The Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho 1883) by Ramalho Ortigão and José Maria Eça de Queiroz This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: As Farpas (Junho 1883) Author: Ramalho Ortigão and José Maria Eça de Queiroz Release Date: June 11, 2004 [EBook #12579] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK AS FARPAS (JUNHO 1883) *** Produced by Cláudia Ribeiro, Larry Bergey and PG Distributed Proofreaders. Produced from page scans provided by Biblioteca Nacional de Lisboa. [Illustration: EÇA DE QUEIROZ RAMALHO ORTIGÃO AS FARPAS] Lisboa--Typ. da Empreza Litteraria Luso-Brazileira--Editora 5--PATEO DO ALJUBE--5 EÇA DE QUEIROZ--RAMALHO ORTIGÃO AS FARPAS _Chronica Mensal_ DA POLÍTICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES QUARTA SERIE No.3 JUNHO 1883 LISBOA EMPREZA LITTERARIA LUSO-BRAZILEIRA--EDITORA Ironia, verdadeira liberdade. És tu que me livras da ambição do poder, da escravidão dos partidos da veneração da rotina, do pedantismo das sciencias, da admiração das grandes personagens, das mistificações da politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grande universo, e da adoração de mim mesmo. P.J. PROUDHON. Carta a sua alteza real o serenissimo principe snr D. Carlos regente em nome do rei. SUMARIO Rasão d'esta carta--Projecto de partida de sua alteza--Pessoas que o acompanham e pessoas que deveriam acompanhal-o. Eloquente e notavel parallelo--As instituições nacionaes e _As Farpas_--A educação do príncipe. Como elles a fizeram. Como nós a aconselhamos--A instrucção de sua alteza. Os seus estudos. Os seus livros. Os seus mestres. As suas convivencias. O seu theor de vida--Intervenção de sua magestade a rainha na direcção intellectual de seu augusto filho--O príncipe, o homem, o cidadão, o alferes, o marinheiro, o conselheiro d'estado--A viagem--Crise pedagogica--A renovação mental de sua alteza--De como o príncipe deveria proceder n'este momento supremo para dar o que deve ao throno, á familia, á sociedade e á natureza--Sua alteza porém fará o que for servido. LISBOA, 25 DE MAIO DE 1883 SENHOR! E' de interesse particular mas importantissimo o assumpto que ora nos traz por meio de carta aos pés interinamente reaes de vossa alteza. O § 28 do artigo 145 do titulo VIII da Carta Constitucional da monarchia garante a todo o cidadão o direito de communicar por escripto com o Poder Executivo, e é d'esse direito que hoje tomamos a libertade de usar, ao abrigo da lei, aproveitando para tal fim o momento presente, em que vossa alteza é o chefe temporareo do sobredito Poder, como regente do reino na ausencia em partes de Castella de seu augusto pae, El-Rey nosso senhor, que Deus guarde por longos e dilatados annos. Senhor, ha obra de tres para quatro meses que os papeis publicos nos deram a boa nova de que vossa alteza iria em breve completar o tirocinio da sua educação como principe, como cidadão e como ser vertebrado, correndo algumas terras e partidas do mundo, como o finado infante snr. D. Pedro, que Deus em sua santa gloria haja. Por essa dacta, puzeram as folhas o dedo sobre os nomes de algumas pessoas, que vagamente se suppunha virem a ser chamadas para acompanhar vossa alteza em sua peregrinação de estudo pratico atravez dos homens e das coisas da civilisação entre gentes extranhas. Seguimos as indigitações da imprensa acerca do pessoal d'essa embaixada pedagogica, e sorrimo-nos entre desdenhosos e galhofeiros, pois abrigavamos a convicção indestructivel de que os redactores d'_As Farpas_ eram os cavalheiros naturalmente indicados pela opinião publica e pelo consenso geral da côrte para a honrosa e ardua missão de que se tratava. Effectivamente, Senhor, relanceando os olhos ao passado, e investigando, atravez do movimento politico e do movimento intellectual do seculo, quaes as instituições nacionaes a cuja campainha tenhamos de tanger para encontrar os varões comprovadamente aptos para se incumbirem no momento presente do honroso encargo de preceptores de vossa alteza, o que é que vemos?... Ou antes: O que é que vossa alteza vê? Porque, em nossa acrysolada modestia, nós preferimos perante essa interrogação remetter-nos a um silencio discreto, _ponere custodiam ori nostro_, dar dois passos atraz, curvos e submissos, com os olhos no chão e os claques debaixo do braço, aguardando tranquillos o real veredictum de vossa alteza. Vossa alteza, havendo por bem baixar sua serenissima vista sobre as instituições patrias, vê para um lado as duas camaras, a Sociedade Geographica, a Universidade de Coimbra e o salão da senhora D. Maria Kruz; e para o lado opposto, á outra banda, vê vossa alteza _As Farpas_, quarenta a cincoenta volumes de uma prosa divina, a 200 réis o volume, que será a mais bella, a mais pura e a mais duradoura gloria litteraria do seculo do felicissimo principe, augusto pae de vossa alteza. Os litteratos vindouros, chamados a illustrar pelo lavor de suas pennas o reinado de vossa alteza, procurarão á porfia imitar esta obra sublime. Porém de balde. Porque nada ha mais inimitavel, pela affabilidade do trato sobretudo, do que o critico no estado benigno de morto. Seremos pois os classicos da lingua, nós outros, para esse tempo. Seremos os Vieiras e os Bernardes do cyclo do rei Luiz, o venturosissimo. As academias archivarão, como preciosas reliquias, a lanterna e o bordão nodoso com que atravessamos a vida espargindo sobre a terra a luz e as pisaduras. Vossa alteza, octogenario, coroado de cãs, porá os seus reaes oculos para nos ler aos seus netos, aos quaes vossa alteza dirá, batendo com os nós dos dedos sobre a nossa obra amarellecida e veneranda: --O velho rei Carlos foi tão bom e tão prasenteiro rei como o principe seu progenitor, mas faltaram-lhe Curcios e Livios d'esta laia para o immortalisarem no eterno jubilo das gentes! E vossa alteza soluçará de saudosa magoa sobre as cabeças infantis da sua prole, considerando-se um monarcha desditoso por que na vasta perspectiva do seu reinado lhe faltou a projecção grandeosa d'esta obra cathedralesca. Queira vossa alteza ir sempre seguindo, por partes. Que é que as duas camaras do parlamento teem botado durante o decurso dos ultimos quinze annos em beneficio da educação de vossa alteza ou da educação d'alguem que seja n'este mundo? Nada, serenissimo senhor! pela palavra nada! Hade ter constado por certo a vossa alteza o que elles ainda ultimamente fizeram com um projecto de lei sobre a instrucção secundaria, o qual Thomaz Ribeiro, esse bem-quisto vate, ministro de vossa alteza e porta-alaúde da sua côrte, arrancou a ferros das entranhas da musa para o mandar para a mesa como uma especie de gémea administrativa da _Delphina do mal_. Como vossa alteza não era a esse tempo regente soberano do reino, e se achava ainda então sob o dominio da auctoridade paterna, não sabemos se lhe teriam permittido a leitura d'esse debate ... Foi uma coisa enorme, respeitavel senhor! Um queria que lhe abolissem o latim, lingoa morta e má lingoa, sevandijada de verbos exquisitos, como _sum-es-fui_ e outros que taes; e em substituição pedia _disciplina psychologica_, que era para os rapazes ficarem bem ao facto da alma humana. E voltando-se para a meza, o orador berrava: --Eu cá, snr presidente, não me importa com Tito Livio, nem me importa com ninguem n'este mundo. Alma e mais alma para cima do alumno, que é do que os rapazes precisam para ir para leis! Outro queria religião, porque sem religião o que é o homem? O homem sem religião é, com licença, um bruto. E citava Renan que fôra visinho d'elle em Paris e que não era bruto. Porquê? Porque tinha temor de Deus,--de noite, ás escondidas, em casa. O orador soube-o pela porteira do predio. Houve um deputado que insistiu em que se affastasse o publico dos lyceus, porque muita canalha junta não aprende nada. Um menino até dois é o dado para os mestres todos se concentrarem e fazerem uma educação capaz. Houve mais um que pediu institutos de instrucção secundaria para a mulher, pela rasão de quê, segundo elle, se tornava mister que a mulher, _que é já a rosa, fosse tambem o perfume_. Textual! E houve ainda um outro que, abundando nas ideias do precedente, exclamou enternecido, com os olhos em alvo: _É indispensavel, snr. presidente, que os dois sexos, o masculino e o feminino, caminhem na senda do futuro ao lado um do outro, de mãos dadas_. Egualmente textual! Emfim, ao cabo de vinte dias de discussão, a decencia obrigou a agarrar no projecto pelas orelhas e a leval-o de rastos para a camara dos pares; mas como esta camara o não quiz por coisa nenhuma do mundo, o ministro das _Flores d'alma_, e do Reino, levou-o para casa no louvavel intuito de o pôr em verso. E consta agora que o vão aproveitar sob a forma de magica no theatro de D. Maria. Logo depois da instrucção publica não viu vossa alteza como elles pegaram n'uma questão d'arte?!... Lembra-se um de fallar no leilão do diplomata Zéa Bermudez, o qual reunia ás qualidades do mais excellente homem uma pequena collecção d'arte com _quatro potes etruscos_. Ao ouvir fallar pela primeira vez durante toda a sua longa carreira parlamentar em quatro potes etruscos, a camara e o governo embasbacaram por um momento, mas recahindo immediatamente em si com maravilhosa presença de espirito, camara e governo menearam as cabeças familiarmente, como se cada um dos legisladores não tivesse feito desde muito pequeno outra coisa senão jogar a pucara com potes d'esses. Houve um assentimento geral na assembleia, e os gestos e as vozes exprimiram com unanimidade: --Oh! sim!... os potes etruscos ... conhecemos perfeitissimamente! --O paiz, snr presidente, não pode consentir que preciosidades de tão inestimavel valor artistico saiam do reino para ir enriquecer os museus extrangeiros!... --Appoiado! appoiado!--opinou o snr presidente do conselho, convicto e subitamente illuminado pela providencia como um vidente da Etruria em potes. E a camara em peso, por todos os votos menos um, votou um credito supplementar de 5 contos de réis. Para quê, senhor? Para proteger a arte nacional, que nem tem escolas, nem mestres, nem discipulos, nem modelos, nem livros, nem coisa nenhuma, além do snr. conde de Almedina, e a qual a camara, ao cabo de vinte annos de esquecimento ou de desdem, se lembra de patrocinar afinal com 5 contos extraordinarios! Cinco contos por quatro cacos feiissimos, meu rico senhor!... por quatro potes, que uns dizem que foram feitos em Pompeia, e outros que foram feitos nas Caldas antes da vinda de Christo, e que, em todo o caso, admittindo-se mesmo que houvessem sido feitos ha muito mais tempo e muitissimo mais longe, só seriam de alguma utilidade aos artistas se lh'os dessem cheios de compota de marmelo ou de conserva de pimentos com cenouras! Tal é a camara, ó serenissimo principe! E a Geographica pode vossa alteza crer que é outra que tal. A sabia corporação da rua do Alecrim não passa de um parlamento como o de S. Bento, com a differença de que, em vez de ser electivo, é de assignatura, a cinco tostões por mez, e n'elle a rhetorica é consultiva em vez de ser deliberante. É a camara ou a ante-camara dos aprendizes a deputados e a ministros; é o vitello mamão de que a representação nacional é o boi gordo. Na primeira quinta feira de despacho digne-se vossa alteza ordenar que o trinchante mór da real casa lhe raspe bem raspado um dos seus ministros e lh'o sirva sem casca: ahi está o geographo. Encasque-se o geographo: eis ahi o ministro. Sobre a Universidade corramos o veu da pudicicia. O mesmo governo, considerando recentemente a influencia deslumbrante que esse luminoso foco do saber exercia sobre a imaginação da