The Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho a Julho 1882) by Eca de Queiroz and Ramalho Ortigao This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: As Farpas (Junho a Julho 1882) Author: Eca de Queiroz and Ramalho Ortigao Release Date: October 6, 2004 [EBook #13630] Language: Portuguese Character set encoding: ASCII *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK AS FARPAS (JUNHO A JULHO 1882) *** Produced by Claudia Ribeiro, Larry Bergey and the Online Distributed Proofreading Team. Page images were kindly contributed by Biblioteca Nacional de Lisboa. [Illustration: ECA DE QUEIROZ--RAMALHO ORTIGAO--AS FARPAS] ECA DE QUEIROZ--RAMALHO ORTIGAO AS FARPAS _Chronica Mensal_ DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES QUARTA SERIE N.º 1 JUNHO A JULHO 1882 Ironia, verdadeira liberdade! Es tu que me livras da ambicao de poder, da escravidao dos partidos da veneracao da rotina, do pedantismo das grandes personagens, das mystificacoes da politica, do fanatismo dos reformadores, da supersticao d'este grande universo, e da adoracao de mim mesmo. P.J. PROUDHON SUMMARIO A patria portuguesa e os quatro milhoes d'egoismos de que ella consta--Presente estado das ideias--A religiao--A politica--A moral--A arte--Sentido historico do centenario de Camoes, sua influencia e seus resultados--Dois annos depois--A celebracao do centenario do Marquez de Pombal considerada como symptoma psychologico--Do estadista em geral e do Marquez em particular--Addusem-se razoes e testemunhos insuspeitos para o fim de provar que o estadista e um agente secundario entre os acceleradores do progresso, e que o Marquez de Pombal e um individuo secundario na classe dos estadistas--Buckle, Guizot, Bastiat, Begehot, Herbert Spencer, Wechniakoff, Auguste Comte, Michel Chevalier, e outros--Demonstra-se que o Marquez de Pombal exprime a negacao de tudo aquillo que a liberdade affirma e que a democracia proclama--Coercao da agricultura, coercao da industria, coercao do commercio, coercao dos direitos civis, coercao do pensamento--Arruamento geral de todas as actividades nacionais pelo systema quadrangular da reedificacao da Baixa.--Secularisacao do jesuitismo na pessoa do mesmo Marquez--A estatua de Sebastiao e o monumento do Terreiro do Paco--Parallelo do cavallo e do cavalleiro--Pede-se o esquecimento para um e uma charrua para o outro. * * * * * Asociedade portugueza n'este derradeiro quarteirao do seculo pode em rigor definir-se do seguinte modo:--Ajuntamento fortuito de quatro milhoes d'egoismos explorando-se mutuamente e aborrecendo-se em commum. Chamar patria a porcao de territorio em que uma tal aggregacao se encontra seria abusar reprehensivelmente do direito que cada um tem de ser metaphorico. O espaco circumscripto pelo cordao aduaneiro, dentro do qual sujeitos acompanhados das suas chapelleiras e dos seus embrulhos ou tomaram ja assento ou furam aos cotoveloes uns pelo meio dos outros para arranjar logar nas bancadas, pode-se chamar um _omnibus_--e e exactamente o que e--mas nao se pode chamar uma patria. A patria nao e o sitio em que nos colloca o acaso do nascimento, a mao direita ou a mao esquerda de um guarda da alfandega, mas sim o conjunto humano a que nos liga solidariamente a conviccao de um pensamento e de um destino commum. Ja um sabio o disse: _Ubi veritas ibi patria._ A patria nao e o solo, e a ideia. * * * * * Para que haja uma patria portugueza e preciso que exista uma ideia portugueza, vinculo da cohesao intellectual e da cohesao moral que constitue a nacionalidade de um povo. Sabem dizer-nos se viram para ahi esta ideia?... Nos temol-a procurado de aventura em aventura, de jornada em jornada, n'uma peregrinacao de vinte annos atravez d'esta sociedade, como Ulysses, vagabundo atravez da Odyssea, em busca, do fumosinho tenue e amigo que adeje no horisonte por cima da primeira cabana d'Ithaca. As manifestacoes culminantes da mentalidade collectiva de um povo sao: a Religiao, a Politica, a Moral, a Arte. Vejamos rapidamente se em alguma d'estas espheras da nossa elaboracao mental se revela a unidade de pensamento por meio da qual se affirma a existencia de uma nacao. * * * * * Em religiao os cidadaos portuguezes dividem-se, em uma infinidade de categorias diversas. Temos em primeiro logar os livres pensadores, que nunca pensaram, coisa alguma sobre este ponto, apesar da liberdade com que se dotaram para esse fim. Temos depois os indifferentes, que se subdividem pelos diversos graus de medo que teem ao Incognoscivel sempre que ha epidemias ou tremores de terra. Seguem-se os deistas, que acceitam Deus como entidade abstracta pela qual se explica a ordem do cosmos, no qual Deus figura como maquinista, e egualmente se explicam as justicas da historia, nas quaes o mesmo Deus se manifesta sob a forma de dedo,--o bem conbecido _dedo de Deus_. Veem depois os christaos, e por ultimo os catholicos. Estes separam-se uns dos outros por tantas diferencas de opinioes quantos sao os individuos agremiados na Igreja. Ha os que creem na infalibidade do papa e os que nao creem em tal infalibilidade; os que vao a missa e os que nao vao a missa; os que se confessam de tudo, os que se nao confessam senao de certas coisas, e os que de todo em todo se nao confessam. Uns encabecam a divindade no Senhor dos Passos da Graca e, com as suas opas roxas e suas cabelleiras anediadas pela bandolina do culto no bairro oriental, olham com despeito para os devotos afrancesados de Nossa Senhora de La Salette, divindade de chic suspeito as devocoes da Baixa. Os escolhidos do alto clero, que se gargarejam em suas tribulacoes com agua de Nossa Senhora de Lourdes, garantida verdardeiro Joao Maria Farina, da Gruta, sorriem de desdem pelos que ainda cuidam expurgar-se do peccado e clarificar-se para a proteccao divina com a velha agua benta de mendigo de porta de Igreja, preparacao de Santo Ignacio, hoje desprestigiada e choca. Aquelles proprios que sao por um mesmo e unico santo leem entre si dissidencias acrimoniosas de detalhe. Nos mesmos vimos ha trez annos, na volta da romagem de Nossa Senhora do Cabo, dois cirios, que vinham ja de muito longe a rosnar, engalfinharem-se a final um no outro ao chegar a Cacilhas. Foi uma coisa feroz. Os clerigos cessaram interinamente de tomar pitadas para se desancarem uns aos outros com as tochas e com os cabos das lanternas, desalmadamente. A Senhora, do alto do seu andor pousado no chao, as maos crusadas no seio, assistia ao debate com uma neutralidade fervorosa e commovedora. As sobrepellizes e as capas d'asperges, que regressavam do arraial enodoadas de vinho, de chapadas de melao e de areia vermelha, desfiavam-se pela friccao das bordoadas; nas cabecas quebradas atavam-se a pressa lencos eclesiasticos; e no theatro d'esta devocao ficou bastante sangue e muito rape derramado pelos sacerdotes. Devemos mencionar ainda os philosophos espiritualistas, que em religiao cultivam a _duvida_ com o mesmo ardor de vesania com que alguns hollandezes maniacos cultivaram em tempo a tulipa. A duvida d'estes philosophos versa sobre os diferentes feitios que pode tomar pelo infinito fora a coisa a que elles, a forca de nao saberem o que seja, deram o nome de _eterna essencia._ Enquanto a gente vae em cada manha tratar da sua vida, esses individuos vao duvidar na solidao, ou seja nas trevas de um quarto escuro em seus domicilios, ou seja a beira do oceano, chupados e amarellos como cidras, com os olhos esbugalhados para a banda do Bugio. E ate onde a ociosidade pode levar meia duzia de vadios sem mais que faser! Tivessem elles em que cuidar e nao haveria perigo que a _eterna essencia,_ o _increado_, o _absoluto_ e todas as mais queixas de cabeca que os affligem continuassem a remoel-os. Officio para as costas, uma enxo e um formao para as maos, com a obrigacao de ganhar oito tostoes por dia para sustentar mulher e filhos, e verao os philosophos como a cruel duvida se lhes desencasqueta que e um gosto, e lhes sae pela cabeca fora para a roupa suja com a primeira camisa que suarem a puxar pelo corpo para ganhar a vida, assim como ate aqui teem puxado peio juizo para dar cabo d'ella. Em conclusao: ou seja como ponto de controversia, como motivo de briga ou como assumpto de teima, a religiao em Portugal e um elemento de desuniao, que nao so perturba as relacoes sociaes mas destroe tambem muitas vezes a allianca da familia. * * * * * Passemos a politica. N'este campo nao ha, ideia propriamente nacional,--e evidente. Perdendo a pouco e pouco a consciencia da sua tradicao historica, Portugal, politicamente, nao tem hoje papel na civilisacao. Esta desempregado. Figura no congresso das nacoes europeias como um paiz sem modo de vida. Perante o progresso nao tem profissao. A missao que elle desempenhou na Renascenca pela obra magnifica dos seus sabios, dos seus navegadores, dos seus commerciantes e dos seus artistas, as excellenles condicoes da sua situacao geographica e a paz interior de que tem gosado emquanto a Hispanha se dilacera a si mesma nas eternas lutas intermitentes de desaggregacao e de unificacao das suas provincias, davam a Portugal o direito e o dever de assumir n'este seculo a preponderancia hegemonica dos estados peninsulares, a direccao espiritual da civilisacao iberica. Em vez d'isso Portugal descansa desde o seculo XVI sobre os monumentos immortaes da sua passada energia e acha-se no movimento moderno da raca latina como uma nacionalidade com licenca illimitada para tomar ares. Os seus filhos mais intelligenles e mais fortes, uns perseguidos, outros despresados, abandonaram-o aos reis, aos estadistas, aos padres, aos persevejos, as moscas, e foram uns para os Paizes Baixos fundar e enriquecer a Hollanda e botar a luz Spinosa; outros foram para a America Austral fundar, agricultar e enriquecer o Brazil. O resto e o que ahi esta ha dusentos annos sentado ao sol n'uma ponta de banco do mappa-mundi, a cabecear, a cocar os joelhos e a ouvir ranger o calabre a nora da coisa publica, puxada pelo governo, velho boi, d'olhos tapados, afeito ao cerco peguinhado do poco sem bica, tornando a deitar para baixo a agua que traz para cima, e nao sabendo o proprio governo, nem sabendo ninguem por que ninguem se importa com isso, se e ja o pau da nora que empurra de traz o animal ou se e ainda o animal que tira para deante o pau da nora. Os differentes partidos que ha muitos annos se succedcm no exercicio do poder teem por chefes dois ou tres individuos, cujas personalidades, absolutamente destituidas de ideias correlativas ou concomitantes, representam as duas ou trez phases por que successivamente vae passando e repassando em circulo sobre o mesmo carreiro a rotacao governativa. Os personagens alludidos teem as intencoes mais puras e mais honestas d'este mundo. Ter outras, deshonestas e impuras, dar-lhes-hia massada, e para ahi e que elles nao vao. Diz-se tambem que sao todos mais ou menos fortes n'essa arte, velha e atrasada, que se chama a eloquencia e que tem por objecto desfaser pela exageracao artificial das palavras a justa proporcao das coisas. Sao ainda--affirma-se geralmente--habeis parlamentares, o que quer dizer que possuem o talento de dominar as assembleias por meio de transigencias reciprocas e de concessoes mutuas, rasoirando os parlamentos pelo nivel de uma mediocridade discreta, tao occa como esteril. Por baixo d'essas virtudes, que reconhecemos e veneramos, os homens que ha vinte annos se revezam no governo carecem das ideias geraes de que procede na sciencia o ponto de vista governativo. As assembleias das duas camaras, revezando-se ora para a direita ora para a esquerda, dao ou retiram a maioria dos votos a cada um d'aquelles senhores, consagrando-se exclusivamente a defendel-os ou a impugnal-os, sem portanto sahirem nunca da orbita dos principios que elles representam, principios a que nao correspondem systemas diversos c que se distinguem apenas uns dos outros pelos signaes physionomicos dos estadistas que os teem no ventre, podendo-se dividir assim: principios governativos calvos, principios governativos d'olhos tortos e principios governativos de cabellos tingidos. Nestes esforcos successivos das grandes massas intelligentes da nacao vemos dessorarem-se geracoes e geracoes consecutivas de deputados, fortes temperamentos alguns, solidos provincianos de boa fe, que de trez em trez annos o parlamento recebe vivos e honrados do interior das provincias para trez annos depois lh'os devolver aniquilados para toda a especie d'iniciativa, corrompidos pelo habito de serem mandados, castrados na dignidade pela disciplina imposta pelos seus chefes, podres no caracter pela fermentacao da intriga, indelevelmente marcados para toda a vida, pelo ferrete official, com uma pelintrice austera e miseravel, na figura, com uma codea veneranda de solemnidade prudhommesca, estupida e impenetravel, no cerebro. E pela mais justa e pela mais completa comprehensao do seu destino social que tanto os individuos como os povos se disciplinam, se fortalecem e se aperfeicoam. Em