The Project Gutenberg eBook of Influencia da Religião sobre a Politica do Estado

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Title: Influencia da Religião sobre a Politica do Estado

Author: Inácio José de Macedo

Release date: November 12, 2010 [eBook #34289]
Most recently updated: January 7, 2021

Language: Portuguese

Credits: Produced by Mike Silva

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK INFLUENCIA DA RELIGIÃO SOBRE A POLITICA DO ESTADO ***



 

INFLUENCIA

DA

RELIGIÃO

SOBRE A

POLITICA DO ESTADO.

PELO AUTHOR

DO VELHO LIBERAL DO DOURO.

 

 


 

 

LISBOA: 1826.
NA IMPRENSA DA RUA DOS FANQUEIROS N.º 129 B.


Com licença.

 

 

 

 

 {3}

INFLUENCIA DA RELIGIÃO

SOBRE A

POLITICA DO ESTADO.

 

Dai a Deus o que he de Deus,
e a Cesar o que he de Cesar.

S. Matth. 23.

Montesquieu no seu livro intitulado Espirito das Leis, diz: que a Religião Catholica Romana he mais propria para os Governos Monarchicos; e que a Religião Protestante he mais propria para os Governos Republicanos. No livro que trata das causas da decadencia do Imperio Romano, diz: que a Religião Christã concorreo muito para a decadencia do Imperio dos Cesares. Eu respeito muito os talentos, e singular agudeza daquelle grande homem; mas não posso concordar com taes proposições, nas quaes não diviso sombras de probabilidade; antes diviso asserções indecorosas á Magestade da Religião do Salvador.

O seculo, em que vivemos, he mui propenso a fazer jogo da Religião para todas as revoluções politicas. Os impios, bem assim como os fanaticos, querem achar na Religião os documentos dos seus caprichos; e parece que não ha mais nobre tarefa para hum Escriptor publico, do que illustrar os{4} homens em similhantes crises, para que não se abuse do que ha sobre a Terra de mais sagrado, e para que não se invoque o Nome de Deos em vão no meio de ridiculos partidos, e de commoções anarquicas, que são filhas todas dos nossos erros, e das nossas loucas paixões.

Tornemos pois a Montesquieu; e confundamos a mania daquelles, que pertendem achar na Religião pretextos para dourar imposturas.

O Filho de Deos na plenitude dos tempos foi mandado do Ceo á Terra para reconciliar o Ceo com o Mundo; para enlaçar a Natureza com a Graça; e para fazer de todos os Povos hum só Povo, digno do Agrado do Pai Celeste. Prégou a todos sem distincção de Governos; e mandou os seus Discipulos por todo o Orbe, sem lhes fazer excepções de Reinos, ou de Republicas; de Governos Absolutos; ou de Governos Representativos. O seu fim era plantar o imperio da verdade e da virtude sobre as ruinas da mentira e do vicio; e os Apostolos tiverão a mesma linguagem diante dos Reis, que diante dos Presidentes do Areopago. Era para elles indifferente annunciar o Reino de Deos nas Monarchias da Asia, ou nas Republicas da Grecia. Façamos pois este raciocinio para refutar sem replica, não só a proposição de Montesquieu, como a pertenção daquelles, que prégão o Absolutismo, como fundado no Christianismo.

A Religião Catholica Apostolica Romana foi trazida do Ceo para todo o Mundo a seguir.—Ora o Mundo era composto de differentes Governos, Absolutos, Representativos, Monarchicos, Democraticos, Republicanos, Mistos, &c.—Logo a Religião Catholica Apostolica Romana he propria para todos os Governos.{5}

Logo he hum absurdo affirmar que a Religião Catholica não he propria para os Governos Livres; e he perigosissimo erro affirmar que os Governos Constitucionaes são incompativeis com a Religião de Jesu Christo. A Religião não tem nada com as fórmas dos Governos. O Salvador declarou, que o seu Reino não era d'este Mundo. Elle ordenou a seus Discipulos, que obedecessem aos Governos, estabelecidos em todo o Orbe; e não lhes mandou indagar os Titulos por que elles governavão. Donde se infere, que a Religião não influe sobre as differentes especies de Monarchias, ou de Republicas; e que os Padres não estão authorisados em virtude do seu Santo Ministerio a declamar contra Governos Constitucionaes, ou não Constitucionaes; e nem a elles compete tomar partidos pela Pessoa, ou pela fórma do Governo Politico.

