa, tambem com o districto de Sofalla. Pelo que tenho dito parece-me haver decidida vantagem em considerar a margem esquerda do rio Mussapa e a continuação d'essa margem na altura do Mufomose, Lusite e Busi até ao mar, como limite sul do districto de Manica. O districto de Sofalla confinaria ao norte, de leste a oeste, com o de Manica, e a oeste, de norte a sul, com as terras do rei de Gasa, com limites a determinar e que restituissem a Sofalla todos os seus antigos prasos ao sul do Busi, e mais terras hoje invadidas pelos landins.

Ao sul do districto de Manica e a oeste do de Sofalla haveria um grande potentado, vassallo portuguez, que teria toda a liberdade da dictar a lei no governo das suas terras e do seu povo, afastaria a dominação estrangeira e poderia, sendo bem aconselhado, e recebendo bem os conselhos, desenvolver no seu paiz varias industrias agricolas, como a da creação de gado, a que o terreno se presta admiravelmente, e producção de lã e mohair, que dariam uma grande prosperidade ao porto de Chiloane, ou a outro porto vizinho que parece existir em melhores condições o dever vir a substitui-lo para o serviço dos paquetes.

Disse que o valle do Mussapa é uma planicie bastante larga; pareceu-me, pelo exame que fui fazendo de varios pontos do meu itinerario, que em parte seguindo este valle e ao sul do macisso de montanhas que separa o Mussapa do Revue, ha uma facha de terreno plano que sobe gradualmente para o interior, que passa não muito longe da povoação de Murinane, que passará junto á base das montanhas do Bandire e continua na direcção de Manica, cujas serras eu distinctamente via n'esta direcção.

Assim, haverá, a partir da costa, dois caminhos naturaes para a região de Manica.

O primeiro, é o que indiquei, pelo rio Pungue, e depois da margem d'este rio, seguindo obliquamente para a bacia do Revue. É o unico caminho da costa que por muito tempo nos poderá interessar.

O segundo, que parece proprio para o assentamento de uma linha ferrea, e que só agora indico como nota que possa vir a ser util para algum trabalho futuro, seria o que partisse do fundo do que dizem ser o excellente porto a que ha pouco me referia, formado por traz da ilha Boene, ou da margem esquerda do rio ou braço de mar denominado Mutizane, seguisse pelos terrenos planos do baixo Quiteve, atravessasse o Busi, talvez nas proximidades do arco Inhambimbe, ou foz do Lusite, e seguisse pelos valles e margens esquerdas dos rios Mufomose e Mussapa, passando junto ao Bandire até Manica.

Terrenos ao sul do Mussapa

Pouco me resta a dizer a respeito de terrenos, que nos interessem directamente, pois devemos considerar os territórios ao sul de Mussapa,{20} como pertencendo ao rei de Gasa; isto até que em epochas futuras todas as terras dos landins venham a passar ao dominio directo da nação.

Atravessei, como disse, o Mussapa na sua confluencia com o Mufomose; depois de uma hora de caminho em planicie, e suppondo que estava sempre no valle do Mufomose achei-me nas margens do Lusite, e passado este rio, continuei, sempre em paiz plano, até á base da serra Citatonga contra a qual me levaram, e sobre a qual tive que passar; á esquerda do meu caminho a planicie continua até á costa; á direita as montanhas elevadissimas de onde nascem o Mussapa, o Mufomose, o Lusite, o Busi, e outros affluentes d'estes rios, montanhas que separam o systema hydrographico do rio Busi do da bacia do rio Save. Este ultimo rio vem muito mais do norte, tendo as suas origens proximo da divisoria das aguas para o Zambeze, e origem do affluente do rio Aruenha, affluente do Zambeze em Masangano; corre do norte ao sul recebendo do lado do oeste as aguas de affluentes que vem das terras do Muzilicatze, do lado de leste as que nascem nas vertentes de oeste das serras de que acabo de fallar, e é junto á margem de um d'estes affluentes que está a aringa do rei Mutaça; depois, em maior latitude, volta rapidamente para leste para desaguar no oceano Indico por muitos braços formando um extenso delta a que Chiloane pertence. Os rios Busi o Save junto á costa correm portanto quasi como parallelos entre si. A villa de Sofalla fica approximadamente a meia distancia entre a foz dos dois rios.

Como se vê no esboço junto e como eu vi do alto da serra Citatonga, o rio Busi, depois de passada esta serra, corre para o norte a ir receber não muito longe, e em terreno perfeitamente plano, as aguas do Lusite; o que prova que desviando um pouco o itinerario para leste, poderia ter contornado a serra Citatonga em logar de ter passado duas vezes pela sua cumiada, o que, principalmente pela garganta por que passei na volta, é bastante custoso.

