The Project Gutenberg EBook of As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das
Letras e dos Costumes, by Ramalho Ortigão and Eça de Queiroz

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Title: As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes
       Janeiro a Fevereiro de 1873

Author: Ramalho Ortigão and Eça de Queiroz

Release Date: January 6, 2005 [EBook #14620]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

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As Farpas—R. Ortigão—Eça de Queiroz

AS FARPAS

RAMALHO ORTIGÃO—EÇA DE QUEIROZ

CHRONICA MENSAL DA POLITICA DAS LETRAS E DOS COSTUMES

2.º ANNO

Janeiro a Fevereiro de 1873


Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder, da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das sciencias, da admiração das grandes personagens, das mystificações da politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grande universo, e da adoração de mim mesmo.

P.J. PROUDHON


SUMMARIO

As idéas no parlamento e a immobilidade egypcia. O discurso da corôa. Os partidos. As fórmas do governo. Governo livre e governo despotico. Republica ou monarchia? A nossa questão, e o nosso voto. Qual é o governo que nos espera. As maiorias e as opposições. Perfil da sociedade portugueza. O descontentamento geral. A nossa intelligencia, a nossa virtude, o nosso direito á liberdade—Reforma do exercito e dos estribos—As conspirações, as revoltas e as opiniões do parlamento—O enterro da senhora duqueza de Bragança.—Um conselho á força armada.—Prova-se que a camara dos deputados não tem amolecimento cerebral. Uma figura de rhetorica. O ex-rei Amadeu e varios outros personagens historicos inclusivamente o sr. Arrobas, com uma palavra sobre as botas de s.ex.ª—Resposta áquelle que jurou assassinar-me.—Os srs bispos do ultramar—O redactor do Espectro e o ministro do reino. A inviolabilidade domestica. A calumnia. A publicidade— Joseph Prudhome e Pickuick.


Toda a animação parlamentar, toda a vida representativa no mez corrente se resumiu no seguinte: a discussão da resposta ao discurso da corôa. Esta discussão partindo de um ponto—a approvação do projecto—, para findar exactamente no mesmo ponto de que partiu—a approvação do dito projecto—, é verdadeiramente a imagem constitucional da kneph dos egypcios, a velha serpente com o rabo na bocca, o symbolo desolador da immobilidade oriental.

Tanta palavra dispendida, tanto tempo empregado, tanto dinheiro perdido, tantos suores, tantos gritos, tantos copos de agua desbaratados para se assentar nos termos em que o rei tem de cumprimentar o paiz e em quo o paiz tem de responder aos cumprimentos do rei!

Como se, não havendo principios nenhuns de politica interna que affirmar, não havendo nenhuns factos de politica externa que expender, o que um rei tem que dizer ao povo e o que o povo tem que responder ao rei podesse, sem o mais criminoso abuso das prolixidades rhetoricas, alargar-se d'estes termos.

Discurso da corôa: «Meus senhores, Deus lhes dê muitos bons dias!»

Resposta ao discurso da corôa: «Senhor! Deus lhe dê os mesmos!»

Tudo mais é emphatico, é ôco, é ridiculo—e é immoral.


Ha um mez inteiro que os srs. deputados, sob o pretexto de accordarem na collocação de um adverbio ou no significado de um adjectivo para a confecção de um periodo banal, se discutem a si proprios; chamam-se reciprocamente desordeiros, calumniadores e ineptos; e documentam e provam entre uns e outros, de partido para partido, que são effectivamente desordeiros, conspiradores, calumniadores e ineptos.

As galerias enchem-se. Enchem-se de uma multidão desoccupada e ociosa, que não vae á camara levada pelas curiosidades scientificas, nem pelos interesses patrioticos. Vae apenas disfructar os contendores, rir-se d'elles, apupal-os no fundo da sua consciencia, e—o que é peior que tudo—preverter-se e desmoralisar-se no contacto da corrupção. Vão vêr a maledicencia dilacerar as reputações, como as féras nos circos romanos dilaceravam os martyres, e aprender no exemplo dos novos gladiadores do decoro a desprezar a honra diante do insulto, assim como nas antigas luctas do gladio se aprendia a desprezar a vida diante da peleja.

Durante este mez as galerias do parlamento estiveram sempre cheias, segundo asseveram os jornaes. Encheram-as empregados publicos que desertaram as suas repartições, litteratos ambiciosos que abandonaram os seus livros, burguezes enfastiados que deixaram o seu trabalho, operarios em grève que foram aprender a discursar nos seus comicios, pretendentes de empregos publicos, que foram examinar os pôdres por onde poderão romper os seus empenhos. E toda esta multidão perigosa, que precisaria de ouvir palavras de moralisação, de trabalho, de dignidade, assiste durante um mez inteiro aos exercicios de uma oratoria rasteira, sem elevação moral, sem correcção artistica, cheia de arrebatamentos estudados ao espelho, de improvisos ensaiados em familia, de coleras sobreposse, de indignações requentadas, de despeitos fingidos. Depois da lucta os athletas, com os colleirinhos abatidos e sujos pelas distillações do suor e das tinturas indeleveis, apertam-se entre si as suas pobres mãos inoffensivas e inuteis, e fazem-se gestos amigaveis, surriadas de bom humôr, piscam-se o olho, deitam-se a lingua de fóra, riem todos, e saem juntos de braço dado, amigos e inimigos, como velhos rabulas amaveis e cynicos, que vão comer juntos o jantar que ganharam descompondo-se em serviço da parte, que ficou na cadeia.

E eis ahi no mais alto das instituições a escola publica em que o povo tem de aprender a ser digno e honrado!


Tome-se sobre o discurso de cada deputado a somma das affirmativas e negativas que fizeram em todos os principios geraes da politica e da administração: vêr-se-ha pela exposição integral das verbas correspondentes ás opiniões de cada partido e de cada individuo, que todos affirmaram e que todos negaram exactamente as mesmas coisas.

Toda a questão é pessoal. Á porta os correios de secretaria, com os seus cavallos á rédea, esperam tranquillos. A divergencia versa sobre os nomes dos individuos atraz dos quaes esses correios teem de trotar d'ali para o Terreiro do Paço e do Terreiro do Paço para a Ajuda. Periclitam constantemente os abusos. É forçoso deslocal-os. Trata-se de saber de quem é a vez de os passear com uma pasta encarnada dentro de um coupé da Companhia.

Quantos insultos, quantos improperios, quantos copos de agua, quantos erros de grammatica se não poderiam poupar ao pudor do paiz, dando definitivamente á companhia das carroagens este simples recado:

«Os partidos são cinco—regeneradores, historicos, reformistas, avilistas e constituintes: que os coupés do ministerio parem revesadamente de tres em tres mezes ás portas de cada um d'esses senhores, e quando o poder moderador quizer saber quem são os individuos que hão de levar-lhe o despacho em cada trimestre, que o poder moderador se digne de o mandar saber á inscripção patente na cocheira respectiva.»

Os srs. correios de secretaria seguiriam as carroagens ministeriaes, os srs. deputados votariam calados.

Um philosopho americano conta que nas ilhas Sandwich ha a superstição do que a força de um inimigo morto passa para aquelle que o venceu; em Portugal ha egual superstição com as successões do governo: a camara é sempre da opinião do que está no poder. Portanto, com a lei que propomos, acabariam as dissoluções e cessariam as discordias.

Pela primeira vez ouvimos n'esta legislatura lançar-se ao debate e discutir-se a palavra Republica. Vimos que a fórma do governo republicano tem no seio do parlamento defensores e adversarios, havendo todavia um ponto em que uns e outros se acham inteiramente concordes, e é: que o povo portuguez não está por emquanto nem bastante educado nem bastante instruido para poder sem grandes perigos acceitar a republica.

Pela nossa parte não somos monarchicos nem somos republicanos. A fórma constituitiva do poder não nos importa. O problema politico interessa-nos pouco. E n'este ponto achamo-nos inteiramente com o nosso tempo e com a sociedade actual. A questão grave que hoje preoccupa os povos não é de como se ha de distribuir o poder, é de como se ha de distribuir a riqueza. As classes que mais se agitam, as que por toda a parte amedrontam os manutensores da ordem, as que hão de revolver e fixar os destinos das sociedades futuras, não querem empolgar os symbolos do governo, querem simplesmente adquirir os instrumentos do trabalho; querem a terra e querem o capital. O problema moderno é o problema economico. Os reis estão sendo postos ou depostos por toda a parte sem perturbação e sem abalo. Porque? Porque ninguem se interessa em que elles se deixem ficar ou em que elles se vão embora. Voltaire defendia as monarchias com a razão de que preferia servir um leão que tivesse nascido mais forte que elle, a ser devorado por cem ratos da sua especie. Isto era no seculo XVIII, no tempo de Luiz XIV e de Frederico, em que nas monarchias havia o leão e não havia os ratos. No constitucionalismo moderno temos apenas os ratos que nos devoram. O leão é uma pacifica féra embalsamada, inoffensivo ornato de ètagére, que os ratos trazem comsigo debaixo do braço e que lhes serve apenas de pretexto para elles adoptarem esta fórma engenhosa e delicada de nos declararem que lhes appetece roer:—«Meus senhores, o leão pede viveres.»

Se a religião da liberdade, da egualdade e da fraternidade nos não obrigasse a considerar as sociedades e a respeital-as como fundamentalmente autonomas, isto é, independentes de todo o dominio, o governo que nós considerariamos o mais perfeito seria o que mais se aproximasse d'aquelle que até hoje tem dirigido os destinos da egreja catholica. O poder supremo nas mãos de um papa infallivel, arbitro absoluto da verdade e da justiça, que não póde enganar nem ser enganado; o dominio e o governo firmado na obediencia passiva de todos os subditos e na inclinação dada interiormente ás vontades, abrangendo toda a esphera da iniciativa humana desde os actos até os pensamentos; tendo por policia a inquisição, o mais completo e o mais perfeito de todos quantos tribunaes se teem creado para cohibir as infracções da lei, tribunal que ataca o mal no seu germen, dentro da consciencia, e não depois de já declarado em perturbações effectivas, de modo que nem no fundo mais recondito da alma é possivel um esconderijo para a anarchia! Tal seria o bello ideal do governo, considerado como salva-guarda do socego e da ordem.

Hoje porém:

Como os governos não podem já ser considerados debaixo d'esse ponto de vista auctoritario e ordeiro dos partidos conservadores;

Como todas as sociedades tendem conjunctamente para se governarem a si mesmas;

Como em toda a Europa, excepto na Russia, as monarchias absolutas se transformaram em monarchias parlamentares, retomando assim os governados a maior parte dos poderes delegados nos governantes;

Como dentro em pouco tempo, precisamente, fatalmente, todos os povos impedirão que subsistam outros poderes que não sejam aquelles que por via da eleição representem a vontade popular:

Segue-se que a differença essencial das fórmas actuaes de governo não póde, como ainda ultimamente disse em um notavel livro o sr. Passy, considerar-se senão como unicamente dependente da maior ou menor parte de poder que ellas asseguram ao povo.

Vejamos pois agora qual é a differença que existe entre uma republica e uma monarchia parlamentar.

A republica é o governo do povo pelos seus mandatarios eleitos, tendo por chefe do poder executivo—um presidente eleito.

A monarchia parlamentar, como ella existe em Portugal, é o governo do povo pelos seus mandatarios eleitos, tendo por chefe do poder executivo—um rei hereditario.

O sr. Duvergier de Hauranne, em um estudo consagrado á apreciação da republica conservadora que actualmente existe em França, diz que uma monarchia constitucional, com um rei que não governa, com ministros responsaveis e uma camara electiva sujeita sempre aos riscos de uma dissolução, é um dos regimes parlamentares que mais garantias oferecem á liberdade. Todavia, observa ainda o publicista a quem nos referimos, para o estabelecimento da monarchia é preciso a dynastia, isto é: a tradição. Quando a dynastia cae, desapparecendo ou cortando-se a tradição como em França e em Hespanha, nada mais perigoso do que suscitar ruins ambições, chamando um principe para cabide de uma corôa. N'este caso o unico systema que não offerece gravíssimos perigos e grandes complicações intestinas e internacionaes é a republica. Ter a monarchia com todos os foros democraticos e derribal-a por um escrupulo de nome é grande imprudencia. Não ter a monarchia e tentar reconstituil-a sobre a cabeça do primeiro forasteiro é falta de valor e de juizo para governar.