Este argumento he de bem facil comprehensão; e queira Deos que elle seja espalhado por todas essas Aldeas para desengano de alguns Padres, que sabem mal estas materias, e para desengano do Povo, que deve fechar os ouvidos a qualquer doutrina contraria; pois que já S. Paulo dizia ao seu rebanho, que depois delle virião lobos em lugar de pastores, que não saberião apascentar os rebanhos; e que não podendo soffrer a sua doutrina, se converterião para as fabulas.

Qualquer Ecclesiastico he hum Cidadão muito respeitavel em quanto dirige o Povo com a palavra e o exemplo pelos caminhos da salvação; mas quando se intromette em questões politicas, e desvaira o Povo para partidos, he hum falso Profeta de Belial; e he tão perigoso ao Throno, e á tranquillidade publica, quanto indigno da Religião, que parece professar. Nem o Evangelho, nem as Epistolas dos Apostolos, e nem a Tradição dos{6} antigos Padres da Igreja authorisão os Ministros da Religião Catholica a intrometter-se com a Politica dos Governos; e por isso Montesquieu não tem razão em affirmar que esta Religião não he propria para os Governos Livres. Nem elle póde argumentar com o exemplo de alguns Papas, que nos seculos da barbaridade Gothica se intromettêrão com a Politica de alguns Governos. Os abusos não fazem argumento nestas materias. A Religião sempre condemnou, e ainda hoje condemna similhantes procedimentos. As questões do Sacerdocio e do Imperio já estão bem elucidadas; e o mesmo Governo Portuguez em differentes epochas tem mostrado que sabe manter o Throno em todo o seu esplendor contra pertenções abusivas do Sacerdocio. Já se sabe o que he de Deos, e o que pertence a Cesar; e nem a Junta Apostolica nos ha de atirar terra nos olhos, porque já veio muito tarde para renovar as scenas de sangue, que o fanatismo apresentou na Europa. Nunca a sciencia da Religião esteve tão apurada como agora, apesar das impiedades do seculo; e os Padres doutos das nossas eras não fazem senão remontar aos primeiros seculos da Igreja para beberem nas fontes limpas dos Apostolos e dos Santos Padres as doutrinas que ficárão escurecidas, e viciadas no seculo decimo, e nos seculos subsequentes, até que a restauração das letras arrancou o joio, que o homem inimigo semeou na seara do Pai de Familias; e espalhou o clarão Divino da luz, que a invasão dos Vândalos tonsurados tinha escondido debaixo da rasa.

Vandalos tonsurados chamou Pope aos Padres Godos, que convertendo-se ao Christianismo, trouxerão para elle restos da sua barbaridade, e que parece, deixárão sementes, entre nós. No Paço Archiepiscopal{7} de Braga ainda estão os retratos de muitos com medonhos bigodes, e ameaçantes mitras, segundo a moda daquelles tempos; e alguns delles forão excellentes Pastores, e mui ornados de virtudes no meio das trevas, que então offuscavão o firmamento da Igreja.

Mas deixemos esses seculos, e esses usos, que pouco nos podem instruir; e remontemos aos dias de Ambrosio, e Agostinho, para aprendermos o como os Padres se devem conduzir no meio das mudanças, e dos Governos Politicos.

O Imperio Romano depois das guerras civis de Mario, e Syla, e depois do despotismo dos Cesares, hia cahindo aos pedaços debaixo do seu luxo, e dos seus vicios, sem que o Christianismo tivesse parte nos seus desmanchos, como Montesquieu pertende: e nem a humanidade dos Titos, nem a filosofia dos Antoninos, nem o codigo de Justiniano, nem a valentia de Belizario podião evitar sua ruina; porque a maquina estava velha, as molas reaes da virtude consumidas; e o roedor despotismo, que tinha feito baquear o Imperio dos Chaldeos, e dos Persas, ainda possuia o mesmo prestimo, que tem hoje, que he—acabar com tudo, e acabar comsigo mesmo.—