Passada a serra Citatonga, o caminho segue em terreno plano, apenas com ligeiras ondulações em alguns pontos, ficando proximo, á direita, as montanhas onde nascem o Busi e um importante affluente d'este rio, pela agua que leva, por entre rocha, o rio Muzirisi, junto á margem esquerda do qual, na pequena povoação de Cuzova, terras do grande Mugomugomo, terminou a minha viagem. Proximo da margem direita d'este rio, um pouco a montante do logar onde eu estava, e a umas cinco ou seis horas de caminho, é que está a povoação do Gunguneana.

Do valle do Muzirisi, diz o explorador inglez Mr. Erskine o seguinte: «O valle do Muzirizi (que elle chama Umswelisi) está destinado a ser um dia uma das mais productivas regiões d'este lado do continente. Assucar e café dar-se-íam ahi admiravelmente; e por causa da sua elevação supponho que será perfeitamente sadio».

Mais longe diz: «A agua transparente d'este rio é abundante e seria sufficiente para irrigar este extenso e fertil valle, e ainda para mover moinhos, para o que a sua rapida quéda o torna muito proprio».

Do Aruangua, do Revue e de todos os menores rios, affluentes d'estes, se póde em geral dizer outro tanto.{21}

A parte das terras do valle do Muzirisi que não está cultivada com milho, mapira, feijão, etc., é destinada á pastagem das numerosas cabeças de gado que o Muzila tinha, e o Gunguneana conserva e trata de augmentar, e que se acham divididas por manadas entregues aos chefes das differentes povoações. A manada na povoação de Cuzova tinha a especialidade de ser exclusivamente composta de gado muito novo, ou vitellos que iam sendo separados das mães nas manadas vizinhas.

Minha missão, seu resultado

Foi, como disse, a presença das duas embaixadas dos landins na Gorongosa, que me aconselhou a escolher esta occasião para fazer a primeira visita ao rei de Gasa. Tudo o mais nos era contrario: chuvas, cheias dos rios, caminhos fechados com palha de altura de dois homens. Não tinha tambem na Gorongosa quem soubesse portuguez e vatua, nem mesmo pessoa que me podesse acompanhar e servisse de bom interprete; de portuguez para as linguas da Gorongosa ou do Quiteve, muito similhantes, e que muitos dos landins fallam.

Um dos meus moleques era o interprete com que mais poderia contar, mas fui successivamente descobrindo a impossibilidade de lhe fazer comprehender qual era a missão do interprete, e de lhe fazer traduzir cousa que elle não pensasse entender, e sobre a qual elle depois livremente discursasse na lingua para que traduzia.

O que não fosse de accordo com a sua opinião não traduzia, e não foi possivel fazel-o referir a povos de que elle nunca tinha ouvido fallar.

Prevendo isso, logo que cheguei ao Quiteve escrevi ao capitão mór de Sofalla, um mouro chamado Amade Sene Abdalá, filho de um Gricar Abdalá, que vemos figurar como lingua do estado nos termos da reivindicação do territorio do Bandire em 1835, e de uma princeza murinane, irmã da actual rainha Gomoni e do actual regulo Murinane, preta ou princeza com que elle Gricar travou relações, e que levou para Sofalla, onde ella passou o resto da vida. Sabia eu portanto que o capitão mór de Sofalla era sobrinho dos dois mais importantes regulos do Quiteve; sabia mais, que elle, como antigo negociante, era conhecedor dos sertões, que fallava a lingua do Quiteve e a lingua vatua e que era valente; e por isso lhe escrevi, pedindo-lhe que me viesse servir de interpretre.

Da mesma povoação em que escrevi a Amade Sene, partiram rapidamente para a frente tres landins com o fim de annunciarem a Gunguneana da minha viagem. Encontrei-os de volta a uns tres dias da povoação do rei, dizendo-me da parte d'elle que seguisse e que seria bem recebido.

Na manhã de 23 de janeiro, quando suppunha que nesse dia chegaria á povoação do Gunguneana, pararam os meus conductores na povoação de Cuzova, que já tenho citado, para que fossem alguns d'elles dar parte ao rei de que eu me approximava. Só na manhã do dia 1 de fevereiro chegaram quatro grandes, que, acompanhados de muita gente, me vinham comprimentar da parte do Gunguneana, trazendo-me um{22} boi, e pedindo-me que expozesse o motivo da minha visita. Apenas consegui poder dizer-lhes que vinha para confirmar e estreitar as relações de amisade com o novo regulo portuguez, e para lhe dizer que o rei resolvêra mandar reoccupar as suas terras de Manica e avisar d'isso o Gunguneana para que se alguns landins fossem para aquelle lado recebessem do Gunguneana ordem para ter bom trato com os mosungos. Fallei apenas de Manica, e é claro que não podia pedir licença qualquer para irmos para lá, visto que as terras da região da antiga feira de Manica são portuguezas e como taes reconhecidas pelo rei de Manica e por todos os povos que habitam os paizes vizinhos. Como porém os grandes das duas embaixadas me tinham sempre acompanhado, e, depois da sua viagem e ausencia de muitos mezes não tinham ainda estado em relação com os que cercam o Gunguneana começaram em landim discursos que duraram horas, e em que notei que, de certo com as melhores intenções, porque todos os landins com que estive em contacto me deram sempre provas do sympathia, repetidas vezes fallavam em Ferrão, Gouveia, Gorongosa, Manica, Bandire e Inhaoxo, e em que provavelmente disseram que eu vinha para tomar conta de todo o Quiteve, como varias vezes o haviam dito pelo caminho, sem que palavra ou acto algum da minha parte motivasse tal asserção.