Nos livros mais recentes consagrados aos estudos politicos e á indagação das razões porque os povos perdem, conquistam ou conservam a liberdade, nas obras modernas de Lewis, Brougham, Lorenz-Sten, Glinka, Mill, Bagebot, Prévost-Paradol, não se acha differença entre republica e monarchia representativa.

A eleição ou a heriditariedade do chefe do poder executivo não alteram de nenhum modo as condições da compatibilidade da liberdade com a politica. A fórma do governo na egreja—o mais despotico governo de quantos se possam imaginar—é a fórma republicana. O papa é um presidente eleito.

O poder popular não periga na coexistencia dos reis. Era Roma o imperio funda-se esmagando os patricios. Na moderna Europa as realezas affirmam-se despedaçando as resistencias dos senhores feudaes. Os soberanos procuram sempre na alliança do povo o appoio do mais forte. Perante as hostilidades do clero e da nobreza Napoleão I dizia ameaçadoramente: «Se lhes solto o povo estracinho-os n'um abrir e fechar d'olhos.» Napoleão III contava nas suas confissões feitas no desterro que fôra sempre socialista. A Internacional tem origem em uma expedição de operarios mandados a Londres á custa do segundo imperio para estudarem na exposição internacional de 1862 os melhoramentos que a França poderia introduzir na organisação do trabalho.

A republica pela sua parte tem sobre a monarchia uma poderosa vantagem—a qual ordinariamente se lhe attribue como o seu maior defeito:—a republica suscita as grandes ambições, que o constitucionalismo restringe e até certo ponto avilta. Ora é exactamente nas grandes ambições que se geram as grandes capacidades.

Isto porém são caracteristicos especiaes que, reunidos a muitos outros que seria facil adduzir, podem em dadas circumstancias determinar a escolha em favor do regime monarchico ou do regime republicano. Com relação á liberdade os dois systemas não soffrem evidentemente distincção: um e outro affirmam um governo livre.

A differença que existe entre governos livres e governos que o não são, é:

Que em certos paizes a vontade que dirige os negocios publicos é em verdade a do soberano; n'outros paizes é a da nação.

Resta-nos ver em qual d'essas duas cathegorias nós nos achamos.

Portugal é indubitavelmente governado pelos seus eleitos. O rei não tem a minima ingerencia na direcção dos negocios. O unico acto de iniciativa pessoal que temos visto praticar ao soberano consiste exclusivamente em dar habitos de Christo a alguns cantores extrangeiros. Os cantores guardam d'estas distincções conferidas pela corôa uma saudosa lembrança. Lemos, por exemplo, em um jornal de hoje que o baritono Cotogni mandara a Sua Magestade uma photographia, em que o artista conseguiu fazer reproduzir a sua pessoa na plenitude fascinadora de todos os seus meios physicos. Um habito de Christo que se dá, uma photographia com pretenções a gentil que se recebe, e estão quites a arte e a monarchia. Ninguem dirá que por tão innocentes commercios de affeição el-rei manifeste o intuito partidario—de lançar-se nos braços de um valido. Os unicos convivas extra-officiaes do principe—os tenores e os baritonos de primo-cartello—estão fóra de toda e qualquer suspeita malevola que não seja—a de desafinarem.

Temos portanto que a mais perfeita soberania representativa na gerencia de todos os negocios do estado existe effectivamente desassombrada e livre sob a monarchia portugueza.

Se depois d'isto o deputado sr. Rodrigues de Freitas e os seus correligionarios politicos, bem como todos os demais srs. deputados, nos dizem que a republica—com ser o mais perfeito dos governos segundo uns, ou ser um imperfeito governo segundo outros—não póde por emquanto existir em Portugal, porque o povo carece ainda da instrucção precisa para tomar o governo de si mesmo, hão de permittir os illustres deputados que nós tiremos d'esse seu argumento todas as conclusões que elle encerra....

E que digamos a suas excellencias:

Que, se um povo carece de capacidade para sustentar uma republica, é egualmente incapaz de supportar um regime constitucional. Porque a verdade, que ninguem nos poderá contestar, é esta: que nós estamos sendo governados ha muitos annos, unica e exclusivamente, pelos poderes eleitos.

Ora, se o povo não póde exercer suffragio para a eleição do governo sob o regime republicano, como é que póde achar-se habilitado para eleger o governo sob o regime monarchico? Em um e outro caso temos exactamente o mesmo processo, a mesma operação electiva, os mesmos dados na constituição dos poderes, as mesmas consequencias no uso do mandato, os mesmos resultados no exercicio do governo. A grande responsabilidade eleitoral da delegação do poder é exactamente a mesma na republica e na monarchia parlamentar.

Falta-nos a capacidade intelectual para o governo electivo da republica?! Quem é então que tem a posse exclusiva d'essa capacidade no regime parlamentar da monarchia? Como é que, passando do systema monarchico para o systema republicano, nos desapparece ámanhã perante o exercicio do suffragio a capacidade que temos hoje perante o mesmo exercicio? Quem é que pensa entre a organisação parlamenlar do governo portuguez?

Segundo os srs. deputados democratas, alguns dos quaes confessam ter a republica pelo mais perfeito e mais cabal dos governos, quem hoje pensa por suas excellencias e pelo povo que os elegeu é sua magestade el-rei! Pelo que suas excellencias nos dizem, o soberano não é o poder moderador, é o poder-pensante. Quando a corôa cahir ao rei, cae-lhes tambem a elles o cerebro. A camara electiva, a filha do povo, a representante dos nossos interesses e dos nossos direitos, a responsavel da força e da lei, assim o declara! Ella só é digna, só é autonoma, só é independente e pensante—emquanto houver um rei. No momento em que o monarcha descer do throno, ella será inepta. Animaes do Apocalypse, os srs. deputados só fallam agora pela sugestão divina imposta pelo sceptro. A tribuna, essa tribuna que ahi está, se um dia o rei lhe voltar as costas, recusará com pudor o copo d'agua oratorio, e pedirá—herva.


Será falso o argumento da incapacidade do paiz, com que os srs. deputados combatem a opportunidade da republica em Portugal? Não é. Se a camara que ahi temos diante dos nossos olhos é a expressão legitima do suffragio popular, o argumento é verdadeiro: o paiz é incapaz. Sómente as consequencias que esse argumento encerra não ferem sómente o direito á republica, ferem tambem o direito á liberdade. A logica não póde parar onde á casuistica dos rabulas apraz que ella pare: a logica ha de ir até onde o senso commum a possa acompanhar, e a logica leva o juizo, a boa fé e a verdade a declararem abertamente o seguinte: Se a camara electiva que acaba de occupar-se da discussão d'estes principios dá effectivamente a medida legal e authentica da moral, da virtude e da capacidade publica, então a questão do governo não póde versar entre uma republica e uma monarchia democratica e parlamentar. A questão é mais complexa e mais elevada. A questão, srs. deputados, é se vossas excellencias, teem ou não teem a capacidade precisa para serem os representantes de um povo independente. A questão é de eleição ou de não eleição; é de governo livre ou de governo despotico. Se os legitimos representantes do povo prestam, nós teremos a liberdade com qualquer dos dois governos livres—republica democratica ou monarchia parlamentar. Se os legitimos representantes do povo não prestam, teremos—a anarchia na republica, e teremos—a escravidão na monarchia.


Ora a representação nacional ha muito tempo que está sendo em Portugal uma farça ridicula para a sciencia e uma vergonha publica para o patriotismo. A camara é de uma ignorancia encyclopedica. Erra e insulta, e não se esclarece nem se desaffronta,—o que prova que não tem sciencia e que parece não ter caracter.

Poderiamos confirmar com muitos exemplos tirados dos ultimos debates parlamentares a verdade d'essa asserção, que poderá ser tida por arrojada, mas não por duvidosa. Não particularisamos esses factos porque elles envolvem nomes de homens, e nós, que não temos duvida em deixar cahir sobre as pessoas o ridiculo, temos repugnancia em deixar pesar sobre ellas a vergonha. A critica, se a levassemos até ahi, tornar-se-hia uma execução do alta justiça, porque o ridiculo lava-se na rehabilitação com que nos retemperam os actos sérios, a vergonha quando mancha o caracter faz num nodoa corrosiva e indelevel. As Farpas ferem apenas. O ferrete imprime-se com o ferro em brasa. Por essa razão preferimos adoptar n'este assumpto a generalidade impessoal.

Faltam á camara as idéas politicas e faltam-lhe os principios moraes. D'aqui resulta uma perturbação insanavel, um mal sem cura. É a corrupção, é a gangrena, é a paralysação senil affectando o jogo de todo o machinismo constitucional.

Temos o socego interior e temos a paz no extrangeiro; gozamos da liberdade politica e da liberdade individual, e não obstante no paiz todo ha um surdo descontentamento geral.

Todos os espiritos que se applicam ao estudo dos caracteristicos que prenunciam as evoluções da liberdade, comprehendem, tanto em Portugal como já hoje fóra de Portugal, que está eminente sobre nós uma d'essas grandes transformações politicas que apparecem nos paizes livres sempre que todas as questões que serviam para delimitar o campo dos differentes partidos se acham liquidadas, e que o progresso não inspira a creação de novas questões que sirvam de base para novos partidos.

Em Portugal os partidos acabaram ha muitos annos. Não existem divergencias de opinião sobre qualquer principio capital que interesse o paiz inteiro. Como o interesse do paiz desappareceu, a urna fica entregue ao arbitrio da auctoridade, e os círculos eleitoraes convertem-se em burgos podres. Os regedores com os cabos de policia elegem a maioria, os grandes proprietarios com os seus caseiros e os seus amigos votam as opposições. A vontade popular é muda e passiva, o que quer dizer que as fomes intimas da vida nacional estão obstruidas ou seccas.

Os governos não se sustentam no poder porque faltando-lhes uma opposição perfeitamente e fortemente constituida e assignalada, como a que separa na Inglaterra os tories e os whigs, não podem tambem contar com uma maioria consistente e robusta. Para manter os apoios oscillantes o governo acode submissamente ás exigencias dos pequenos corrilhos, promette, desdiz, cede, transige, compra, troca, vende, intriga, e cae de fadiga, apupado e corrido.

Ha dez annos temos tido assim quarenta ministerios. Os ex-ministros constituem pequenas dynastias de pretendentes constantemente ávidos do poder. Estes pretendentes quando não teem forças necessarias para alcançar o governo procuram formar no paiz, por meio da sua influencia burocratica, o partido que não teem na camara, e distribuem pelos seus amigos os empregos publicos que arrancam ao gabinete ameaçando-o com crises de seis votos sempre dependentes do descontentamento ou da satisfação pessoal dos pequenos chefes dos pequenos bandos.

O paiz inteiro vive n'uma miseria baixa, n'uma pobresa degradante, sem a altivez, sem o brio dos pobres valentes, que nunca dobram a espinha nem estendem a mão. Vejam-se no exercito os filhos do povo: nem a educação militar consegue dar-lhes pelo menos a attitude exterior da dignidade e da força, o passo firme, a cabeça alta, o porte determinado e energico que caracterisam logo no primeiro aspecto physico os fortes cidadãos dos paizes em que se sabe guardar e manter a liberdade!

A classe operaria faz grèves, no que está inteiramente no seu direito, mas faz tambem litteratura jornalistica e oratoria sentimental,—o que ridicularisa o trabalho, humilha a austeridade do direito e leza a legitimidade dos interesses, obrigando os obreiros—jornalistas e oradores—a pedirem mais descanços para discretearem, em vez de pedirem mais obra para fazerem.

O commercio está arruinado. A lavoura está decadente. A propriedade está hypothecada.

Só prosperam, só se procriam, só se reproduzem indefinidamente as instituições de jogo e de usura, as casas de penhores e os bancos!

Os bancos são os logares de perdição em que os paizes pobres e ambiciosos se arruinam trocando a sua pequena riqueza real por uma maior riqueza contingente e fictícia, abdicando o trabalho e creando o jogo, dando dinheiro e recebendo papeis.