Portugal a incapacidade governativa produsiu, primeiro que tudo, este resultado funesto: fez perder ao paiz a nocao historica do seu destino, cortou o fio da tradicao nacional, lancando o espirito publico n'uma existencia d'accaso como a das tribus bohemias. Depois o predominio da incompetencia scientifica na direccao dos negocios dissolveu a pouco e pouco a liga que deveria estreitar a convergencia de todas as actividades para um fim commum, e pela separacao dos interesses operou a separacao das energias. E assim que em pleno seculo XIX, quando esta exhuberantemente demonstrado que todos os factos do universo, assim na ordem physica como na ordem social, se encadeiam uns nos outros por leis imprescriptiveis de contiguidade e de correlacao, nos vemos em Portugal exercer-se a accao do poder no estudo dos phenomenos tratando-os isoladamente, n'um ponto de vista fetichista, de preto botocudo, como se cada um d'esses phenomenos, regido por uma lei especial e divina, fosse a causa e o effeito de si proprio. Com mil exemplos se podia comprovar a affirmacao que fazemos. Mas basta-nos um qualquer, tirado ao accaso do monte, para por essa affirmacao em evidencia de facto. Veja-se como em cada legislatura se propoe e se discute uma das poucas questoes graves de que o parlamento ainda se ocupa. Referimo-nos a coisa a que, no calao official em que tem degenerado a lingua patria, se chama--_a questao da fazenda_. Reunidas as camaras e aberto perante ellas o orcamento do Estado, comeca-se invariavelmente por constatar, n'um tremolo elegiaco de symphonia funebre, que continua a existir o deficit. Cada um dos tres governos a quem a coroa alternadamente adjudica a mamadeira do systema encarrega-se de explicar aos tachigraphos essa occorrencia--alias desagradavel, cumpre dizel-o--mas de que elle, governo em exercicio, nao tem a culpa. A responsabilidade cabe ao governo transacto, bem conhecido pelos seus esbanjamentos e pela sua incuria. Para cada um d'esses tres governos sucessivamente encarregados de trazerem o deficit ao regaco da representacao nacional, o governo que immediatamente o precedeu n'esse mesmo encargo e o ultimo dos imbecis. Tal e o conceito formidavel em que cada um dos referidos tres governos tem os outros dois! A coroa pela sua parte--e e este o mais augusto do todos os seus privilegios--e successivamente da opiniao de todos os tres ministerios; e depois de haver retirado, com sincero nojo, a sua confianca aos imbecis do grupo n.º 1, n.º 2 e n.º 3, a coroa torna a restituir a citada confianca, com uma effusao de jubilo tao sincero como o nojo anterior, a cada um dos grupos de imbecis ja referidos mas collocados chronologicamente em sentido inverso d'aquelle em que estavam, ou sejam, por sua ordem, os imbecis n.º 3, n.º 2 e n.º 1. Trocadas as descomposturas preliminares sobre a questao da fazenda, decide-se que e indispensavel, _ainda mais uma vez_, recorrer ao credito, e faz-se um novo emprestimo. No anno seguinte averigua-se por calculos cheios de engenho arithmetico que para pagar os encargos do emprestimo do anno anterior nao ha outro remedio senao recorrer _ainda mais uma vez_ ao paiz, e cria-se um novo imposto. Fazem-se emprestimos para supprir o imposto, criam-se impostos para pagar os juros dos emprestimos, tornam-se a fazer emprestimos para atalhar os desvios do imposto para o pagamento dos juros, e n'este interessante circulo vicioso, mas ingenuo, o deficit--por uma extranha birra, admissivel n'um ser teimoso, mas inexplicavel n'um mero saldo negativo, em uma nao existencia,--augmenta sempre atravez das contribuicoes intermittentes com que se destinam a extinguil-o ja o emprestimo contrahido, ja o imposto cobrado. Assim como os alforges dos antigos pobres das feiras e das extinctas ordens mendicantes, o deficit tem dois sacos, um para deante outro para traz, ambos destinados a receber o vacuo. N'um dos sacos mette-se a divida fluctuante, no outro mette-se a divida consolidada. De quando em quando ha um relampago de jubilo, porque parece por um momento que o alforge do deficit esta vasio, isto e, que esta sem vacuo dentro: e a divida, que se achava em estado de fluctuacao no saco da frente, que passou no estado de consolidacao para o saco de traz. A alegria fugaz mas intensa que provem da illusao d'esta gigajoga vale o dinheiro que custa, mas custa sempre alguma coisa, porque de todas as vezes que elles mexem na divida, seja para o que for, mesmo para a mudar de saco, ella cresce. Pela parte que lhe respeita o paiz espera. O que? O momento em que pela boa razao de nao haver mais coisa que se collecte, porque estara, collectado tudo, deixe de haver quem empreste por nao haver mais quem pague. No emtanto o problema de augmentar a riqueza--unico meio de prover aos encargos--e considerado como absolutamente extranho a _questao da fazenda_. E todavia nem toda a gente ignora que a riqueza nao augmenta senao pelo desenvolvimento progressivo do trabalho e que este se acha ligado aos progressos da industria. Ora emquanto a industria ... Mas este novo ponto pode ficar para outra vez. O feliz encyclopedismo das inaptidoes do estado proporciona-nos a facilidade de poder comprovar a sua incapacidade com um so facto qualquer, demonstrando que no paiz coliocado sob o patrocinio de um tal governo, nao pode dar-se senao uma especie de cohesao politica:--a liga dos governados para o despreso convicto dos que governam. * * * * * Na moral estamos como na religiao. Cada um tem a sua, feita a forma do seu pe como as botas por medida, com a concavidade de uma cupola moldada a protuberancia de cada calo. Ha em primeiro logar as duas grandes circumscripcocs--da moral publica e da moral privada, inteiramente diversas uma da outra. D'ahi a distinccao casuistica entre a honestidade politica e a honestidade pessoal. Em virtude d'essa distinccao o mesmo individuo pode, ser cumulativamente o mais honrado dos cavalheiros e o mais abalisado dos velhacos. Na politica ha carta branca para tudo: para mentir, para intrigar, para caluniar, para trahir, para furtar. No terreno politico o sujeito pode ser refalsado, impostor, venal, infiel, servil, covarde. Todos os vicios e todas as abjeccoes se acobertam com esta virtude absolutamente latitudinaria--a _fidelidade ao partido_. Esta assentado e decidido para todos os effeitos que as nodoas da vida publica nao distingem sobre o caracter pessoal. O cavalheiro que pela manha leu nos jornaes, ou ouviu nas camaras, sem as combater e sem as refutar, as ultimas injurias que podem ferir o homem no que elle deve ter de mais caro no seu caracter ou no seu coracao, na sua familia, na sua honra, na sua probidade, no seu pudor, no seu brio, vae a noite jantar regosijado e tranquillo na mais santa paz da consciencia no aconchego immaculado da familia, na estima inalteravel da amisade; e com a gravidade austera, convicta e bondosa, de um patriarcha, estende a mao suja das suspeitas mais torpes aos seus amigos, que lh'a apertam, e da a beijar a sua filha, risonho e calmo, a face esbofeteada pelas accusacoes mais vergonhosas. Um dos principaes caracteriscos da integridade moral de uma pessoa esta no accordo das ideias com as palavras e das palavras com as obras. Na intriga constitucional cujo vicio congenito e a pusilanimidade e a hypocrisia, esse accordo e uma chimera. No parlamento portuguez ninguem diz inteiramente, o que pensa, qualquer que seja a questao de que se trate. Os negocios om discussao sao debatidos por dois aspectos radicalmente diversos, na sala e nos corredores da camara. Ca fora diz-se a verdade. La dentro faz-se o discurso, o que e uma coisa inteiramente differente e as vezes opposta. A eloquencia parlamentar e a instituicao official da ficcao sob a forma litteraria de nenia, de cantata, de sermao, de estopada ou de descompostura. A influencia do regimen politico sobre a moralisacao geral dos caracteres e profunda e fatal. A escola evolucionista tem demonstrado por meio de razoes experimentaes que a faculdade a que geralmente se da o nome de _consciencia_ se forma pelo desenvolvimento de duas tendencias combinadas posto que apparentemente oppostas: a tendencia egoista e a tendencia sympathica. Depois da applicacao da fecunda theoria biologica de Darwin ao estudo e a renovacao das sciencias sociaes ficou perfeitamente estabelecido que a moral, cujo objecto e o equilibrio entre o instincto pessoal da conservacao e o instincto social da sympathia, tem por base, mais ou menos remota, mais ou menos disfarcada, o interesse. Nota Spencer que aquelles que sempre tiveram saude sao pouco compadecidos com as doencas dos outros. A piedade e a lembranca ou a imagem antecipada de um soffrimento, imagem que, produzida em nos pelo aspecto d'um soffrimento alheio, nos causa uma dor analoga. O interesse assim definido e effectivamente a base de todas as moraes. A propria moral do Evangelho o que e senao a mais lucrativa das transaccoes entre o homem e o infinito? Em uma sociedade constituida as tendencias sympathicas estao portanto naturalmente em proporcao e em harmonia com as tendencias egoistas determinadas pela constituicao do meio. Um governo ignorante, vivendo na trapaca, no favoritismo eleitoral, no compadrio, nas dependencias aviltantes do dinheiro, fazendo carreira aos mediocres humilhados, empecendo o exito no mundo official as inflexibilidades energicas e fecundas, dissolve a moral publica porque, corrompendo os interesses legitimos da communidade, abastarda correlativamente as sympathias dos individuos. Um momento depois, como os trez pedagogos comparecessem a real presenca, enrolados a pressa nas togas do professorado, de barretes de dormir, com as competentes pennas de pato aparadas da vespera e mettidas atraz das orelhas, o rei disse-lhes: --Esse jumento que ahi esta, (e estendendo o seu dedo magnimo, com um largo gesto antigo indicava o principe, vestido de general, de esporas e chapeu armado, que bocejava encostado ao sabre de seus antepassados) esse real jumento ignora completamente os deveres mais rudimentares de um principe para com a sua princesa. E e para isto que eu tenho tido aqui a engorda durante quinze annos tres burros de tres mestres!... Ora muito bem: vou deixar-vos a sos por espaco de cinco minutos com tao repulsivo idiota. Se ao cabo de cinco minutos, contados pelo relogio, elle nao estiver ao facto d'aquillo que todo o homem de barbas na cara deve saber para nao vir para aqui a estas horas _nanar_ n'uma cadeira, decapito-vos a todos trez esta noite como cacao appropriada para fecundar os germens originaes da nossa inspiracao artistica, trabalho de que apenas se encontram vestigios na obra de Garrett. Depois do terramoto, que subverteu muitos monumentos d'arte preciosos para a educacao esthetica do povo, a dictadura grosseiramente utilitaria do marquez de Pombal, primeiramente, e o burguezismo liro do regimen constitucional, depois, deram a produccao artistica da moderna epoca liberal o caracter pelintra, ao mesmo tempo pretencioso e chato, de padre catita, de jesuita amanuensado, de sargento victorioso, caracter que distingue a arte portugueza de 1830 para ca, e que deu o stylo de banbolina de paninho, de balaustre azul e branco, de festao de murta e d'areia encarnada, a que podemos chamar na historia da decoracao--o _stylo furriel dos batalhoes da carta_. Onde esta ahi o artista em cuja obra se ache reflectida a influencia do antigo genio portuguez? Onde esta o escriptor que se possa considerar o interprete legitimo do gosto, das ideias, das conviccoes dos sentimentos do publico? Os escriptores contemporaneos podem-se dividir em quatro grupos. O grupo academico official, o grupo dos convulsionarios, o grupo dos insubmissos e o grupo dos domesticados. Os escriptores do primeiro grupo sao os velhos caturras coroados pelo laurel das commissoes retribuidas, semsaboroes emeritos acommodados pelo governo em confortaveis cadeiras de caixa, destinadas a receber para o Estado os fluxos da litteratura classica. Nunca ninguem no vasto publico pode jamais apreciar a obra d'esses sabios, porque tudo quanto elles desassimilam em forma de prosa passa em padiolas, circumdadas de respeito, dos prelos das typographias para o gorgulho dos archivos e so depois de se ter gorgulho compenetrado por espaco de muitos annos do teor d'essas produccoes e que ellas chegam as casas particulares sob a forma de involucro de generos alimenticios, como as salchichas, ou de simples aromas culinarios, como o cravo da India e o colorau picante. Os convulsionarios, que sao os mais numerosos, denominam-se republicanos, e julgam-se auctorisados, sob esse estandarte de revolta, para se collocarem em berrata furibunda e em dessidencia enthusiasmada com tudo: com a monarchia, com a religiao, com a grammatica, com os mesarios da freguezia das Chagas, com os verbos, com as hostias, com as luvas, com os breviarios, com a syntaxe, com o imposto, com o Senhor dos Passos, com o diccionario, com o codigo e com o senso commum. Nada escapa a dissencia fundamental d'estes