Partiram os grandes parecendo muito satisfeitos commigo e dando-o a entender que no dia seguinte ou no dia depois d'este alguem me viria buscar da parte do Gunguneana.

No dia 3 de fevereiro, quando eu já de ha muito suppunha que o capitão mór de Sofalla não podia ou não queria vir até tão longe, appareceu-me elle, motivando a sua demora pela do portador da minha carta, que fiou muitos dias em uma das povoações do caminho, dando as chuvas como pretexto da paragem.

Em outras communicações fallarei de Sofalla e do seu capitão mór, homem que me parece muito util. Elle veiu com bastante gente de Sofalla, e durante os dias que estivemos juntos, apesar da impaciencia da espera, não podia deixar de ter muito prazer, vendo fraternisar e amossossar juntos gente de Senna com a gente de Sofalla, reunião que ha muitas dezenas de annos julgo não tinha tido logar.

Esperavamos de dia para dia o aviso de Gunguneana para marcharmos; quasi todos os dias vinha de lá alguem que por varios motivos ia justificando a demora passada, annunciando que breve seguiriamos.

Indicarei alguns d'esses motivos:

a) Entrega dos Nhunhe muchopes (passaros brancos) aos seus commandantes.

Com este nome acaba Gunguneana de crear um novo corpo do exercito, recrutado em todas as suas terras e constituido com rapazes que deverão servir por um determinado numero de annos n'este corpo, e que emquanto não passarem para outro ficam prohibidos, sob pena de morte, de casar ou ter relações com mulheres. O nome é devido a que os escudos são feitos com pelles de bois brancos, e que todo o vestuario dos homens será da mesma côr; pelles ou pennas brancas. Como muitos landins vão trabalhar no Transvaal, na republica de Orange e{23} nos Campos de Diamantes, trazem d'esses paizes quantidades de pelles de carneiros de comprida lã branca, de que cortam estreitas tiras, com que adornam o grosso dos braços e as pernas, logo abaixo dos joelhos.

Quando cheguei á povoação de Cuzova tratava-se effectivamente de reunir na do Rei todos os Nhunhe muchopes, e vi passar nos primeiros dias que ali estive, muitos centos de rapazes, que de todos os lados convergiam para o ponto de reunião.

b) Reunião de outra gente de guerra, que tambem vi passar em grande quantidade, por causa de um importante acampamento, manifestado por uma extensissima linha de fogos ao longo da margem direita do rio Save, e constituido por gente do Muzilicatze, sem que ainda se soubesse se vinham para cumprimentar o novo rei, se para lhe fazer guerra.

Mais tarde, quando regressava pelo Quiteve, disseram-me que dez brancos a cavallo, vindos do lado do Muzilicatze, tinham com muita gente atravessado o Save, para visitar o Gunguneana. Não sei se estes brancos têem ou não relação com o acampamento a que me acabo de referir.

c) Reunião dos grandes, chegados de povoações muito afastadas para que Gunguneana conversasse com elles a respeito da minha visita.

No dia 11 de fevereiro chegaram finalmente á povoação de Cuzova todos os grandes que primeiro me tinham vindo ver, acompanhados de alguns outros; depois de muitos comprimentos e de conversarem sobre assumptos estranhos ao objecto da minha presença ali, o maior de entre elles, um bello e sympathico homem, por nome Magumeana, chamou do grupo de pretos, que estavam sentados atrás dos grandes, um que veiu pôr junto a mim uma pequena ponta de marfim, sobre a qual Magumeana poz duas libras sterlinas[2], dizendo que era a bôca do Gunguneana, para dizer que não podia consentir em que os brancos viessem trabalhar nas minas, nem estabelecer-se nas suas terras, porque se o fizessem, viriam depois tantos, que em breve lhe tirariam o poder; que elle Gunguneana era portuguez, que elle, mas elle só, era mulher do rei de Portugal, que assim o dizia a todos os estrangeiros, que desejava amisade com os brancos; que tem dado d'isso muitas provas, e ainda muito recentemente, quando na Chupanga lhe assassinaram traiçoeiramente, quando elles dormiam, todos os landins que lá estavam, não tendo feito guerra por esta causa; que os mosungos podem livremente vir negociar, com segurança, a todas as suas terras, mas que não quer que n'ellas explorem as minas; que os brancos nunca fizeram esse pedido a seu pae, e que notava que se tinham reservado para o fazer quando elle acabava de subir ao poder.