mocidade, deliberou com prudencia applicar-lhe um apagador. A respeito de ensino--disse em portaria o snr ministro do reino ao reitor d'aquelle instituto de instrucção--o melhor é pôr-lhe ponto. E assim se fez, com regosijo e applauso geral dos doutos. Resta-nos o _drawing-room_ da senhora D. Maria Kruz. Este centro intellectual está indubitavelmente acima de todos os outros e exerceu na educação nacional uma influencia doce e benefica. É certo que durante muitos annos foi pela escada tapetada da _Abbaie aux Bois_ presidida por essa dama, e não pelos degraus sordidos da sociedade geographica, que os litteratos, com algum stylo e pera, iam a deputados e iam a ministros. A esta intervenção senhoril, que por algum tempo deu á politica portugueza uma leve atmosphera de delicadeza e de graça, um fugitivo _odore di femmina_, se deve o accordo que se fez em alguns caracteres entre a avidez das ambições e o respeito pelas escovas d'unhas. De resto ha para todos os effeitos uma differença consideravel entre o entrar na vida dando o braço a uma senhora, e o entrar levado em charola pelo snr Pequito e pelo snr Luciano Cordeiro. A senhora D. Maria Kruz abdicou porem ha muito tempo da influencia da sua amabilidade perante o prestigio politico d'esses dois geographos fura-vidas, e contenta-se hoje em offerecer á sua antiga côrte a amisade, a conversação e o chá das suas quintas-feiras. Toda essa gente, no fim de contas, se tem importado tanto com vossa alteza como com minha avó torta. Ao passo que _As Farpas_ desde o primeiro dia da sua existencia até hoje jámais desfilaram os olhos desvelados e respeitosos dos interesses da real familia, em geral, e muito em especial dos de vossa alteza serenissima. Era vossa alteza um baby, da altura de uma bengala, quando seus illustres paes, vilmente illudidos por indignos conselheiros, appareciam com vossa alteza nos sitios publicos apresentando-o aos povos em traje de mascara, já de coronel de comedia, já de tabelião de entremez. De uma vez levaram-o ás corridas de cavallos vestido de funccionario publico: calça até abaixo, apolainada em cima dos botins apiorrados, jaquetão, collarinho alto, chapeu redondo, grilhão de ouro no relogio e luva branca. Vossa alteza poderá fazer uma ideia da figura que estava dignando-se de olhar por um binoculo ás avessas para o prior da Lapa. Era aquillo em louro, sem a corôa e sem o annel liturgico. _As Farpas_ protestaram com energia, clamando em stylo vehemente que vossa alteza tinha direitos inilludiveis a não ser confundido por meio dos nefandos artificios do algibebe da côrte com um padre pequeno. Que vossa alteza era o herdeiro presumptivo de um sceptro; nunca o de um cachucho de pregador! Que mais nobre do que essa vestimenta seria a pura nudez com a decencia apenas garantida pela antiga folha de vinha ou por um simples phyloxera. _As Farpas_ aconselharam que vestissem vossa alteza sensatamente, de flanella, meias de lã, knickerbokar, blusa, collarinho chato, e sem luvas. Hoje, que vossa alteza é um homem, deixamos ao seu juizo emancipado o decidir quem tinha razão: se os aulicos conselheiros da guarda-roupa de vossa alteza, se nós, seus criticos. Mais tarde quando vossa alteza penetrou nos dominios da instrucção secundaria, e que de Coimbra foi chamado por cartas regias o mestre de hebraico Joaquim Alves Sousa para o fim de vir ler a vossa alteza Logica e Rhetorica, _As Farpas_ apoderaram-se solicitas e velozes d'esse sapiente caturra, e provaram por meio de argumentos irrespondiveis que era abusar da submissão de um jovem principe, innocente e ingenuo, o pôr defronte d'elle, sob o pretexto de o instruir, esse agoirento mocho, pilhado na lobrega escuridão da metaphysica universitaria, e posto na Ajuda, com a borla doutoral a um lado e o comedouro do rapé ao outro, a explicar as regras do enthimema, do epicherema e do sorites, e bem assim o emprego da synedoche, da antonomasia e da catachrese. Apesar de todas as nossas objecções, esse nefasto humanista amargurou os dias preciosos de vossa alteza, procurando cavilosamente fazer-lhe acreditar que o epicherema era tão indispensavel ao homem como o proprio pão. Se tinhamos rasão ou não sabe-o hoje muito bem vossa alteza, que é homem ha uns poucos d'annos sem ter precisado nunca até hoje nem do epicherema nem do sorites nem de coisa alguma d'aquellas com que por tanto tempo o estopou, sem proveito para ninguem, esse semsaborão tremebundo, seu mestre. Quando foi da nomeação do snr conselheiro Viale, do snr Martens Ferrão, do snr Santa-Monica, _As Farpas_ intervieram de novo, constatando que a educação de vossa alteza não era precisamente a piscina da pudica Susana, para assim a rodearem em grupo mythologico de todos os velhos bar-baças aposentados da magistratura e da academia. Os resultados confirmaram quanto por essa occasião predissemos. Os pedagogos de vossa alteza educaram-o dentro da virtude mas fóra da natureza, fazendo de vossa alteza uma especie de rosière de Nanterre, cuja vida tivesse por fim servir de assumpto a um romance coroado pelas sociedades sabias e destinado a conferir-se em premio de animação ás engommadeiras virtuosas. Conhece vossa alteza a _Educação de um principe_, de Edmond About? Recommendamos-lhe com empenho a leitura d'essa obra tão importante aos principes como o proprio livro de Machiavel. Em lição digna das nossas mais graves meditações, About mostra-nos a tragica situação do principe Paulo no primeiro dia do seu noivado. É alta noite. Findaram as festas do hymeneu em palacio. O monarcha agradeceu n'um bem elaborado speech as manifestações geraes do regosijo da côrte por occasião do feliz consorcio do principe herdeiro, applaudindo incondicionalmente as danças e as cantatas, e queixando-se apenas de pouca pimenta nos molhos mediocremente incendiarios do real banquete. Os musicos, desencanudadas as flautas, mettido o rabecão na caixa, e confiados os timbales ao moço da real capella, haviam-se retirado a seus tugurios. Os aulicos resonavam enconchados nos catres da regia mansão. E o commandante da companhia dos vivas, incumbido, mediante a esportula de 3:200 e jantar, de fazer de Povo nos dias de gala, havia terminado os seus trabalhos; o rei, com sua natural affabilidade, havia-lhe dito commovido, batendo-lhe no hombro e metendo-lhe na mão os 3:200: _Obrigado, meu povo!_ e elle, com o vozeirão restaurado por duas gemadas, partira á pressa para ir levantar os vivas á Republica n'uma manifestação de provincia para que estava escripturado. Tudo pois era silencio e trevas no regio alcaçar, quando o monarcha se ergueu, de chambre e chinelas, no louvavel intuito de espairecer dos duros encargos da publica governação espreitando um momento pela fechadura da porta da camara nupcial do principe Paulo e da princeza Margarida. N'isto, ao atravessar na escuridão o salão de baile, mudo, apagado e deserto, catrapuz! Era o rei que ia de corôa para baixo e de chichelos ao ar por cima de um _fauteil_, encambulhado n'um homem que dormia sentado ali assim. Gritos de pavão do monarcha aterrado, e cortezãos em ceroulas que chegam com luzes. Descobre-se que o rei cahira por cima do principe real, que estava noivando sosinho n'uma cadeira com o chapeu de bicos na cabeça, abraçado á espada dos reis seus avós. --Que faz você aqui, seu estupido?--lhe perguntou o monarcha com voz acre. --Eu nano--respondeu o principe sorridente e doce.--Como a princeza Margarida me disse que ia nanar para a sua camara e como eu agora não tenho camara para nanar, vim nanar para esta cadeira. --Chamem os mestres de sua alteza!--bradou o rei iracundo, com um gallo na testa e com os braços cruzados no peito. Um momento depois, como os trez pedagogos comparecessem á real presença, enrolados á pressa nas togas do professorado, de barretes de dormir, com as competentes pennas de pato aparadas da vespera e mettidas atraz das orelhas, o rei disse-lhes: --Esse jumento que ahi está, (e estendendo o seu dedo magnimo, com um largo gesto antigo indicava o principe, vestido de general, de esporas e chapeu armado, que bocejava encostado ao sabre de seus antepassados) esse real jumento ignora completamente os deveres mais rudimentares de um principe para com a sua princeza. E é para isto que eu tenho tido aqui á engorda durante quinze annos tres burros de tres mestres!... Ora muito bem: vou deixar-vos a sós por espaço de cinco minutos com tão repulsivo idiota. Se ao cabo de cinco minutos, contados pelo relogio, elle não estiver ao facto d'aquillo que todo o homem de barbas na cara deve saber para não vir para aqui a estas horas _nanar_ n'uma cadeira, decapito-vos a todos trez esta noite como quem decapita pelo entrudo tres perus gordos e emborrachados! Uma vez a sós com o real alumno, os tres pedagogos cahiram em desfeito pranto nos braços uns dos outros, porque nenhum d'elles sabia nem se lembrava de haver jámais lido nos auctores coisa alguma relativa aos _deveres mais rudimentares dos principes para com suas princezas_. Quando vossa alteza se dignar de passar um exame sobre esta materia aos seus pedagogos, pedimos, senhor, e ousamos esperar da vossa clemencia, que a pena ultima lhes seja commutada. Piedade, principe, piedade! Quer vossa alteza mais provas da desinteressada solicitude com que _As Farpas_ teem sempre velado com diurno e nocturno olho sobre o prestigio de tudo quanto mais directamente se relaciona com a sua pessoa, com a sua familia, com a sua côrte?... Compulse vossa alteza essa collecção immarcescivel e a cada momento encontrará n'ella os conselhos mais amigaveis e mais justos, sobre as maneiras, sobre a _toilette_, sobre a linguagem, sobre a etiqueta do palacio; acerca dos discursos da corôa, dos uniformes, das librés, dos cavallos, das carruagens, dos bailes, dos jantares, das viagens, das caçadas, das recitas de gala, das revistas militares, etc. Quem foi que mais ardentemente pugnou para que não pegasse a vossa alteza e a seu augusto irmão a alcunha piegas dos _cabeças louras_ e dos _louras creanças_, que lhes puzeram os noticíaristas? Quem mais do que nós se esforçou em obstar que sua magestade a rainha cahisse, sob a antonomasia de _anjo da caridade_, nos logares communs da rhetorica sordida de procissão e do fogo preso, de bambolim de murta e de peixe frito?... Não faremos a vossa alteza a injuria de o suppôr assaz destituido de bom gosto para não comprehender quanto a notoriedade, levada até esse ponto de incontinencia, melindra e emurchece aquella delicada e fina flor do recato, que é a mais bella joia das princezas que bebem silenciosamente e heroicamente a vida na obscuridade inviolavel, como a imperatriz da Allemanha, por exemplo, ou a imperatriz do Brazil. Por todos estes titulos julgavamos nós ter a certeza de ser os individuos chamados a acompanhar vossa alteza na sua viagem de instrucção. Quando ultimamente lemos nas gazetas os nomes dos snrs Antonio Augusto d'Aguiar e Martens Ferrão, em vez dos nossos, aquelle que escreve estas linhas telegraphou a Eça de Queiroz nos seguintes termos: _Eça de Queiroz--Lawrence's Hotel--Cintra. Diga se recebeu rei convite ir extrangeiro principes, e se vae._ E recebemos a seguinte resposta: _Ramalho Ortigão--Caetanos--Lisboa. So recebi Alberto Braga convite ir Collares burros, e não vou._ Havieis-nos pois lançado a ambos ao ostracismo ... Maldição e prudencia! O preclaro major Quillinan, que tão galhardamente defendeu ha pouco a honra nacional publicando no _Morning-Post_ uma bisca contra o detestavel Brigth, annuncia agora e faz publico que, visto o governo de sua magestade fidellissima não haver prestado a consideração devida ao feito alludido, elle, major