A mocidade vive nas antecamaras do estado como os antigos poetas do seculo passado nas salas de jantar dos fidalgos ricos. Os velhos são agiotas ou servidores do estado. Os moços são bachareis e querem bacharelar ácerca da coisa publica e á custa da mesma coisa ácerca da qual bacharelam. Dizem-se republicanos, democratas, socialistas, fallam muito na organisação systematica do trabalho e nos destinos das classes laboriosas, mas não nos dão em si proprios o exemplo de que o primeiro dever de todo o cidadão que se quer prezar de democrata e de livre é elle proprio bastar para si mesmo, prover pela sua iniciativa a todas as suas necessidades, descentralisar-se, trabalhar só, viver de si, que é o unico meio de não ser explorado e de não explorar ninguem, affirmar-se finalmente na unica fórma da independencia poderosa e legitima, na unica dignidade verdadeira e segura—o trabalho pessoal e livre. A mocidade tem a mais elevada comprehensão dos destinos sociaes, da moral e da justiça. Unicamente a mocidade tem um defeito que ha de esterilisar a sua iniciativa: ella pensa, mas não trabalha. Assim, se pela sua razão ella caminha para a conquista ideal das coisas justas; pelas necessidades da vida ella fica fatalmente na orbita subalterna das simples coisas conquistadas. Antes de traçarmos o etinerario luminoso da nossa alma pelas espheras transcendentes, temos obrigação de aprender a sustentar a nossa besta na viagem. Proudhon tinha razão, mas tambem tinha um officio. E era depois de ganhar livremente o seu pão como typographo ou como caixeiro que elle ganhava livremente como philosopho e como critico as consciencias dos outros pela justiça.


A raça portugueza foi lentamente e surdamente corrompida pelo antigo despotismo monarchico, pela soberba intrepida e bulhenta dos fidalgos, pelo oiro das conquistas e principalmente pelo monasticismo. Fizemo-nos ociosos, vaidosos, pusilanimes, supersticiosos e fanaticos. A religião—mais clerical que divina—penetrando-nos completamente, dando-nos uma lei infallivel para a consciencia, prohibindo-nos pensar, assegurando-nos a bemaventurança com o facil remedio do arrependimento, lavando-nos de todos os crimes por meio da simples confissão d'elles, lançou-nos na inercia passiva a respeito do problema dos nossos destinos mais elevados. Ensinaram-nos a explicar a culpa pela tentação do demonio e a considerarmo-nos innocentes pela absolvição dos confessores. Com similhante theoria o dever e a responsabilidade desapparecem. A consciencia cae na immobilidade. As altas relações verdadeiramente religiosas do homem com Deus desapparecem na intervenção do clerigo que se encarrega de todas as accommodações com o céo. Quando um povo assim delega inteiramente nos seus padres o cuidado de salvarem por elle a eternidade da sua alma, como querem que esse povo tenha para dirigir o que é temporal e contingente o valor, a dignidade, o sentimento de responsabilidade e de iniciativa que não teve para guardar por si mesmo o que era divino e eterno? Quem não tem força para recusar o dominio da sua consciencia aos padres tambem a não póde ter para disputar a sua liberdade aos despotas. O fanatismo prostra.

Depois a alliança com que o clero tem estreitado a idéa do bem com a do interesse espiritual e com a do sentimentalismo religioso abastardéa a noção pura da justiça. Se Kant deu á moral o logar da verdadeira elevação que lhe compete dentro da alma humana, foi precisamente porque conseguiu separal-a do sentimento qua a enerva e do interesse que a rebaixa.


Os esforços que fizemos para conquistar a liberdade que hoje temos não bastaram para regenerar as nossas almas do aviltamento em que por muito tempo estiveram. Tinha-nos ficado, como um defeito nativo, a dobra servil. A nossa vocação expecial fôra por muitos annos—sermos victimas; faltaram-nos repentinamente os algozes, não aprendemos a ser mais nada, e ficamos n'uma desoccupação desconsolada e abatida. A guerra de que nos proveiu a constituição deu-nos apenas uma vitalidade febril e passageira. Logo que deixamos de discutir os principios da liberdade que então nos puzemos, não tornamos a fazer mais nada senão servir os interesses pessoaes e a ambição dos individuos.

Do regime que não temos sabido manter consistente e válido restam-nos apenas hoje os beneficios que elle, depois de corrompido, faculta ás mediocridades ambiciosas, ao patronato, á intriga, á pusilanimidade, á baixeza. Temos do constitucionalismo—esgotado—tudo o que elle tinha da mau na lia: a nobilitação dos parvenus, a falsa aristocracia, a falsa grandeza, a falsa virtude, o falso talento, o funccionalismo exuberante, a arrogancia burgueza, o reinado da usura, a ruina do trabalho, a sophismação dos principios, a decadencia da arte, a depravação do gosto, a queda dos caracteres e dos espiritos para o futil, para o ordinario, para o reles, para o chinfrim ... Vêde a camara dos deputados: não é só a precisão na idéa, a firmeza nos principios e a nobresa na palavra o que a ella lhe falta, falta-lhe tambem a dignidade do porte, faltam-lhe as maneiras, falta-lhe a toilette, e é quasi tão ridicula pelos seus discursos como pelas suas gravatas; sente-se a má companhia, revela-se o mauvais lieu no simples aspecto chulo dos Ciceros pimpões.

Sem os partidos fortes, unico motor capaz de imprimir um jogo tão regular ás engrenagens do regime constitucional como o que existe na Belgica e na Inglaterra, achamo-nos quasi no estado atomistico de Hegel, na desaggregação, em virtude da qual cada molecula social, entregue por sua desgraça á liberdade quasi absoluta, volteia ás cegas em busca de um novo centro de attracção. É a mesma situação em que ha pouco tempo ainda se achava a Hispanha e em que está ainda hoje a Italia. Na Italia porém a grande obra da unificação deu á vida nacional um forte impulso saudavel de energia patriotica. Portugal não esteve talvez nunca tão perto como hoje da pilha que o ha de estremecer e abalar.


O fallarmos tanto em republica depois que em Hispanha se aclamou a republica demonstra a leviandade de quem se preoccupa de escolher um nome de conducta no momento em que deveria antes pensar em descobrir uma norma de proceder. A republica hispanhola foi uma transformação necessaria, mas arriscada e perigosa. O que a prudencia nos aconselha é que nos preparemos para que a aproximação de uma transformação qualquer não seja para nós um irremediavel perigo.

Querem manter a ordem? Aqui teem um meio bem simples, bem pronto: Deixem immediatamente de manter os abusos.

Querem governar bem? Lembrem-se do que dizia Washington: A probidade é a melhor politica.

Sejam virtuosos os que não podem ser instruidos. A intelligencia só longamente se adquire, a virtude penetra-nos de pronto, porque a justiça é um axioma, é uma evidencia, não demanda estudos preleminares nem reflexões subsequentes, é o principio e é o fim de si mesma.

Catão, escrevendo a seu filho, definia assim o perfeito orador politico: Um homem de bem que sabe fallar. Ora quando se não possa ser inteiramente o ideal de Catão, ignore-se como se falla, mas saiba-se como se é homem de bem.

Ter, como alguns ou quasi todos os srs. deputados, uma opinião na camara e uma opinião differente nos corredores de S. Bento, ter ainda além d'isto uma opinião para o Chiado e outra para a cova em que se reune o partido,—isto não é digno nem honesto. Ter sobre um principio vital de governação ou de politica uma opinião firme, convicta, inabalavel, é possuir, ao mesmo tempo e por esse simples facto, a força com que essa opinião se deffende e se mantem. Não ter opinião ou ter uma opinião oscillante e mutavel é comprometter inteiramente os principios pela falta da virtude.

Porque sem a virtude não poderá nunca existir a democracia.

Em nenhum paiz do mundo os homens politicos são individualmente mais probos que em Portugal; em poucos paizes do mundo elles procedem publicamente de um modo mais adquado para deixar em duvida a consciencia que cada um tem do dever e da honra. Luiz Filippe era tambem um dos homens pessoalmente mais honrados que teem cingido uma corôa, e todavia poucos reis espalharam em volta do seu reinado mais elementos de corrupção. Foi d'esse bom homem que se creou a phrase proudhouniana de que elle dominou pelo despreso, assim como dominaram—Cesar e Bonaparte pela admiração, Sylla e Robespierre pelo terror.

Triste reinado aquelle em que o socego e a paz publica se baseam no desdem publico! Debaixo d'essa ataraxia superficial do povo está a gangrena e a dissolução latente do estado.

Quer-se a virtude publica, a virtude official, a virtude parlamentar, a virtude de Montesquieu, que é a mola indispensavel de todo o estado popular, e que consiste resumidamente em preferir—o dever á conveniencia, o direito á força, a justiça á popularidade e ao exito.

De sciencia basta a precisa para se entender que o verdadeiro interesse de todos reside no respeito da justiça para cada um, e que é n'essa comprehensão e n'esse culto da justiça que verdadeiramente se baseia a liberdade.

Lincoln, o maior homem que tem produzido a democracia não tinha estudos nem letras. Tinha apenas a fé. Acreditava na immortalidade da sua alma, acreditava em Deus e acreditava na justiça—a imagem immortal da perfeição absoluta. E tão pouco bastou para que esse obscuro plebeu entrasse na gloria, assignalando-se immortalmente com os dois maiores actos que a homem algum foi ainda permittido commetter—dar a liberdade aos negros e dar a paz á America.


Leitor amigo, se queres sinceramente contribuir nos teus meios para fortificar a tua patria, dá-lhe modestamente, na pequena orbita da tua influencia, entre os teus parentes e os teus amigos, aquillo que ella mais precisa de ter para sua defesa dentro da casa de cada cidadão; não se trata da força do teu braço, trata-se da rectidão do teu juizo: sê prudente e justo.

No caminho em que nos puzeram aquelles por quem nos temos deixado conduzir nós não vamos livremente para a escolha da fórma de um governo livre; vamos submissamente para a sujeição voluntaria dos dominios despoticos. Para que esses poderes nos subjuguem, basta simplesmente que nos invada a anarchia que nos está batendo á porta. Na perturbação geral, no conflicto, no perigo da fazenda e da vida, o egoismo sacrificará sem nenhuma disputa a liberdade. Porque a liberdade, por mais bella que ella seja, é na existencia uma circumstancia; a ordem é a condição essencial—intrinseca—da vida, a garantia do trabalho e a segurança do pão. Quem poderá calcular o numero de liberdades que nós sacrificaremos á ordem no momento em que a desordem começar a facultar-nos o direito ao governo, com a suppressão do direito ao jantar?... É das profundidades demagogicas que saem sempre á periferia social os tyrannos. Já Aristoteles dizia que o despota começa no demagogo; assim nasceram Pisistrato em Athenas, Dinys em Siracusa, Theagenes em Megara.

O nosso profundo mal está na nossa profunda indifferença. Aos que ignoram os perigos d'esta enfermidade social lembraremos que quando Napoleão desembarcou no golpho Juan não foi a força dos que o defendiam que o reconduziu ao throno, foi a inercia dos que o não atacaram.

Ora as apathias, querido leitor sensato, curam-se pelos regimes constituintes. Os meios revulsivos aggravam a prostração e produzem o desfallecimento e a morte.

Quando o principio vital da auctoridade se acha ameaçado sob a sua forma politica—no governo—, a primeira obrigação do povo é manter esse principio sob a sua forma philosophica—na razão.


O exercito portuguez acaba de ser dotado com um melhoramento que o colloca nas condições de rivalisar vantajosamente com as forças mais intelligentemente armadas e equipadas da Europa....

A cavallaria da guarda municipal de Lisboa trocou os antigos estribos de ferro por estribos de sola, inteiros, cobertos, agasalhados, verdadeiros gabinetes de repouso suspensos de uns loros—coisa tão confortavel que as familias que teem d'estes estribos dispensam-se de ter fogão, e depois de jantar, no inverno, quando a neve cae, essas familias vão ler o jornal e tomar o café—para os estribos.

O acto de profunda estrategia e alto valor militar de que procedeu acharem-se os nossos guerreiros dotados com estribos de sola torna-os desde hoje e para todo sempre invenciveis.

Porque até aqui havia uma consideração que impallidecia os espiritos dos mais denodados homens de guerra, dos mais corajosos e valentes soldados: é que, no ardor das pelejas, quando no campo da batalha a artilheria varria os esquadrões e os corseis offegantes, relinchando, com o pello hirto e os ilhaes rasgados pelas esporas, galopavam freneticamente para o fogo dos quadrados e para as barreiras metalicas, scintillantes e asperas das baionetas, se por fatalidade chovia, aos nossos soldados acontecia então esta catastrophe pavorosa—molhavam os pés!