escriptores terriveis. Estao em combate acerrimo com tudo. E com o resto estao em contradiccao. Sao o _cliche_ negativo do mesmo estado mental de que o governo e a estampa vista em sentido inverso. Sao o estado posto de cabeca para baixo a andar nas maos em vez de andar nos pes. Sao o conselheiro Arrobas virado pelo avesso, e invertido, com uma concavidade concernente a cada bossa, e com uma protuberancia relativa a cada buraco da sua natureza. Os insubmissos, desagremiados da massa, sao dez ou doze solitarios apenas, que reagem as correntes do movimento geral por meio d'algumas razoes experimentaes postas em verso ou em prosa, e reduzidas a algumas paginas de poema, de romance ou d'historia. A honesta sinceridade d'estes escriptores, geralmente confundida com um cynismo de _pose_, com um charlatanismo de originalidade, e antipathica ao publico, que todavia os le com uma certa avidez, impellido pela curiosidade que atrae a multidao gulosa do anormal para os livros d'elles, assim como para as barracas de feira em que se mostram vitellas com duas cabecas, das quaes uma de papelao; e meninas gordas com seis barrigas, todas posticas. Os domesticados representam o elemento inoffensivo e ameno das lettras a que chamaremos simplesmente _burguezas_ para as distinguirmos por uma _nuance_ das lettras consagradas, a que chamamos ja _officiaes_. Os escriptores d'esta classe acceitam docilmente tudo quanto se acha em vigor no regimen vigente para nao terem o incommodo de inventar nem o desgosto de se comprometterem com as familias particulares ou com os poderes publicos por meio de novas exhibicoes, alias inuteis para a marcha regular do intellecto lusitano atravez dos meandros macadamisados da Baixa. Elles vao para as glorias da posteridade, assim como os gatos para as aventuras de telhado,--pelo cheiro uns dos outros. Quando lhes nao fareja outro que tivesse passado primeiro, hesitam em sua marcha, tremem-lhes as pernas, e acocoram. Teem conviccoes profundas acerca de tudo aquillo de que estavam profundamente convencidos os seus maiores, e a sua vocacao, irresistivel e indomavel, e para fazer tudo o que ja esta feito. Em religiao sao catholicos apostolicos romanos; em politica sao monarchicos liberaes; em philosophia sao ecleticos da escola do grande Cousin; em litteratura sao pelos modelos classicos modificados pelo estro dos grandes mestres pacatos da geracao moderna, Mendes Leal, Thomaz Ribeiro, Possydonio da Silva e Brito Aranha; em _toilette_ sao pelo afamado Keil; em theatro pela grande Emilia das Neves; e em culinaria pela lampreia d'ovos de fio com cidrao. Teem as vezes graca, mas sempre fina, de luva branca, propria de cavalheiro culto, com uso de sala, dentro do campo da civilidade e nos limites da carta. Ha no vocabulario innumeras palavras, alias perfeitamente boas e honradas, que elles morreriam mil vezes antes que ousassem escrevel-as. Por exemplo: Com relacao ao logar em que a hypocrisia costuma receber os pontapes que o bom senso lhe applica, nenhum d'esses escriptores domesticados diria com simplicidade casta--_o trazeiro_. Porque? Porque, pela muita pratica de salao que elles teem, sabem perfeitamente que as "madamas", ao ouvirem um tal vocabulo, immediatamente se retiram fugazes das assembleias tirando por conclusao do emprego d'esse substantivo masculino que o cavalheiro e cynico. Em compensacao ha outros termos--os termos proprios de sociedade, que elles nunca empregam sem os ampliarem por meio de adminiculos decorativos. Quando escrevem _natal_, acrescentam sempre--_do Redemptor_, e para _cabecas_ dizem as _louras cabecas_, sempre que ellas sejam de creanca; sendo de vitella, ainda que egualmente louras, retiram-lhes o adjectivo para o nao sevandijarem com os contactos incivis do gado vacum. O publico derrete de justo enthusiasmo por estes escriptores mansos, que, a similhanca dos elephantes ensinados, estendem a tromba para o regaco das familias, em procura do biscoito caseiro com que a gratidao humana folga sempre de remunerar os carinhos dos pachidermes doceis. Os nomes d'elles nunca se imprimem senao enrabichados a um epitheto obsequioso: o _sympathico_, o _festejado_, o _modesto_, o _cordato_, o _bom_. Apesar do que, pouca gente os le, por que esses bons rapazes de profissao, modestos por modo de vida, para o fim de evitarem o conflicto de opinioes contrarias, embiocam-se frequentemente de mais n'um genero de litteratura abstracta ou de litteratura retrospectiva, que e a mais anodina, a mais sorna, a mais bestificante coisa por meio da qual um escriptor pode actuar sobre o somno dos seus contemporaneos. Se sao profundas e insanaveis as nossas dissidencias religiosas, e as nossas dissidencias politicas, sao ainda mais insanaveis e mais profundas as nossas dissidencias estheticas. Estamos tao separados uns dos outros pelas nossas conviccoes e pelas nossas crencas como estamos separados pelos nossos gostos. Os mesmos artistas, os nossos poetas, os nossos musicos, os nossos pintores detestam-se reciprocamente por odios figadaes, de folhetim e de escola. Estes odios, mal reprimidos nas conveniencias mutuas da camaradagem, rebentam de momento a momento, periodicamente, em brigas renhedissimas, que sao um dos mais decisivos symptomas da decadencia e da dissolucao do meio intellectual. Temos d'anno em anno como outras tantas vegetacoes do charco a _questao dos poetas_, a _questao aos jornalistas_, a _questao dos pintores_, a _questao dos musicos._ Quando alguma d'essas questoes se faz esperar no tempo dado a sua periodicidade, o burguez em espectativa exclama;--A canalha d'esta vez ainda se nao pegou; e que esta mais cara a vinhaca! * * * * * De cima abaixo, como veem,--na religiao, na politica, na moral, na arte--esphacelamento geral. For qualquer lado que se lhe pegue, a sociedade portugueza deixa um pedaco na mao que lhe loca. Tudo se desgruda, tudo se esbandalha no aggregado portuguez a que falta a cohesao da ideia portugueza. N'esta superficie sociai, inconsistente, mole, despolida, em que nem um so traco nitido adhere, so as nodoas se embebem, alastram e aprofundam como gotas d'oleo n'um papel passento. No espirito publico, inerte e extagnado como agua apodrecida no fundo de um poco, cada immoralidade que cae dentro abre circulos concentricos de vibracoes mephiticas que se alargam do ponto ferido ate a circumferencia do repositorio. De cada vez que o Terreiro do Paco annuncia que toma de aluguel mais uma consciencia, o paiz todo, ate a raia, poe escriptos. * * * * * Foi em face da situacao cujas linhas mais proeminentes acabamos de esbocar que alguns homens de extranha boa fe se lembraram de promover ha dois annos a celebracao nacional do centenario de Luiz de Camoes.--_E'a prova do espelho posto a bocca do moribundo para o fim de vereficar se elle ainda respira ou nao_--disseram entao esses homens ingenuos. E, sem receio do terrivel sentido ironico que se poderia ligar as suas palavras antigas, elles tomaram arrojadamente esta divisa:--_Vereis amor da patria nao movido de premio vil_. Para se julgar imparcialmente da accao das _Farpas_ nos suceessos que narramos, e conveniente recordar uma pequena particularidade: O individuo que propoz, redigiu, explicou e defendeu perante a assembleia dos escriptores de Lisboa o programma do cortejo civico do jubileu camoneano, tal como elle se realisou depois de officialmente amputado, no dia 10 de junho de 1880, foi precisamente o mesmo bohemio que escreve eslas linhas. Este simples detalhe absolutamente insignificante e inutil a historia do centenario, e importante para a historia das _Farpas_. Por isso ellas, ainda que immodestamente, o registam. Foi essa a primeira vez--sera provavelmente a ultima--que a redaccao d'estes pequenos livros exorbitou da esphera especulativa da critica para a esphera da accao, levando directamente a rua uma ideia. Se algum dia a moralidade das _Farpas_ houver de ser julgada na opiniao, este facto sera fundamental no processo, por que e pelo accordo ou pelo desaccordo entre as ideias litterarias e os actos publicos de um escriptor que este deve ser definido para a absolvicao ou para o desprezo dos seus similhantes. As _Farpas_ produziam gracejos periodicos desde o mez de maio de 1871. Nove annos de ironia persistente prostram de tristeza o temperamento mais solido. Rir de tudo ou de quasi tudo aquillo que todos os outros respeitam e veneram e fazer da alegria um exilio e da gargalhada um carcere. Nao ser de nenhuma seita e de nenhum partido, de nenhum club, de nenhum gremio, de nenhum botequim e de nenhum estanco, nao ter escola, nem irmandade, nem roda, nem correligionarios, nem companheiros, nem mestres, nem discipulos, nem adherentes, nem sequazes, nem amigos, e possuir a liberdade, e ter por amante a rude musa _aux fortes mamelles et aux durs appas_, cujo beijo clandestino e ardente poe no coracao a marca dos fortes mas requeima nos beicos o riso dos engracados. Alem da grande e amada tristeza, que ja S. Paulo lastimava,--a tristeza de ser so,--na alma das _Farpas_ havia ainda, a melancolia da descrenca sobre a efficacia dos seus meios artisticos, empregados para por verdades em evidencia. Onde ha uma corporacao que se intitula _Uniao e capricho_, onde ha outra que se chama a _Incrivel Almadense_, onde ha _Os prussianos do Seixal_ e a _A'vante incrivel canecense_, onde existe a _Academia dos Fenians_ e a sociedade de soccorros denominada _Parturiente funebre familiar_, onde um collegio de educacao poe na taboleta _Novo methodo intuitivo_, onde um jornal de noticias toma o titulo de _Santo Antonio de Lisboa_, onde uma camara municipal propoe a substituicao do nome de _Aldeia Galega_ pelo de _Linda Aurora do Tejo_, onde uma loja de bebidas, alliando a beberoca barata o mais illustre nome da poesia contemporanea, se intitula _A Casa Garrett_, onde todas estas coisas se dao, assim como se da a um homem o titulo de _Visconde do Marmeleiro,_ sem espanto, sem estranhesa, sem sobresalto, o povo perdeu a nocao do ridiculo, e nao ha ja ironia que lhe faca mossa. As agudezas da arte nao o penetram. E preciso uma broca. As _Farpas_ necessitavam de descancar movendo-se, vindo a praca publica, indagando se havia para ellas um logar entre a multidao, mostrando-se uma vez participantes no movimento do seu tempo. Quando a commissao dos escriptores reunida para celebrar o centenario, publicou o programma que nos encarregou de fazer, a cidade inteira riu durante trez dias com trez noites. --E a cerracao da velha ou e o enterro do bacalhau?--perguntava-se aos chas de familia, nas casas particulares, nos botequins, nos pacos dos nossos reis e nas estalagens. A nacao inteira, congrassada no preito de uma ideia commum, representada n'uma enorme procissao civica, com os andores dos santos substituidos pelos symbolos e pelos tropheus do trabalho e da intelligencia do homem; reunidas pelo abraco da solidariedade patriotica todas as classes sociaes, que nunca ate esse dia se haviam encontrado juntas em torno do mesmo interesse commum e da mesma sympathia reciproca; os estandartes de todas as profissoes e os pendoes de todos os partidos, os mais radicalmente oppostos e adversos, baixando-se juntos pelo mesmo impulso perante a honra e a gloria da patria; o rei a frente entre os socialistas mais intransigentes e entre os republicanos mais vermelhos, os cortezoes e os officiaes d'officio, os sabios e os cavadores d'enchada, os juizes com as suas becas, os generaes com os seus uniformes, os doutores com os seus capellos, os campinos com os seus cavallos a redea, os pescadores, de pernas nuas e pes descalsos com uma vela em triumpho, os pastores, de tamancos com calcoes de pelle de cabra, abordoados aos cajados, os soldados com as bandeiras e as espingardas coroadas d'oliveira, os cidadaos, todos emfim, fraternisando n'um sentimento e n'uma ideia, era effectivamente o espectaculo mais proprio para fazer cocegas debaixo dos bracas a nacao e para desengonsar pela gargalhada as mandibulas do publico. Apesar d'isso porem o programma, depois de devidamente modificado pelo governo, como o pedia o decoro da coroa e a dignidade do exercito, cumpriu-se, e a procissao civica nao foi inteiramente o _enterro do bacalhau_, como se predizia: foi apenas o _enterro da monarchia_. Nenhum outro facto a nao ser a apotheose de Luiz de Camoes, seria possivel invocar como tregoa das divergencias que nos desunem, para cohesao social do espirito portuguez. Em nenhuma outra, litteratura existe um poeta cuja personalidade se ache como a de Camoes tao profundamente e tao indissoluvelmente ligada ao genio, a historia e ao destino do seu paiz. Os Luziadas sao a patria portugueza affirmada na forma indestructivel e sagrada da arte, sao a nacionalidade de um povo manifesta e comprovada por todos os seus direitos a vida historica, direitos immortalisados pela unccao de uma poesia eterna. A celebracao solemne do centenario de um tal artista podia ser para a sociedade portugueza o que a leitura dos Luziadas foi para os grandes cidadaos nas