Neste estado de fraqueza, de ignorancia, e de crime, os Barbaros do Norte se despenhão em cima do Imperio, como huma torrente dos Alpes, quando o gelo se descoalha em cima dos miseraveis, que estão descuidados nas suas fraldas. Sobre a ruina do Throno Cesareo se estabelecem differentes Reinos com differentes fórmas de Governo em toda a Christandade; e qual foi a conducta dos Papas, dos Bispos, e de todos os Sacerdotes Catholicos? Gemêrão entre o Vestibulo, e o Altar: reconhecêrão os novos Reis dos Godos, dos{8} Ostro-Godos, e dos Vandalos, como havião reconhecido os Governos Cesareos; e nunca se intromettêrão com as mudanças politicas, apesar de que ellas influião consideravelmente sobre a paz da igreja. Soffrêrão desterros e martyrios no Governo dos Barbaros, como no Governo de Decio e Diocleciano; e jámais questionárão sobre a legitimidade de taes Governos. Santo Agostinho teve o desgosto de ver ainda a invasão dos Godos, que destruírão os Templos; e chorando sobre as ruinas de Carthago, como Jeremias sobre as ruinas de Jerusalem, compunha o seu Livro da Cidade de Deos, no qual ensinou á Posteridade a respeitar as Authoridades, que a Providencia Divina colloca sobre os Povos para os reger com vara de furor, ou com sceptro de clemencia. S. Jeronymo fugindo ás intrigas da Corte, foi traduzir a Biblia nas grutas de Belem; e outros forão para a Thebaida e Desertos do Egypto estabelecer a vida monastica, que era bem differente do que he hoje; e que elevando os espiritos á contemplação das verdades eternas, os distrahia das questões do seculo, que só pertencem áquelles, a quem Deos entregou o cuidado temporal de dirigir as Nações.

No entanto ficárão muitos Pastores e Presbyteros para animar os Fieis no meio da invasão dos Barbaros: prégavão o Evangelho aos novos Reis, e novos Povos, e convertendo muitos ao Baptismo, inspirárão aos Barbaros a doçura Evangelica, e estendêrão o Reino de Deos em todos os Reinos da Terra. Seguio-se dahi, que os Barbaros forão insensivelmente perdendo a sua ferocidade: os Reis fundárão muitas Igrejas; abandonárão a sua Idolatria; e a Religião do Calvario correo desde o Tibre até ás margens do Baltico.

Se o Christianismo influio naquelles Governos{9} e naquelles Povos, foi só com a persuasão, adoçando os costumes, melhorando as Leis barbaras dos Lombardos; e nunca traçando planos, nem de Governos Representativos, nem Absolutos. Em quanto os Francos fazião os seus Estados Geraes, em quanto Carlos Magno fazia os seus Capítulares, e outros Reis partilhavão a Europa ao seu arbitrio, os Padres convertião os Gentios, prégavão a obediencia aos Povos, apresentavão aos Reis os Juizos de Deos sobre elles, e não querião saber das questões do Campo de Marte, nem das Juntas Legislativas. Tanto as antigas Decretaes, como o Tridentino na Sessão 22 de Reformatione prohibio sempre ao Clero a ingerencia em os negocios seculares.

Logo a influencia da Religião sobre a Politica dos Governos era nenhuma; e os Pregoeiros do Evangelho não fazião mais que exterminar vicios, plantar virtudes, destruir erros, e ganhar conquistas para o Ceo.

Se os Papas e os Bispos tiverão no andar do tempo uma influencia mui positiva em os negocios politicos, foi porque os Reis assim o quizerão; e talvez porque assim convinha aos interesses da Europa naquelles tempos, assim como hoje convem ao Systema Representativo de Portugal nomear os Bispos para Pares do Reino. Porém o espirito da Religião nada influe sobre essas cousas; e nem responde pelos resultados da maior, ou menor influencia, que os Reis dão ao Sacerdocio sobre os Negocios do Imperio. A Religião não olha para Systemas Politicos; olha para a salvação dos homens: o seu Reino he eterno; e os seus Dogmas fundamentaes não são variaveis, e sujeitos á vicissitude dos tempos, como os Dogmas da Politica terrena. Cessem pois os amigos, ou inimigos{10} da Religião de affirmar que ella tem huma influencia positiva sobre os systemas de Governo. A sua influencia he só sobre os costumes; e quando parece ser sobre os systemas, he isso obra dos membros da Religião, e não dos dogmas, que fórmão a sua essencia. Não confundamos a obra de Deos com a obra dos homens; e não attribuamos ao espirito do Evangelho a conducta deste, ou daquelle Sacerdote, que falla e obra segundo os seus interesses, ou as suas paixões, e não segundo as maximas, que lhe deixou Jesu Christo, e os seus Apostolos.