Quillinan, não mais volverá a soccorrer-nos nas molestias de Brigth. Brigth tem d'ora avante o rim da gente ás ordens. Tripudie sobre elle a capricho, que o major Quillinan dá licença! A camara dos commus pode desde hoje beber-nos o sangue á vontade, que o bebe por conta do lavrador. Regala-te para ahi, ó vibora sedenta! Nós porém, senhor,--como se diz na «Vie Parisienne»--_não somos esse major_. Vamos pois dar a vossa alteza n'este momento decisivo e solemne os derradeiros conselhos que a nossa dedicação a vossa alteza nos inspira, para que a todo o tempo se não diga que um mesquinho despeito nos reduziu n'esta suprema contingencia a um silencio criminoso, sarocoteando-nos cynicamente no vil mutismo, como dois peixes vermelhos dentro de uma redoma cheia d'agua, emquanto vossa alteza caminha para o abysmo, levado ao extrangeiro, como quem leva uma retorta, pelo nefando chimico snr Antonio Augusto d'Aguiar. Fomos vilmente preteridos--é certo--por esse cavalheiro ... Um chimico, senhor! um perfumista desaproveitado! um baldroqueiro de drogas! um troquilha de liquidos de laboratorio, nojosos e peçonhentos! Além d'isso, um gordo descommunal, um gordo inverosimil! um d'estes gordos que não passam ás alfandegas sem que as apalpadeiras venham e lhe ponham o visto! um gordo que vae alarmar a Europa, e que vossa alteza, em justa satisfação da curiosidade dos povos, se ha de ver forçado a exhibir á avidez do publico na feira de Saint-Cloud ou na feira _au pain d'epices_, a dois sous por cabeça. Elle, do alto de um estrado, dirá á França:--_Messieurs! je suis jeune fille, je suis née à Marseille, j'ai seise ans, je pèse 150 kilos, tatez mon mollet, S.V.P_! E vossa alteza, de casaca e gravata branca, piscando o ôlho ao povo, com malicia, terá de acrescentar: --_Il n'y a pas de coton là dedans, messieurs!_ Elle demais a mais usa uma luneta forrada de cautchu ... E é este homem que vae ser o real olheiro de vossa alteza atravez do que ha que ver por esse mundo! Um olheiro, de galochas de borracha na vista! Um olheiro que vae para ver tudo e que a si mesmo se não viu nunca senão até metade do ventre, porque da outra metade até os pés principia para o seu raio visual o hemispherio do grande indecifravel, do eterno incognoscivel! Que, pela nossa parte, tome vossa alteza nota que não pretendemos sensurar ninguem! Uma vez que os paes de vossa alteza decidiram que esse cavalheiro nos devia substituir para o acompanhar, nós não temos que dizer senão que vae muito bem acompanhado. Vae lindo! Não haja duvida nenhuma que vae perfeito! E todavia é possivel que o veneravel sabio venha a abusar um pouco do algebrismo technico da sciencia que tão gloriosamente professa e que, quando vossa alteza o consulte sobre o _menu_ da sua ceia no café Anglais ou sobre o governo do seu _cob_ na Avenue des Potins, elle lhe responda pela fórmula KO+2S0³, ou KO,2S0³, a qual fórmula não é precisamente a da elegancia mais garantida, posto que seja, sem questão alguma, a do bissulfato de potassa. Antes de entrarmos agora na ordem dos conselhos que o nosso mister de criticos nos impõe o dever sagrado de ministrar a vossa alteza, consideremos por um momento o estado presente da educação que vossa alteza vae concluir na sua proxima viagem. Um jornal insuspeito, o _Commercio de Portugal_, resume o programma d'essa educação no seguinte quadro: _«Conhece o principe o latim, francez, inglez, italiano, allemão, hespanhol, e estuda o grego. Faz com muito aproveitamento o curso de humanidades; tendo ahi principalmente alargado os estudos sobre a historia universal e patria. Estuda um curso regular de sciencias naturaes e mathematicas. Nas sciencias sociaes, que pode-se dizer constituem a_ SCIENCIA DO GOVERNO _para um principe, o curso de disciplinas seguido por sua alteza tem sido o seguinte, que indicamos mais desenvolvidamente por entendermos que muito interessa saber-se. Começou pelo estudo aprofundado da philosophia, especialmente dirigido para o estudo superior da philosophia do direito. Em 1878 começou os estudos de philosophia racional e moral, e historia systematica da philosophia. Preparado assim, começou em seguida o estudo de direito natural ou da philosophia do direito. Passou depois a estudar o direito publico interno e politico;--direito constitucional portuguez; e historia tanto antiga como moderna das instituições politicas da nação; organisação da administração publica em Portugal nos seus differentes ramos; leitura e explicação do codigo administrativo e das leis eleitoraes. Estudo comparado das instituições politicas das principaes nações cultas e analyse de seu systema eleitoral. Parallelamente e em lições alternadas, sua alteza seguiu o estudo sistematico da historia do direito publico da Europa, seguindo como base a notavel obra «Le droit public et l'Europe moderne,» do Vicomte Lagueronière. Estudos dos principaes tratados porque foi alterada a carta e a organisação politica da Europa desde os tratados de paz de Westphalia até a actualidade. Estudo dos trabalhos do conde de Cacour sobre a organisação do reino de Italia, e da correspondencia diplomatica mais importante sobre os grandes acontecimentos politicos contemporaneos, seguindo esse estudo pela excellente collecção dos_ ARCHIVES DIPLOMATIQUES _. Estudo dos principaes tratados diplomaticos de Portugal com a Inglaterra; tratado de Bombaim 1661; tratado de Metwen 1703; tratados d'alliança e de commercio de 1810; tratados da quadrupla alliança 1834; tratados para a repressão do trafico de 1817 e 1822, e tratado de commercio d'este mesmo anno. Terminado o estudo especial do direito publico interno, e parallelamente ainda com o estudo das disciplinas, que ficam indicadas, começou sua alteza a estudar o curso de Direito Publico Internacional, segundo uma introducção dos principios, que dominam este ramo importante da sciencia do direito, e da theoria das nacionalidades, seguindo depois o estudo especial sobre o_ DROIT INTERNACIONAL CODIFIÉ, _de Bluntschli, 1880._ Sua alteza está ainda cursando estas disciplinas. Em maio de 1872, começou sua alteza conjuntamente com o estudo do direito publico internacional o curso de economia politica, seguindo especialmente o_ TRAITÉ D'ECONOMIE POLITIQUE SOCIAL, _de Joseph Garnier (1880), comprehendendo muito especialmente o estudo do systema fiduciario nas differentes nações, e dos caminhos de ferro e canaes, como meios economicos. Actualmente em seguimento á economia politica, estuda a sciencia de fazenda segundo o_ TRAITÉ DES FINANCES, _de Joseph Garnier (1883) com applicação á organisação de Portugal. Para complemento do plano de estudo de sciencias sociaes, que foi adoptado ainda faltam outras disciplinas. N'esse estudo, e nos outros, continuará sua alteza finda que seja a sua viagem. Com lições de duas horas, e com uma exacta applicação, o principe tem podido vencer os estudos difficeis e variados, que ficam indicados. Assim educam os reis de Portugal os seus filhos.» É claro que estas informações procedem directamente do paço. Tudo o comprova: as datas, os titulos dos compendios e as suas edições, a ordem detalhada dos estudos, as horas de lição, etc. Estamos por tanto em frente de um testemunho authentico, de um documento historico. Analysemol-o. Vossa alteza é bastante moço ainda e bastante robusto para que o seu cerebro haja resistido ás influencias d'esse regimen aniquiladôr de toda a intelligencia. Note pois vossa alteza, em primeiro logar, a lingoa de preto em que está redigida esta exposição. Para dizer uma coisa tão simples, o stylo do mestre de vossa alteza rabeia na confusão mais contorcida e mais comichosa, em lucta com a pobresa de um vocabulario estreitissimo, de creada de servir. _Começou pelo estudo aprofundado ... Depois começou os estudos de philosophia ... Começou em seguida o estudo do direito ... Parallelamente seguiu o estudo systematico ... seguindo como base, etc._ Mas, Deus piedoso! isto não é escrever, isto é coçar-se. Quem não pode exprimir-se melhor é que vae ter furunculos, e não deve escrever, deve tomar salsa parrilha. Para julgar um tal plano de estudos, basta que vossa alteza um dia, ás escondidas d'esses senhores, abra um livro de um pedagogista, seja qual fôr. Em qualquer artigo de encyclopedia vossa alteza lerá, de resto, que o fim da educação é preparar o homem para a mais perfeita felicidade d'elle mesmo e para a felicidade dos seus similhantes em virtude da sua adaptação mais fecunda ao meio physico, ao meio economico, ao meio politico, ao meio esthetico, ao meio moral. Na parte relativa aos conhecimentos, ou á instrucção propriamente dita, a educação tem por objecto fazer-nos conhecer as manifestações ou os phenomenos do universo, principiando naturalmente por estabelecer as diversas categorias em que esses phenomenos se dividem. _O cathecismo da doutrina do real_, (citamos o que ha de mais elementar), reduz succintamente todos os phenomenos que a educação tem por fim submetter á nossa investigação ás seis ordens seguintes: 1.--Os phenomenos da quantidade, da fórma, da extensão e do movimento, ou phenomenos _mathematicos_. 2.--Os phenomenos do movimento dos astros, da sua dimensão, das suas distancias respectivas etc., ou phenomenos _astronomicos_. 3.--Os phenomenos do calor, da luz, da electricidade, do magnetismo, da acustica, ou phenomenos _physicos_. 4.--Os phenomenos de combinação e de decomposição, ou phenomenos _chimicos_. 5.--Os phenomenos proprios aos seres vivos, ou phenomenos _biologicos_. 6.--Os phenomenos do desenvolvimento das sociedades, ou phenomenos _sociaes_. Entre estas diversas ordens de phenomenos ha uma correlação de dependencia successiva. De sorte que se não podem conhecer os phenomenos da 6.ª categoria sem conhecer as da 5.ª; não se podem conhecer as da 5.ª sem conhecer as da 4.ª; e assim por diante. Não se aprende a astronomia e a physica terrestre sem noções mathematicas. Não ha chimica sem uma constituição anterior da physica. Não ha phenomeno vital que se comprehenda sem o conhecimento previo da synthese chimica. Não ha finalmente facto social que se defina scientificamente sem o conhecimento da synthese biologica. As sciencias cujas leis regem os phenomenos dos differentes grupos a que nos referimos acham-se hoje constituidas e chamam-se as sciencias fundamentaes. Cada uma d'estas sciencias se estuda por um methodo que lhe é privativo e a que corresponde o desenvolvimento progressivo das nossas faculdades. Assim o methodo das mathematicas é o do _raciocinio_ por deducção; o da astronomia é a _observação_; o da physica é a _experiencia_; o da chimica é a _analyse_; o da biologia, assim como o da anthropologia, ou biologia applicada ao homem, é a _comparação_; o da sociologia é a _observação critica_ e a _filiação historica_. A enunciação d'esta ordem hierarquica dos conhecimentos deve-se a Augusto Comte; e esta é a parte da doutrina d'esse poderoso renovador da mentalidade humana que ninguem até hoje discutiu nem contestou nas grandes linhas geraes. Esta methodisação é tão clara, tão consistente e tão fecunda, que não ha hoje systematisador que a não adopte como a mais segura das chaves para a coordenação das ideias. Emquanto á applicação d'este principio á educação diz Spencer: «Que na educação se deve proceder do simples para o composto é uma verdade sobre a qual em certa medida todos se fundam. O espirito desenvolve-se. Como todas as coisas que se desenvolvem, elle progride do homogeneo para o heterogeneo; e como um systema normal de educação é a contraposição objectiva d'essa marcha subjectiva, deve conter a mesma progressão. Esta formula assim interpretada tem um