crises de decadencia nacional,--um estimulo supremo de energia e de revivescencia patriotica. Repellindo com uma bossalidade grosseira, por meio de uma estupidez verdadeiramente cornea, esta occasiao unica de revincular a tradicao historica da allianca do rei com o povo, o governo monarchico lavrou o documento mais formal da sua incompetencia organica para continuar a dirigir os destinos do paiz. Este simples facto demonstra do modo mais evidente que as fontes do systema representativo que presentemente nos rege estao profundamente viciadas e insanavelmente corrompidas. Um ministerio que procede de tal forma, em opposicao radical com o espirito da nacao, e que depois disso continua a manter-se no poder com o beneplacito da camara, constitue a prova irrefutavel de que a soberania nacional e uma pura farca dentro de tal regimen, que a delegacao dos poderes e uma mentira e que o chamado governo constitucional e uma fraude torpe, uma desfarcada usurpacao hypocrita e cobarde. Ha poucos dias ainda um deputado proferiu em pleno parlamento a seguinte pbrase: _A camara aguarda as determinacoes do governo_. Este eloquente e arrojado tribuno do povo fallou bem. _Multa in paucis_. Toda a philosophia da representacao nacional portugueza no presente momento historico se encerra n'essa synthese sublime e immorredoura:--"A camara aguarda as determinacoes do governo." A subserviencia do soberano ao dominio de espiritos tao garantidamente nulos e tao perfeitamente chatos como os que o aconselharam no centenario de Camoes prova-nos que o cerebro da dynastia se acha tocado pelas fatalidades atavicas inherentes a um organismo em torno de cuja massa encephalica gira sangue do snr D. Joao VI. * * * * * Das manifestacoes publicas a que deu origem o centenario de Camoes parecia poder-se deduzir: _Primeiro_--Que o systema monarchico representativo vigente, corrompido pela viciacao do suffragio, deixando de representar a soberania da nacao, perdera por esse facto a rasao de ser,--o que de resto elle proprio mostrava comprehender, principiando a brilhar pela ausencia alem do muito que ja brilhava pela inanidade. _Segundo_--Que o espirito do publico em Portugal estava adeante das instituicoes e que tinha portanto de as substituir ou de as despresar. _Terceiro_--Que o principio de associacao, pelo desenvolvimento enorme que attingira no decurso dos ultimos annos, teria de ser tomado por base de toda a reforma por que houvesse de passar no paiz a ordem politica assim como a ordem social e a ordem economica. * * * * * Admittidas essas hypotheses, o progresso consistiria: _Primeiro_--Em minar systematicamente as instituicoes, approximando d'ellas subtilmente todos os reagentes que pudessem contribuir para as dissolver mais depressa: ideias, argumentos, logica, sabao e verdade. _Segundo_---Em educar o espirito publico por meio de bons livros e de bons jornaes, systematisando as ideias, coordenando as aspiracoes, elevando o gosto, e transformando assim a pouco e pouco a concorrencia de actividades desunidas em convergencia de forcas combinadas. _Terceiro_--Em confederar as corporacoes de todos os trabalhadores associados---duzentos mil homens, mandando em cada anno os seus deputados a um congresso livre em que se defendessem os deveres das classes trabalhadoras, os seus direitos, os seus interesses, a sua situacao perante a continuidade historica e perante a solidariedade social, o estado das suas relacoes economicas e moraes com a politica interior e com a politica exterior do paiz, fundamentando assim os alicerces de um novo regimen de liberdade efficiente, contraposto ao velho regimen de auctoridade inutil,--especie de iniciacao pacifica e fecunda para o advento de uma verdadeira democracia, para um systema de _self-governement_ ou de federalismo economico a Proudhon. * * * * * Que e que se tem feito no espaco de dois annos decorridos desde o centenario ate hoje para o fim de encaminhar as ideias no sentido d'essas solucoes? * * * * * Fundou-se a associacao dos escriptores com trezentos e cincoenta associados, dos quaes trezentos e quarenta, pelo menos, nao sao escriptores, porque se nao pode com precisao technica dar esse nome aos individuos que por meio das letras nao cultivam uma sciencia, uma philosophia ou uma arte. As letras so de per si sao puramente um meio. Todo o pretendido escriptor que nao tem dentro um sabio, um philosopho ou um artista, nao e bem um escriptor, e um escrevente, e isto ainda na hypothese de que tenha orthographia e boa lettra. Faltando-lhe esses dois predicados nem escrevente e, e um esvasiador de tinteiros em prelos e de prelos em papel de impressao, o que verdadeiramente se deve chamar um _troca-tintas,_ apenas. N'esta associacao dos escriptores comecou um socio, professor de instruccao primaria, por annunciar um _curso de leitura para analphabetos._ Como epigramma a si mesmos devemos confessar que e este o mais espirituoso que os litteratos reunidos teem botado aos quatro ventos do seculo. Os snrs Consiglieri Pedroso, Adolpho Coelho e Joaquim de Vasconcellos teem feito na sociedade dos escriptores preleccoes importantes sobre historia universal, sobre linguistica e sobre critica d'arte. Cremos porem que estes bellos e desinteressados servicos a sciencia tanto poderiam ser prestados por aquelles cavalheiros na sala da associcao dos escriptores como na sociedade _Luz e Caridade_ ou na de _Maria Pia, Protectora dos Portuguezes,_--nova coisa que os do Porto abriram agora a gargalhada do mundo e a necessidade que os protegidos sentiam n'aquella cidade de jogar a bisca juntos sob a egide d'uma mesma princeza. Como corpo collectivo a associacao dos escriptores tem evitado toda a especie de contacto com o movimento social ou com os interesses intellectuaes da classe por meio de um melindre de sensitiva e de uma pudicicia de vestal velha. Na qualidade de corporacao registrada no governo civil e com estatutos approvados pelo governo, os escriptores teem apenas produzido luminarias, dois jantares, um passeio fluvial e algumas assembleias geraes. Em vista de tal esterilidade, os dramaturgos, bem avisados, separaram-se ultimamente da corporacao e fizeram panella a parte. Estreitados por este novo vinculo e aguilhoados em suas imaginacoes pela paixao ardente das artes scenicas, os escriptores dramaticos nao principiaram ainda a primeira peca feita em collaboracao ou separadamente, mas vao ja no quarto ou quinto jantar mensal comido de sucia. Bom appetite para o resto de carreira tao briosamente encetada e o que do fundo d'alma desejamos a estes espirituosos filhos de Melpomone. * * * * * Emquanto a livros destinados a lancar alguma luz sobre o atoleiro tem havido pouco tempo para os fazer. O snr Antonio de Serpa foi o que projectou mais clarao. Este notavel estadista fez o favor de nos revelar na sua ultima obra que um ministro em Portugal nao tem tempo para tratar das questoes. Todo o dia de um ministro e pequeno para parlamentar e para ouvir requerentes. Ainda bem que por este lado ao menos esta o negocio liquidado. O livro do snr Antonio de Serpa, que foi ministro por muitos annos nao deixa o menor vislumbre de incerteza sobre esse ponto. Ahi temos o portico da publica governacao com os seus ministros dentro.--Truz truz truz! --Quem e? --Esta em casa o governo? --Que lhe hade querer? Se e peditorio, pode entrar; se traz broblema, s. ex.ª sahiu n'este mesmissimo instante para palacio. Ficamos sabendo, em summa, e de uma boa vez para sempre, que o governo se nao ocupa das questoes. E' inutil suggerir-lh'as, propor-lh'as, explicar-lh'as, amenisar-lh'as, desfarcar-lh'as, impor-lh'as, estender-lh'as na ponta de um cajado, ou mandar-lh'as a casa n'uma travessa com ramos de salsa a roda e com limao em cima. O governo o que nao tem e tempo. Bem! nao se lhe falla mais n'isso. O tudo e haver quem explique as coisas! Varios jornaes com tendencias mais ou menos revolucionarias appareceram, desappareceram ou permaneceram depois que o centenario de Camoes se celebrou, mas em todos esses periodicos tem feito reconhecida falta alguem que serenamente nos de dos phenomenos do tempo presente explicacoes tao cabaes como aquellas em que timbra o snr Antonio de Serpa. * * * * * Resta-nos do movimento emmergente da celebracao do jubileu camoneano o congresso das associacoes confederadas. Para julgarmos do estado das ideias que vao ser debatidas n'esse parlamento, cuja realisacao cumpre confessar que se deve principalmente a iniciativa e a tenacidade de um unico homem, o snr Theophilo Braga, para apreciarmos d'antemao a orientacao mental e a systematisacao de principios que as diferentes classes sociaes terao de revelar na reuniao da dieta cooperativa a que nos referimos, a festa do centenario do marquez de Pombal, ultimamente celebrada, figura-se-nos ser um symptoma culminante e preciossimo. Antes porem de examinarmos como foi comprehendida pelo publico a importancia historica do marquez de Pombal sobre a civilisacao portugueza, temos de indicar a tracos largos a physionomia do heroe canonisado pelo enthusiasmo popular. * * * * * O marquez de Pombal e um estadista, um governante,--o que quer dizer--a mais pequena das coisas que um homem grande pode ser. Buckle...--pois que e bom citar auctordades extranbas sempre que se deseja adduzir opinioes desinteressadas e argumentos insuspeitos--Buckle, um dos primeiros escriptores modernos que fundou em bases positivas as leis da civilisacao e do progresso, affirma, perante os factos evidentes superiores a toda a controversia, que todos os interesses da sociedade foram sempre na Inglaterra gravemente compromettidos por todas as tentativas que os legisladores fizeram para os auxiliar. Nenhuma grande reforma, quer legislativa quer executiva, foi jamais em paiz algum a obra d'aquelles que governam. Os governos constituidos nao podem fazer em bem do progresso senao uma coisa: dar-lhe possibilidade. Os unicos servicos que um governo pode prestar a civilisacao reduzem-se a manter a ordem, a impedir os fortes de opprimir os fracos e a tomar algumas precaucoes para o fim de assegurar a saude geral. Todo o governo que traspoe estes limites ultrapassa o mandato e e criminoso perante a historia.--Nao somos nos que o dizemos e Bukle na sua _Introduccao a historia da civilisacao em Inglaterra_. Guizot, apesar de todo o seu doutrinarismo, confessa que e effectivamente um erro grosseiro o acreditar no poder soberano da maquina politica. Bastiat diz: O Estado nao e mais que uma grande ficcao atravez da qual toda a gente se exforca por viver a custa de toda a gente. Bagehot, o illustre critico que mais exactamente soube adaptar as leis scientificas da evolucao biologica aos estudos sociaes, pensa que a liberdade "e o poder que fortifica e desenvolve, e a luz e o calor do mundo politico. Se algum cesarismo conseguiu jamais patentear alguma originalidade de espirito, proveio isso de que soube appropriar-se dos resultados obtidos pela liberdade ou em tempos passados ou em paizes visinhos. Mas ainda em taes casos essa originalidade e fragil e pouco duradoura, e desaparece sempre dentro de um breve espaco de tempo, depois de experimentada por uma ou duas geracoes, exactamente no momento em que principiaria a ser necessaria." Herbert Spencer explica pela accao physica das martelladas sobre a bossa de uma chapa de ferro os effeitos produzidos sobre o complexo aggregado social por essa forca accidental que se chama o governo. Para achatar a empola na chapa de ferro o empyrismo bate-lhe em cima com um martello: o resultado correspondente a este esforco e que a bolha recalcada para baixo cada vez incha mais para cima, e a lamina nao somente se torna mais barriguda do que estava no ponto defeituoso mas contrae ainda defeitos novos e imprevistos comecando a arrebitar pelas extremidades. E' como a d'este martello a accao dos governos sobre a reformacao das sociedades. Referindo-se a inutilidade dos homens que governam com relacao aos destinos dos que sao governados, o mesmo Herbert Spencer escreve: "Adao Smith ao canto do seu fogao impoz ao mundo muito mais consideraveis mudancas do que qualquer primeiro ministro. Um general Thompson, que forja as armas necessarias para a guerra contra a lei dos cereaes, um Cobden e um Bright, que as aperfeicoam e que se servem d'ellas, contribuem mais para a civilisacan do que qualquer porta-sceptro. O facto pode desagradar aos estadistas, mas e indiscutivel. Calculem-se todos os resultados adquiridos ja pelo livre cambio, juntem-se-lhes os resultados muito maiores ainda que elle nos promette, nao somente a nos, mas a todas as nacoes que adoptarem o nosso principio, e ver-se-ha que a revolucao emprehendida por esses homens excede em grandeza tudo o que jamais fez um potentado. O snr Carlyle sabe-o bem: aquelles que preparam verdades novas e que as ensinam aos seus similhantes sao em nossos dias os verdadeiros poderes, os _legisladores nao reconhecidos_, os unicos reis. Os que se sentam nos thronos e os que compoem os gabinetes--toda a gente o sabe--sao