De modo que, de repente, era mister arvorar nos bastiões a bandeira branca, os esquadrões recuavam a trote largo, os chapéos de chuva abriam-se, os cartuchos das pastilhas Regnauld e dos rebuçados de avenca saiam das ambulancias, um parlamentario ia para o inimigo, e nós pediamos treguas de algumas horas para que a nossa cavallaria—mudasse de piugas.


Agora não. Agora, com os novos estribos de sola, podemos estar certos de que, para todos os effeitos do valor, da disciplina militar, da arte e do amor da guerra, a nossa cavallaria poderá sempre contar com este infallivel penhor do cumprimento do dever e do despreso da vida—ter os pés quentes!

Sómente pede a equidade que, uma vez que a cavallaria tem estribos de sola, a infanteria seja egualmente dotada—com galochas de borracha.

Depois do que,—adoptadas estas disposições tão temerosas e aguerridas e estabelecido em campanha o uso terrivel das palmilhas impremiaveis, do sapato de ourello e do cobertor de papa—tendo o exercito os seus pés quentes diffinitivamente garantidos pelas instituições—elle será feroz!


Foi submettido á votação da camara dos srs. deputados a seguinte moção de ordem apresentada pelo sr. Barros e Cunha, deputado por Silves, ao qual no passado numero das Farpas chamámos erradamente deputado por Tavira.

Que nos perdôe s.ex.ª—e Tavira!

Eis a moção:

«A camara dos deputados affirma que são inabalaveis no povo portuguez os sentimentos de amor ás instituições liberaes, de respeito e affeição á dynastia constitucional, e que a nação fará os ultimos sacrificios para manter a independencia do reino contra quaesquer perigos que possam ameaçal-a, e passa á ordem do dia.»

Procedendo-se em seguida a uma votação nominal disseram approvo todos os srs. deputados.


O sr. Barros e Cunha tinha motivado a sua moção com esta phrase:

«Parece-me conveniente que nos pontos da Europa aonde tenha chegado a noticia de que n'esta terra houve uma conspiração tremenda contra a sua independencia, possa haver a certeza de que a representação nacional está ao lado d'essa independencia, da ordem e da dynastia constitucional.»

Ora como o sr. Barros e Cunha entende e a camara approva que o simples juramento de fidelidade prestado pelos srs. deputados bem como a alta qualificação procedente do seu mandato não são bastante parte para garantir nos differentes pontos da Europa a incumplicidade de suas ex.'as nos crimes commettidos no paiz, achamos bom que o mesmo sr. Barros e Cunha repita e faça votar a sua moção a cada delicto novo que apparecer.

E só assim suas excellencias se poderão considerar regosijadoramente illibados.


Logo na sessão immediata áquella em que foi approvada a moção a que nos referimos, declarou o deputado sr. Francisco de Albuquerque «que tinha desapparecido das estações officiaes, sem que se podesse saber do seu destino o espolio de José Antonio, criado de servir, fallecido em Lisboa ha dois annos.»

Depois de tão grave accusação levantada no mesmo seio do parlamento, não tendo nem o sr. presidente nem o governo restituido immediatamente ao queixoso o espolio de José Antonio, ou nós não entendemos bem o espirito da moção do sr. Barros e Cunha ou era outra vez o momento de sua ex.ª illucidar os pontos da Europa sob a sua innocencia e a dos seus collegas, mandando para a mesa a seguinte moção:

«A camara dos deputados affirma que não foi ella que furtou o espolio do criado de servir José Antonio, porque ella tem muito menos amor aos espolios dos criados do que ás instituições liberaes, á monarchia e á independencia, e passa á ordem do dia.»

Porque o sr. Barros e Cunha abriu este precedente:

Que á dignidade da camara cumpre justificar-se perante certos pontos da Europa dos crimes que não praticou, assoar-se, e passar á ordem do dia.


Mais declarou o dito sr. Francisco de Albuquerque «que na estrada de Gouvêa a Mangualde falta a parte que se comprehende entre a ponte de Palhés e a villa de Mangualde.»

Projecto de moção offerecido ao sr. Barros e Cunha:

«A camara, tendo mostrado os forros das algibeiras e tendo-se desabotoado para evidenciar que se não apropriou da estada de Mangualde, passa á ordem do dia—e a abotoar-se.»


Entre as moções que propômos e aquella que o sr. Barros e Cunha adoptou ha apenas uma differença: é que as nossas, posto o principio de sua ex.ª, são logicas, são racionaes, baseam-se na verdade, referem-se a crimes cujos reus se não conhecem e em que a camara é innocente: por tanto a justificação é cabida. A do sr. Barros e Cunha refere-se a crimes, cujos cumplices estão processados—d'aqui, inutil—e affirma o que não é—pelo que: falsa. Logo é uma justificação absurda.


Affirma a dita moção o que não é: vamos demonstral-o. O sr. Barros e Cunha e a camara asseguram que são inabalaveis no povo portuguez os sentimentos de amor ás instituições, de respeito e affeição á dynastia.

No entanto por outro lado o mesmo sr. Barros e Cunha e a camara affirmam que o povo conspira e que suas excellencias mesmo teem conspirado—não certamente em favor das instituições vigentes nem da dynastia reinante.

O sr. Barros e Cunha disse textualmente, poucos dias depois da sua moção:

«Eu vou fazer uma confissão á camara; eu sinceramente acredito em tentativas permanentes contra a independencia do paiz, contra as instituições e contra a dynastia ... Esses perigos não posso occultar á camara que existem ... Extranho que o poder moderador não convocasse a camara ... pelo duplo perigo que podia correr a dynastia, a liberdade e as instituições.»

Ora é este paiz, em que a dynastia, a liberdade e as instituições correm perigo, em que são permanentes as tentativas contra a independencia, contra as instituições e contra a monarchia, que a camara assegura ser inabalavel nos seus sentimentos de amor ás instituições, de respeito e affeição á dynastia!

O partido reformista affirma que quando era poder luctava contra conspirações continuadas.

O partido historico caiu victima de uma conspiração.

O partido regenerador abafa uma conspiração. O sr. Teixeira de Vasconcellos disse ha dias: «N'este ponto (as conspirações) chegou-se ao mais a que se podia chegar

Effectivamente, depois de tudo isto, chegou-se a este ponto: de todos os partidos se reunirem e votarem unanimemente—que ninguem conspira!


Sublime patria! vae, prosegue magestosa e olympica no teu destino luminoso! Nada mais te queremos. Detivemos-te apenas para isto, para te espetar, aqui assim, por cima, no alto da cuia, como um gancho, o sr. Barros e Cunha. Sobre a fronte das figuras immortaes costumam os artistas collocar uma estrella; sobre a tua cabeça, ó patria, o sr. Barros e Cunha, assim fixado como um symbolo, lembrará aos vindouros a pombinha branca, de assucar—tão casta!—das lampreias d'ovos.


Esta manhã Lisboa vestida do mais rigoroso lucto via passar um cortejo funebre. O povo estava em alas nas ruas. As janellas cheias de senhoras. Toda a gente conservava o chapéo na cabeça. Conversava-se, ria-se, faziam-se grandes gestos, havia mesmo um movimento desusado de conversação, de interesse e de verve. Os officiaes cumprimentavam as senhoras com o sorriso e com a espada. Os soldados conversavam com o povo. E, de parte a parte, tomando-se para assumpto o enterro, trocavam-se ponderações alegres, chistosas, grivoises, entre os que estavam com os cigarros nos beiços e os que passavam com as armas em funeral.

Ao mesmo tempo, em um coche puxado por oito cavallos e coberto com um longo panno preto, precedido de outro coche em que era levada a corôa imperial envolta em crepe, dizem que ía indo para a derradeira morada, entre as musicas funebres dos regimentos em fórma e os chistes das multidões indifferentes, o cadaver da senhora duqueza de Bragança.

Dizia-se fallando-se d'ella:

«Deixou pouco.»

«Que fez ella ao que tinha?»

«Que miseravel! que mesquinha!»

E um jornal catholico escreveu:

«O testamento da senhora duqueza de Bragança lembra a sorte grande em cautellas de vinte e cinco.»

Nós pensámos então nas distincções da stirpe e do sangue que fazem os homens deseguaes.

Entre nós, os plebeus, quando as nossas mães deixam de existir, nós acompanhamol-as á sepultura, silenciosos e recolhidos, lembrando-nos um pouco dos carinhos que lhes merecemos, dos dôces conselhos que ellas nos deram, das boas palavras desinteressadas e amigas que lhes escutamos.

Nas nossas aldeias, quando ao fim da tarde um enterro passa nos campos, levado por quatro homens, seguido do prior com sobrepeliz, atravessando silenciosamente as cearas, e fazendo dobrar as espigas dos trigos e as flôres encarnadas das papoulas que salpicam as messes, as raparigas que passam ajoelham-se e persignam-se e os trabalhadores tiram o chapéo, suspendem o trabalho e pensam um momento n'aquelle para quem principiou o descanço eterno.

E se alguem se ri das mulheres que nós levamos á sepultura, consideramos que esses insultam a memoria d'aquelles que nós amamos, e punimos por nossas proprias mãos esse aggravo, punimol-o a varapau nas encrusilhadas, á faca nas esquinas das ruas, e á espada nos duellos.

As imperatrizes—coitadas!—teem de resignar-se á sua triste condição de imperatrizes: passar a vida entre gente mediocre, mercenaria, interesseira, aduladora e estupida; passar na morte entre as alas ostentosas de curiosos e mal creados. Vivas, ellas teem a sua liberdade de entes racionaes e os seus affectos e dedicações de mulher escravisados á formalidade, á etiqueta, ás praxes; moribundas cerca-as ainda a pompa que estabelece um diapasão ao arranco, uma melodia ao soluço e um gesto nobre ás agonias; e finalmente nem depois de mortas lhes é dado esperar que se lhes respeite o direito, para qualquer outro ente indiscutivel, de legarem como quizerem e a quem quizerem o seu triste dinheiro, o qual nenhum de nós quereria ter ganhado em similhantes condições e com eguaes amarguras!

Parece-nos que é levar um pouco longe de mais a modestia democratica o suppôrmo-nos tão pouca coisa, que aquelles que reinaram tenham que descer tanto para que os consideremos nossos eguaes! É crear uma nova gerarchia para os soberanos o estabelecer que perante o respeito que devemos a todos os nossos similhantes que morrem, os principes tenham de considerar-se menos que quaesquer outros.


É certo que o Diario do Governo ordenou que tomassemos luto de dois mezes pela princesa fallecida. Como porém quando chegar a nossa vez de sermos levados para o cemiterio, nos custará admittir que a circumstancia de consagrar umas calças pretas á nossa morte auctorise alguem a imprimir chocarrices ácerca das nossas ultimas vontades, nós proporiamos antes, como tributo ao fallecimento da senhora duqueza de Bragança, que nos revestissemos um pouco menos de luto pela princesa illustre que desappareceu da lista civil, e um pouco mais de respeito pela mulher digna e virtuosa que morreu.


Por occasião dos disturbios populares com que a resistencia aos impostos perturbou a ordem em Tavira, o commandante da força armada, chamado a reprimir a desordem, sendo desobedecido e insultado pela multidão insurgida, carregou os revoltosos, resultando ficarem alguns d'estes feridos e dois mortos.

Ora com as revoltas portuguezas estava estabelecido pelo uso, pelo programma, pela mesma natureza d'ellas, que não morria ninguem, que ninguem era ferido.

Em todos os grandes ajuntamentos é vulgar moverem-se disputas, levantarem-se resistencias, fazerem-se ameaças e trocarem-se mesmo algumas bengaladas. Succede isto em toda a parte, nos toiros, nos bailes de mascaras, nos theatros, nos circos, nos fogos de artificio, nas illuminações publicas e até nas egrejas. Só onde nunca similhante coisa acontecia era nas revoltas! Nas revoltas tudo era contentamento, satisfação e paz! A bem conhecida e temerosa idra da anarchia era recebida em Portugal como uma d'essas doces e benevolas pessoas de cujos sorrisos se suspendem as promessas dos salões confortaveis, dos verdes jardins balsamicos, das alegres partidas da croquet e do bom chá preto. Quando ás multidões portuguezas se annuncia «s.ex.ª a idra», as multidões portuguezas abrem alas, sorrindo, e a anarchia comprimentando a um e outro lado, agitando o leque, mergulhando-se na roda do vestido para fazer mesuras, passa, para ir lançar o grito de sedição—ao piano.