alcance muito maior do que á primeira vista parece; porque o seu principio implica não sómente que temos de proceder do simples para o composto no ensino de cada um dos ramos da sciencia, mas que outro tanto devemos fazer com relação ao conhecimento total. Como o espirito não começa por dispôr senão d'um pequeno numero de faculdades activas, e que as faculdades desenvolvidas mais tarde entram successivamente em acção até chegarem a funccionar todas simultaneamente, segue-se que o ensino não deve abraçar primeiro senão um pequeno numero d'objectos, successivamente accrescentados até que se comprehendam todos. Não é sómente na especialidade que a educação deve proceder do simples para o composto, é tambem no conjuncto.» Em seguida Spencer accrescenta, de accordo com todos os pedagogos modernos, que a educação da creança deve concordar no modo adoptado e na ordem seguida com a educação da humanidade considerada historicamente. A genese da sciencia no individuo não póde seguir uma marcha differente da genese da sciencia na raça. E n'este ponto Spencer invoca o nome de Comte e curva-se respeitosamente deante d'elle, porque a ordem positivista dos estudos corresponde exactamente á evolução dos conhecimentos na humanidade, a qual principiou por investigar os factos cosmologicos e inorganicos mui longo tempo antes de attender ás leis biographicas e á vida historica da especie. Vejamos agora á luz d'estes principios como os pedagogos de vossa alteza regularam a distribuição dos conhecimentos que foram incumbidos de ministrar-lhe. _Sua alteza_--diz a informação que analysamos--_começou pelo estudo aprofundado da philosophia_. Esta simples proposição inicial basta pelo seu profundo alcance pathologico para sobre ella se diagnosticar a inepcia verdadeiramente tragica que presidiu á educação intellectual de vossa alteza. Principiar pela philosophia!! Mas a philosophia é precisamente a ultima das coisas que se ensinaria a um homem, se a philosophia fosse coisa que se impuzesse a alguem pelo dogmatismo dos mestres. O que é uma philosophia senão um systema de leis, deduzidas pelo espirito de cada um da confrontação das causas e dos effeitos dos phenomenos physicos e dos phenomenos moraes, e destinadas a fazer-nos prever, á mais longa distancia da nossa comprehensão pessoal, o destino do homem no gremio da sociedade e no seio da natureza? Como é pois que alguem emprehende crear um philosopho de um menino de instrucção primaria, fazendo-o systematisar pelas altas e subtis correlações de causa e effeito um conjuncto de phenomenos, que elle nem sequer conhece na sua funccionalidade concreta, quanto mais na abstracção psychologica de fim e de origem? O principio fundamental de todo o systema de educação e de ensino é--como já vimos--que, sempre e invariavelmente, se proceda dos factos particulares para as leis geraes e das leis geraes para as leis de applicação. Como é então que a vossa alteza ensinaram leis de applicação sem o conhecimento previo das leis geraes e sem o conhecimento anterior dos factos particulares? Que especie de philosophia é esta que vossa alteza aprendeu, tão extranhamente e tão miraculosamente como poderia ter aprendido a leitura sem o conhecimento das letras ou a arithmetica sem a noção dos numeros?... É a _instauratio magna_ de Baccon? É o scepticismo systematico de Descartes? É o metaphysismo de Hobbes e de Leibnitz? É o deismo de Locke ou o de Voltaire? É o sensualismo de Spinosa ou o de Condillac? É o scepticismo de Berkeley? É o materialismo de Holbach ou de La Mettrie? É o encyclopedismo de Condorcet? É o sentimentalismo de Rousseau? É o idealismo de Kant e de Hégel? É o pessimismo de Hartmann e de Schopenhauer? É o eclectismo do snr Cousin? É o revolucionismo de Proudhon? É o objectivismo de Stuart Mill e de Herbert Spencer? É o evolucionismo de Darwin? É o positivismo de Comte ou de Littré? A informação que tão opportunamente baixou da aula de vossa alteza á redacção do _Diario de Portugal_ arranca o nosso espirito perplexo a esta cruel duvida. Diz-nos esse papel precioso que a philosophia que vossa alteza aprendeu é a _philosophia racional e moral_. Ora, como vossa alteza talvez sabe, todo o termo affirmativo implica a negação de um termo contrario. Assim quem diz uma philosophia _objectiva_ ou uma philosophia _materialista_, dá a perceber d'esse modo que ha uma philosophia _subjectiva_ e uma philosophia _espiritualista_, mas que não é d'essas que se trata. Os pedagogos de vossa alteza, insinuando-lhe que é _racional e moral_ a philosophia que lhe ensinam, deixam entender que ha tambem uma philosophia _immoral_ e uma philosophia _irracional_, opposta a essa. É triste o pensar que vossa alteza está desde de 1878 a estudar uma coisa que se converterá n'um systema de _irracionalidade_ e n'uma doutrina de _desmoralisação_ desde que vossa alteza se dê ao ligeiro trabalho de virar pelo avesso a tal coisa que lhe ensinaram. O programma que tem regulado a instrucção de vossa alteza accrescenta que vossa alteza tem estudado essa philosophia na _direcção do estudo superior da philosophia do direito_, e que _assim preparado começou em seguida o estudo do direito natural_. Perante uma tão espantosa affirmativa deitamos abaixo das estantes todos os livros de «direcção philosophica» desde a mais remota antiguidade até os nossos dias. Interrogamos avidamente as tradições egypcias do tempo das dynastias pharoonicas, contemporaneas das pyramides e anteriores de quatro mil annos á era de Christo, os vestigios que restam dos papyrus do _Ritual funerario_ e do _Livro dos mortos_. Interrogamos quanto se sabe ao presente da passagem no tempo e no espaço da philosophia chineza do _Y-King_ e do _Chou-King_. Inquirimos tambem, posto que com mais reserva, bem entendido, quanto se deslinda para a especulação philosophica dos mythos e dos emblemas indecentes das religiões e das liturgias phallicas da Chaldea e da Syria. Relemos com olho pressuroso, e manuseamos com mão nervosa e ligeira tudo quanto o snr Vasconcellos Abreu tem feito a mercê de nos communicar a respeito dos systemas philosophicos e mais systemas dos Aryas. Consultamos Thales de Mileto e Democrito, Socrates e Platão, Aristoteles, Zenon e Epicuro, Pomponacio e Averroes, todos os escholasticos, todos os platonicos, todos os peripateticos, todos os epicuristas, todos os pantheistas, todos os scepticos, todos os materialistas, e todos os atheus, sem excepção d'um só, desde os _Dialogos da Natureza_ do seculo XVII até o nosso moderno _Trinta_, comprehendendo todos os atheus verdadeiros e todos os atheus fingidos, desde Vanini, que morreu queimado como impio pelo parlamento de Tolosa, até um bom tendeiro nosso amigo que deixou de ir á missa ha mais de um anno, para não se comprometter com os socios do club _Gomes Leal_. Pois bem: ao cabo de tão laboriosas excavações eruditas e de tão vastas investigações historicas, podemos asseverar, sob nossa palavra de honra, a vossa alteza, que nada encontramos nem nas tradições, nem nos livros sabios, nem na conversação viva dos doutos, que nos possa dar, ainda que mui remotamente, ideia alguma do que venha a ser o _estudo de uma philosophia especialmente dirigido para o estudo de outra philosophia_, como aquella de que tão gloriosamente se trata no quadro dos conhecimentos propinados a vossa alteza pelos seus venerandos mestres. O _Direito Natural_, em que se diz que vossa alteza entrou depois do preparo da _philosophia especialmente dirigida para a philosophia_, é a reliquia rarissima de um estado mental que desappareceu da esphera philosophica, mas cujos vestigios tivemos a fortuna de poder encontrar ainda entre os ferros-velhos da historia do pensamento. Parece que houve com effeito, em tempos, o que quer que fosse a que se deu o nome hoje archaico de _Direito Natural_. Além da gente anonyma e desconhecida que com mão mysteriosa taberneia em Portugal o ensino publico e o de vossa alteza, ninguem mais ignora hoje em dia que todo o Direito é um producto da civilisação, e nunca uma manifestação ou uma obra da natureza. Nas sociedades rudimentares não se conhece o Direito. Nas sociedades civilisadas o Direito varia, segundo as concepções intellectuaes que dirigem o progresso em cada uma d'essas sociedades. E d'ahi vem que o Direito é eterno. É eterno precisamente porque é progressivo, como é progressiva a moral e a arte, e não porque seja um ideal innato á natureza do homem. O erro da velha denominação de _Direito Natural_ procedia de que os philosophos desconheciam a natureza, e em sua boa fé a consideravam recta e justa. Mas Darwin veio. Desde então ficou demonstrado que, pelos processos porque ella opera na formação dos aggregados humanos, a natureza é immoral e é iniqua. A lei do universo basea-se sobre o concurso d'estes dois grandes agentes: a _luta pela vida_ e a _selecção natural_. A luta pela vida é o estado permanente de todos os seres, para os quaes a creação é uma eterna batalha. A sorte do conflicto decide-a a selecção natural. Como? Fixando na especie, pela adaptação ao meio, os seres mais fortes, e expulsando os seres inferiores. Por isso o professor Haeckel affirma: «A theoria de Darwin estabelece que nas sociedades humanas, como nas sociedades animaes, nem os _direitos_ nem os _deveres_ nem os _bens_ nem os _gosos_ dos membros associados podem ser eguaes.» Ora o que é que estabelece o Direito? O Direito estabelece precisamente o contrario d'isso: a egualdade dos deveres reciprocos para a mais equitativa distribuição dos bens. O Direito portanto não só não é uma emanação da lei natural, mas é uma reacção contra essa lei. A natureza é o triumpho brutal decretado ao forte. A sociedade é a protecção consciente assegurada ao fraco. A creação funda _a luta pela vida_. A sociedade organisa o _auxilio pela existencia_. Uma civilisação é tanto mais adeantada quanto mais ella submette ao seu dominio as fatalidades naturaes. E é assim que o homem, de conquista em conquista, chegará um dia, como diz Büchner, ao paraizo futuro, ao paraizo terreal, d'onde não veio mas para onde vae, e que não é um dom divino primitivo mas o fructo derradeiro do trabalho humano. Todo aquelle que, no meio d'este esforço compacto da intelligencia de cada um para o progresso geral, se detem no caminho a aprender com os seus pedagogos a coisa a que elles ainda chamam o _Direito Natural_, está por esse facto fóra da civilisação e fóra da humanidade. Se o nosso intento fosse perturbar o doce repouso dos perceptores de vossa alteza, poderiamos perguntar como é possivel ensinar todo o direito que vossa alteza aprende, sem previamente fazer conhecer os grandes phenomenos que o Direito tem por fim dirigir e que se chamam a _nação_, a _familia_, a _propriedade_, o _trabalho_, etc. Poderiamos perguntar ainda quem é que assume a responsabilidade de ensinar a vossa alteza a _historia patria_ e a _historia universal_ antes de se haverem recusado a exercer essa funcção os individuos idoneos, os que pelos seus estudos especiaes demonstraram na imprensa ou no professorado ser os mais conhecedores d'essa materia, como o snr Pinheiro Chagas, o snr Oliveira Martins e o snr Theophilo Braga. Poderiamos perguntar mais, se a lingoa não será em uma nacionalidade um facto tão importante, pelo menos, como o direito, e se é permittido que, no quadro dos estudos de um principe de vinte annos, se não diga uma só palavra relativa ao conhecimento dos grandes escriptores, depositarios das tradições historicas e das tradições poeticas da sua patria. Poderiamos perguntar, finalmente, como é que a _Economia politica_, a qual Mac Culloch tão concisamente diffiniu dizendo