simplesmente os servos d'aquelles homens." Muitos outros exemplos se poderiam acrescentar aos que sao referidos por Spencer. Os mais complicados problemas sociaes, como o do augmento da riqueza, e o do augmento dos bracos, sao resolvidos no fundo de uma officina por simples trabalhadores. O metallurgista Bessemer por meio da fabricacao do aco dota as nacoes civilisadas com uma economia de dinheiro que o _Scientific American_ calcula sobre bases precisas, somente com relacao a produccao do aco bruto, na quantia de noventa mil contos por anno. Tomando em conta o excesso de duracao, adquirido nos artefactos pela substituicao do ferro pelo aco, e devido a invencao de Bessemer, a economia realisada pela Gra Bretanha unicamente, na duracao dos rails dos caminhos de ferro, eleva-se a um rendimento de quinhentos e sessenta e cinco mil contos. Qual e a medida governativa que jamais produziu um tal resultado? Em 1781, no mesmo anno em que o marquez de Pombal exclamava: _Agora e que Portugal vae a vela_, Watt descobria a applicacao do vapor. Decorreu apenas um seculo depois da invencao do vapor applicado ao movimento de uma arvore de rotacao, e as ultimas estatiscas do snr Bresca mostramnos que, somente em Franca, a forca productiva inventada por Watt se acha representada por um milhao e cem mil cavallos de vapor. Calculada em doze homens e meio a paridade de forca de cada cavallo de vapor, temos quatorze milhoes d'homens correspondentes ao milhao e cem mil cavallos. Esses vintes e oito milhoes de bracos d'aco, trabalhando mais do que outros tantos milhoes de bracos humanos, auguentam a forca muscular da Franca, pela dadiva de um simples e modesto operario, em quantidade muito maior do que a forca destruida nas guerras pelo imperador Napoleao. O problema scientifico, n'este momento em resolucao, da transmissao da forca pelos conductos pneumaticos e pelos fios electricos; poe a catarata do Niagara ao servico do trabalho universal, e segundo uma memoria do snr Siemens apresentada recentemente ao _Iron and Steele Institute_, so a forca do Niagara e superior a de todo o carvao que hoje se queima no globo, se todo elle fosse exclusivamente empregado em produzir trabalho. Os homens que mais reconhecida e decisiva influencia teem tido nas reformas economicas e sociaes do nosso tempo nao sao nunca os homens d'estado, mas sim os homens d'estudo, simples jornalistas como Joao Baptista Say e Carlos Dunoyer, um obscuro cirurgiao como Quesnay, um modesto professor como Adao Smith. Aquillo que se chama propriamente um _governante_ nao e mais que o resto anachronico de uma velha liturgia hoje extincta. O vulto grosseiro d'esse dictador que se chamou Sebastiao Jose de Carvalho, levantado em triumpho como um symbolo de progresso e de liberdade, com a sua cabelleira de rabicho, com os seus autos do Tribunal da Inconfidencia e os seus cadernos da Intendencia da Policia debaixo dos bracos, faz-nos o effeito de um velho monstro paleontologico, desenterrado das florestas carboniferas e reposto, com palha dentro, no meio do espanto da flora e da fauna do mundo moderno. Que significa uma similhante festa dos filhos da liberdade ao representante do despotismo? Que sentido absurdo se pode ligar no fim do seculo XIX a esta nova e inesperada _Declaracao dos direitos do governo_, depois que a Revolucao Franceza nos fez presente a todos nos da _Declaracao dos direitos do homem_? Desde 1789 ate hoje todos os esforcos dos povos cultos teem tendido precisamente a enterrar o principio que nos resuscitamos com a apotheose solemne de um estadista. Todo o immenso trabalho da reconstituicao social durante este seculo tem consistido para todos os homens livres em negar aquillo que a memoria do marquez de Pombal affirma, em eliminar a accao do estado sobre os actos dos individuos, reivindicando sobre os restos das velhas tyrannias auctoritarias todas as liberdades proclamadas pela Revolucao, a liberdade de imprensa, a liberdade de cultos, a liberdade de ensino, a liberdade de associacao, a liberdade de reuniao, a liberdade de commercio, a liberdade de industria, a liberdade de trabalho. A personalidade de um estadista da escola do marquez de Pombal representa a negacao expressa de todas essas liberdades, representa a revivescencia do antigo despotismo monarchico, a coercao do homem sobre o homem, quando o que todos nos pedimos desde Danton para ca, em nome da dignidade da especie, rehabilitada pela sciencia na posse de si mesma, e o livre exercicio da accao do homem sobre a natureza. Os unicos povos do globo que ainda hoje acceitam, nao diremos com os regosijos de um triumpho, mas simplesmente sem discussao, sem protesto ou sem revolta, o principio da auctoridade representada pelo arbitrio de um individuo, sao os selvagens; sao os aschantis, cujo rei, herdeiro unico e forcado de todos os seus subditos, tem 3:333 mulheres e um numero proporcionado de filhos, com o direito de saque sobre toda a communidade; sao os kafungas do Valle do Niger, onde ninguem se approxima do soberano senao com as maos no chao e a cabeca arrastada na lama; sao os abyssinios, que nascem todos escravos do rei seu dono: sao os malanesios, cujo chefe tem o tratamento de _Deus_; sao finalmente os cafres, os botocudos, os topinambas, os patangonios e os esquimaus. Na Europa ja nao ha d'isso. Com a emancipacao intelectual dos governados acabou o prestigio dos governantes. A Hispanha, a Italia, a Franca, a Inglaterra, a Allemanha celebram com religiosa piedade filial os centenarios dos seus poetas, dos seus artistas, dos seus philosophos, dos seus paes espirituaes, dos seus bemfeitores. Em regiao nenhuma do mundo arroteada pela civilisacao se celebra o culto do estadista, agente ephemero de estados sociaes transitorios, especie sempre brutal se triumpha das resistencias, sempre impura se se concilia com ellas, engenho destinado a condensar poder e a segregar leis, tao passageiras como o apparelho de que procedem, e todas mas sempre que nao teem por objecto a revogacao d'outras que as precederam. A sciencia anthropologica confirma inteiramente o instincto popular no seu desdem pelas faculdades dos chamados homens d'estado. O snr Wechniakoff, emprehendendo recentemente n'uma obra de anthropologia psychologica a historia natural dos _grandes homens_, divide estes em tres grupos: os monotypicos, os polytipicos e os philosophos. No primeiro grupo entram as altas intelligencias monocordes como as dos poetas, dos pintores, dos musicos, dos engenheiros, dos astronomos, etc. O segundo grupo compoe-se dos espiritos de natureza multipla cuja actividade se exerce nos trabalhos mais variados, cujos resultados elles sao todavia impotentes para coordenar em conjuncto. Pertencem a esta familia Haller, poeta, naturalista, physiologista, auctor de 576 obras e de 12:000 artigos bibliographicos; Humboldt, que aprendeu philologia aos setenta annos e publicou a ultima parte do _Cosmos_ dos oitenta e um aos oitenta e oito annos de idade; Bernardo Palissy, Plater, Alberti. O terceiro grupo, subdividido em grupo philosophico permanente e grupo philosophico transitorio, consta na primeira parte de individuos como Auguste Comte, Leibnitz, Lagrange, e na segunda de Newton, Grove, Daniel Bernouilli, etc. Em nenhuma d'essas categorias se comprehendem os estadistas, porque a anthropologia psychologica nao acceita como grandes homens senao os creadores da arte, da sciencia ou da philosophia. * * * * * Determinada a especie, passemos agora a examinar o individuo. Durante o seculo XVIII--diz Michel Chevalier--vemos successivamente passar na direccao dos negocios na maior parte dos Estados, ou seja como rei ou como primeiro ministro, um reformador applicado a destruir a supremacia da nobresa e do clero, com o fundamento de que a nobresa tendia a attribuir-se uma parte das prerogativas do governo em detrimento da realesa e por vantagem propria, emquanto o clero aspirava a dirigir a sociedade ficando elle, unicamente sujeito a um soberano extrangeiro que com uma triplice coroa na cabeca se considerava o rei dos reis. N'este presupposto era como senha dada e geralmente obedecida suscitar por meios mais ou menos artificiaes, a falta d'outros mais convenientemente entendidos e mais efficazes, o desenvolvimento da agricultura, do commercio e das manufacturas, afim de augmentar a riqueza dos povos e os recursos do Estado, de que o principe dispunha arbitrariamente. Parecia util espalhar a instruccao, porque ella contribue para formar uma opiniao publica que pode contrabalancar a auctoridade do clero sobre os espiritos. Quanto ao mechanismo do governo punha-se completamente de parte a liberdade. A divisa era: O estado e o principe. Todos o pensavam com quanto o nao proclamassem como Luiz XIV. Esta feicao geral encontra-se em graus diversos, sob formas differentes e com accessorios appropriados aos logares e as circumstancias em varios estados durante uma ou outra parte do seculo XVIII. No norte essa expressao e brilhante na corte do grande Frederico e da grande Catharina; no centro da Europa na corte de Jose II. No sul apparece em Pombal, e, em grau menor, nos dois hispanhoes rivaes um do outro Campomanes e Florida Blanca. D'esta exposicao tao clara do systema geral de reformas governativas na Europa durante a primeira metade do seculo passado, exposicao devida a uma auctoridade tao insuspeita como a do economista Michel Chevelier, deduz-se immediatamente que o talento politico do marquez de Pombal carece de originalidade. Esta circunstancia destroe em grande parte o intuito patriotico que geralmente se lhe alttribue de pretender, n'um ponto de vista nacional, reformar e reconstituir a sociedade portugueza dissolvida por duzentos annos de despotismo monarchico e catholico. O arrojado ministro do rei D. Jose era apenas um reformador de segunda mao. Como revolucionario a sua carreira e de pe posto no circulo feito em torno das realezas estremecidas por todos os dictadores que se haviam seguido a Richelieu no governo das monarchias modernas. As reformas de Pombal nao sao o producto puro de um talento pessoal mas sim os ultimos effeitos de uma corrente contagiosa de ideias, ao tempo d'elle quasi todas ja envelhecidas e refutadas. O que elle representa na civilisacao nao e a personificacao de um genio mas sim o advento de um novo poder, que o enfraquecimento das racas reinantes tornava necessario, que entao apparecia pela primeira vez e que Auguste Comte denominou o _poder ministerial._ Este facto exprime um consideravel progresso politico, de que Pombal e a funccao. O estabelecimento do poder ministerial e a reversao, ao valor, da auctoridade ate ahi adstricta ao nascimento. Antes de assumir a dictadura em que o investiu o rei D. Jose, Pombal viajara, residira como embaixador na Inglaterra e na Austria, convivera com homens de espirito iniciados nas ideias da philosophia franceza, mas nem da revolucao intellectual da Franca nem da revolucao economica da Inglaterra elle comprehendeu o mechanismo. Unicamente os processos da politica austriaca, de uma meticulosidade italiana e de um rigor allemao o penetraram inteiramente. A imperatriz Maria Thereza, que envolvida nos mais altos negocios da politica internacional europeia funda _commissoes de_ _castidade_ para salvaguardar as esposas das infidelidades maritaes, sem que todavia isso a empeca de escrever epistolas ternas a Madame de Pompadour, amante de Luiz XV, da bem o modelo da politica pombalina, policiando tudo no reino desde os primeiros segredos da diplomacia ate aos ultimos mysterios das alcovas. Na corte de Vienna encontrou o marquez de Pombal, em elaboracao, as ideias que pouco depois deviam constituir o programma politico do imperador Jose II, cuja impetuosidade de caracter Maria Thereza procurara conter em quanto viva e cujos projectos de reforma eram tao similhantes aquelles que o marquez realisou em parte como primeiro ministro na corte de Lisboa. Abolicao da escravidao, do direito de primogenitura, dos dizimos, da caca privilegiada; reconhecimento dos judeus e dos protestantes como cidadaos; todo o cidadao considerado capaz de alcancar qualquer emprego; suppressao dos conventos inuteis transformados em hospitaes e em estabelecimentos de instruccao; desenvolvimento das universidades e das academias; proteccao das pautas a industria nacional: tal e a parte do programma de Jose II que o ministro portuguez procurou por em execucao no seu paiz. Mas Jose II ia um pouco mais longe, e a declaracao completa da sua politica ao subir ao throno, pouco mais ou menos pelo mesmo tempo em que Pombal cahia, mostra-nos que este nao aprendera inteiramente a licao que as suas convivencias e os suas ligacoes austriacas lhe haviam ministrado. O imperador Jose II declarou que _reinar sobre homens livres era a sua unica paixao como rei_. Pombal, preoccupara-se pouco, com a liberdade conferida aos cidadaos que governara. Esta differenca fundamental entre o reformador austriaco e o reformador portuguez reflecte-se na obra de cada um por meio dos effeitos