Fiz notar que eu já me achava em caminho quando se soube do fallecimento do Musila, e que o rei de Portugal não tinha que receber licença de pessoa alguma para mandar mosungos para as suas terras do Manica, que todos na localidade reconhecem pertencer-lhe.{24}

Era inutil qualquer discussão com estes homens isolados, visto que a resposta do Gunguneana tinha sido dada em conselho de todos os grandes, que já se achavam espalhados, e que evidentemente eu não podia ter por agora modificação ás resoluções tomadas. Tratei, só, portanto, de aproveitar a presença de um homem intelligente como é o capitão mór de Sofalla, bom conhecedor do portuguez e do landim, para dizer o que desejaria ter dito na minha primeira entrevista com os grandes, embora o mau resultado da minha viagem tornasse impossivel o tratar de muitos pontos, como o da construcção de um telegrapho com excellente directriz, passando pela povoação de Gunguneana, o transporte maritimo por Chiloane dos landis, que com viagens de mezes vão servir no Natal.

N'esse mesmo dia 11 de fevereiro comecei a viagem de volta para a Gorongosa, onde cheguei no dia 1 do corrente. Não indico n'este trabalho, destinado a fornecer infirmações a s. ex.ª o ministro da marinha, os promenores da viagem, que só podem interessar e muito aos que tiverem de percorrer o paiz.

Gunguneana disse aos grandes, quando elles vieram ver-me com a resposta, que não me pedissem fazendas, para que eu não podesse voltar dizendo que tinha comprado as minas; caso sem exemplo, com landins em frente de motores de fazendas, e que bem mostra que é receio o que elles todos têem. Dei, porém, aos grandes, tanto na primeira como na segunda visita, e mandei pelas duas occasiões ao Gunguneana alguns presentes; porque achei conveniente deixar boa impressão e separar-me dos grandes com agradaveis relações.

Os grandes nomearam tres landins para nos acompanharem, receiosos de que o estranho facto, de voltarem do lado da casa do seu chefe mosungos com motores de fazenda completos não fosse attribuido a alguma fuga ou desavença, e nos causasse embaraços no caminho.

Junto a este relatorio vae um resumo da conta de todas as despezas da viagem, incluindo as do transporte do capitão mór de Sofalla, e todos os presentes dados ao Gunguneana, seus grandes, regulos do Quiteve, e todos os chefes da povoação onde passámos, na importancia de 624$800 réis, despezas pagas pelo governo do districto de Manica.

Comparações com a colonia ingleza do Natal; algumas apreciações dos nossos vizinhos ácerca do paiz que visitei; da nossa administração e modos de proceder

O cônsul O'Neill em um dos relatorios que, como consul de Sua Magestade Britannica na provincia de Moçambique, é obrigado a fazer annualmente, diz o seguinte: «Situada entre o territorio do sultão de Zanzibar e a colonia do Natal, está a provincia de Moçambique, que em nada é inferior a qualquer d'estes dois paizes e lhes é muito superior pelos seus numerosos portos, pelas vias naturaes de communicação,{25} que permittem attingir facil e economicamente grandes distancias no interior; e comquanto a colonia de Natal muito pequena, de recente creação veja elevar os seus rendimentos a X (não cito cifra por não ter o documento presente), comquanto Zanzibar com todos os contras da civilisação arabe renda Y, a provincia de Moçambique rende apenas Z (uma pequena fracção de Y, já muito inferior a X).

O motivo da differença, tão contraria nos resultados, quando as condições naturaes são todas a favor da provincia de Moçambique, só póde ser devido á differença dos processos empregados.

Os rendimentos da provincia do Natal foram em 1882 de £657:737, e o valor das exportações feitas por cima da barra quasi inaccessivel do porto de Durban foram de £731:309. Dados muitos recentes mostram que o valor das exportações pelo mesmo porto subiu em 1884 á respeitavel somma de £957:918 ou mais de 4.300:000$000 réis; sendo £523:377, ou mais de 2.300:000$000 réis, do valor de lã (a maior parte da qual, devo dizer, vem de fóra da colonia, do Transvaal e da republica de Orange); £185:131, ou 832:000$000 réis, de assucar, e mais de 360:000$000 de réis de pelles de animaes. O seguinte artigo, cortado do jornal que mais aversão nos tem, o Natal Mercury de 18 de novembro de 1884 na geralmente intrigante e invejosa colonia de que estou tratando, mostra quaes foram os rendimentos do porto de Lourenço Marques quando subitamente elevados por uma causa que então foi passageira, e as observações que sobre esta circunstancia fazem.

A construcção do caminho de ferro que com felicidade consta vae finalmente realisar-se por uma empreza portugueza, bem depressa mudará o présent régime n'este porto, e lhe affirmará a superioridade que este mesmo jornal diz que elle terá logo que se verifique a expulsão dos portuguezes pelos allemães em toda a costa oriental de Africa, como elle tão inconsequentemente mostra desejar.