que a _sciencia economica é a sciencia dos valores_, se póde ensinar a um menino de redoma, sem noção alguma dos elementos constitutivos dos valores; sem o conhecimento das sciencias que produzem a riqueza, como são a mechanica, a physica e a chimica; sem a minima ideia das materias primas que as industrias transformam, nem dos instrumentos que effectuam essas transformações, nem dos movimentos commerciaes que modificam e alteram de logar para logar o valor dos productos; um menino que o vacuo enorme do seu quadro d'estudos nos mostra na ignorancia absoluta do que é o milho, do que é o trigo, do que é o arroz, do que é o assucar, do que é o algodão, do que é a lã, do que é o carvão, do que é o ferro; de um menino que nunca foi a uma lavoura, nem a uma officina, nem a uma fabrica; de um menino que nunca viu em exercicio uma charrua, um torno, uma serra, uma broca, uma bomba, uma maquina de vapor ou um moinho de vento; um menino que nunca olhou de perto para esse instrumento vivo de todas as transformações industriaes, que se chama o obreiro; um menino emfim que nunca sahiu só, e que a sua mãe nunca levou ás compras, á tenda, ao talho ou á feira; e que, sabendo todos os direitos que ha--naturaes e sobrenaturaes, publicos e particulares, nacionaes e internacionaes,--só não sabe ainda como se faz o pão que come e o vinho que bebe, o tecido que o veste e a vela que o alumia, nem quanto custa o kilo da carne ou o litro do azeite! Nós porém não pretendemos affligir os mestres de vossa alteza. O mestre é irresponsavel, pela boa razão de que o mestre é nullo na direcção intellectual do homem. É por esse motivo que _As Farpas_ propuzeram sempre que a instrucção de vossa alteza se fizesse, como a dos demais cidadãos, nas escolas publicas do seu paiz. Porque a forte, a fecunda, a verdadeira lição não vem da auctoridade dogmatica dos mestres, vem do livre impulso dado ao espirito e dado ao caracter pela convivencia dos condiscipulos e dos companheiros. É n'essa intima communhão de interesses com individuos da mesma raça, da mesma nação, da mesma idade, que o homem começa a comprehender a primeira e a mais importante noção social, a noção da solidariedade humana, o mecanismo de todo o verdadeiro progresso, tendente ao triumpho final das forças sympathicas sobre as forças egoistas, á adaptação mais perfeita do individuo á communidade. E não é sómente o rhythmo do egoismo e da sympathia que se forma e se regularisa nas relações de convivencia com os nossos similhantes. São as curiosidades intellectuaes que despertam, e os conhecimentos que se transmittem no sentido dos problemas mais importantes para a geração a que pertencemos. Metade d'aquillo que valemos, moralmente e intellectualmente, devemol-o aos contactos e ás suggestões dos individuos que nos teem rodeado atravez da existencia. É esta uma divida que poucos se lembram de pagar, reconhecendo com veneração os beneficios da amisade. Todas as mães estão prontas sempre a declinar sobre as «más companhias» dos seus filhos a responsabilidade dos seus desvarios. São rarissimas aquellas que sabem agradecer, como collaboração dos seus desvelos, a parte enorme que as «companhias boas» tiveram na formação do espirito e na formação do caracter, na intelligencia, na dignidade, na honra, na gloria dos seus filhos. O homem mais perfeitamente educado por um mestre foi Stuart Mill. Aos vinte annos de idade elle tinha aprendido com James Mill, seu pae, tudo quanto a sciencia pode ensinar a um sabio e a um philosopho. E todavia Stuart Mill conta-nos na sua autobiographia que, ao perguntar um dia a si mesmo se seria feliz, uma vez realisadas nas instituições e nas ideias todas as reformas que elle projectava crear, a sua consciencia lhe respondera:--não. «Senti-me então desfallecer,--diz elle;--todas as fundações sobre que se tinha architectado a minha vida se desmoronaram de repente.» Mais tarde elle sentiu a dôr, sentiu depois o amôr, o amôr apaixonado, absorvente, enorme, dominando todo o seu ser, submettendo _a força dissolvente da analyse_; e foi só então que elle se sentiu homem, revivendo para a natureza, forte da grande força que a natureza lhe communicava, equilibrado para sempre no seu destino, cingido ao coração palpitante de uma mulher que elle amou--elle o sabio, o philosopho, o reformador frio e implacavel--com o amor illimitado, enthusiastico, cavalheiresco, que as velhas legendas lyricas attribuem aos grandes amantes celebres. A educação ministrada a vossa alteza pelos mesmos processos por que se ministra o alimento ás gallinhas nas cevadeiras mechanicas, apesar de o não ter feito um sabio como Stuart Mill, impediu-o egualmente de se fazer um homem. Não basta, para educar um mancebo, vir o snr Martens Ferrão ou o snr Santa Monica duas ou tres vezes por dia com a bomba da papa espiritual, abrir-lhe o bico, carregar n'um piston, e encher-lhe o papo de doutrina haurida nos compendios do snr José Garnier. Hoje em dia, menos do que nunca, se podem incutir a um homem opiniões feitas, introduzindo-lh'as por injecção pedagogica. Já Stendhal dizia que estamos n'um seculo em que sómente será escutado o homem que tiver opiniões individuaes. Só os timidos, os preguiçosos e os tolos é que teem como suas as opiniões em gyro. Ora as opiniões individuaes só se adquirem pela livre critica da opinião da massa, que é indispensavel conhecer e tratar. É o que ha muito tempo comprehenderam todas as familias reinantes ácerca da educação dos seus filhos. Os principes de Orleans sentaram-se nos mesmos bancos com os filhos dos burguezes do seu tempo no lyceu Henri IV. O principe real da Allemanha fez os seus estudos na universidade de Bonn. Seu filho o principe Wilhelm seguiu o seu curso na mesma universidade, tendo por condiscipulos o principe de Saxe-Meiningen, filho do grão-duque de Baden, e o principe d'Oldembourg. Os que passaram em Bonn de 1878 a 1880 viram esses principes, envolvidos com os demais estudantes, e vestidos como elles, de chapeu mole e veston abotoado, irem a pé para a universidade com a pasta de couro debaixo do braço, beberem juntos o _meiwein_ nos cafés, e passearem de sapatos ferrados e cachimbo nos beiços pelos suburbios de Bonn, em Godesberg ou em Heisterbach. O principe Frederico Alexandre Carlos, hoje rei regente de Wurtemberg, fez os seus estudos nas universidades de Berlim e de Tubing. O principe Carlos Alexandre, grão-duque de Saxe-Weimar-Eisenach, é alumno das universidades de Iena e de Leipzig. O principe Christiano Augusto Frederico, principe herdeiro de Slesvig-Holstein-Souderbourg, é alumno da universidade de Bonn. O principe Frederico Guilherme, grão-duque de Mecklembourg-Strelitz, é egualmente formado em Bonn. O principe Ernesto IV, duque reinante de Saxe-Cobourg-Gotha, auctor da conhecida Viagem do Egypto, fez em Bonn um curso de philosophia e um curso de economia politica. O principe reinante da Servia, Milão Obrenovitch, fez os seus estudos em Paris, no lyceu Louis-le-Grand. Os filhos da rainha de Inglaterra foram educados nas universidades de Cambridge e de Oxford; e todos elles, assim como os filhos do principe imperial da Allemanha, sabem um officio. Uns são lithographos, outros são torneiros, outros encadernadores, outros typographos. Se vossa alteza houvesse aprendido um officio, como _As Farpas_ propuseram em tempo opportuno, vossa alteza teria obtido então a singular aptidão cerebral que anda ligada ao mais perfeito desenvolvimento da coordenação dos movimentos nervosos e musculares, e forrar-se-hia agora, na convivencia dos seus primos da Allemanha e da Inglaterra, á desconsoladôra melancolia que sempre invade os espiritos inferiores em capacidade, entre os homens eguaes em condição. Os dois filhos do principe de Galles estão presentemente estudando na Suissa, com a simplicidade de dois jovens cidadãos da sabia e modesta republica helvetica. O rei Affonso XII de Hispanha, o principe da Hollanda, o principe Eugenio Napoleão, etc, fizeram egualmente os seus cursos nas escolas publicas, conviveram n'ellas com homens de todas as opiniões politicas e de todas as opiniões religiosas, aprenderam a distinguil-os pelo seu valor pessoal, fizeram-lhes favores, receberam-os d'elles, crearam finalmente um circulo de affeições, ligadas ás memorias da mocidade, e constituindo um dos mais dôces e dos mais nobres encantos da vida. Vossa alteza, que até hoje não teve ainda um companheiro e um amigo, conserva em folha um dos principaes instrumentos da actividade humana, o seu coração, e n'elle, improdutivo e inutil, o capital precioso dos seus affectos desempregados. Em um exordio sentimental que precede a exposição dos estudos de vossa alteza publicada no _Diario de Portugal_, lêem-se as seguintes linhas: _Sua magestade a rainha quiz especialmente tomar a seu cuidado seguir dia a dia com grande discernimento, e extremado cuidado a educação dos seus filhos._ Deploravel, serenissimo senhor, profundamente deploravel, similhante intervenção! É realmente preciso que os pedagogos de vossa alteza abusem de mais do encyclopedismo da sua ignorancia na materia que professam para não terem devidamente aconselhado sua magestade n'este importante assumpto. A missão da mãe na educação do homem termina quando este chega aos quatorze annos. Charles Robin o disse. Até essa idade são os sentimentos que inspiram os actos, e é á mãe que cumpre dirigir os sentimentos. Dos quatorze annos em deante são as ideias que dirigem as acções. As psychoses, assim como as manifestações anathomicas e as funcções physiologicas, caracteristicas da puberdade, encerram segredos que nenhuma mãe tem direito de devassar na educação de um rapaz, assim como nenhum pae tem direito analogo na educação de uma menina. Toda a mãe que intervem fiscalmente nas legitimas curiosidades intellectuaes de um mancebo offende egualmente o pudor d'elle e o d'ella. Não sabemos se vossa alteza adquiriu já a firme e clara comprehensão de que não veio ao mundo trazido do Norte n'um cabaz ornado de topes azues e côr de rosa, ou achado entre as violetas do jardim sob uma folha de couve. Se vossa alteza chegou já com effeito ao conhecimento da secreta verdade embriologica que destroe essa ingenua e graciosa legenda da sua meninice, vossa alteza começou desde esse dia, pela subita renovação do amor e do respeito a sua mãe, a ser para ella o verdadeiro filho, mas cessou para todo sempre de ser o alumno d'essa senhora. Desde que um homem entra no periodo da virilidade a mulher em cuja convivencia elle tem que educar as suas faculdades estheticas e as suas faculdades criticas é a sua noiva ou é a sua amante. A personalidade sagrada d'aquella que nos deu o ser é preciso, para a honra, para a dignidade, para o encanto carinhoso da familia, que fique para sempre extranha aos processos pedagogicos com que cada um de nós arrancou da arvore da sciencia e mordeu com a voracidade dos reprobos o fructo delicioso e terrivel do bem e do mal. O amor maternal é o anjo legendario do eden, que, perante a curiosidade scientifica do homem e do gladio de sangue que o expulsa da innocencia, cobre o rosto lacrimoso e se encerra eternamente na alvura immaculada das suas azas desdobradas e pendentes. E é preciso que assim seja, para que um pouco de ceu fique no fundo do coração d'aquella que nos deu á luz, e junto da qual é ineffavelmente doce para todo o homem ir, de longe a longe, dessedentar-se das amarguras ardentes da vida desilludida pousando os beiços com veneração no cristalino veio abençoado de cuja corrente humilde e melodiosa, escondida no mais longinquo e mais ridente valle do passado, gotejou sobre a nossa infancia a perola da