mais expressivos. Assim, emquanto o marqucz de Pombal confere o tratamento de magestade ao _tribunal da Inquisicao_ e funda o famoso e terrivel _tribunal da Inconfidencia_, Jose II substitue a todas as jurisdicoes, ecclesiasticas e feudaes, tribunaes civis de varias instancias emmergentes d'um unico tribunal supremo. Emquanto Pombal funda a Real Mesa Censoria, Jose II transfere para os membros das academias e das universidades a censura ate entao exercida pelo clero. Emquanto Pombal reserva para a coroa o direito de nomear e de demitir sem mais forma de processo todos os funccionarios da nacao, Jose II funda a lei dos concursos. Emquanto, finalmente, Pombal manda suppliciar n'um aulo de fe, com cincoenta e tres condemnados, o pobre cretino Malagrida na idade de setenta e tres annos, Jose II estabelece o principio da tolerancia, conferindo a toda a aggregacao religiosa de tres mil almas, de qualquer seita que sejam, o direito de edificar um templo e de subsidiar um pastor. Nas praticas administrativas Pombal e da escola de Colbert, refutada em Inglaterra desde o meiado do seculo. O systema protector pombalino e o systema colbertista, de que elle e copia, dao em Portugal e em Franca resultados similhanies. Pombal que recebera da administracao de D. Joao V um cofre em que nem havia com que pagar o enterro do rei, entrega a D. Maria I o erario com uns poucos de milhoes, um exercito numeroso e uma boa esquadra. Colbert escrevia ao soberano em 1662: "Os rendimentos estavam redusidos a 21 milhoes e ainda esses comidos por dois annos; hoje estao em 50 milhoes. Entao o rei pagava 20 milhoes de juros; hoje nao paga um _sou_. Entao o rei, dependente dos financeiros, nao podia fazer despesa alguma extraordinaria; hoje, depois da compra de Dunkerque, a Europa ve-o bastante rico para comprar o que quizer. Entao nao havia marinha; hoje vinte e quatro naus acabam de ser construidas, etc." A prosperidade de um povo nao pode porem ser aquilatada pelo dinheiro que o principe possue no erario a sua disposicao, nem pelo numero das baionetas dos soldados ou das boccas de fogo dos navios que elle tenha a mao para fazer guerras. O Estado e um apparelho, nao e uma individualidade. O Estado tem funccoes e nao tem mais coisa nenhuma, nem bens, nem crencas, nem opinioes. O Estado tem obrigacao restricta de ser pobre, exactamente como tem obrigacao de ser atheu. Onde o Estado enriquece, a communidadc esta roubada, porque se lhe extorquiu mais em imposto do que se lhe deu em servicos, e as relacoes dos individuos com o Estado, tendo por base a troca, nao podem ter por fim o lucro do mesmo Estado, representado pelo principe, pela corte, pela nobreza ou por qualquer outra classe privilegiada. Quando o Estado se constitue protector torna-se objecto de uma supersticao grosseira e perigosa. A fe posta na proteccao do governo e uma derivacao da fe no milagre. Essa fe dissolve todas as aptidoes, todas as iniciativas, todas as forcas de uma sociedade. Os que acreditam na accao providencial dos estadistas sobre os desenvolvimentos da riqueza, e da prosperidade dos povos perturbam tudo pela confusao dos poderes de que abdicam, delegando-os no governo. Os proletarios pedem a abolicao dos direitos de importacao dos cereaes e dos tecidos para terem o pao e o vestido mais barato; os cultivadores e os industriaes requerem direitos prohibitivos de concorrencia para venderem mais caro os productos da terra e os das fabricas; os operarios requerem augmento de salario; os patroes solicitam augmento de trabalho; e todo o accordo, desde que o Estado intervem, se torna impossivel entre aquelles que produzem e aquelles que consommem. Nenhuma das industrias que o marquez de Pombal fundou pela proteccao lhe pode sobreviver na liberdade. Todas as grandes companhias de industria ou de commercio fundadas por elle desappareceram sem o menor vestigio na prosperidade ou na riqueza, publica,--a companhia do Maranhao, a de Pernambuco, a dos Vinhos do Douro, a da pesca da baleia, a da pesca do atum. Todas as fabricas que elle montou cahiram successivamente umas depois das outras. A razao e que a industria nao e um artigo de importacao mas sim um ramo da sciencia applicada. O unico meio de suscitar industrias e de crear commercio e introduzir sciencia e dar liberdade. O vasto plano do marquez de Pombal tendente a uma completa e total reconstruccao social e, pela sua mesma natureza absoluta, a negacao do seu talento politico. Tendo por fim condensar os esforcos da progressao social, toda a politica efficaz tem necessariamente de ser tao lenta como essa progressao. O snr Oliveira Martins chama ao governo do marquez de Pombal um terramoto. Effectivamente o enorme conjuncto d'essas disposicoes legislativas e policiaes destinadas a refazer de um jacto uma civilisacao, representam uma forca tao poderosa e ao mesmo tempo tao irracional como o abalo de terra que em alguns minutos destroe uma cidade. O snr Dubost, apreciando na _Revue de Philosophie Positive_ as altas qualidades de Danton como homem de estado, diz que o caracter principal da sua politica consiste na necessidade que elle comprehendeu de renunciar deliberadamente a intentar a reconstruccao total da sociedade franceza, mantendo-sc energicamente em uma obra relativa, que deve consistir em permittir a elaboracao dos elementos que por si mesmos hao de gradualmente produzir a reconstituicao. Pombal desconhecia completamente essas leis fundamentaes da politica, que subordinam as funccoes governativas a independencia do meio social, nao permittindo medida alguma que a opiniao nao solicite, que a vontade publica nao reclame. Condorcet na sua biographia de Turgot, de quem elle foi o amigo e o collaborador, diz: "Deve-se evitar na reforma das leis: 1.º tudo quanto possa perturbar a tranquillidade publica; 2.º tudo quanto produza grandes abalos no estado de um grande numero de cidadaos; 3.º tudo quanto encontre de frente preconceitos ou usos geralmente recebidos. Algumas vezes succede que uma lei nao pode produzir todo o bem que promette ou nao se pode por em execucao porque a opiniao lhe e adversa; n'esses casos _cumpre comecar por mudar a opiniao_." Para o ministro do rei D. Jose nao havia senao uma opiniao--a d'lle, e o publico nao era mais que uma grande massa passiva e bruta, que elle se julgava destinado a modelar sob varios aspectos mettendo-a em formas, como se faz aos pudins. Derivando todas as liberdades da pessoa do rei, elle recalcou sempre pelo terror todas as revindicacoes de independencia collectiva ou pessoal. Nunca nos estados modernos da Europa o despotismo assumia um caracter mais cruel, mais sanguinario mais implacavel que o do regimen pombalino em Portugal. Proudhon diz que a tyrania esta sempre na rasao directa da grandeza da massa dominada. A administracao do reinado de D. Jose e uma excepcao a esta regra. Em tao pequena familia tao grande oppressao como aquella de que a sociedade portugueza deu o espectaculo durante o ultimo quarteirao do seculo XVIII foi o espanto e o horror do mundo civilisado. A tremenda catastrophe do terramoto lancara o panico, o horror, a confusao, o desequilibrio em todos os espiritos, em todas as relacoes sociaes, em todos os interesses economicos. A catastrophe nacional derivada d'essa revolucao geologica prepara o advento da dominacao pombalina, assim como o terror na revolucao franceza prepara o advento da dominacao napoleonica. Em Franca como em Portugal a sociedade havia perdido sob o golpe de uma desgraca esmagadora a faculdade de resistir. No meio do desfallecimento geral que por algum tempo se succedeu a violencia da crise, Pombal pretendeu reconstruir a sociedade perturbada exactamente pelo mesmo processo por que reconstruiu a cidade em ruinas: ao esquadro e a regua, como um pedreiro cabecudo e valente, tomando a symetria pela ordem; sem respeito algum pela dignidade das ideias e dos sentimentos; sem a menor nocao da elevacao e da belleza moral; sem arte, sem graca, sem elegancia, sem gosto; n'uma feroz teimosia de omnipotente sapador, alinhando, razoirando, espalmando, achatando, estupidificando tudo. Sao os brutaes arruamentos quadrangulares da Baixa prolongados a toda a area da ordem social. De cima a baixo, de norte a sul, de este a oeste, tudo arruado! Para ali os algibebes, para ali os professores, os bacalhoeiros, os poetas e os capellistas; para acola os retrozeiros, os latoeiros, os artistas e os philosophos. Para os sapateiros aqui estao as formas; para os philosophos aqui estao as ideias, para os retrozeiros aqui estao as linhas; para os artistas aqui esta a natureza, a sensibilidade, o temperamento e a paixao. Elle so gisa, mede, talha, corta, almotaca, esposteja, aquartilha, taberneia, baldroca, amesinha e a apilula tudo,--o arroz, o vinho, a manteiga, o bacalhau, o briche, o oleo de ricino, o ensino publico e particular, as missas, a poesia, a architectura, a musica, a esculptura, a philosophia, a historia, a moral e a canella. A cada um o seu regulamento e o seu arruamento, com quatro forcas e com duas mas, direitas, parallelas rectilineas, vindo todas dar a grande praca central com a besta de bronze ao meio, sustentando em cima, vestido a romana com um sceptro na mao, um pulha inepto, de bronze para pensar, de cebo para resistir. Nos patibulos, que servem de signos geodesicos a triangulacao do systema, nunca durante dez annos deixou de pernear alguem para recreio do principe e escarmento dos subditos. Toda a reclamacao, ainda a mais moderada, contra medida promulgada pelo omnipotente ministro era considerada crime de lesa-magestade e d'alta traicao. O supplicio dos Tavoras e do duque de Aveiro e o auto de fe do padre Malagrida sao monstruosos de mais para que facamos d'elles argumentos de historia. A ferocidade levada a um tal requinte deixa de pertencer a critica; esta fora da historia assim como esta fora da humanidade: e uma reversao ao canibalismo, cujo estudo compete a psychologica pathologica. Explica-se geralmente pela necessidade politica de abater e de humilhar a nobreza esse processo caviloso e infame, em que o ministro de D. Jose e ao mesmo tempo juiz e parte, e em que os reus sao julgados sem defeza e sem exame de provas sob a accusacao de uma tentativa de regicidio, em que hoje se sabe achar-se completamente innocente a familia Tavora; assim como estava innocente o marquez de Gouveia, exhautorado do seu titulo, officialmente infamado e encarcerado nos carceres sem ar e sem luz do forte da Junqueira desde os dezoito annos de idade ate os trinta e sete; assim como estavam innocentes o marquez d'Alorna, encarcerado no mesmo forte: a marqueza d'Alorna e as suas duas filhas, presas no convento de Chellas; D. Manoel de Sousa Calhariz, avo do duque de Palmella, encarcerado na Torre do Bugio, onde morreu; e a infeliz duqueza d'Aveiro, a qual, depois de sequestrados todos os seus bens, perseguida ate o seu ulliino suspiro pelo odio do marquez de Pombal, morreu no convento do Rato, servindo a cosinha das freiras como creada de pe descalco. Singular modo de aviltar uma classe, sagrando-a assim pelo martyrio! Decorreram mais de cem annos sobre a carnificina canibalesca de 13 de janeiro de 1757. Povoam ainda as nossas imaginacoes e vivem eternamente immortalisadas pelas nossas lagrimas as doces e legendarias figuras d'esses fidalgos: a marqueza de Tavora, de uma physionomia tao elevada e tao elegiaca, alta, magra, severa, envolta na sua longa capa alvadia, assistindo no patibulo a descripcao do suplicio por que vae passar a sua familia, comprimindo no silencio da dignidade toda a explosao da dor e dobrando, sem um grito, sobre o cepo, a cabeca coroada de cabellos brancos que o carrasco fere de um golpe de machado pela nuca, fazendo-a pender por um instante segura ao busto pela pelle da garganta. O altivo e marcial marquez de Tavora, macerado e encanecido, contemplando os cadaveres da sua mulher degolada, do seu filho com os ossos esmigalhados pelo masso de ferro que um momento depois lhe ha de bater no peito, em que elle crusa os bracos, deixando rolar nas faces duas grossas lagrimas mudas e tragicas, unico protesto contra o holocausto necessario para desatranvacar dos empecos de familia o caminho que conduz a alcoca da amante do seu rei. O joven Jose Maria de Tavora, finalmente, com vinte e um annos de idade, bello, gentil e amado, vestido de veludo preto e meias de seda cor de perola, os cabellos annellados e louros presos por um laco de fita. E na saudade dolorosa que nos desperta esse quadro do pretendido aviltamento da aristocracia portugueza ninguem comprehende os tres plebeus creados do duque d'Aveiro, egualmente suppliciados por terem acompanhado seu amo na emboscada da Ajuda sem todavia haverem participado na aggressao ao principe. Esses tres innocentes, Joao Miguel, Braz Jose Romeiro e Manoel Alvares Ferreira, comparecem no patibulo por ordem do juiz supremo Sebastiao Jose de Carvalho, em camisa e calcoes, de pernas nuas e pes descalsos, despresiveis e grotescos, despoetisados para a legenda