Junto dois pequenos artigos n'este sentido.

«Better far have one small German settlement near us than any number of miserable and wretched Portuguese colonies which never have and never can benefit either settlers or aborigines, but which are simply a curse wherever they have taken root on African soil.»

«We colonists might well hail with delight the proclamation of German rule over the territories stretching from shore to shore north of the Limpopo and its parallel, and south of the Congo. A German empire in those regions would form a magnificent background to an Anglo-African Dominion on this side.»

The trade of Lourenço Marques

«Accustomed as we are to regard Delagoa Bay as a formidable competing port in its relation towards the trade of the Transvaal, we are apt to exaggerate the real proportions of the trade done there. Through the courtesy of Mr. de Costa we are able to give the following summary of the monthly returns of trade at Lourenço Marques for the present year:{26}


Importation
£
Exportation
£
January 3:211 7 0 705 12 0
February 2:482 3 0 2:826  1 0
March 6:982 7 0 1:727 15 0
April 7:521 8 0 2:147  5 0
May 10:924 0 0 1:651 18 0
June 1:434 2 0 3:759  9 0
July 9:184 7 0 1:846  1 0
August 10:051 1 0 133 11 0
September 5:472 5 0 4:284 11 0

«These figures differ from those of preceding years in this respect—that they cover the period of temporary inflation caused by «Moodie's Rush» and the Lydenburg Gold Fields generally. Yet what are the facts? For the nine months of this year all the imports through Delagoa Bay only reached a value of £56:263, while the exports only reached a total £19:082 being a monthly average of £6:251 in the one case and of £2:120 in the other. Thus, carrying on the average, the entire import trade of the rival port represents, so far, a yearly value £75:014 only. There is not much in these figures to cause dismay. No abnormal diversion of trade has yet taken place, and in the absence of a line of railway we are not likely under existing circumstances to see much improvement in these figures. Were any power other than Portugal to establish itself at Delagoa Bay the case might be different; but so long as the present regime abides at the northern port we can afford to go on our way steadily, seeking to conserve and to retain whatever trade we at present command.»

E outro mais grave publicado em o numero de 20 de janeiro ultimo.

The powers in Africa, January, 16

«Should recent and pending negotiations lead to a definitive understanding between England and Germany as to the future relations of the two powers in Central and Southern Africa, the future of this continent will all at once have passed into a phase which will be, when compared with the past, as light is from darkness. The determination of that future, under the altered circumstances of the moment, may be said to depend upon three postulates. The one is that England is prepared and resolved to hold her own throughout all the regions that have been directly, or nominally or relatively, under her influence or sway. The second is that England beyond certain lines has neither the desire nor the intention to extend the limits of her dominion in Africa. The last is that Germany means, without any reservation or vacillation, to establish herself in Africa as a colonising power, wherever the way may be open to her. As regards the first two of these premisses, it may, we think, be taken for granted that England means to go thus{27} far, but no further. The power that has impelled the Imperial Ministry to make the present demonstration of its authority in South Africa is the same power that has prevented mr. Gladstone from going as far hitherto. It is the power of public opinion in the mother country, and it is the power of that democracy which practically shapes that opinion. The world has suddenly discovered that the English democracy is not ready—as yet, whatever may be its disposition in the future—to part with an inch of its territory or a stone of its fortresses. This has been somewhat of a revelation to English colonists, no less than to foreign nationalities; but it is a fact. That fact is no doubt fully recognised by the German Government, and it is a fact which will be respected. Had it been made manifest a little earlier much misunderstanding, and possibly certain vain aspirations and illusions might have been saved. It is simply absurd to suppose that Germany has not cherished designs more or less ambitious, based upon the apparent desire of England to get rid of its responsibilities in South Africa. To deny, or even to doubt the existence of these designs—contingent always upon a policy of abdication and retirement on England's part—is simply to ignore the abounding evidence of experience and of fact. Prince Bismarck's last speech to the Reichstag puts all doubt on that point at rest. England, however, having proclaimed her resolve, the course likely to be pursued by Germany is the course of shrewdness and common sense, two qualities that never fail to distinguish the Teutonic mind. Germany will elect to confine her colonising policy within legitimate and accessible limits. There is a field of action open to her in South Africa which only a slight political barrier interposes to shut her out from. We refer, of course, to the area of Portuguese rule. This, it is true, at present is an undefinable area. Portugal has been a colonising power only in name. To speak of Portuguese colonies in East Africa is to speak of a mere fiction—a fiction colourably sustained by a few scattered seaboard settlements, beyond whose narrow littoral and local limits colonisation and government have no existence. Had Portuguese rule in East Africa shown any sort of vitality or reality no one cherishing any regard for international amity could have any fair plea to desire its displacement. By the ordinary rules of conquest and occupation Portugal has a title to possession sanctioned by three centuries of existence. But the very fact that for 300 years the flag of Portugal has waved along the East Coast involves the condemnation of Portuguese rule. For what is there to show for it? What use has Portugal made of her acquisitions or opportunities? What effect has she produced upon the destinies of the Continent? What part has she played? What contribution has she made to the sum of the world's progress, to the cause of civilisation to the well-being of mankind? The answer to these questions is writ in characters of miserable failure. In no other part of the world has the European left so futile and so fruitless a trace of his presence as the Lusitanian has left upon the eastern shores of this Continent. This is a fact that will assuredly have ere long to be submitted to the judgment of Europe, and to the guidance of fast developing events. It is not necessary just now to consider how or when this question will come to be determined;{28} but the moment of settlement must come, and it will be strange should a power like Portugal succeed in resisting whatever pressure may be brought to bear by circumstances that may and that must arise. Should Germany hereafter be found the active occupant of some part at least of the lifeless heritage of Portugal we, in South Africa, shall have no cause of repining. Were the southern half of the Continent represented by England, Germany, and the internationalised region of Congonia respectively, the hopes and prospects of civilisation, of commercial progress, and of industrial activity, would be as bright and reassuring as lately they have seemed gloomy, and depressing. These three Powers, acting in concert and in good faith, would soon malte Africa an efficient rival to South America. Saxon energy, and Saxon enterprise would co-operate to rescue the Dark Continent from the sleep of ages, and to open out an era of vigorous dovelopment and social advancement that, but yesterday was a mere dream».