Ora como as coisas em Tavira se não passaram precisamente por este modo usual, que fez o illustre o pacifico sr. delegado do ministerio publico perante o procedimento extranho do commandante da força armada, que desembainhara a sua espada e carregara ingenuamente a revolta? O sr. delegado querelou do commandante da força armada. Querelou por que delicto? «Por abuso de defesa».

Oh! esta phrase do ministerio publico é boa, é bem symptomatica, é caracteristica, é genial! Um militar incumbido de manter a ordem, tendo atacado a desordem, querelado pelo ministerio publico—por abuso de defeza.


Pois que! Julgava então o exercito que o estado lhe dava as suas clavinas, as suas bayonetas e os seus sabres para que elle, uma vez armado, se servisse das armas! Não! nunca! Defenda-se, mas não abuse. Defenda-se, mas não arme as bayonetas nem carregue as espingardas, nem desembainhe as espadas. Defenda-se, simplesmente, como a delicadesa o pede, como o pede o brio, o valor, a disciplina militar: contemporisando, levando-nos por bem, lisongeando-nos, distraindo-nos. Quantas vezes a gente se revolta por spleen, por tedio, por vapores, por sympathias gastricas! Quantas vezes não dizemos nós pela manhã, espreguiçando-nos e mostrando ao espelho uma lingua ensaburrada: «Meu Deus, que farei hoje? irei almoçar com Dolores, cortarei a cabeça ao rei, ou tomarei bismutho?» E assim é que frequentemente faz a gente barricadas por não ter mais nada que fazer. Por tanto que n'estes momentos o exercito procure distrahir o povo enfastiado; que lhe toque musicas, que lhe recite versos, que lhe mostre photographias, que lhe diga assim:—«A proposito; se fossemos tomar bither? ou se comessemos uma enxova com um copo de cognac para nos raspar o esophago? Anda! vem d'ahi, bom povo, jogaremos os dominós!»

E se o povo ainda assim resistir—diacho ... então, que o exercito fuja!

Mas se foge, o conselho de guerra fuzila-o ...

Mas se não foge, o ministerio publico querela-o ...

Por consequencia o melhor de tudo é que o exercito tome uma deliberação energica e heroica: Que o exercito se vá deitar! Não ha impedimento nenhum para isto. Sim, podes ir deitar-te, ó exercito. Adeus. Boa noite. Melicio vela!


A camara dos dignos deputados, não tendo tido em nenhuma questão politica interna nem uma theoria, nem uma idéa, nem um dito, nem um gesto sequer, que accusasse a intelligencia, o espirito, a penetração, a vivacidade, resolveu aproveitar um incidente da politica extrangeira para provar ao paiz que não estava no periodo imbecil dos amolecimentos de cerebro, e, referindo-se á abdicação do rei Amadeu, a camara, por meio de um esforço extraordinario, botou ao mundo—uma figura de rhetorica. Depois do quê, o mundo, sensibilisado com tamanho dispendio de força, teve pela sua parte vontade de botar á camara—uma funda.


Consta que todos os partidos se alliaram para tão alta manifestação patriotica. Todos entenderam que importava apoiar sem restricções o governo n'esta importantissima questão physiologica. Antes mesmo de entrar na grave questão da fazenda a camara achou pois indispensavel provar ao paiz ao cabo de um mez de trabalhos parlamentares este phenomeno previo: que ella não era demente. Produziram-se varios alvitres tendentes a dar ao publico o convencimento cabal d'essa verdade obscura. Occorreu: advinhar uma charada, conjugar um verbo, ouvir o sr. Melicio ácerca da immortalidade da alma ou obrigar o sr. Barros e Cunha em nome do credito das instituições a dizer a taboada. Por fim preferiu-se na vasta região do saber humano o campo da rhetorica, e resolveu-se fazer estalar uma figura.

O dia do grande espectaculo, da terrivel prova chegou. As galerias encheram-se. O aspecto da camara era recolhido e solemne: ella estava sentada nos seus logares, tinha a mão mettida na abertura do collete e a barba feita. Havia um silencio palpitante e commovido. Então um sr. deputado, com voz pausada e firme disse:

«Sr. presidente chegou esta manhã a Lisboa, depois de ter espontaneamente e livremente abdicado a corôa do visinho reino, aquelle a quem verdadeiramente podemos chamar ...»

Era o momento! ia partir a figura! O orador deteve-se um instante, bamboou a cabeça, puxou o catarrho das commoções supremas, tomou na bocca um golo de agua, e fincando o queixo no peito recolheu-se por um momento com a figura e com o bochecho para dentro da sua gravata. A multidão immovel escutava. O silencio era tal que se ouvia crescerem os tortulhos na lama das botas do sr. Arrobas, repentinamente aquecidas por um raio de enthusiasmo fecundo e creador!

O orador, immergindo de dentro da gravata e proseguindo—«Aquelle a quem verdadeiramente podemos chamar»—O sol no occaso! (Prolongados apoiados de todos os lados da camara e do banco dos srs. ministros. Vozes: Muito bem! muito bem!)


Tal foi a notavel figura oratoria que a camara resolveu dar á luz na presente legislatura como testemunho insuspeito e irrecusavel dos altos quilates do seu espirito e da comprehensão profunda em que ella se acha das terriveis e mysteriosas relações que podem prender no terreno da eloquencia parlamentar a queda dos reis e os phenomenos meteorologicos.

Sim, ó principe infeliz e sympathico, cavalleiro e bravo, que acabas de provar ao mundo que, a respeito da tua vida, sabes egualmente arriscal-a e dirigil-a; que allias singularmente o valor e o senso commum.... O valor com que entraste na Hispanha, alegre, destemida e vermelha, como a capa que palpita á viração do circo, encobrindo uma espada, no braço nervoso e astuto de um toureiro ... O senso commum com que finalmente trocaste a Hispanha irrequieta e fremente pelos tepidos vales da tua patria, nos suburbios tranquillos de Sorrento e de Almafi, á beira dos golphos innundados de azul ...

Sim, ó principe, aprende n'essa figura rhetorica que Portugal te envia, a affinidade estreita que une para identicos destinos os codigos das monarchias e as folhinhas de algibeira! Tu que abdicaste, o que és tu? Escuta-o, ó principe! Tu és—o sol no occaso. Teu augusto avô, que tambem abdicou, é o chefe d'essa dynastia planetaria; teu avô é Sol no occaso I; tu és Sol no occaso II; teu filho primogenito é sua alteza Sol no occaso presumptivo. Que em sua altissima guarda vos tenham os deuses immortaes, os deuses—guarda-soes! Que tão augusta dynastia se prolongue por muitos e dilatados annos, até que a posteridade possa ainda reconhecer e honrar o mui alto o poderoso Sol no occaso XIX, por feliz antonomasia ditada pelo refrigerio dos povos O entre nuvens com brisa fresca!


Tal foi o effeito de religioso acatamento que a desencerração do tão vehemente quanto audacioso e brilhante tropo produziu no animo de toda a camara, que nenhum dos oradores que se occuparam no parlamento da ultima evolução politica da Hispanha tornou a dar ao rei abdicado outro nome que não fosse esse. Sómente: como a vivida imaginação, como a fervida phantasia peninsular de cada um, conseguiu retocar por variegadas côres proprias tão engenhosa imagem! Assim vemos que durante a sessão a que nos referimos, sua alteza o principe Amadeu foi consecutivamente modificado em sua nativa e originaria designação pelas maneiras seguintes:

Sol no occaso ... como ha bem pouco disse n'esta casa uma eloquente e inspirada voz!

Sol no occaso ... qual lhe chamou momentos ha no recinto d'esta erudicta assembléa, labio tão selecto como attico!

Sol no occaso ... só me é licito empregar a phrase penetrante que não ha muito ouvi cair ali assim da bocca do disserto orador, meu illustre amigo! (indicando o sr. Barros e Cunha).

Sol no occaso ... segundo calorosa e convictamente aqui tem sido dito por todas as boccas excepto pela do fecundo e espontaneo orador, meu immortal amigo, o sr. Jayme Moniz!

(O sr. Jayme Moniz erguendo-se, collocando uma mão sobre o coração e estendendo a outra energicamente no espaço, profere um inspirado monosylabo, que não foi ouvido na mesa dos tachigraphos).

Sol no occaso ... direi pela segunda vez, se a camara permitte que comecemos a repetir aquillo que todos e cada um dos oradores teem já ...

(Muitas vozes: Repita-se! repita-se! O sr. presidente: Deu a hora. Vozes: Muito bem! muito bem! Todos os oradores se cumprimentam uns aos outros. O jubilo é geral. O sr. Barros e Cunha, dando para a meza alguns d'aquelles passos que antigamente eram um menuete da corte e que hoje são o andar de s.ex.ª, tira o Times do bolso e vão fallar, uma idéa porém lhe occorre, elle detem-se, toma rapidamente notas para uma interpellação; seus pequenos olhos, contentes por saberem fingir-se malignos, rebolem; e o ministerio, pallido, treme olhando Barros, emquanto sobre o craneo d'este, eburneo e lustroso como o castão de uma badine, os derradeiros raios do sol atravessando as gelosias desenham luminosamente—uma pauta. O sr. Arrobas, festivo, vae a pôr na cabeça a mesa da presidencia, julgando-a o seu chapeu. O sr. Lobo d'Avila, muito commovido chora no seio do seu ex-correligionario politico e sempre amigo fiel, Melicio—o fagueiro. E o sympathico sr. padre Boavida desapparece como um relampago, levado da sala em triumpho, ao collo de um desconhecido).


Áquelle que jurou assassinar-me

Meu senhor—Tendo recebido do Rio de Janeiro, pelo ultimo paquete, a sua obsequiosa carta, o sendo ella anonyma, tomo a liberdade de lhe dirigir a minha resposta por meio d'estas obscuras paginas, as quaes vejo com prazer que merecem ao meu amigo a benevolencia de as ler. Como não posso fixar por outro modo a pessoa a quem tenho a honra de me dirigir, consinta que eu transcreva a parte mais importante das suas presadas regras. Eu respondo á pessoa que me escreveu isto:

«Tiveste a ousadia de insultar com tuas estupidas Farpas o monarcha sobre cuja cabeça repousa a corôa immaculada do imperio da Santa Cruz? Tu tiveste essa ousadia, gallego, pois bem juro-te que no dia...... de ...... d'este anno 1873 hei de comparecer em tua casa ás dez horas da manhã e ahi far-te-hei saltar os miolos com uma bala. Espera-me, não fujas, que é desnecessário! Has de cair em meu poder mais tarde ou mais cedo, embora para isso consuma toda a minha fortuna.»

Omitto n'este extracto o dia e o mez—os quaes o meu amigo fixa com a mais amavel pontualidade—porque, sendo um negocio inteiramente particular o da pequena operação que se me projecta fazer, julgo indiscreto que a policia se lembre de o vir testemunhar; basta-nos um desenhista que esboce a scena para os jornaes illustrados que houverem de occupar-se do caso.

Chegada a hora que se me aprasa para o fim da minha vida, é bem claro que entre: nós ambos, se não poderão trocar explicações previas ... Porque, comprehende bem, que se o meu caro commettesse a inconveniencia de me repintar prolixamente todos os pormenores do modo como projecta pregar-me o cerebro n'um muro, eu poderia não achar de um prazer divino o passeio patriitico da sua bala atravez do meu craneo, e em summa, n'um momento irreflectido, nervoso, animal, de instincto, cortar a questão atirando com o meu amigo do alto do meu terceiro andar á rua.

Releve-me portanto que lhe escreva algumas das coisas que sentiria não poder referir-lhe no momento da nossa futura entrevista. O prazo que me assignala, se por um lado o podemos considerar curto como limite para viver; é felizmente assás longo como tempo para conversar.