candura. Considere agora vossa alteza os resultados em que a sua educação começou já a fructificar. Vossa alteza, na idade de vinte annos, continua a assistir todos os dias ao santo sacrificio da missa, e não fez ainda a um companheiro ou a um amigo o sacrificio pessoal de um lapis ou de uma penna d'aço. Vossa alteza frequenta ainda regularmente o tribunal da penitencia. Em periodos determinados o cardeal bispo do Porto vem ouvir de confissão a vossa alteza. Sua eminencia reverendissima recolhe no sacrario do seu peito a narrativa dos peccados que vossa alteza não perpetrou e dos beneficios que vossa alteza egualmente não distribuiu. Depois do que, feito o acto de contrição, elle o absolve em nome de Deus Padre Todo Poderoso, fazendo-lhe por elle a solemne promessa de um commodo e confortavel thronosinho rutilante de estrellas o espera nas alturas da Via Lactea para o dia em que vossa alteza resolver honrar a celestial mansão com a sua agradavel presença, indo trocar um aperto d'azas com os anjos, que o esperam saudosos no Empyreo. Para os effeitos celestiaes é evidente que não póde haver melhor vida que a que vossa alteza tem, nem melhor morte que a que lhe está destinada. A unica coisa de recear é que a historia não seja por ventura tão acommodaticia como a providencia, porque, no dizer de um outro padre mestre, o patriarcha Voltaire, a historia só diz bem d'aquelles que praticam o bem. Ella é de um desprezo incivil com todos os que delicadamente se encerram na missão discreta de não praticar coisa alguma. É n'esse bello socego que no tempo antigo se endurecia o coração aos tyrannos e que ainda hoje se engorda o figado aos patos. Não é porém com tal regimen que de ordinario se desenvolve nos homens o sentimento da responsabilidade, o espirito do sacrificio e o amor do dever. E no emtanto as escolas de medicina, as escolas polytechnicas, a universidade, a escola naval e a escola do exercito trasbordam de uma mocidade, contemporanea de vossa alteza, a qual vae entrar agora no conflicto da vida civil e reorganisar a sociedade sobre a qual vossa alteza ha de reinar um dia. Do espirito d'essa mocidade, das suas tendencias, das suas aspirações, das suas vistas futuras, é vossa alteza em Portugal o unico homem da sua idade que não tem conhecimento algum. Creado no meio de cavalheiros de cincoenta a sessenta annos, conservadores e cortezãos, mais velhos ainda pelas suas ideias que pelos seus annos, vossa alteza só conhece do seu tempo os individuos que cessaram de tomar parte no movimento d'elle e pertencem pela sua immobilidade mental ás gerações mortas. Vossa alteza chegou á maioridade; as cortes da nação prestaram-lhe venia; em torno de vossa alteza quarenta ou cincoenta servidores, antigos militares, antigos ministros, antigos magistrados, beijam-lhe a mão em cada manhã, fazendo alas, de dorso curvo e d'olhos no chão, para que vossa alteza passe, intemerato c magestoso, da sala em que lhe servem o seu latim para a sala em que lhe servem a sua merenda; vossa alteza é o herdeiro presumptivo do throno, é o regente do reino em nome do rei, é o senhor de Guiné e da conquista, navegação, commercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India; e todavia não é senhor de tomar simplesmente um bilhete de ré no vapor da outra banda e de ir a Cacilhas, sem licença previa de sua augusta mãe. Todos os dias a augusta mãe de vossa alteza pede a nota das suas lições, e, sempre que vossa-alteza não decorou inteiramente o seu verbo, a excelsa soberana prohibe-o de se ir divertir, isto é, de ir á noite aos Recreios Witoyne entre dois homens de dragonas e de espada á cinta, como quem vae preso para o calabouço. Quando porém ha graves negócios pendentes da deliberação do poder executivo, medidas excepcionaes de administração, tratado importante que assignar com alguma potencia extrangeira, ajustes de paz ou declarações de guerra eminentes, então, quer vossa alteza tenha satisfeito as suas lições quer não, sua magestade a rainha não se oppõe a que vossa alteza saia, porque vossa alteza é conselheiro d'estado desde os desoito annos, e sempre que os grandes negocios da republica se complicam, vossa alteza tem por missão deslindal-os. Se coincidentemente com um conflicto politico nas relações internacionaes do paiz occorre algum erro palmar no thema de vossa alteza, então a pena disciplinar de reclusão por negligencia no estudo é substituída pela privação de sobremeza, afim de que vossa alteza corrigido como mau estudante, vá ao mesmo tempo salvar a pátria como bom conselheiro. Além de conselheiro d'estado, vossa alteza é alferes de lanceiros e é segundo tenente da armada. É summamente extranhavel--não o esconderemos--que honrando a carreira das armas por meio da adopção d'essas duas patentes assumidas _in absentia_, vossa alteza não honre egualmente as profissões liberaes, dignando-se de assumir também algum diploma nas carreiras scientificas e litterarias. Não pretenderiamos que logo aos quinze annos de idade o tivessem feito doutor de capello e socio de merito da Academia. Poderiam porém com vantagem, segundo nos parece, começar por nomeal-o associado provincial da Academia, por exemplo, e pharmaceutico. Mais tarde, no dia em que vossa alteza celebrou o seu 16.° anniversario natalicio, teriam podido eleval-o á categoria de segundannista da faculdade de philosophia e a socio do Instituto. E assim consecutiva e progressivamente. De sorte que, hoje em dia, exactamente assim como é alferes do exercito e segundo tenente da armada, vossa alteza poderia muito hem--creia-o--ser socio effectivo da Academia e bacharel formado em direito. Não podemos tão pouco attingir as razões mysteriosas em virtude das quaes vossa alteza não foi ainda nomeado capellão. Dados os hábitos de devoção de vossa alteza, nada mais commodo do que essa patente eclesiastica. A qualquer hora a que se levantasse para se entregar aos seus estudos, vossa alteza faria, a barba e diria a missa a si mesmo; e logo em seguida sem mais perda de tempo, vestido d'alferes, iria tirar significados. Vossa alteza digna-se talvez de sorrir docemente á ideia comica de ser o seu proprio capellão ... Vossa alteza é extremamente bom e amavel em sorrir. Esperamos que vossa alteza terá egualmente o espírito sufficiente e a malícia precisa para comprehender perfeitamente que não é, em rigor, muito menos padre do que é tenente de si mesmo. Tal é, senhor, o absurdo grottesco da etiqueta cortezã, na qual o obrigam a vegetar trabalhosamente como uma bella e rica planta de ar livre dentro de uma estufa pôdre. Vossa alteza tem sido submettido aos rigores tenebrosos d'esse regimen no proposito de o tornar mais perfeito e mais feliz. Está succedendo a vossa alteza o mesmo que succede aos povos a que os reis procuram dar a felicidade por meio da tyrannia. Os povos agradecem, mas preferem o infortunio, porque o coração do homem aspira eternamente á liberdade, e vae para ella com mais ou menos lentidão mas n'um esforço constante, como vae a crescença da planta para a parte d'onde lhe vem a luz. Ora como nos não parece justo que para os povos se peça uma coisa, e aos principes se offereça a coisa contraria, toda a nossa opinião ácerca da educação de vossa alteza se resume n'isto: Que o libertem! Para conhecer a realidade do mundo, unico fim serio da sciencia, é preciso entrar no combate da vida como entravam na liça os paladinos bastardos--sem pae e sem padrinho. Os principes não constituem excepção a esta lei geral da formação dos homens. Da educação de gabinete, do bafo enervante dos mestres, dos camareiros e das aias, nunca sahiram senão doentes e pedantes. Na sagração dos czares ha uma ceremonia de alta significação symholica: o imperador não se confirma em quanto por tres vezes não haja descido do throno e penetrado só na multidão; e isto quer dizer que na convivencia do povo a auctoridade e o valor dos monarchas recebe uma tão sagrada uncção como a da santa chrisma. Todos os reis fortes se fizeram e se educaram a si mesmos nos mais rudes e mais hostis contactos da natureza e da sociedade humana. Veja vossa alteza Carlos Magno, que só aos quarenta annos é que mandou chamar um mestre para aprender a ler. Veja Pedro o Grande, do qual a educação de camara começou por fazer um poltrão. Aos quinze annos não se atrevia a atravessar um ribeiro. Reagiu emfim sobre si mesmo pela sua unica força pessoal. Para perder o medo aos regatos, um dia, da borda de um navio, arrojou-se ao mar. Para se fazer marinheiro começou por aprender a manobra, servindo como grumete. Para se fazer militar começou por tambor na celebre companhia dos jovens boyardos. E para reconstituir a nacionalidade russa começou por construir navios, a machado, como official de carpinteiro e de calafate, nos estaleiros de Sardam. Também não teve mestres, e foi comsigo mesmo que elle aprendeu a lingua allemã e a lingua hollandeza. Veja vossa alteza, emfim, todos aquelles que no governo dos homens tiveram uma acção efficaz, e reconhecerá se é na lição dos mestres ou se é no livre exercicio da força e da vontade individual que se criam os caracteres verdadeiramente dominadores, como o de Cromwell, como o de Bonaparte, como o de Santo Ignacio, como o de Luthero, como o de Calvino, como o de Guilherme o Taciturno, como o de Washington, como o de Lincoln. Vossa alteza acha-se precisamente agora na grande crise de toda a sua vida, no momento psychologico da escolha entre a sujeição á direcção inepta dos seus pedagogos e a reacção da sua vontade para uma educação nova, como a que deram a si mesmos Pedro I na Russia e Carlos XII na Suecia. A próxima viagem é a occasião propria, é a única, para se tomar essa resolução suprema. Vossa alteza tem até hoje vivido no carcere da obediência. Fazem-o circular agora pela Europa, de corte em corte, como um animal domesticado pelo snr Martens Ferrão e trabalhando á voz do snr Aguiar, dentro da jaula da disciplina. E chamam-lhe a isso uma viagem! Mas não é mais do que uma nova lição isso! a lição derradeira, fatal e tremenda, exaltando, confirmando e fixando do modo mais perigoso no espirito de vossa alteza os erros de todas as outras lições funestas que lhe teem dado. É preciso que vossa alteza se compenetre bem, n'este momento e de uma vez para sempre, como principe, como rei, como cidadão e como homem, para regra de todo o seu procedimento presente e futuro, quer de si para cima, quer de si para baixo,--que o regimen da obediencia é o systema da negação do caracter. O homem só é um homem desde o instante em que, perante o conflicto da consciencia e da autoridade, elle aprende a ser um rebelde. A obediencia é a fôrma forrada de cebo ou de manteiga em que se molda a massa saponancea dos servis, mas em que perde o feitio, porque se quebra ou porque se esborôa, a nobre personalidade humana. Submisso á vontade dos seus preceptores, vossa alteza ficará para sempre um principe de fòrma, pretensioso, apelintrado e piegas, bonito para ornar uma pendula barata n'um salão chinfrin, ou para se pôr em cima de um kake coberto d'assucar, em pompa de sobremesa, n'uma bòda labrega. Vossa alteza preferirá de certo ser aquillo para que a simples natureza o destinou--um nobre ser vivo, um bello e forte rapaz altivo, inrelligente e honrado. Em presença pois da companhia obrigatoria e nefasta dos semsaborões officiaes incumbidos de o guardar, vossa alteza, apenas transposta a fronteira, não tem senão um d'estes dois partidos que tomar relativamente aos seus aios, pedagogos, camareiros e mestres:--subjugal-os á sua unica e exclusiva vontade, corrompendo-os: ou desfazer-se d'elles fugindo. Encaremos com serenidade