O assassinato de Henrique IV, e Carlos I não foi obra da Religião, foi obra do fanatismo; e a instituição do Santo Officio, e revoluções de alguns Estados não forão dictames do Evangelho; forão introducções dos erros do tempo, e da incuria dos Reis, que não conhecêrão bem, nem os interesses do Throno, nem a Doutrina do Salvador. A Escriptura Santa está cheia de sentenças terriveis contra os máos Governos, e contra os Povos revoltosos. Ella amaldiçoa os Tyrannos; grita contra as revoltas das Tribus: mas nem manda aos Povos que se revoltem, nem patrocina os Reis, que abusão do seu poder. Louva hum Josias piedoso, condemna hum Assuero tyranno, e não quer que os seus Discipulos conspirem contra nenhum.

Herodes era hum valido de Cleopatra Rainha do Egypto, o qual Marco Antonio tinha nomeado para Rei dos Judeos por indecentes principios de patronato; e quando elle disse a Jesu Christo que tinha poder de o matar, Jesu Christo não lhe contestou o poder, e só disse: não terias poder em mim, se o Ceo não o tivesse assim querido. Tal he a frase da Religião em todos os Governos; e ella sempre reputou como discolos e anarquistas os Sacerdotes{11} que procedem d'outra maneira, deixando o seu ministerio pacifico para se complicarem, como diz o Apostolo, com os negocios seculares. Os Principes das Nações buscão o dominio, disse o Salvador aos Apostolos; mas vós não deveis fazer o mesmo.—Vos autem non sic.—

Nos Reinados de Fernando de Castella, e de Isabel de Aragão appareceo Colombo, e servio-se de hum frade Confessor do Paço, para fazer com que o Governo lhe desse auxilios no descobrimento do Novo Mundo, a fim de converter almas para o Ceo. Esta idéa concorreo para se fazer a primeira Expedição, e outras subsequentes; e daqui vem dizerem alguns, que a Religião influio na Politica Hespanhola para as barbaridades que Pizarro e Cortez commettêrão no Mexico, e no Perú. Mas para que attribuir ao Evangelho a desmarcada cubiça do ouro, que animava os Hespanhoes; e o desejo de estender os seus Dominios, que devorava o seu Governo? Se alguns Padres concorrêrão para aquellas horrorosas ladroeiras, não foi porque a Religião lhes ensinasse tal conducta; foi porque erão indignos filhos da Igreja, e porque misturados com a soldadesca contrahião os seus licenciosos procedimentos. O Bispo de Las Cazas, S. Francisco Xavier, Padre Anxieta, e outros, derão á Religião hum credito immortal entre os Indios; e se a Religião influio alguma cousa naquelles negocios, foi para adoçar a sorte dos conquistados, e tornar mais brandos os conquistadores.

Envergonhem-se pois os Padres das nossas eras, que abusão da Religião, querendo influir no confessionário e no pulpito sobre o Systema Politico. Inculquem aos Povos o respeito e veneração para com as Leis, e o Governo da Patria, que acharem existente: e se mesmo o Governo qualquer{12} perseguir a Religião, não conspirem contra elle, porque os antigos Padres nunca conspirárão contra os Dioclecianos. He o cumulo da insolencia, e da ignorancia declamar hum Abbade, ou outro qualquer Sacerdote contra hum Governo, com o pretexto de que elle não he legitimo; ou de que he contrario á Religião. Quem lhes deo authoridade para se erigirem em Juizes dos Governos? Obedeção, e preguem o Reino de Deos. Basta de enxovalhar a Religião de huma maneira tão indecente, e tão desconhecida dos primeiros Discipulos do Salvador. Não lhes basta o abuso, que elles muitas vezes fazem do thesouro dos pobres? Para que querem dar aos impios mais pretextos para declamarem contra a Religião? Para que vituperão o seu Ministerio? Não sabem, que o fanatismo he tão perigoso como a libertinagem? Concluamos pois, que a Religião não influe sobre a Politica dos Estados, senão persuadindo com a palavra, e o exemplo, para abrandar o Genio dos Reis, e melhorar os costumes dos Povos: O mais he detestavel abuso.