sentimental da morte pelo julgador egualmente plebeu que, para se extrahir d'esta miseria truanesca da simples canalha, se condecora a si mesmo com o direito de morrer com meias de seda, encorporando-se alguns dias depois com o titulo de conde d'Oeiras na mesma nobreza que pretendia aviltar e destruir. E a isto que os apologistas de Sebastiao chamam o nobre intuito democratico de elevar a plebe e de constituir a burguezia. Mais expressivo e mais concludente que este extranho methodo de egualisar as condicoes sociaes, e na historia da administracao pombalina o systema geral de perseguicao sanguinaria a toda a manifestacao de liberdade affirmada, de castigo tremendo a toda a transgressao da lei escripta. Chega a nao ser preciso desobedecer, basta nao gostar completamente do regimen em vigor para ser immediatamente punido por isso. Em 1756 o marquez de Pombal decreta uma gratificacao de 400 mil cruzados a todo o delator d'aquelles que disserem mal do seu governo. No mesmo anno como lhe desagrade nao se sabe porque, o seu collega no ministerio Diogo de Mendonca Corte Real, manda-o sahir de Lisboa dentro de tres horas e prende-o na praca de Masagao ate que, cedida essa praca aos marroquinos, e transportado para as Berlengas, onde morreu esquecido e abandonado. Similhante sorte teve o successor de Diogo de Mendonca, Thome Joaquim da Costa, que o marquez enfastiado mandou, sem culpa formada como o outro, para o castello de Leiria, onde morreu. Em 1753, como a Mesa do Bem Commum representasse humildemente em nome dos commerciantes de Lisboa contra o privilegio exclusivo do commercio do Maranhao e do Grao Para conferido a uma companhia, encarcera no Limoeiro, sem outra forma de processo, todos os commerciantes peticionarios e o advogado Joao Thomaz de Negreiro, redactor da peticao. Este foi degradado por oito annos para Masagao. Todos os negociantes foram deportados por mais ou menos annos. Em 1757, em consequencia da assuada popular a que deram motivo os monstruosos vexames da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, manda ao Porto a famosa alcada que enforca vinte e um homens e cinco mulheres e condemna a degredo, a confiscacao e a multa 211 pessoas de ambos os sexos. Em 1776, para o fim de castigar alguns refractarios ao servico militar refugiados na Trafaria, manda incendiar de noite as cabanas d'essa pobre aldeia de pescadores e espera n'um cinto de bayonetas caladas os desgracados que fogem as chammas espavoridos e cegos. Ninguem podia contar com a vida, nenhuma cabeca se considerava segura nos respectivos hombros. As cartas eram abertas e lidas n'uma reparticao especial montada para esse fim. O tribunal da Inconfidencia e a Intendencia Geral da Policia devassavam todos os segredos. Era-se perseguido, preso, condemnado rapidamente, summariamente, sem appellacao nem aggravo, por uma carta a um parente, por alguns versos, por uma palavra, por um sorriso, por uma simples suspeita. As prisoes estavam cheias. No forte da Junqueira, a que verdadeiramente se pode chamar a Bastilha portugueza, morre o conde d'Obidos e o conde da Ribeira. O coronel Thomaz Luiz, accusado de haver recebido em sua casa, na provincia de Minas Geraes no Brazil, um jesuita secularisado, morre na forca em Lisboa, provando-se mais tarde que nem o supposto crime de que o accusavam era verdadeiro. O diplomata Antonio Freire d'Andrade Encerrabodes, accusado de haver escripto em uma carta particular a um amigo uma phrase desagradavel para o marquez, e desterrado para a Costa d'Africa. O conde de S. Lourenco e o visconde de Villa Nova da Cerveira, unicamente por terem sido os familiares do Santo Officio encarregados por esse regio tribunal, reconhecido e auctorisado, de prenderem o intendente da policia, sao sepultados o primeiro no forte da Junqueira, o segundo no castello de S. Joao da Foz, onde morreu. Na Junqueira estiveram ainda os tres filhos do conde d'Alvor, o letrado Francisco Xavier, mais tarde degredado para Angola; o desembargador Antonio da Costa Freire, que morreu no forte; e muitos outros. A disciplina militar do conde de Lippe lembra as arias do general Boum, em que a cada phrase corresponde um tiro. Os famosos artigos de guerra, em que os fusilamentos apparecem com tanta frequencia, como as virgulas, seriam dignos da musica de Offenbach, se nao tivessem sido na realidade um opprobrio da dignidade humana. Pelas culpas mais leves o soldado era mettido ao tornilho, carregado d'armas, amarrado nu a uma espingarda e zurzido as varadas ou moido as pranchadas d'espadao. Na vida civil o mando fazia lei indiscutivel e absoluta, como na vida militar. Por occasiao das famosas festas da inauguracao da estatua equestre _ordenou-se_ aos ourives e aos particulares que cedessem as suas alfaias para servir a ceia dada a custa do povo pelo senado de Lisboa, cujos amigos comeram tresentas arrobas de doce em tres dias. Da historia geral das reformas emprehendidas pelo marquez de Pombal cumpre separar dois factos culminantes de especial importancia no progresso: a expulsao dos jesuitas e a reforma da instruccao publica. A extinccao da Companhia de Jesus foi no marquez de Pombal, assim como nos demais reformadores regalistas da sua escola e do seu tempo, o resultado de um equivoco. Toda a gente sabe que a obediencia absoluta e cega e o fundamento da ordem instituida por Santo Ignacio de Loyola, assim como e o fundamento de todo o despotismo monarchico. O fim da Companhia de Jesus foi sempre desde a sua fundacao ate hoje oppor as ideias de livre exame, de discussao e de governo livre, a monarchia absoluta e o direito divino. O immenso e insubstituivel poder espiritual sobre o qual se fundamentava principalmente o poder temporal dos reis era o poder dos jesuitas. Sem elles as monarchias absolutas careciam de base no espirito c na consciencia dos povos. O marquez de Pombal tendo por unico intuito politico fortalecer e affirmar indestructivelmente e para todo o sempre o dominio absoluto do despotismo monarchico, errou portanto do modo mais pueril, como todos os estadistas monarchicos seus contemporaneos, minando por meio da perseguicao aos jesuitas os alicerces da sua propria fundacao. Nunca um espirito verdadeiramente superior e penetrante, como por exemplo o do snr de Bismarck, cahiria n'um tal desacerto. Imaginem, um architecto que depois de haver construido um palacio de marmore sobre estacas de madeira cravadas no fundo do oceano, rematasse a sua obra serrando as pilastras que a sustinham. Foi precisamente o que fez Pombal, construindo o mais solido regimen despotico sobre os principios da obediencia e do direito divino, e tirando-lhe em seguida debaixo o jesuita, que era o sustentaculo intellectual e moral d'esses mesmos principios. Auguste Comte, cujo alto e poderoso genio philosophico lanca sempre uma tao intensa e viva luz sobre todos os problemas historicos em que poe a mao, escreve sobre a queda da Companhia de Jesus, facto que elle considera como o primeiro dos tres grandes agentes que dirigiram a crise revolucionaria do fim do seculo XVIII, as seguintes palavras: _A abolicao da Ordem dos Jesuitas mostrou a decrepitude de um systema destruindo pelas suas proprias maos o unico poder susceptivel de lhe retardar a queda_. A extinccao da Companhia de Jesus e certamente um dos mais fundamentaes progressos adquiridos para a liberdade e para a civilisacao moderna. Attribuir porem e agradecer essa acquisicao liberal ao espirito do retrogrado e ferrenho ministro do snr D. Jose I e cahir n'um contrasenso tao absurdo como seria agradecer a destruicao de uma machina infernal ao artifice que a construia e em cujas maos ella rebentou por um erro de fabrico. A perfeicao no modo consciente e raciocinado de eliminar do progresso a influencia jesuitica consistiria em destruir o jesuitismo mantendo pela tolerancia a independencia do jesuita. A prova manifesta de que o marquez de Pombal nao tinha consciencia alguma do servico que contra sua vontade prestou a liberdade esta no facto evidente de que, em vez de atacar os principios da instituicao que condemnava, ele nao fez mais do que perseguir os homens que o serviam, expulsando-os do reino e sequestrando-lhes os bens, punindo-os e espoliando-os. Os jesuitas foram-se, mas o jesuitismo ficou. Ficou encarnado e vigente na pessoa do propio marquez de Pombal, o qual deante da liberdade nao e mais do que um Loyola leigo, um Santo Ignacio de casaca de seda e espadim, um pouco mais limpo talvez, mas incomparavelmente menos grande do que o antigo, com menos piolhos mas com muito mais teias de aranha na cabeca. Expulsor dos Jesuitas, o marquez de Pombal fez do jesuitismo secularisado todo o seu programma de poder. Santo Ignacio tinha dito: "Se me parecer que o meu superior me prescreve ordens em opposicao com a minha consciencia, acreditarei n'elle e nao acreditarei em mim." Na Constituicao da ordem diz-se: "Pareceu-nos em Deus nosso Senhor que nenhuma disposicao pode induzir obrigacao de peccado mortal ou venial, a menos que o superior em nome de Jesus Christo ou em virtude de obediencia o nao ordene." Na _Medulla theologiae moralis_ o padre Busenhaum prescreve no tomo 4, capitulo V: _Quum finis est licitus, etiam media sunt licita_. Todo o systema governativo de Pombal assenta na pratica d'esses principios definidos pela companhia. Para elle todo o meio e licito quando lhe parece licito o fim, e, substituindo a invocacao eclesiastica de _Nosso Senhor Jezus Christo_ pela formula civil de _El-Rey meu amo_, elle arvora a obediencia cega, irraciocinada, absolutamente bruta, em lei fundamental da nacao, assim como era lei fundamental da ordem. A tao decantada reforma da instruccao publica nao e mais de que uma das formas de jesuitismo applicado ao ensino. A instruccao primaria, cultivada sobre a cartilha de Padre Mestre Ignacio, continuou como estava subordinada a Igreja. Os mestres eram obrigados ao receber os ordenados no fim de cada mez a exhibir certidao do parocho attestando que o professor tinha ido a missa com todos os seus alumnos nos domingos e festas de guarda. Na instruccao superior a sciencia e escrupulosamente decilitrada pelo legislador a copinho por copinho como a geropiga do saber abodegada no casco por conta do lavrador. Nem o alumno pode beber nem o mestre pode propinar senao precisamente a doze e a qualidade de licor prescriptas no regulamento d'este monopolio. Os Estatutos da Universidade, sao uma especie d'Estatutos da Companhia dos Vinhos do Alto Douro adstricta a cepa torta da intelligencia. Qual era o vicio capital do ensino jesuitico? Era a subordinacao do phenomeno ao dogma, era a sujeicao da observacao, do exame, da experiencia e do raciocinio ao arbitrio da auctoridade imposta. O vicio organico da instruccao pombalina e precisamente o mesmo. Em toda essa legislacao do ensino publico, o professor e seguido passo a passo atravez de todas as disciplinas que tem de leccionar. Elle nao pode communicar uma so nocao que previamente lhe nao houvesse sido suggerida pelo legislador. O mestre, segundo Pombal, e uma pura machina de moer artigos de programmas com corda dada pelo Estado para o exercicio de cada anno lectivo. Que importa, para os resultados finaes de um tal modo de instruir, o maior ou menor numero de faculdades incluidas nas academias, o maior ou menor numero de disciplinas introduzidas nos programmas? Onde faltam os livres methodos experimentaes falta toda a especie de ordem positiva na coordenacao das ideias, e diz o snr Herbert Spencer que quando nao ha ordem na instruccao de um homem, quanto mais coisas elle souber tanto maior sera a confusao do seu cerebro. A instruccao de um povo nao pode nunca ser aquilatada pelo numero dos bachareis formados que as ordens religiosas ou os institutos officiaes derramam em cada anno sobre a massa da populacao, para o fim de a explorarem pela chicana juridica ou de a embalarem pelo palavrao dogmatico ou metaphysico. A verdadeira instruccao nacional tem por base a vulgarisacao geral das ideias transmittidas pela maxima liberdade do pensamento, e tem por fim o emprego das faculdades intellectuaes de todos os cidadaos no exercicio dos seus direitos politicos e dos seus direitos civis. Quando a instruccao publica assenta pelo contrario em um campo de doutrina arbitraria imposta por um legislador em nome de um regimen politico, de uma escola philosophica ou de uma seita religiosa, ha uma coisa muito mais util do que ministrar essa instruccao, e e nao ministrar instruccao nenhuma. A falsa instruccao e um veneno inoculado no homem. A simples ignorancia, pela sua parte, e uma das grandes forcas do espirito. Se nao fosse a santa ignorancia, pura e convicta, que resistiu pelo bom senso as differentes epidemias eruditas de cada seculo, a escolastica e a metaphysica teriam dado cabo da humanidade. Concluindo pois, repetimos que o marquez de Pombal, expulsando os jesuitas e reformando os estudos, nao extiguiu o jesuitismo, secularisou-o apenas, deslocando-o da ordem religiosa para a ordem civil, arrebatando-o aos