e firmeza cada uma d'essas duas soluções. A corrupção do mestre pelo alumno tem sido por vezes vantajosamente intentada, com resultados satisfactorios para a rasão e para a humanidade. Cumpre-nos sobre este ponto referir a vossa alteza o que succedeu com a educação do fallecido marquez de Niza, um dos raros e derradeiros homens de espirito que produsiu a aristocracia portuguesa para encanto do mundo elegante na Europa e para horror e escandalo da corte gêba e caturra dos paes de vossa alteza. A velha e veneranda senhôra marqueza de Niza, avó do actual conde da Vidigueira fidalgo da casa de vossa alteza, tinha sobre a educação do seu filho os mesmos preconceitos lamentaveis que affligem o coração amantíssimo da mãe de vossa alteza. Para dirigir a educação do joven marquez veio expressamente de Roma para o solar dos Nizas, auctorisado por um breve pontificio, o mais sabio e o mais veneravel dos monges toscanos. A presença austera do abalisado pedagogo, a sua fronte pensativa e pallida, a sua longa barba negra esparsa no escapulario do habito, a compostura das suas maneiras, o recolhimento singelo do seu porte, a alta e preciosa cultura do seu espirito encyclopedico e a sua extremada devoção, puseram em todos os velhos parentes da família um sentimento profundo de respeito, de veneração e de confiança illimitada. Nos intervallos dos exercicios litterarios e dos exercícios religiosos, quando o monge depois de haver feito a sua lição de musica, tomava elle mesmo a rebeca do seu alumno e accordava n'elle os primeiros sentimentos estheticos, tocando por sua mão um _nocturno_ ou um _tremolo_, era tão viva e tão pungente, sob a vibração do seu arco magistral, a voz do violino, que não só o pequeno marquez impallidecia, tocado de uma nova e extranha commoção mysteriosa, mas a propria senhora marquesa chorava, docemente enternecida, subjugada pela expressão penetrante da melodia que o grande artista, humildemente oculto sob a roupeta d'esse frade, espargia em torno de si n'um lento soluço orvalhante de perolas. Terminada a educação theorica, era preciso completal-a na pratica por meio de uma viagem na Europa, e o marquez de Niza, abençoado por sua mãe, purificado pela eucharistia e pela confissão geral, partiu para Paris com o seu preceptor. Durante os primeiros meses correu tudo n'uma serenidade e n'uma ordem verdadeiramente claustral. O preceptor escrevia por todos os correios. O menino, cada vez mais comedido, mais respeitoso e mais temente a Deus, parecia disposto a passar, sem solução de continuidade, da innocencia de um cherubim para a santidade de um doutor da igreja. Depois, a pouco e pouco, foi successivamente diminuindo o numero das cartas e augmentando o numero das contas. Os dois poços de santidade tinham-se convertido em dois sumidouros enormes de dinheiro. A senhora marquesa queixava-se repettidamente com severidade cada vez mais acrimoniosa. Chegou a final uma carta do padre. Explicações evasivas, e rasões debeis, com um perfume fortissimo de _patchouli_, que era então o cheiro da moda, o cheiro _selected_, o cheiro _v'lan_, segundo o termo com que mais tarde o galante rei da Hollanda tinha de enriquecer o vocabulario precioso do cocodettismo. Depois do que, nunca mais o eclesiastico escreveu. Acabou-se, em ultimo recurso, por suspender toda a remessa de numerario para Paris. Mas nem esta suppressão violenta dos meios determinou uma mudança sensivel em tão lastimoso estado de coisas. Para obter noticias positivas do marquez de Niza e do seu aio foi preciso mandar de proposito a Paris o procurador da casa, e só então se veio no conhecimento do occorrido. O veneravel monge, depois de ter sido uma noite rebaptisado a champagne n'um gabinete do café inglez, esqueceu-se do burel pendurado no CABIDE d'esse gabinete, e fez cavalheirosamente presente d'elle ao _maître d'hotel_ quando este lh'o quiz restituir na noite immediata. Depois, por um louvavel sentimento de respeito pela inviolabilidade sacerdotal, deitou abaixo inexoravelmente as suas barbas d'asceta, profanadas á traição pelos beijos de varias bailarinas que o adoravam, e guardou unicamente, como symbolo da rigidez dos seus princupios, um severo e implacavel bigode. Mais tarde, quando chegou a noticia terminante que de Lisboa lhes não enviariam nem mais dez réis, o marquez tremeu. O padre então ralhou, fazendo observar que seria preciso que elles fossem ambos dois pulhas indignos para precisarem para alguma coisa do dinheiro da senhora marqueza; que seria preciso ainda que essa senhora houvesse sido miseravelmente roubada durante todo o tempo que durara a educação do seu filho, para que tanto elle como o seu mestre não estivessem perfeitamente habilitados a ganhar a sua vida pelo trabalho era qualquer parte do mundo onde a senhora marqueza se dignasse de os abandonar. E em seguida, mettendo as caixas das rebecas debaixo do braço e acendendo uma cigarrette, foram ambos apresentar-se ao director de um theatro que os escripturou como violinos. Depois do espectaculo, um tanto ebrios da commoção capitosa da musica que tinham feito ao lado um do outro, sahiam juntos, offereciam o seu braço com a galanteria de meridionaes ás duas actrizes que por ventura se encontrassem n'essa noite ainda mais pobres do que elles, e iam juntos beber a sua _chope_ em _partie carrée_ na calmante frescura dos boulevards. Os pedagogos de vossa alteza não estão no caso do do marquez de Nisa. A nós, pelo menos, não nos consta que o snr Martens Ferrão toque algum instrumento, nem que as prendas musicaes entrem no numero das que exornam o snr Antonio Augusto de Aguiar. Um e outro são rebeldes á arte, e foi pela fenda da arte que o humanismo do marquez de Nisa penetrou o arnez theologico do seu amavel aio. E é preciso isso, a picada, da arte no intimo do coração de um homem, para que elle, venha d'onde vier, saia d'onde sair, se converta depressa no digno companheiro do mais espirituoso e do mais elegante dos _gentlemen_. Quando elles não teem a arte por si, ou contra si, o melhor, real senhor, é deixal-os ser o que são, e não lhes bolir. Incorruptos são insipidos. Corrompidos tornam-se porcos. Resta pois a vossa alteza um unico recurso:--a fuga. Parece uma bicha de sete cabeças, ao primeiro aspecto. Pura illusão! Lê-se a historia de todas as evasões celebres: é a coisa mais simples d'este mundo. Basta ter calcanhares, e vossa alteza tem-os. Basta ter uma pouca de terra para dar para feijões, e vossa alteza tem diante de si o mundo inteiro que dar para esses legumes. Tudo mais é simples detalhe. Convirá apenas que n'uma estação de bufete, em qualquer linha de caminho de ferro, vossa alteza, encontre á sua disposição, do lado opposto á linha, um cavallo pronto e ligeiro. Uma palavra telegraphica de vossa alteza á redacção d'_As Farpas_, e _Frontin_, o proprio _Frontin_, o vencedor do Grand Prix de Longchamps, o esperará no ponto que vossa alteza designe, submisso e relinchante, immovel e estacado nas suas quatro pernas d'aço, de ventas altas, redondas, avidas, nervosas e palpitantes. Emquanto os pedagogos, abancados no restaurante da gare, comem, mascando ruidosos, vorazes de azote e de carbone, vossa alteza, em bicos de pés, prega-lhes um rabo de papel em cada um, e desapparece veloz pelo fundo. Um pulo á sella, rédea baixa, e ávante! Que importa tudo quanto possa succeder em seguida?! A pedagogia que rebente ahi assim! a jurisprudência que desmaie! a chimica que caia para a banda! a etiqueta que estoire! A humanidade triumpha, porque, desde esse momento, vossa alteza é livre. Quem ousará constrangel-o, coagil-o, violental-o? Vossa alteza é verdade que é um principe, mas é também um homem, chegou á maioridade, é o único e exclusivo senhor de si mesmo. Todos os pavilhões dos paizes livres,--da França, da Suissa, da Hollanda, da Inglaterra, dos Estados Unidos da América--subirão desfraldados ao tope dos mastros para cobrirem de toda a sua força e de toda a sua glória na pessoa de vossa alteza a sua inviolabilidade sacrosanta de _touriste_. Todos os códigos e todos os tribunaes do mundo estão abertos para lhe prestar defesa e homenagem. Rei, posto na Ajuda, no alto do seu throno, com a púrpura ás costas, a coroa na testa e o sceptro em punho, vossa alteza tem apenas para o defender um exercito de cinco mil coroneis, com duzentos soldados, e o habil Antunes. Fora da fronteira, com um passaporte no bolso, um saco de noite na mão e um chapeu de chuva debaixo do braço, vossa alteza tem á sua disposição, como qualquer outro, para salvaguardar e manter os seus inviolaveis direitas d'homem provído de uma chapelleira e de um guia Baedeker, todas as armadas e todos os exercitos do mundo. Se a côrte portugueza recalcitrar, se os seus pedagogos intentarem impôr-se-lhe e embargar-lhe o passo, vossa alteza, com um simples gesto, chama um gendarme, que lhe encafurna todos esses massadores na cadeia. --Deixem circular, meus senhores! deixem circular!--tal é a palavra da força publica, de um extremo ao outro extremo em todo o mundo civilisado. Considere vossa alteza o que em circumstancias analogas fez o principe herdeiro da Hollanda, o sabio, o doce, o ineffavel _Citron_. Desde que se achou em Paris, nos seus pequenos appartamentos da rua Auber, não houve mais forças humanas que o obrigassem a voltar á estopada do seu reino. A nós outros, senhor, coube-nos ainda a gloria de conhecer no Bignon esse adoravel cosmopolita, que tinha a sabedoria de preferir a commodidade de um chapeu mole de _Pinaud et Amour_ ao peso de qualquer coroa d'este mundo. Era, como vossa alteza, um louro,--um pouco mais fulvo apenas. Usava as suissas em _cotelette_, caminhava lentamente, como um piccador fatigado ao acabar de desmontar, e apesar do seu desdém de toilette e de maneiras, havia n'elle a distincção dolente de um antigo sangue nobre, a alta aristocracia cançada e fastienta da preclara familia de Nassau. Não houve cartas regias, nem negociações diplomaticas, nem enredos, nem violencias, nem ameaças, nem esforços d'ordem alguma que o levassem a demover jamais de Paris a sua mala grande. Um dia o rei da Hollanda, que os encantos de Madame Musard distrahiam algumas vezes dos interesses da politica neerlandeza para as convivencias da _Maison Dorée_, encontrou-se com Citron, de passagem, no foyer de um theatro do boulevard. O soberano incognito abraçou o filho pela cintura com effusão e firmeza, e disse-lhe peremptoriamente: --O menino vae d'aqui sem mais perda de tempo lá para baixo para a Hollanda reinar. Quem fica em Paris agora sou eu. Tenho aqui no bolso a minha abdicação, e vou já lá dentro ao foyer dos artistas assignar-lh'a. Acceite os meus parabens. Citron, inclinando-se, agradeceu commovido, e accrescentou: --Espera-me então aqui um momentosinho, que eu venho já ... Foi essa a derradeira vez que o monarcha dos Paizes Baixos viu o seu herdeiro n'este mundo. Pouco depois Citron morria na sua cama de rapaz na rua Auber, firme e feliz na inveterada convicção de que é melhor ser um _viveur_ morto do que um rei vivo. Uma vez em Paris, simplesmente mas confortavelmente instalado n'um _entresol_ sobre os Campos Elyseos, ou n'um terceiro andar sobre o Luxembourg, segundo os seus gostos de _clubman_ ou os seus gostos de litterato, tem vossa alteza naturalmente indicados os indivíduos que devem constituir a sua primeira roda de companheiros. Tem o snr Rodrigues, distincto alumno de medicina, para o pilotar no mundo scientifico. Tem o snr Mariano Pina, espirituoso folhetinista, para o guiar no mundo litterario. Tem o snr Loureiro, o snr Columbano, o snr. Monteiro Ramalho e os demais pintores portuguezes para o