Meu amigo—Sem falsa modestia e sem fingida humildade, francamente, sinceramente, eis aqui a respeito da morte que me promette a minha opinião:

Eu não mereço o fim apparatoso e dramatico preparado ao meu pequeno e obscuro destino sobre a face da terra. Sem que eu seja absolutamente de uma mysantropia que obscureça a fama de Young ou que faça uma concorrencia perigosa á reputação de Job, ainda assim por entre as convidas e cordiaes risadas que me inspiram os parvos, confesso-lhe que me não entreluz a vida tão iriada de côr de rosa e de azul, que o meu empenho do a gozar por mais algum anno obrigue uma pessoa, tão rica como o meu amigo denota ser, a consumir a sua fortuna toda á espera do momento em que eu me ache resolvido a arriscar-me pelo prazer de conhecer a amavel pessoa que me procura. Ha de até produzir admiração no Brazil—onde custa tudo tão caro!—o barato que ha de sair ao meu amigo o seu encontro comigo. A modicidade do meu preço chega a este ponto de barateza que nem costumo levar nada—por me achar em casa!

Resisto á morte unicamente por duas razões, das quaes a segunda é que me apraz a lucta; resisto-lhe, mas não lhe fujo, porque é meu parecer que a vida não vale os incommodos afflictivos que todas as retiradas trazem ordinariamente comsigo.

Ora, deste modo, uma vez admittida a morte como o termo logico e fatal da vida, a bala fecha tão concisamente um destino como o ponto final fecha o discurso.

Demais conveiu-se n'esta falsa opinião, toda favoravel á memoria dos assassinados: que só ás victimas do homicidio se concede o prestigio com que se premeiam os martyres, e que só temos por assassinados aquelles que entram na posteridade pelo bello portico por onde desappareceram, violentamente mortos pelos tiros ou pelas punhaladas, o politico Lincoln e o jornalista Courrier.

Ninguem commemora nos registos brilhantes do martyrio aquellas que, dentro da sua mina, emquanto cá fóra uma bala amiga fixava o encephalo de outros mais felizes n'uma luminosa pagina de historia, succumbiam obscuramente de desalento ou de cansaço na galeria tenebrosa dos trabalhos forçados da imaginação e da intelligencia!

Ai! não é unicamente por meio de um golpe de punhal applicado ao coração, ou por meio de um tiro disparado n'um ouvido, que podemos mandar um homem para o tumulo. Quantos para lá vão caminhando, menos pallidos que Antony, menos desgrenhados que o principe Hamlet,—tão correctos que parecem philosophos ou tão pobres que parecem felizes,—irremissivelmente deportados da vida pelos decretos surdos e implacaveis da desgraça!

No fim de contas, sem monopolisarmos em favor do ninguem o interesse que inspiram os destinos dramaticos, quem é que não tem o seu mal, o mal que o ha de matar, burguezmente levado mais ou menos sobre o coração, como uma carta de amor, como um memorial, como um bilhete da loteria?!

Quer que lhe diga tudo? Ha certo tempo que eu me não sentia completamente bem. De quando em quando, de repente, enrouquecia, affrontava-me a digestão, tinha palpitações, tinha o pulso nervoso, sentia a displicencia, a melancholia.

Antes de ter a sua carta, sabe o que eu suppunha que tinha?...

Vermes!

O meu amigo apparece-me do Brazil como uma revelação pathologica. A sua existencia risca inteiramente das minhas apprehensões a suspeita que eu começava a nutrir—de uma solitaria. Sei agora, com aquella viva alegria com que a gente acompanha a explicação achada aos grandes mysterios aziaticos, que o que eu tenho é—o meu amigo. Considero-o já como uma parte integrante e interessantissima da minha economia. Trago-o comigo como um abcesso, levo-o para toda a parte como um defluxo. O meu amigo é a minha enfermidade incuravel, é a minha morte para d'aqui a poucos mezes, e todavia—como é commodo isto!—o meu amigo não me obriga a tossir, nem a gargarejar, nem a trazer a uma bota cortada com dois golpes em cruz, nem usar uma bambinella sobre um olho. Como o meu amigo é leve! Não me doe, não me affronta, não me dá crescimentos, nem vertigens, nem gazes, nem rugidos, nem picadas lancinantes no ventre!

Não o lanceto, não o espremo, não o aparo, não lhe propino o pronto allivio nem lhe ministro aguas de Vidago!

E por fim morro, acabo exactamente como qualquer outro, retiro do mundo o pequeno material que fornecia á critica, á maledicencia, ao despeito de muitos que me odeiam e á estima talvez de alguns poucos que por ventura me amam ... vou descansar para debaixo dos cyprestes—bastante para debaixo! e depois de ter repartido o meu espirito com os homens, que me mandaram embora, repartirei o meu corpo com os bons bichos da terra, que me não expulsarão nunca—elles!—da sua convivencia gulosa, mas discreta.

A unica differença entre mim e a grande maioria dos que morrem será—que elles terão soffrido os tramites lentos e dolorosos das enfermidades mortaes, uns terão tido um tumor no cerebro, um amolecimento na espinha, um scirrho no estomago; eu terei apenas tido—o meu amigo! o meu amigo que até o momento da crise final se patenteará levissimamente, com o caracter mais benigno porque se pode manifestar um amigo:—ausente!

Espalhada a noticia da minha morte, os benevolos rumores sympathicos zumbirão como doiradas abelhas sobre a minha memoria.

—Coitado! ainda hontem o vi passar com umas luvas amarellas!

—Sabem ... era aquelle com quem nós embirravamos ...

—O que trazia o bigode assim?...

—Esse mesmo!

—Pois, senhor, tenho pena! Dá-me cá lume ...

E algumas outras coisas doces e impereciveis.

E do meu amigo dirão apenas:

«A fera, tendo bebido o sangue da victima, retirou-se.»

Não, o bello papel que me destina no drama que imaginou nunca lh'o agradecerei bastante! Unicamente o ser immolado áquillo que o meu amigo tão eloquentemente chama a corôa immaculada do imperio de Santa Cruz, isso apenas, é que me parece um tanto violento. Quando Sua Magestade Imperial esteve em Lisboa pediu varias cabeças de porco, mas não me consta que entre essas cabeças Sua Magestade tivesse especialisado designadamente a minha ... Ora, se Sua Magestade se não pronunciou agora directamente a meu respeito, o meu amigo é talvez demasiado solicito com os appetites do principe, servindo-me ao imperial banquete—com feijão branco.


Na camara dos pares alguns prelados da egreja portugueza convidaram com encarecidas instancias o governo a alargar as missões no ultramar, promovendo a fundação de seminários de instrucção ecclesiastica, onde os soldados de Jesus possam adestrar-se no uso do gladio chammejante e civilisador com que se vence para a fé o gentio ignorante e idolatra.

Sem desapprovarmos os meios propostos pelos dignos prelados para o fim de recolher ao aprisco as ovelhas tresmalhadas do armento christão, perguntaremos apenas se a salvação das almas rudes espalhadas pelos sertões dos dominios portugueses não lucraria tambem alguma coisa em que os dignos prelados, despachados para aquellas possessões fossem occupar nas suas dioceses os unicos logares que convém á missão edificante e redemptora dos representantes de Christo o dos alumnos de Paulo. Porque, emfim, não será precisamente porque suas excellencias passeiam no velho mundo sceptico uma pequena cruz suspensa de um cordão verde, nem porque na camara dos pares do reino suas excellencias lavram finamente algumas figuras de rhetorica sentimental e lacrimosa, que alguns pobres negros selvagens, confiados aos cuidados espirituaes de suas excellenecas, encontrarão nas nossas dioceses devolutas quem os console e quem os instrua. Que por tanto nos queiram permittir os senhores prelados do ultramar, oradores em S. Bento, que, propondo-nos nós dar á eloquencia de suas excellencias o seu natural e legitimo destino, lhes digamos—com o vate:

Aos infieis, senhores, aos infieis!


D'entre as palavras ultimamente proferidas nos debates parlamentares resalta com o relevo poderoso com que se accusam as fortes individualidades uma phrase singularmente cortante, rispida, sincera do ministro do reino.

O sr. Antonio Rodrigues Sampaio, offerecendo á camara, do seu logar de ministro da corôa um volume do Espectro, disse «que se honrava mais de ter feito aquelle livro do que de sentar-se n'aquelle logar, e que, se a camara achasse as duas coisas incompativeis, elle abandonaria a sua pasta para ir adoptar o seu livro.»

O sr. Sampaio, actual ministro do reino, tem sido ultimamente muito mais aggredido na camara e na imprensa pelo seu antigo denodo de democrata e pela sua verve de pamphletario, do que pelos seus erros e desmandos de membro do actual gabinete.

É facil guerra a que se faz a um escriptor no momento traiçoeiro em que elle não dispõe nem da sua liberdade nem da sua penna para as represalias terriveis do talento injuriado. Não ha nada mais commodo para as pessoas fracas ou ineptas do que acharem opportunidade de poderem determinar como um crime a iniciativa dos fortes. A incapacidade colloca-se assim na logica que leva a consideral-a—pelos effeitos passivos da sua inanidade—como uma especie de virtude.

O processo d'aquelle que por uma causa qualquer—boa ou má, justa ou iniqua—arriscou a sua vida em cima de uma barricada, não póde todavia ser instaurado assim, pelas toupeiras que estavam inuteis e tremulas no fundo dos seus buracos emquanto o accusado, combatendo, fazia estremecer o chão.

Elle injuriou a rainha? Pois seja assim. Injuriar uma rainha, quando ella tem na sua maxima força o poder e o mando, quando ella tem a ordem guardada pelas baionetas dos seus regimentos em armas, injurial-a em um papel publico, quando na praça publica estão carregadas as espingardas que cobriram a «lei das rolhas», injuriar, então, era servir uma idéa, era fazer uma resistencia e era cumprir um sacrificio.

Fallam-nos na honra inviolavel da mulher honrada. Mas perdão ... Quantas mulheres honradas teem sido diffamadas na impunidade das confidencias amigaveis, com a hypocrisia das reticencias, com a fatuidade dos sorrisos, com a malevolencia das allusões?

Quantas reputações puras teem alguns demolido pelos effeitos corrosivos de uma nodoa, que ficou para sempre indelevel, e que elles, a rir, entre amigos, fumando um carrajal, no Aterro ou no Chiado, cuspiram desenfadadamente sobre a honra de uma mulher que passava?!

Vamos, com franqueza, meus dignos, meus graves senhores: não é verdade que muitas vezes teem os senhores mesmos feito esta acção torpe e covarde, não declarando-a n'um livro, lançando-a na discussão e respondendo por ella, mas fazendo-a passar surdamente, como um boato de salão, como uma curiosidade galante, como uma chronica de moda, lançada de bocca em bocca, infamemente, a coberto da responsabilidade, da contestação, da policia correccional, do veredictum do publico, e das bengalas particulares?! Pois bem! é a isso que se chama diffamar. Isso é que é atacar e destruir o principio da inviolabilidade da honra domestica.

A publicidade é como a lança de Télepho que sarava as mesmas feridas que fazia. Se a senhora D. Maria II tem de passar á historia com o nome de virtuosa, a consagração d'esse epitheto provem-lhe da discussão publica da sua virtude.

Infelizmente a senhora D. Maria II não resumia na sua personalidade a reputação total das senhoras portuguesas e nem todas estas poderão como a victima do Espectro, sair gloriosamente da galeria das calumniadas! As martyres da surda maledicencia obscura e irresponsavel essas é que ficam para sempre na suspeita ou na ignominia.

Preferir a paternidade de um pamphleto escripto com o desinteresse da paixão e do talento á triste gloria burgueza e constitucional de ministro portuguez é ter um sentimento elevado e é dar um exemplo justo. Porque em verdade ser apenas um ministro—unico estado social que nos dispensa de sermos alguma outra coisa—não é propriamente um destino. Para que uma existencia actue assignaladamente nas relações dos homens e marque o signal da sua passagem é preciso que ella se affirme eminentemente ou na justiça ou no sentimento ou na arte—pela coragem, pelo sacrificio ou pelo talento—que são as tres maximas constellações do trabalho, constituindo a familia, a obra ou o combate.

Aquelle que fez um livro, em que se debateram todas as idéas e todos os interesses do seu tempo e da sua sociedade, movendo os espiritos, inclinando as vontades, influindo nas consciencias, esse é o homem que viveu.

Ter gerido uma pasta no constitucionalismo portuguez é unicamente ter passado no mundo.

O governo em Portugal é apenas o capitolio das mediocridades venturosas—com um ganso,—o sr. Jayme Moniz.