padres para o encabecar nos agiotas, nos desembargadores, nos generaes e nos doutores de capello. O jesuita e perfeitamente odioso e repulsivo pela accao sinistra que durante tresentos annos tem exercido sobre a immobilisacao da intelligencia, sobre a depressao da dignidade do homem; mas o jesuita e pelo menos coherente e logico comsigo mesmo; sabe nitidamente o que quer, tem perfeitamente correlacionados os seus meios com os seus fins e vae ao seu destino preconcebido com uma exactidao geometrica, com uma firmeza implacavel; sem uma unica tergirversao de linha, sem um unico erro de calculo. O jesuita cae dentro dos seus proprios principios como na antiga tactica militar os generaes vencidos cahiam dentro do quadrado,--com todas, as baionetas voltadas para o inimigo. N'esta maneira de acabar ha um ar de grandeza que nos obriga a nos outros, revolucionarios vencedores n'este momento historico, a tirar o chapeu e a saudar a coherencia dos vencidos. Os estadistas da monarchia absoluta, com as suas leis, os seus exercitos e os seus principes, morrem feridos pelas suas proprias armas, morrem pela discordancia entre os fins propostos e os meios empregados, morrem por haverem abracado, em vez da taboa de salvacao em que fluctuariam, o trambolho de chumbo que os afunde. As catastrophes assim determinadas pela insufficiencia intellectual n'uma classe dirigente, tornam a derrota comica e a ruina grotesca. O historiador snr Henri Marlin pergunta: "O que e que faltou a companhia de Jesus para que ella conseguisse realisar os seus planos dictados pelo genio?" E o mesmo historiador responde: "Faltou-lhe a rectidao, faltou-lhe a franqueza, faltou-lhe o espirito verdadeiramente religioso, o qual unicamente podia restituir a natureza os seus direitos sem attentar contra as leis eternas do bem e da verdade." O marquez de Pombal, expulsor dos jesuitas e successor d'elles, cahiu por modo mais ridiculo mas por eguaes causas. O que faltou no plano pombalino, concebido, como temos obrigacao de o acreditar, no intuito do accelerar o progresso e a prosperidade da patria, foi a _rectidao,_ foi a _franqueza_, foi esse espirito de abnegacao e de magnanimidade que na egreja se chama _religiao_ e que na sociedade se chama a _justica_. A sociedade portugueza refeita a bordoada pelo despotismo pombalino offerece o aspecto servil e vergonhoso de um Paraguay burguez, incondicionalmente aforado a uma burocracia tarimbeira governada por um dos mais antipathicos mandoes que ainda viu o mundo. Solida natureza mesquinha mas atarracada, reforcada pelos quatro couros sobrepostos do merceeiro, do esbirro e do cabo d'esquadra, Sebastiao de Carvalho--feliz nome onomatopico de que parece rever uma rigidez de cacete e uma espessura de baluarte--fez de Portugal a forca de leis e de sentencas d'acoite, de sequestro, de prisao, de degredo e de morte, um paiz de seminaristas e de recrutas, subserviente, medroso, imbecil. Viu-se o que essa sociedade miseravel tinha dentro logo que por morte do dictador ella se julgou desafrontada e comecou a desabotoar-se ao sol. O reinado de D. Maria I e todo a influencia pombalina virada com o dentro para fora e mostrando o miolo de que o reinado anterior fora a casca. Nunca a moral, a arte, o gosto, os caracteres, os costumes attingiram um mais sordido rebaixamento. Levantaram-se as calumnias mais torpes contra o ministro demittido e desgracado, e uma alluviao de escriptos em prosa e em verso, da mais chilra insipidez, inundou as salas da aristocracia e da burguesia aristocratisada, onde as senhoras merendavam e resavam a novena aninhadas no chao, esconjurando o ante-christo desterrado em Pombal, entre as gracolas dos padres e dos bobos, n'uma athmosphera toireira e beata, cheirando a insenso, a estrume de cavallo, a ureia de batina e a ovos molles. O marquez nao deixara um so homem de pulso, um unico amigo fiel e generoso que o deffendesse na adversidade. A monarchia a que elle submettera tudo, tornando-a absoluta, discricionaria e omnipotente, escorracava-o e perseguia-o,--que e sempre assim que os reis pagam aos plebeus cuja forca os assombra embora os mantenha e os sirva. O marquez de Pombal acabou como Colbert, o qual ao annunciarem-lhe, ja moribundo, a visita de um enviado de Luiz XIV, recusou recebel-o exclamando: "Nao me deixara esse homem acabar de morrer em paz? Se eu tivesse feito por Deus metade do que fiz por elle, estaria certo n'esta hora da salvacao da minha alma, e assim nao sei o que sera de mim." O governo pombalino, pelo terror que conseguiu inspirar e por meio do qual dobrou ao arbitrio do seu programma todas as energias nacionaes, produsiu em ultimo resultado esta catastropbe enorme--a obediencia geral. Toda a obediencia e uma diminuicao de valor e de dignidade. Onde a liberdade existe nao ha nunca obediencia, ha apenas accordo. A obediencia e dos fructos do despotismo o mais venenoso. O homem que obedece avilta-se; o povo que obedece deprava-se e dissolve-se. Os individuos que por occasiao do centenario do marquez de Pombal se encarregaram de encarecer os louvores d'este estadista, nao cessaram um momento de nos explicar que os actos d'elle se nao podem julgar com justica pelas nossas ideias d'hoje, mas pelas ideias do seu tempo; e insistem n'isso de um modo proprio para fazer recear que, a forca de procurarmos ideias antigas, tenhamos talvez, para ser justos, de julgar este personagem sem ideias nenhumas. Se quizerem fazer o favor de nos conceder que Turgot foi um contemporaneo do marquez de Pombal--o que alias a chronologia parece demonstrar com uma imparcialidade indiscutivel--nos permittir-nos-hemos contrapor algumas ideias do ministro de Luiz XVI as do ministro de D. Jose, e o leitor julgara d'essa breve approximacao de factos se o estado geral das ideias no fim do seculo XVIII e sufficiente para explicar o atraso das doutrinas economicas e dos principios moraes com que nos governou o marquez de Pombal. Turgot nao cre na accao das monarchias absolutas sobre a felicidade dos povos, e ao mesmo tempo em que Pombal eternisa pelo bronze da estatua equestre o despotismo de D. Jose, o ministro francez diz a Luiz XVI: _La cause du mal, sire, vient de ce que votre nation n'a pas de constitution._ Na mesma epoca em que o ministro de D. Jose mandava anullar por apocrypho o livro de Velasco de Gouveia, no qual se ennunciava o principio da soberania nacional, e exautorava o presidente do Desembargo do Paco, Ignacio Alvares da Silva, por que elle exposera a doutrina de que a lei civil em materias de casamento so podia ser alterada pelas cortes da nacao, Turgot instiga o herdeiro de Luiz o Grande, o Rei Sol, a reconhecer os direitos do povo firmando com elle o pacto constitucional. Turgot punha acima da subserviencia dos thronos e da supersticao dos altares a confianca no genio bemfazejo do homem. Foi n'essa conviccao que elle escreveu sob um retrato de Franklin a epigraphe famosa, que sob o regimen pombalino o teria feito condemnar pelo Santo Officio ou pela Mesa Sensoria: _Eripiut coelo flumen sceptrumque tyrannis._ A prosperidade nacional que Pombal procurou fundar no monopolio, na coercao e na tyrannia, procurou Turgot estabelecel-a na liberdade, _creando as municipalidades, separando a egreja do estado,_ decretando a _liberdade da terra_, (1773), a _liberdade, da industria e do commercio(1776)_, a _liberdade da razao_ (1777). Emquanto Pombal intentava cegamente firmar a monarchia absoluta nos excessos de rigor que deviam contribuir para a aniquilar mais depressa, Turgot previa pela tolerancia tudo quanto podia tornar progressiva a accao da realeza, poupando a humanidade os rios de sangue que ella havia de ter que derramar para chegar ao progresso apesar dos obstaculos que governos como o de Pombal lhe opposeram. Condorcet, que ja citamos, diz na sua biographia de Turgot; "As leis que prepararam as mudancas necessarias podem ser differentes para os differentes povos, porque sao feitas contra abusos e contra abusoes que nao teem nem a mesma origem nem os mesmos effeitos; mas as leis que, em seguida a essas, estabelecem a ordem mais util a sociedade devem ser as mesmas, pois que devem ser fundadas sobre a natureza do homem." A differenca capital entre o ministro de Luiz XVI e o de D. Jose e essa: que a politica d'um, fundando-se _no poder absoluto dos reis_, atrasava para muito tempo a liberdade do povo; a outra, fundando-se na _natureza do homem_, auxilia, quanto o pode auxilar um estadista, o progresso moral da humanidade. Voltaire, aos oitenta annos de idade, no momento em que Paris o acclamava e o cobria de coroas no meio do maior triumpho de que ainda foi objecto um homem d'espirito, apeou-se em publico da sua carruagem forrada de setim asul e cravejada de estrellas d'ouro, e dirigindo-se a Turgot perdido na multidao, cahiu de joelhos banhado em lagrimas aos pes d'elle, e disse-lhe: _Deixe-me ter a gloria de beijar a mao que assignou a salvacao do povo_. A mao do marquez de Pombal, cheirando a sangue como a de Lady Mackbet, envenenaria os beicos que lhe tocassem. Por isso elle triumphante nao teve nunca, como Turgot vencido pela intriga de Maria Antoinette, a consagracao augusta do livre espirito da humanidade representado por Voltaire. Teve apenas as honras de um centenario contradictorio celebrado em nome da liberdade pelos representantes de todos aquelles que elle opprimiu em nome do despotismo: pela industria que paralysou deslocando-a da tradicao historica e baseando-a em elementos exoticos e posticos; pelo commercio que entravou por meio dos monopolios; pela arte que abastardou tyrannisando-a pelo mais chato mau gosto; pela democracia que esmagou sob condemnacoes d'acoite, de carce, de deportacao, de degredo e de morte; pela mocidade emfim, de cujas altas e desinteressadas aspiracoes elle foi a negacao accintosa e brutal, porque o seu espirito d'odio, de cavilacao e de mentira, era um espirito organicamente velho, mareado de nascenca pelo vicio da senilidade ingenita. * * * * * Estamos cancados de ouvir dizer de todos os lados, por todos os oradores e por todos os articulistas da festa pombalina, que e absolutamente preciso, para nos pormos a altura de admirar com o devido respeito o vulto do marquez de Pombal, collocarmo-nos no _devido ponto de vista_. Em desconto dos erros que tenhamos commettido, cumpre-nos declarar, terminando, que ignoramos completamente qual e o tal ponto de vista em que e necessario que a gente se colloque. Para escrever estas linhas nos collocamo-nos simplesmente n'uma cadeira, em frente do vulto e de um caderno de papel. Visto n'essa situacao tranquilla, a olho desarmado e sereno, o unico effeito que nos fez o vulto, apparamentado com o seu calcao e meia, a sua grande casaca de seda, as suas fivelas, a sua luneta e o seu rabicho, foi o de se parecer com o dos cheches. E e o que francamente te communicamos, na honrada sinceridade de bom homem para bom homem, o leitor amigo. Emquanto a estatua do reformador, em que se falla como complemento do centenario a cuja celebracao acabamos de assistir, ella seria, se a fizessem, o monumento funebre elevado a morte da democracia ou a do senso commum na sociedade portugueza. Mas nao a farao nunca. E' ja de mais a do Terreiro do Paco para consignar a estima d'este povo pelo charlatanismo dos seus tyrannos. O rei D. Jose e absolutamente indigno de estar posto por meio de uma peanha nao so acima do nivel mas a simples altura de qualquer cidadao honrado. Mero heroe das alcovas dos outros, esse principe rufiao esta abaixo do proprio Luiz XV, de apodrecida memoria. Luiz XV teve um merecimento pelo menos no seu reinado, teve por amante a encantadora amiga de Diderot, Madame de Pompadour, a cuja ligacao o rei de Franca deveu a honra de poder cear algumas vezes em _petit comite_ com alguns dos homens de espirito que escreveram a _Encyclopedia._ D. Jose nunca exerceu o seu donjuanismo senao entre beatas insipidas, mais pobres ainda de talento que de pudor. Quando chegar a hora da justica nao e a estatua do marquez de Pombal que se ha de erigir, e a de D. Jose que se ha de apear. No monumento do Terreiro do Paco o unico que merece continuar a contemplar Cacilhas e o cavallo. Cumpre rehabilitar, na estima que se lhe deve, o nobre e util animal, desaffrontando-o do cavalleiro, que nunca prestou para nada n'este mundo, e honrando-o em nome do trabalho honesto com o appenso de uma charrua. Lisboa 10 de junho de 1882. End of the Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho a Julho 1882) by Eca de Queiroz and Ramalho Ortigao *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK AS FARPAS (JUNHO A JULHO 1882) *** ***** This file should be named 13630.txt or 13630.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/1/3/6/3/13630/ Produced by Claudia Ribeiro, Larry Bergey and the Online Distributed Proofreading Team. Page images were kindly contributed by Biblioteca Nacional de Lisboa. Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. 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