Natal tem apenas uma area de 21:000 milhas quadradas, area menor que só a dos prazos Gorongosa, Cheringoma o Chupanga. A provincia de Moçambique é portugueza ha quasi quatro seculos; comquanto Natal tenha sido recommendado ao governo inglez pelo Lieut. Farewell em 1823, como um posto que devia ser occupado, póde-se dizer que é só desde 1843 que a colonia de Natal foi formalmente declarada colonia ingleza.

Natal está dividida em quatorze condados e divisions com varias auctoridades distinctas para brancos e para pretos (porque em parte alguma, a não ser nas nossas colonias, são os pretos julgados pelo mesmo processo que são julgados os brancos, e punidos igualmente); até ha pouco havia para toda a região ao sul do Zambeze, que é de esperar virá a constituir o districto de Manica, e ainda para os prazos Luabo e Melambe, só o commando militar de Senna.

Natal tem cerca de 40:000 brancos, em parte introduzidos pelos auxilios que têem sido dados á emigração; na provincia de Moçambique, que contém em quasi todos os seus districtos areas proprias para a colonisação branca, mais extensas que a de toda a colonia do Natal, contando mesmo com os empregados das tres grandes casas commerciaes estrangeiras, não haverá de certo, alem dos empregados do governo, 200 pessoas brancas.

Portugal recebe os mais urgentes pedidos de todas as colonias, deseja, quanto possivel, satisfazer a elles, sangra-se e arruina-se com esse fim, e manda-lhes annualmente sommas, que repartidas por todas ellas ficam por tal modo diluidas que só servem para as continuar a fazer vegetar no estado que todos bem conhecem. Os grandes sacrificios da metropole são perdidos, e continúa de anno para anno, por exemplo, a sua mais populosa e mais importante cidade africana, debaixo de um sol abrazador, a soffrer os horrores da sêde.

A Inglaterra não gasta um penny com o Natal. É a pequena colonia que tem recorrido ao credito. Os typos dos seus emprestimos são sempre de divida remissivel em praso fixo.{29}

Julgo que presentemente tem as seguintes dividas, que vão designadas segundo a ordem da sua emissão:

Um emprestimo de £ 165:000, realisado a 6 por cento de juro e 3 por cento para amortisação em curto praso.

Um emprestimo de £ 100:000, a 6 por cento de juro e 2 por cento para amortisação.

Um emprestimo de £ 350:000, a 5 por cento e 1 por cento de amortisação em quarenta annos.

Um emprestimo de £ 200:000, a 4 1/2 de juro e 1 por cento para amortisação em quarenta annos.

Um emprestimo de £ 50:000, a 4 1/2 de juro e 1 por cento para amortisação.

Um emprestimo de £ 50:000, a 4 1/2 de juro e 1 por cento para amortisação.

E, finalmente, o ultimo emprestimo para continuação dos caminhos de ferro de £ 469:800, a 4 por cento de juro e 1 por cento para amortisação.

A pequena colonia do Natal recorreu ao emprestimo, pediu primeiro a 6 por cento e 3 por cento; progrediu com a divida que fez, e ha pouco realisou um emprestimo a 4 por cento de juro e 1 por cento para amortisação; e isto quando uma parte sensivel das sommas emprestadas tem sido empregada nos improductivos trabalhos para melhorar uma barra sobre a qual se passa muitas vezes em perigo (quando não está mesmo do todo fechada) n'um vaporsinho que eu muito desejaria ver na carreira do rio Pungue, e na qual nunca entrarão navios como os que podem entrar em mais de vinte portos da provincia de Moçambique.