Durante o espaço da tempo a cuja chronica este volume se refere sairam á luz alguns novos jornaes. D'estes conhecemos tres: a Regeneração, a Patria e a Republica. Estes tres jornaes, como a maior parte dos periodicos portuguezes são—anonymos.


Ora eis aqui uma coisa que nunca podemos comprehender na legislação por que se regula o direito de escrever e a liberdade de pensar:—que possa alguem por qualquer razão que seja dispensar-se de assignar o que escreve! O maior abuso da liberdade de imprensa e ao mesmo tempo o unico que a lei portugueza não só não pune, mas auctorisa e regula é este:—não assignar.

Ha apenas em Portugal um só periodico politico em que cada artigo é assignado pelo jornalista que o fez. Este periodico é o Diario da Tarde, folha portuense, onde cada um dos redactores não só acceita mas declara acceitar todos os dias, por meio da sua assignatura, a responsabilidade completa de toda a infracção commettida, bem como os effeiios de todas as resistencias, de todas as controversias, de todas as antipathias que tenha podido suscitar.

Esta coisa tão simples, para a qual muitos outros escriptores portuguezes teem o preciso valor e a necessaria independencia, ninguem mais a tem adoptado como condição imprescriptivel do direito que cada um tem de emittir pela publicidade o seu pensamento.


A primeira razão por que se não assigna é esta:

A empresa do jornal, servindo-se d'elle para qualquer fim que seja, convem-lhe sempre absorver na sua exclusiva personalidade todos os meios de influencia, todos os instrumentos de trabalho que fazem mover a sua machina. Para que isto se consiga toma-se necessario estabelecer como lei fundamental da efficacia do apparelho jornal: que o que escreve se eclipse inteiramente por detraz do que paga. Isto é apenas uma das muitas explorações fataes da intelligencia e do trabalho pelo dinheiro. N'este caso os resultados são graves para os interesses do espirito, da dignidade e da razão.

Por um lado o escriptor, acobertado e escondido sempre no anonymo, perde insensivelmente a comprehensão da coherencia em que se basea a firmeza dos seus principios e a logica do seu systema moral. Começa por transigir com a opinião alheia e acaba por abdicar a sua perante as necessidades e as indicações da empresa. De resto, como não é responsavel, como no fim de contas ninguem o conhece, o auctor resigna-sel É assim que se fazem os escriptores indignos, porque na imprensa é indigno de collocar uma palavra todo aquelle que não tem uma opinião. O escriptor «de manivela» é um escandalo para a razão e uma catastrophe para a justiça.

Por outro lado o empresario de jornal, conseguindo sustental-o pelo apoio do seu partido ou pelo ganho proveniente dos seus annuncios, póde sem vexame pôr ao trabalho litterario o seu aguadeiro no logar da entidade anonyma da sua redacção. E assim os periodicos enchem-se naturalmente com a collaboração gratuita ou barata dos troisièmes dessous da intelligencia e do estudo. D'aqui a progressiva decadencia que se observa no jornalismo portuguez, e a fatalidade d'este resultado: quanto mais se lê peor se escreve.

Ha outros casos em que o escriptor, apezar de inteiramente livre para assignar ou para não assignar, não assigna. Isto então importa immediatamente a condemnação da competencia moral do quem assim procede.

Se se entende que é tal a inutilidade da coisa escripta, que da publicação d'ella não virá consequencia nenhuma, então não se escreva. Na imprensa tudo quanto é inutil é nocivo. Supprimam, ao povo que lê durante dez minutos por dia, todas as banalidades e todas as inepcias que elle absorve n'esse tempo, e o povo começará a instruir-se nos seus dez minutos de leitura. Tudo o que a educação do povo não recebe do jornal rouba-o o jornal á educação do povo.

Se o escripto lançado ao publico envolve uma responsabilidade, é preciso que a tome exactamente aquelle que lançou esse escripto; se elle encerra apenas uma idéa, o publico a quem ella se offerece tem direito de saber quem é aquelle que lh'a envia. Eu exijo o nome do que manipula as drogas que sou chamado a engulir, porque a verdade é esta: que, por melhor que me pareça uma limonada de citrato de magnezia ou uma fatia de galantine, suspeito de uma e da outra se me disserem que a galantine foi feita pelo sr. Jara, boticario, e a magnezia pelo sr, Colombe, salchicheiro.

Ora uns tantos sujeitos que todas as manhãs vem jurar-me nas suas respectivas gazetas que são muito republicanos, muito monarchicos, muito socialistas ou muito auctoritarios—tudo isto com a expressa condição de que nunca hei de saber quem elles são—dão-me exactamente aquelle receio:—medicarem-me com paio de perú, ou servirem-me jantares de magnezia.


Tinhamos já Melicio, o José Prudhomme constitucionalismo portuguez. Agora ultimamente surgiu Barros e Cunha, o Pickuick do systema representativo nacional.

Estes dois marcos levantados um ao lado do outro constituem um portico, abalisam uma época, enquadram um seculo.

Os Tacitos e os Livios do futuro dirão da politica actual:

«Como fossem mortos Manuel Mendes Enxundia e Bertoldinho, appareceram sobre a face da terra Melicio e Barros e Cunha, e tendo estes determinado que a luz se fizesse, e batendo cada um d'elles em sua respectiva nuca uma palmada magica, de cada uma de suas boccas rompeu para o seculo attonito uma torcida,—e a luz foi feita. Os homens, os principios, as instituições, toda a caravana longa e lenta de uma geração que passa, ia indo, caminhando no tempo, emquanto elles dois, na frente, deitando sempre torcida, allumiavam. Se este seculo immortal não isempto de pequenas sombras intermittentes que algumas vezes—ai de nós!—o empanaram e entenebreceram, é porque elles—o discreto Pickuick e o profundo Prudhomme luzitanos, obedecendo á lei fatal de que nem mesmo são isemptos os mais portentosos luminares, de quando em quando se detinham,—geniaes, assombrosos e tremendos—para se espevitarem.»


O que estes dois grandes homens, verdadeiramente monumentaes e eternos, teem feito para o movimento geral das idéas e para a affirmação historica do progresso, não fazemos nós mais do que balbucial-o. A posteridade, dominando o grande conjuncto dos successos é que ha de fazer a devida justiça, inteira e completa, á iniciativa de Barros e de Melicio. O ponto de vista nimiamente estreito e exiguo dos contemporaneos não permitte á simples chronica o descriminar todas as guitas complicadas, todos os torcidos arames, por meio dos quaes o historiador averiguará como todos os factos e todas as idéas do tempo actual se ligavam reconditamente ao impulso magnetico d'estes dois varões extraordinarios!

No futuro se verá como pelo mero jogo das correntes electricas que vibram a opinião se explicam os grandes effeitos no paiz produzidos pelas pequeninas causas nestes dois personagens. Constatar-se-ha scientificamente este phenomeno para muitos de nós despercebido:—Barros ter sêde e o paiz pedir capilé! Melicio comer pevide de abobora e o estado deitar a tenia! Barros em camisa tirar debaixo do travesseiro o barrete de algodão branco—casto symbolo dos sonhos immaculados—e a nação ter somno! Melicio ter dores cruciantes nos calos, e a opinião publica, descalçando-se, arrojar as botas ás faces da hypocrisia!

Agora mesmo n'este momento, quando as agitações da Hispanha commovem os espiritos patrioticos, quando as negras apprehensões ibericas ensombram as alegrías da Baixa e seus innocentes jogos—outrora tão puros!—quando se espera o accordo das grandes potencias para a fixação dos nossos destinos nacionaes, poucos se lembrarão talvez que ha muito tempo que esta questão foi cortada pela penna fulminante de Melicio em uma correspondencia que o Commercio do Porto se resignou a publicar nas suas columnas, por não haver na cidade um templo de Jano em cujas portas ella se gravasse em letras de oiro! Não se tratava ainda então de nacionalidades nem de aggregações, fallava-se apenas da configuração do solo e dizia-se em um documento hispanhol—a Peninsula Iberica, ao que Melicio respondeu com um terrivel brado: «Peninsula iberica, não! nunca!»

Bem feita coisa da parte do excelso patriota! Pavorosa lição á geographia—e á canalha!

Peninsula iberica, tu! tu reles pedaço da superficie solida do globo cercada de agua por todos os lados excepto por um, pelo qual ficas unida ao continente! Tu, só por isso, seres uma das peninsulas, a Peninsula Iberica?... Não, nunca o serás. Sê tudo o que quizeres menos isso. Sê nuvem, sê parteira, sê questão da fazenda, sê compota de pecego. Mas peninsula!.. Olha quem! Querias-te fazer peninsula, minha tola?... Não! ainda cá ha um homem para te dar nas ventas para traz, ó perra vil!

E depois de vibrado por Melicio este golpe tão fundo na questão iberica, os lusos appellam ainda para as potencias, e já se não lembram do que devem a Melicio! Ah! ingratos! ah! ladrões!

Fallaes na alliança da Inglaterra, no favor do sr. Thiers, na benevolencia do imperador Guilherme ... Pudera! aquelle que acabou com as peninsulas ainda cá está vivo para chegar a roupa ao corpo aos congressos ... Boa duvida! Não que elle ainda a tem, á cabeceira da cama, a sua bengala invencivel, a bengala dos seus avós, a mesma bengala com cujo castão Certorius batia nos dentes ao namorar aquella que foi mais tarde a virtuosa mãe de seus filhos!

Aproxima-se a conquista? adianta-se a invasão?... Que venham! Cada fita de ceroulas que cinge os artelhos de Melicio será uma barreira! Cada botão de seu collete um obuz! Cada um dos seus calos um baluarte—de ôlho de perdiz!

Se o extrangeiro vier, nós, tranquillos, atirar-lhe-hemos com Melicio—o extracto de peste concentrado e fulminante dos inimigos da patria—e das peninsulas!


Agora—Barros.

Este publicou o seu relatorio sobre a emigração portugueza para o Brazil—grande obra a que promettemos consagrar estudos criticos consecutivos durante um anno! N'este livro o immortal philosopho explica o facto da emigração e justifica-o por um modo que põe o alludido phenomeno social para todo sempre fóra de controversia e de discussão.

Como o explica, como o justifica elle?

Meu Deus! por um argumento bem simples, e que todavia ainda não houvera occorrido a ninguem ...—Pelo precedente das andorinhas!


Sempre que nós temos tido a immerecida honra da poder contemplar com attenção e respeito a configuração pyramidal da cabeça do grande homem, sempre que temos attentado, recolhidos e mudos, no seu bello craneo, magestosamente elevado no occipicio, como se elle usasse uma cuia—por dentro,—nós temos dito do varão illustre, como Chenier de si mesmo:

«Elle tem alguma coisa na cabeça!»

Oh! sim, elle tinha n'ella a theoria das andorinhas, esquecida ao mais excentrico e original dos nossos compatriotas, o cavalheiro Machado, o celebre amigo dos passaros, um dos mais interessantes perfis da galeria parisiense de Champfleury!

Achar o precedente das andorinhas como justificação dos emigrantes é ter um verdadeiro rasgo de genio. Mas o genio não surge de repente, o genio é a paciencia, como disse Buffon. Consideremos, ó criticos, quantos trabalhos, quantos estudos, quantas dôres não teriam precedido no intellecto do grande politico a laboríosa gestação da sua lei immortal!

Ponderemos o sabio, absorto, contemplativo, extatico, considerando simultaneamente em suas intimas correlações e consanguineas affinidades o povo—e o passarinho!

Elle, o philosopho, sabe bem o que é a miseria no proletariado, elle conhece de certo Ginx's Baby, o monstruoso producto humano das falsas civilisações, elle tem lido certamente Malthus, e queremos que lhe arranquem já um dente da bocca, ao grande homem, se elle não tiver do pauperismo, da fome, do salario e dos systemas ideaes de Fourier, de Owen, de Saint-Simon e de Proudhon, uma comprehensão tão perfeita como a que lhe assiste a respeito das unhas dos seus proprios dedos!

Previamente armado de tão solidos principios e de tão profundos estudos, como seria bello o poder vel-o depois, na obra, no momento augusto e sacrosanto em que a idéa lhe veiu!...

