The Project Gutenberg eBook of Bases da ortografia portuguesa

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Title: Bases da ortografia portuguesa

Author: G. de Vasconcellos Abreu

A. R. Gonçalves Viana

Release date: February 14, 2005 [eBook #15047]
Most recently updated: December 14, 2020

Language: Portuguese

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BASES

DA
ORTOGRAFIA PORTUGUESA
POR

A. R. GONÇALVES VIANNA
Romanista

G. DE VASCONCELLOS ABREU
Orientalista

LISBOA IMPRENSA NACIONAL 1885

Impresso para circular gratuitamente

OFERTA DOS AUTORES

Ex.^mo Sr.

Para respondermos às perguntas que nos teem sido feitas acêrca da ortografia adoptada pelos editores técnicos da «+Enciclopédia de ciéncia, arte e literatura—Biblioteca de Portugal e Brasil[1]+» temos a honra de dirijir a V. Ex.ª esta circular, e rogamos-lhe que faça tão conhecidos, quanto em seu poder esteja, os fundamentos em que essa ortografia assenta.

Os princípios que servem de base à reforma ortográfica iniciada por nós ambos e usada ha dois anos pelo segundo signatário desta circular, em escritos particulares e oficiais, e em artigos publicados em alguns papéis periódicos, são resultado de estudo consciencioso e larga discussão dos iniciadores. São princípios deduzidos ou antes expressão dos factos glotolójicos examinados com rigor; são todos demonstráveis, e de simplicidade tal que os poderá compreender a sã intelijéncia, aínda que para ela sejam estranhos os estudos de glotolojia.

Vamos expô-los à apreciação pública desde já, e assim começará a preparar-se a crítica de todos os indivíduos, que, por se prezarem de Portugueses, não queiram que estranjeiros censurem não haver, para a nossa formosíssima lingua, ortografia científica e uniforme a que deva chamar-se +Ortografia Portuguesa+.

No futuro Congresso que temos a peito convocar breve, essa crítica será o único juíz a que todos nós os Portugueses havemos de nos sujeitar para adopção de ortografia portuguesa e rejeição absoluta de toda ortografia individual, seja quem for seu autor.

[1] Estão publicados: o 1.º vol. da Colecção científica «A Literatura e a Relijião dos Árias na Índia», por G. de Vasconcellos Abreu; e o 1.º vol. da Colecção literária «Mágoas de Werther», romance traduzido do orijinal alemão, de J.W. von Goethe, por A. R. Gonçalves Vianna.

O custo de cada volume é de 300 réis, brochura, 400 réis, cartonado.

Estes volumes por serem os primeíros, e particularmente «Werther», saíram com erros tipográficos que não devem ser levados à conta do sistema de ortografia.

  São editores técnicos A. R. Gonçalves Vianna, G. de Vasconcellos Abreu
  (a quem devem ser dirijidos os manuscritos e toda a correspondéncia),
  S. Consiglieri Pedroso, em Lisboa.

São editores-impressores Guillard, Ailland & C.ª, em Paris.

Todos nós, os que lemos, e mais aínda os que escrevemos para o público, sabemos quão diverjentes são as ortografias das várias Redacções e estabelecimentos tipográficos. Teem escritores +suas ortografias+ próprias, como +as+ teem as imprensas particulares e as do Estado. E nas do Estado são diferentes +as ortografias+ da Imprensa Nacional e +as+ da Imprensa da Universidade—estes plurais são a expressão real de um facto, sem censura pessoal.

Com a exposição que vamos fazer dos princípios mais jerais em que assenta a reforma ortográfica, por nós iniciada, temos em vista mostrar, a todo o país capaz de pensar e ler, que o nosso intuito é realizar uma das verdadeiras condições da vida nacional—existéncia de ortografia +uniforme e cientificamente sistemática+ a que deva chamar-se +Ortografia Portuguesa+.

Sigamos dois bons exemplos a que largos anos deram ha muito já a sanção: o exemplo da Hispanha e o mais antigo da Itália. V. Ex.ª a quem dirijimos esta nossa exposição, honrar-nos ha dando-lhe a maior publicidade que puder; e por certo se julgará honrado se entender que com essa publicação presta bom serviço à pátria a quem devemos êste respeito.

De V. Ex.ª

+atentos veneradores+

Lisboa, outubro de 1885.

A. R. Gonçalves Vianna. G. de Vasoncellos Abreu.

BASES

DA
ORTOGRAFIA PORTUGUESA

I

PRINCÍPIOS JERAIS DE TODA ORTOGRAFIA

1.º Uma língua é um facto social; não depende do capricho de ninguém alterá-la fundamentalmente.