As grandes e poderosas nações da Europa recorreram largamente ao credito para a realisação dos espantosos melhoramentos materiaes que se têem effectuado no presente seculo; com mais forte rasão as colonias dos differentes paizes recorrem ao credito com mais ou menos dependencia das respectivas metropoles, conforme as leis que as regem, e o credito que merece cada colonia. Só as colonias portuguezas fazem excepção.

Terminarei este artigo fazendo algumas citações de uma das communicações apresentadas pelo sr. V. Erskine á Royal Geographic Society de Londres, que se acha publicada no jornal da sociedade, vol. XLV, 1875, unico dos volumes que tenho commigo. Uma das citações seria bem desnecessario fazel-a, porque deverá ter ultimamente sido lida por todos os portuguezes que se occupam de colonias, no livro de s. ex.ª o sr. Andrade Corvo:

«O futuro de Lourenço Marques nas mãos dos portuguezes só póde ser ruina e morte, mas debaixo de uma raça teutonica será o mais glorioso. Que a dominação por uma d'estas raças terá logar, por força ou por diplomacia, não póde haver duvida alguma.» (É extraordinario que estas palavras fossem escriptas ha mais de dez annos.)

«Os portuguezes parecem estar pegados atraz das suas muralhas nos fortes da costa, e não fazem idéa alguma do paiz elevado que lhes fica para o interior.

«Desde a invasão dos zulus os portuguezes nem são temidos, nem{30} respeitados. Tendo apenas soldados pretos, são absolutamente desprezados pelas tribus que os rodeiam.

«Considero este grupo de montanhas onde nasce o Busi como um dos mais interessantes problemas da geographia moderna; pela sua conveniente exploração conhecer-se-iam vastas regiões de paizes sadios, proximos do porto de Sofalla, e se fossem tomados em mão por Portugal e offerecidos a emigrantes por algum modo liberal fazia elle cessar immediatamente todas as difficuldades com os indigenas, e crearia uma origem de riqueza e prosperidade como nunca viu desde o tempo d'aquelles heroes que lhe fundaram o seu imperio colonial, do qual hoje apenas alguns fragmentos lhe restam.»

É assim que pensam os estrangeiros que visitam o paiz; é provavelmente assim que pensam o Gunguneana e os seus grandes; no dia em que sufficiente numero de portuguezes pensar do mesmo modo, a não ser que esse dia chegue demasiadamente tarde, ver-se-ha bem depressa por experiencia como os primeiros que fallaram pensaram bem.

Tendo indicado a distancia de differentes cidades e portos da Africa austral á capital do Musila, diz:

«Os portos mais proximos, Sofalla e Chiloane, são tambem testas das estradas que offerecem menores difficuldades physicas para uma marcha. A planicie que ellas seguem é sadia durante os mezes de julho, agosto, setembro e outubro, de maneira que forças europêas facilmente as podem atravessar n'essa epocha. Grandes rios podem ser seguidos até ás bases das montanhas. De espaço a espaço ha densos bosques, mas podem elles ser evitados, e o caminho seguir sempre como por um parque. Ha pastagens por toda a parte, de maneira que não seria necessario levar sustento para gado.

«Na verdade difficilmente se poderia encontrar um paiz que melhores condições offereça para ser conquistado por europeus; e note-se que, quando se chega ao plateau elevado, tem-se attingido uma região cujo clima é superior ao da Europa.»

Conclusões

Motivado no que tenho exposto, direi que é minha opinião o seguinte:

1.º Convem limitar a area de acção do governo do districto de Manica, do seguinte modo: ao norte, pela margem direita do Zambeze desde a foz do Aruenha até ao limite dos prazos Chupanga e Luabo; a leste, pelas confrontações dos prazos Chupanga e Cheringoma com os prazos Luabo e Melambe até a costa e de ahi pela linha da costa até á foz do rio Busi; ao sul pela linha, seguida, dos thalwegs do rio Busi e dos affluentes Lusite, Mufomose e Mussapa, continuando por modo que comprehenda todo o reino de Manica; e a oeste, na parte mais do sul, prolongando-se quanto possivel para o Zambeze e região em que este rio corre do sul para o norte, e na parte mais do norte pelos thalwegs dos rios Mazoe e Aruenha, em que confinaria com o districto de Tete.{31}

2.º Convem passar o commando militar e villa de Senna para a margem esquerda do Zambeze.

3.º Transferido o commando militar de Senna para a margem opposta, é necessario crear desde já o commando militar de Chemba.

4.º É necessario e facil resolver a questão do Bonga.

5.º Logo que esteja resolvida a questão do Bonga, é necessario crear o commando militar do Aruenha.

6.º É necessario resolver a questão do reino do Barue.