Estamos em que não poderia deixar de ter sido—no campo! O sabio no bosque, meditando, qual pastorinho de cordeiros brancos nas paizagens de lyrio e rosa pintadas por Wateau no setim dos leques Luiz XV! Seria ao toque poetico das ave-marias, como se permittiria dizer um serralheiro portuguez em grève. O ar embalsamado pelos perfumes da baunilha e dos laranjaes em flôr, os zagaes tangendo frautas ou dançando na relva com suas pastoras, e ao longe, por entre o fumosinho que ondeia sobre o tecto das cabanas, ao longe, na quebrada do monte, voejando em torno do corucheu da velha ermida em ruinas—- ellas, as duas, as mysticas amantes do philosopho, as ternas balisas de seu scismar—a andorinha e a questão social—batendo a aza, abrindo o biquinho e rasgando juntas as amplidões do azul em phantasticos arabescos....

E então seria que no espirito apocalyptico do mestre, na mente do magnanimo doutor em extase, de repente, como um estalo, como um abcesso que rebenta, como um inchaço que estoira, lhe veiu a idéa de que a andorinha poetica explicava satisfactoriamente o operario faminto, e que evidentemente nada mais semelhante diante dos olhos da sciencia a um carpinteiro com mulher e oito creanças ganhando tres tostões por dia, do que a avezinha innocente que esvoaça em torno de gothico balção, ou paira no vergel, bebendo a perola matutina do orvalho no calice da rosa!

Como tudo isto é grande e ao mesmo tempo lindo da parte do sr. Barros e Cunha! Como é bem Paulo e Virgínia! bem Menino da mata e seu cão Piloto! bem puro cheiro de alfazema! bem legitima pomada alvíssima!


Não se detiveram porém ahi os serviços prestados ao mundo pelo grande homem no breve decurso de tempo a que esta chronica se refere.

Mais dotou elle a sua patria com a idéa de uma economia, cujo alcance profundo obrigou s.ex.ª o prelado viziense a arrojar de si com desalento e desdem o facalhão legendario com que a s.ex.ª aprouve arrancar a manteiga dos 15 por cento do pão dos empregados publicos, em que ella se comia, e dos escriptos reformistas, em que ella se embrulhava!

O Mirabeau de Olhão, ponderando que cada navio que entrava no Tejo recebia successivamente em tres botes tres visitas—a do porto, a da saude e da alfandega—cogitou um momento e teve esta idéa enorme:

Que em vez de se gastarem tres botes para tres visitas, fossem as tres visitas n'um só bote!

E foi o que o fogoso tribuno immediatamente propoz ao governo em um discurso verdadeiramente maravilboso de lucidez e de profundidade.


Se a politica não aproveitar esta proposta do sabio, que a arte pelo menos se encarregue de immortalisar para eterno exemplo e lição dos homens o acto de arrojada iniciativa e sublime denodo do cidadão portentoso que pretendeu economisar á patria—dois botes!

Que em nossos dias ainda nos seja dado ver em tela ou em estatua, o Pickuick de Silves, regressando das côrtes do seu paiz, austero e simples como Cincinato, detendo-se á porta do seu tegurio e pedindo a extranhos que lhe tirem do bolso das calças a chave do trinco, por que elle, o sublime martyr da patria, está impossibilitado de abrir pessoalmente a porta do seu albergue, por trazer debaixo de cada braço para o sagrado recolhimento da vida intima os dois botes arrancados por elle com mão firme ás luctas acerbas do funccionalismo no reino dos seus maiores!

O que sobretudo pedimos á posteridade é que não vá confundir este heroe—sr. Barros e Cunha—com este outro—sr. Barros e Sá. Porque—ó ilusão!—elles dois parecem-se fatalmente tanto um com outro, como se parecem—dois coelhos,—dois porta-machados—ou dois pretos.


No mundo civilisado está-se tratando n'este momento de fazer isto—um caminho de ferro de 1:600 leguas, de Nijni-Nowogorod a Pekin.

Uma vez alinhavada sobre o solo do nosso velho continente essa enorme fita de ferro, nós poderemos ir do Aterro á capital da China em menos de um mez, estendendo-nos n'um «fauteuil», abrindo um livro, accendendo um charuto e tendo apenas o trabalho de nos vestirmos e de nos despirmos algumas vezes, porque atravessaremos as mais diversas latitudes, as mais extranhas regiões, os mais oppostos climas, com as suas novas paizagens, novos ceus, novas floras e novas faunas.

Passaremos por Madrid, por Paris, por S. Petersburgo e por Moscow.

Veremos Nijni-Nowogorod, com as suas gregas cathedraes de cupolas de oiro e a sua feira de Makariev, na qual se juntam quatrocentas mil pessoas.

Deixaremos o nosso bilhete de visita em Kazan, a tartara, rebolindo-se nos profundos ruidos do seu commercio com a Siberia, com a Boukharia e com a Russia européa.

Visitaremos Perm, os seus numerosos lagos o os seus grandes rebanhos felpudos de merinos e de martas famosas, d'aquellas martas de que o Czar deu á Patti uma capa, no valor de cem mil francos!

Apearemos para aquecer os pés em Tobolsk, a capital da Siberia, onde o thermometro desce a 45 graus abaixo de zero, e onde os rios estão gelados nove mezes por anno.

Descançaremos em Irkoutsk, em cujas espessas florestas se refugiaram os Strelitz.

Respiraremos um momento em Ourga, a dos sete mil sacerdotes, ou em Kiakhta, já na fronteira chineza, onde descançam de ordinario as caravanas do chá....

E tocaremos a final em Pekin, onde, se não soubermos fazer mais nada, comeremos ninhos de andorinhas—uma especie de letria insipida, cara como um d'aquelles molhos de Luculo feitos de perolas delidas!—mas se soubermos o mantchou e o chinez, cujo alphabeto tem apenas 36:785 letras, poderemos fazer exame no «grande tribunal da historia e litteratura», do celeste imperio, sermos approvados mandarins e usarmos no chapeu o botão de ouro que distingue os litteratos dos demais subditos do grande Filho do Ceu.

E tudo isto em menos do trinta dias, com menos de quinhentas libras, no espaço de um romance de Michel Levy, de uma garrafa de absintho e de uma caixa de «brevas», sobre as azas ardentes do monstro chamado o Trem expresso—o heroe do poeta Campoamor—, que devora o espaço e o tempo, fazendo-os rolar em redemoinhos em volta do seu rastro, emquanto elle galga os abysmos, bebe os desertos, penetra as cordilheiras, e fura por baixo do Cenis ou do Atlas, como uma bala por um tubo!

E assim poderá a civilisação, por desfastio, verter amanhã a rua dos Fanqueiros nos jardins do grão-mogol Alemguir, do mesmo modo como atravez de um funil se póde passar um liquido asqueroso e infecto de um barril immundo para um fino cristal facetado!


A camara dos srs. deputados....

Oh! nós não podemos resolver-nos a separarmo-nos da camara dos srs. deputados, que foi, durante este ultimo lapso de tempo, o nosso encanto, a nossa delicia, o afago mimoso da nossa vida! Entre ella, que se vae fechar, e este livrinho, que vae chegar ao seu fim—nós estamos como o pagem namorado que á porta dos paços do rei Arthur, ao primeiro cantico da cotovia, tem sellado o cavallo que escarva o chão e remorde o freio, emquanto apoiada ao balção rendilhado a bella, a linda princeza apaixonada, envolve o cavalleiro matinal n'um longo olhar de amor, e permanece commovida e pallida para lhe enviar, quando elle fôr desapparecer na volta do caminho, o seu derradeiro beijo, com aquelle aceno—tão profundamente triste para os que partem—de um lenço branco que palpita, ao longe!

E nós, como o pagem, como o menestrel, como o bardo, voltando a cabeça, abrimos da mão as redeas e as clinas do ginete, descemos o pé do estribo, e vimos dizer ainda á amada lacrimosa uma palavra terna....

A camara pois—diziamos—querendo collocar-se ao par do que a civilisação pratíca de mais arrojado á distancia de alguns centos de leguas de S. Bento, decidiu egualmente, á similhança da maravilha realisada pela abertura do caminho de ferro de Moscow a Pekin, operar um phenomeno—mais modesto, é verdade, mas não menos portentoso:

Pegar n'uma garrafa e metter-lhe dentro um cantaro, um caneco, um barril, uma pipa ou um tonel!

E, consultando-se sobre a capacidade que lhe assistia para resolver este problema, a camara reconheceu que poderia desempenhal-o. E mandou para a camara dos Pares, devidamente estudada, meditada, escripta, impressa e revista, a celebre e immortal lei—do engarrafamento das vasilhas, na qual lei se lê textualmente no artigo 2.º o seguinte:

«Ficam tambem auctorisadas as camaras municipaes, nos termos do artigo antecedente, a lançar taxas sobre o engarrafamento do quaesquer vasilhas.»

Do qual textual artigo 2.º da precitada lei se deixa claramente ver que a camara—intemerata e altiva—se acha habilitada para proceder á face da Europa a este milagre:

Engarrafar vasilhas.


E com isto, ó camara, adeus! Tu vaes regressar em breve da scena parlamentar—onde boiaste por algum tempo,impertinente e inutil, como uma mosca caida sobre uma taça de creme—para o refugio inviolavel da vida intima. Vae em paz, amiga; volta aos cuidados bucolicos e simples das tuas couves, á guarda intelligente e pacifica do teu gallinheiro, aos succos do teu lombo de porco, á frescura do teu bragal, aos teus bons lençoes duradouros e fartos, recolhidos na grande arca e fortemente perfumados com os doces cheiros nativos do linho, do feno e da maçã camoeza!

Vae, ó camara, e se queres um bom conselho, ouve-o: não tornes cá!

Para se viver no grande meio sempre ruidoso, sempre agitado, sempre coberto de luz de um foco civilisador, é preciso que se tenha uma d'estas coisas: um nome, uma fortuna, um talento, uma aptidão; que se seja uma causa de actividade ou um instrumento de trabalho: um operario, um capitalista ou um sabio.

Ora nenhuma d'aquellas coisas tu tens, e nada d'isto tu és.

Profundamente mediocre, o teu destino é seres profundamente obscura.

Uma coisa extremamente difficil, que não conseguirás nunca, é fazer leis; mas ha outra coisa muito facil, para que tu estás superiormente habilitada e a que deves de todo em todo consagrar-te,—é não as fazer.

Não fazer leis, ó camara, eis a tua especialidade! cultiva-a, e serás grande.

Não fizeste nada, não sabes fazer coisa alguma, não representas nenhuma grande coisa que antes de ti se fizesse? Não é verdade isto?! Pois bem, no mundo moderno, na sociedade actual, quem está n'esse caso só tem um meio de não ser ridiculo:—é ficar em casa.

Cá fóra quem não domina e governa a critica tem de sujeitar-se a ser trinchado por ella.... Fica pois em casa, tranquilla no teu rapé e no teu voltarete.

Não queiras parecer-te com estes jovens burguezes que se arruinam, que se encanalham, que se desgraçam voluntariamente para se darem nos salões um falso ar de homens do mundo com que só elles se enganam. Chamam-se a si mesmos os «janotas», põem a gravata branca e a casaca preta como a outra gente, frisam-se um pouco mais do que os outros, acompanham-se das suas mulheres ou das suas irmãs, de vestidos de bareje barata e de narizes que, se se vendessem, custariam ainda mais barato do que as barejes.... Correm de sala em sala, julgam-se no mais alto mundo, e cerceiam no boi do jantar os excessos de despeza a que os obriga a sua triste representação—de remendos brancos em pano preto! Não sabem, não veem que os homens verdadeiramente distinctos e as mulheres verdadeiramente elegantes não acceitam senão com repulsão os contactos das suas mãos vermelhas e suadas, não lhes dando senão despreso—porque elles não teem nascimento, nem dinheiro, nem ar, nem toilette, nem orthographia, nem mão de redea!

O que estes são—na elegancia, não queiras tu, ó camara, voltar a sel-o, como o foste—na politica! Não tornes cá.

Adeus. Vae com Nossa Senhora. Se te não abraçamos, se te não damos um beijo, desculpa.... É que nós temos razões para desconfiar,—pelas tuas moções d'ordem, pelos teus projectos de lei e pelos teus discursos,—que tu usas patchouly e comes alho.discursos,—que tu usas patchouly e comes alho.






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Politica, das Letras e dos Costumes, by Ramalho Ortigão and Eça de Queiroz

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