Os Padres da mais alta Jerarquia não podião ter sobre a Terra maior poder, do que aquelle que teve o Salvador. Ora, o Salvador declarou abertamente diante de Pilatos, que não tinha algum poder sobre os Reinos do Mundo; logo os Padres da mais alta Jerarquia não tem algum poder sobre os Reinos do Mundo. Se o meu Reino fosse deste Mundo, disse o Salvador a Pilatos, os meus Ministros havião de combater, e disputar para que eu não fosse entregue aos Judeos; mas o meu Reino não he deste Mundo.—Si ex hoc mundo esset Regnum meum, ministri mei utique decertarent ut non traderer Judeis: nunc autem Regnum meum non est hinc. S. João. 18. v. 36.

Verdade he, que o Salvador depois de haver{13} triunfado da morte no Sepulchro, disse—Foi-me dado todo o poder no Céo, e na Terra; e eu vos mando por esse Mundo, como meu Pai me mandou—Mas este poder he meramente espiritual, como evidentemente se infere das subsequentes palavras, nas quaes desenvolve a natureza deste poder dizendo—Hide, prégai, baptisai em meu Nome, e ensinai os homens a observar o que eu vos tenho ensinado.

Dividírão os Apostolos entre si esta immensa tarefa, e com as armas da palavra, e do exemplo influírão muito sobre a ignorancia, e os costumes do seculo; mas nunca influírão sobre a fórma das Republicas Gregas, nem do despotismo oriental. A Lei Evangelica nada tinha de commum com as Leis Politicas. Os Apostolos fugião dos máos Governos, que não os querião escutar; mas não dizião aos Povos, que se revoltassem contra os Reis impios, e inimigos da Igreja, Elles ensinárão, que resistir ao poder era resistir á Ordenação Divina; e pela palavra poder entendião indistinctamente qualquer Governo. Logo, ainda que o Governo Constitucional, dado pelo Senhor D. PEDRO, Legitimo Rei destes Reinos, fosse hum Governo offensivo aos interesses da Igreja, não tinhão os Padres direito para lhe resistir, e para ensinar aos povos a desobedecer-lhe. Devião rogar a Deos por elle, ainda, que fosse herege; e quando vissem, que elle lhes ordenava cousas contrarias á vontade expressa de Deos, devião sacudir o pó dos sapatos, e fugir para outro Reino; ou soffrer o martyrio, porque em tal caso he melhor obedecer a Deos, do que aos homens, como dizia S. Paulo, quando fugia, de hum para outro clima.

A falta de Luzes sobre esta materia já ateou na Europa vergonhosas contendas entre o Sacerdocio,{14} e o Imperio. O poder temporal he essencialmente diverso do poder espiritual. Nem os Reis podem absolver peccados, e consagrar hostias; nem os Padres podem julgar Governos, nem fazer Leis: e qualquer ingerencia que elles possão ter sobre as Leis, e Politica do Estado, não he filha do poder que Jesu Christo lhes deo; he sim dimanada da generosidade dos Soberanos, que tem querido honrar por este modo os Successores dos Apostolos.

Se os Artigos do Concilio de Trento, que não são essenciaes ao espirito da Religião, tem voga e força em nossa Legislação, he porque os Senhores Reis de Portugal os quizerão acceitar, misturando o Direito Canonico com as Leis do Reino; aliás não terião algum vigor, como na França, aonde taes Artigos não tiverão a mesma legal acceitação.

Limitem-se pois os Padres a prégar o Reino de Deos; a conduzir os Povos pela estrada, que vai do tempo á eternidade; a persuadir a todos, que obedeção ao Governo, que se achar estabelecido em o Throno; e não queirão influir sobre aquillo, em que o seu Divino Mestre nunca influio. Lembrem-se que Padres de mui alta Jerarquia, mesmo em o nosso Reino, já forão victimas de huma justiça severa, por quererem resilir, e saltar da linha de conducta, que o Evangelho lhes tem traçado. A Igreja ainda não escreveo, nem escreverá em seu Martyrologio o nome daquelles, que tem padecido por conspirarem contra os Soberanos. A Igreja só canoniza os que padecem pelo Nome de Jesu Christo; e não reconhece por filhos os perturbadores do Estado, e os semeadores de doutrinas, que não tem outro fundamento, que o seu máo genio, e ambiciosa fantasia.{15}

 

Vende-se na Typografia da Rua dos Fanqueiros N.º 129 B—e nas Lojas de Livros de Caetano Antonio de Lemos, Rua do Ouro N.º 112—Romão José da Silva, aos Martyres—Antonio Marques da Silva, Rua Augusta N.º 199—

Igualmente se acha no Porto na Rua das Flores N.º 102.—Preço 80 reis.