7.º Effectuada a transferencia do Barue, é necessario crear um commando militar com a séde na aringa de Manuel Antonio, de Inhangona, proximo do Caurese, ou um pouco mais a oeste e mais proximo dos Campos de Oiro do Imperador Guilherme.

8.º É necessario crear desde já o importante commando militar de Massará e nomear o seu commandante, que poderá fazer serviço como commandante militar em Manica, emquanto convenha que a séde do governo do districto fique em villa Gouveia.

9.º É necessario, como uma das bases mais essenciaes para o desenvolvimento de um prospero districto de Manica, organisar por qualquer modo um serviço de transportes a vapor, mensal, ou, para começar, bi-mensal ou ainda trimestral, mas regular, entre os portos do Quelimane ou Chiloane e o rio Pungue até ao ponto onde este rio for navegavel pelo vapor empregado[3].

10.º É necessario, e facil de realisar com os recursos que já tem o districto de Manica, logo que lhe for dada acção sobre todo o valle do Aruangua até á costa, evitar que os landins continuem a passar este rio, como actualmente fazem, para ir levantar tributos nos prasos Cheringoma, Inhamunbo, Chupanga, Luabo e Melambe, e assegurar a tranquilidade na região que fica ao norte do mesmo rio.

11.º É necessario ligar telegraphica ou telephonicamente a séde do commando militar da Chupanga, com a do commando militar de Chemba, esta com villa Gouveia e esta com a séde do commando militar do Aruangua[4].

12.º Se fosse exequivel, seria muito para recommendar, e teria de certo o maior alcance, a immediata guarnição da região da antiga feira de Manica com uma força de quinhentos homens de um regimento de infanteria do exercito de Portugal.

13.º Como não é possivel fazer-se a proposta indicada em o numero antecedente, o governo do districto de Manica fará de certo quanto podér, lançando mão dos recursos de que aqui dispõe para occupar a região de Manica, assegurar as communicações com o ponto occupado;{32} e occupar mais um ponto convenientemente situado entre os rios Pungue e Busi, proximo da costa.

14.º É urgente e essencialmente necessario proceder por qualquer modo para augmentar de uma maneira sensivel a actual população branca da provincia de Moçambique; e muito para desejar que ainda na boa estação que vae entrar comece a pôr-se em pratica algum programma de colonisação do districto de Manica.

15.º Dentro de cada districto da provincia de Moçambique ha em grande excesso o necessario para que a provincia possa garantir os encargos que tenha a contrahir por causa de qualquer d'esses districtos.

O emprego dos meios necessarios para garantir a segurança, para realisar a colonisação e as grandes obras publicas, exigem rapido desembolso de capitaes que só podem ser obtidos por emprestimos. Estes emprestimos, no caso da provincia de Moçambique, poderão ser de duas ordens; ou geraes da provincia, com a garantia da provincia e garantia do governo, ou especiaes para determinados fins, a executar por emprezas constructoras de colonisação e outras, emprestimos que devem ser feitos por emissões de obrigações d'essas emprezas de utilidade colonial com primeira garantia da empreza da colonia para com o governo, e com a garantia do governo para com o publico. Logo que a habilitem a dar os primeiros passos, a provincia de Moçambique facilmente encontrará credito em todas as praças do mundo pelos inexhauriveis recursos que em si contém.

Villa Gouveia, 16 de março de 1885. = Joaquim Carlos Paiva de Andrada, capitão de artilheria em commissão.

[1] Refiro-me sempre ao escrever este nome ás terras firmes do prazo Luabo, na margem direita do Zambeze, que se acham, salvo em raros pontos mesmo junto ao rio, desertas. É nas ilhas do delta que estão hoje condensados todos os colonos, almejando por voltar a occupar as terras que seus paes e elles proprios occuparam na terra firme.

[2] A ponta de marfim foi entregue no governo do districto. Queria recusar as duas libras, mas como não comprehendiam o motivo da recusa e se melindravam, entreguei-as na presença dos grandes ao mouro capitão mór, que as acceitou

[3] Saber-se desde já com certeza que um vapor viria ao Punque de hoje a quatro ou seis mezes, mas em dia fixo, faria um grande bem. Viagens sem sufficiente annuncio previo na Europa e aqui serão relativamente de pouco proveito.

[4] Ligado mais tarde o commando de Chemba com o Aruenha ficará construida a maior parte da linha que porá Tete em communicação com a costa. Da Chupanga em breve mandaria o districto de Quelimane prolongar a linha para villa Mesquita e de certo que não deixaria este districto de empregar o material telegraphico, que de ha tantos annos dispõe, para ligar a linha da Zambezia com Quelimane. Ficariam assim logo ligados os tres pontos de Quelimane, Inhamissengo e Pungue.






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electronic work or group of works on different terms than are set
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both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

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effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
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property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
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Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
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LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
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LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
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DAMAGE.

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that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

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including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
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