introduzirem no mundo artistico. Sahindo do mundo onde a gente estuda, tem, finalmente, vossa alteza o snr Jeronymo Collaço de Magalhães para o levar ao mundo onde a gente se diverte. Paris inteiro se resume n'isso, e todo o mundo se acha resumido em Paris. Qual tem de ser ahi o novo quadro de estudos destinado a refazer nas suas verdadeiras bases a educação de vossa alteza? Nada mais simples! Quem sabe mais d'essa materia do que os melhores pedagogos é toda a gente. Vossa alteza fará sabiamente o que faz toda a gente que se instrue, isto é, começará a aprender tudo aquillo que o trato do mundo em que entra lhe mostrar que não sabe. Vossa alteza levanta-se, como todos os que se presam, ás seis horas da manhã; toma a sua douche ou um banho morno, fazendo-se pistonnar com agua gelada pelos seus lados fracos; monta em seguida o seu cavallo irlandez, e vae com o sr. Jeronymo Collaço galopar para o Bois de Boulogne. Confere-se depois uma hora de esgrima e do tiro ao balão, e em seguida almoça no _cercle_. Vae com o snr Mariano Pina ao Collegio de França e ouve a lição do snr Renan. Vae com o snr Rodrigues á Escola de Medicina e assiste á prelecção do snr Charcot. Vae com os pintores ao Louvre e olha para a Venus de Millo. Sobra-lhe ainda tempo para dar a volta da tarde em carroagem no Bois, e para comparecer n'um _five o'clock_. A' noite--como se não é principe impunemente--as conveniencias exigem a toilette ceremoniosa para jantar, a casaca ingleza, a gravata branca, e a perola preta cercada de brilhantes no peito da camisa. É inutil dizer que se não põem condecorações. Só os porteiros, os dentistas e os prestidigitadòres é que usam hoje esse arrebique de mau genero. Á noite convem á idade e á posição de vossa alteza uma hora de conversação mysteriosa ao fundo de uma _baignoire grillée_ n'um pequena theatro. Um só dia d'estes prehencherá melhor a educação de vossa alteza do que seis annos de estudo sobre o _Direito Publico_ do visconde de Lagueronière, ou sobre o _Direito internacional_, de Bluntschli, com o snr Marlens Ferrão debruçado em cima do hombro de vossa alteza, a explicar os textos no lento rom-rom coceguento e rhythmico dos sabios antigos e dos gatos velhos, tão propicio ás somnecas! De quando em quando será util que vossa alteza vá ao Bullier beber cerveja com os estudantes, ou que ponha o chapeu tyrolez, de feltro branco com uma papoula bordada a matiz, e consagre um domingo de sol a um _croquis_ de impressão na floresta de Fontainebleau, indo em seguida provar as frituras de Barbizon em companhia d'artistas. Ouvirá talvez vossa alteza fallar nas _cocottes_. Chamavam-lhes n'outro tempo as _cortezãs_, chamaram-lhes depois as _lorettes_, e principiam a chamar-lhes agora as _horisontaes_. A trajectoria do nome indica bem a decadencia de um genero, que nem desaconselhamos nem aconselhamos a ninguem. Diremos apenas que, economicamente, a cocotte representa no equilibrio social o mais importante beneficio. Ella é o apparelho dispersor do dinheiro, da influencia e da auctoridade, que o agiota condensa. Se a cocotte não desgregasse o agiota, o agiota englobaria em si o universo. De tempos a tempos lá surge no horisonte um filho-família, desolhado, casposo e de unhas roidas, a queixar-se aos caixeiros sentimentaes e ás burguezas romanticas de que uma d'essas más mulheres o trahiu e o abandonou, a elle, alma enthusiastica e pura de poeta pobre, á qual a perfida preferiu os joanetes de um banqueiro rico. Se ellas não tivessem o sublime bom senso de produzir periodicamente algumas choradeiras d'esta ordem, veja vossa alteza em que linda posição social que ficavam para a velhice os filhos-famílias que se apaixonam por essas damas e que em nome da poesia lyrica se julgam no direito de ficar ao pé d'ellas para toda a vida! Bem estamos vendo d'aqui o snr conselheiro Viale velando as faces horripilado perante, este genero de conversação. É certo porém que, se d'este mesmo assumpto Homero não houvesse feito um poema, o mesmo snr pudico Viale não teria hoje a _Illada_ para n'ella dar lições a vossa alteza. Para os reis insalubres, productos de velhas raças nobres, aristocratisadas de mais e cahidas em languor pelo derramamento excessivo do azul no sangue, são frequentemente utilissimas as mulheres da categoria a que nos estamos referindo ... (O snr Martens Ferrão contorce-se ao escutar-nos. Se s. ex.ª se acha incommodado, é talvez melhor retirar-se, porque nós temos de continuar ainda por um momento. E quando voltar que s. ex.ª traga comsigo a _timbale d'argent_. Vossa alteza reclama-a. Que lh'a dêem!) A glória do reinado de Luiz XV, por exemplo, vem toda da Pompadour. Se essa elegante e espirituosa mulher não tivesse feito ao rei de França a alta honra de ser por algum tempo sua conviva, uma multidão enorme de coisas encantadoras, que enobrecem a civilisação moderna, não teriam jámais vindo ao mundo. A essa ligação, providencial para a arte, devemos hoje os deliciosos retratos de Latour, o fino genero pastoril de Watteau, as _pâtes tendres_ de Sèvres, as mimosas estatuetinhas de Saxe, os mais lindos relógios e os mais graciosos canápés do mundo. Da gloriosa protectora e mestra de Luiz XV dizia Voltaire:--_Elle est des nôtres!_ Ha fortes probabilidades para crêr que de nenhum dos mestres de vossa alteza elle dissesse outro tanto. Vossa alteza vae ponderar talvez que é bem destituída de grandeza, vulgar e corriqueira de mais, a existencia a que o introduzimos ... Ai de nós! a vida é em realidade assim, magnanimo senhor! Ninguem é grande nem pequeno n'este mundo pela vida que leva, pomposa ou obscura, solta ou aperreada. A categoria em que temos de classificar a importancia dos homens deduz-se do valor dos actos que elles praticam, das ideias que diffundem e dos sentimentos que communicam aos seus similhantes. É binaria a natureza de todo o homem superior. Metade d'elle pertence ao ramerrão passageiro de cada dia; a outra metade pertence ao ideal eterno de um mundo mais perfeito, em cuja obra cada um collabora procurando tornal-o, na orbita da sua aptidão pessoal, ou mais justo, ou mais rico ou mais bello. Assim, cada um tem em si, superior a todas as torpesas da terra, impolluta, inviolavel e sagrada, a mystica torre eburnea em que habita a aspiração immortal do espirito do homem. É preciso amar, meu senhor. Eis ahi tudo. É preciso amar fóra da esphera de todos os interesses pessoaes creados pela sociedade de que fazemos parte e estabelecidos pelo estado, pela profissão ou pela gerarchia. É preciso amar pela abnegação e pelo sacrificio de tudo para se chegar a ser alguma coisa. É preciso amar uma ideia, uma propensão da sociedade, um intuito da naturesa, uma expressão da arte, ou simplesmente e unicamente uma mulher, como as amou Musset, Lord Byron, Shakspeare ou Petrarca, afim de sahir fóra da massa obscura do vulgo, e ser um homem. Ame pois vossa alteza, e deixe correr o mundo! Não há hoje em dia educação especial para o officio de rei nem para outro qualquer officio. Há uma instrucção geral e há uma instrucção technica para cada modo de vida. A educação essa é una e indivisível. Em todo o estado e em toda a condição social o homem bem educado é um homem superior. O homem sem educação, por mais alto que o colloquem, fica sempre um subalterno. No regimen de liberdade e de iniciativa, em que começam agora a viver as sociedades contemporaneas, a lei da concorrencia absorve tudo, e os reis mais solidamente equilibrados nos seus thronos não são senão os homens mais perfeitamente equilibrados na vida geral. Veja vossa alteza os moles principes dos reinos da Italia, que o avô materno de vossa alteza unificou, como em tão pouco tempo desappareceram todos, sepultados nas trevas de um silencio tragico! Compare-os com os reis, tão fortemente instruidos, das pequenas nações confederadas da Allemanha, e pondere como estes persistem na tradição e na continuidade histórica! Portanto, e em conclusão: Para dar ao throno portuguez um bom rei, pense vossa alteza em dar na sua pessoa á patria um cidadão instruido; á humanidade um homem justo; á natureza um sadio e valente animal. A seus paes, aos seus mestres e á sua corte, é doloroso mas é indispensavel que vossa alteza dê egualmente aquillo que lhes deve:--desgostos! Esquecia-nos tocar n'uma questão secundaria, mas opportuna: a questão dos meios, na previsão de que, perante a fuga de vossa alteza, o, snr Nazaretb delibere cortar-lhe os viveres. N'este ponto, como em tudo o mais, _As Farpas_ estão á disposição de vossa alteza. Ainda uma linha pelo telegrapho a esta redacção, e nós abriremos desde logo para o fim de occorrer, em nome da justiça e do bom senso, ás despesas da livre viagem de vossa alteza na Europa, uma subscripção nacional. Poderíamos consagrar aqui algumas considerações ás vantagens economicas que n'esta conjunctura teria para vossa alteza a posse de um officio. Desde este momento porém a nossa attitude de banqueiros de vossa alteza põe em nosso lábio o sello da reserva. Faremos fervorosos a subscripção. O snr Brazza ainda ultimamente fez uma outra em favor do rei Macóco, e tirou consideraveis resultados. Ora vossa alteza não é menos do que Macóco, e nós somos mais do que Brazza. Porque esse sujeito só o outro dia é que descobriu o Congo, e veio com isso para os jornaes e para as revistas, como com o mais rendoso achado d'este mundo; ao passo que nós somos os descendentes d'aquelles que há alguns centos d'annos descobriram esse mesmo Congo, e--como vossa alteza sabe perfeitamente--nunca o mandamos botar á folha! Aos pés de vossa alteza. _Ramalho Ortigão_. End of the Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho 1883) by Ramalho Ortigão and José Maria Eça de Queiroz *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK AS FARPAS (JUNHO 1883) *** ***** This file should be named 12579-8.txt or 12579-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/1/2/5/7/12579/ Produced by Cláudia Ribeiro, Larry Bergey and PG Distributed Proofreaders. Produced from page scans provided by Biblioteca Nacional de Lisboa. Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. 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Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at https://gutenberg.org/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at https://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. 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Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Each eBook is in a subdirectory of the same number as the eBook's eBook number, often in several formats including plain vanilla ASCII, compressed (zipped), HTML and others. Corrected EDITIONS of our eBooks replace the old file and take over the old filename and etext number. The replaced older file is renamed. VERSIONS based on separate sources are treated as new eBooks receiving new filenames and etext numbers. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: https://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. EBooks posted prior to November 2003, with eBook numbers BELOW #10000, are filed in directories based on their release date. If you want to download any of these eBooks directly, rather than using the regular search system you may utilize the following addresses and just download by the etext year. https://www.gutenberg.org/etext06 (Or /etext 05, 04, 03, 02, 01, 00, 99, 98, 97, 96, 95, 94, 93, 92, 92, 91 or 90) EBooks posted since November 2003, with etext numbers OVER #10000, are filed in a different way. The year of a release date is no longer part of the directory path. 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