2.º Como facto social é produto complexo, variável por evolução própria da sociedade cujas relações serve.

3.º A ortografia é o sistema de escrita pelo qual é representada a língua dum povo ou duma nação num certo estado de evolução glotolójica.

4.º Esta representação deve ser exacta para todo o povo, para toda a nação e portanto deve respeitar a filiação histórica.

5.º É evidente, pois, que a ortografia não pode ser especial dum modo de falar, quer êste seja dum só indivíduo, quer duma província ou dialecto da língua.

6.º Em virtude disto a ortografia não pode representar a pronunciação, que por certo não será una; ha de representar a enunciação, a qual é sempre comum ao povo, à nação que fala uma só língua como seu idioma próprio e exclusivo.

7.º Na ortografia, por consecuéncia, não se pode fazer uso de sinais que indiquem pronúncia de uma qualquer letra vogal, excepto quando essa vogal careça de ser pronunciada com modulação especial para a distinção conveniente do emprêgo sintáctico do vocábulo, ou aínda (e menos vezes em português) para distinguir na grafia única modos diferentes de silabização.

8.º Para se representar a enunciação carece-se de acentuar gráficamente o vocábulo, e a ortografia deve ser tal que, subordinada às leis de acentuação na língua falada, mostre para qualquer vocábulo a sua sílaba tónica a quem desconheça o vocábulo que lê.

Escólio.—É evidente que a acentuação gráfica é inútil na língua escrita cuja constituição glotolójica a determina invariávelmente: tal o latim clássico e as línguas jermánicas.

II

PRINCÍPIOS PARTICULARES DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA

O ensino ortográfico da língua portuguesa reduz-se, portanto, na prática, ao ensino de:

I. Leis da acentuação nos vocábulos símplices e nos compostos.

II. Valor histórico dos fonemas aínda proferidos e dos que já não se proferem; influéncia dêstes sôbre a modulação da vogal precedente.

III. Conhecimento dos ditongos e sua dissolução.

IV. Silabização.

V. Homónimos e parónimos.

VI. Função dos sufixos.

VII. Composição dos vocábulos e formação da perífrase nos verbos, e uso das enclíticas.

Diremos dêstes assuntos em outros tantos paragrafos, definindo, todavia, primeiro, o que entendemos por ortografia portuguesa.

«ORTOGRAFIA PORTUGUESA» é o sistema de escrita ou grafia representante comum de todos os dialectos do português falado; a sua base é a história da linguajem portuguesa considerada como língua e como dialecto.

Considerada como língua, estuda-se a linguajem portuguesa no ponto de vista de língua fundamental ou língua mãe, de que, por evolução própria, se teem derivado outros modos de falar no tempo e no espaço, depois de assentada a evolução glotolójica realizada em Portugal durante mais de um século já desde D. Dinis, e principalmente durante os reinados de D. Pedro I, D. Fernando I e D. João I.

Considerada como dialecto, estuda-se a linguajem portuguesa como evolução glotolójica neo-latina ou románica.

I—DA ACENTUAÇÃO

1.º A acentuação marcada é tónica e não prosódica; não determina modulação da letra vogal, determina a sílaba elevada na enunciação do vocábulo.

Esta sílaba é uma só e a mesma sílaba para cada vocábulo na língua portuguesa em todo o país, com excepções esporádicas mais ou menos justificadas. Exemplos: hótel, hotel; bénção, benção.

Escólio.—A acentuação gráfica é sempre a de vocábulo que faz excepção à regra jeral.

2.º O sinal gráfico da acentuação tónica é por exceléncia o acento agudo. Marca, porém, êste acento:—vogal tónica aberta em parónimos: fôsse, fósse; sêco, séco; reis (pl. de rei), réis (pl. de real);—i, u tónicos depois de outra vogal: país (cf. pais), reúne, moínho, ruím;—a vogal u tónica depois de g em gúe, gúi (cf. 4.º): argúe, argúi.

3.º Pode ser sinal gráfico da acentuação tónica o acento circunflexo, e o será especialmente nos casos em que no fonema tónico concorra modulação necessária de ê, ô, como fica exemplificado em o número precedente, e se vê mais dos seguintes exemplos: fôrça (cf. fórça), modêlo (cf. modélo), sossêgo (cf. sosségo), côres (cf. córes), côr (cf. cór em de-cór), vêem (cf. veem, do verbo vir), (cf. de), dêsse (cf. désse), e aínda nos vocábulos sem parónimos, quando eles sejam esdrúxulos ou oxítonos terminados numa dessas vogais seguida ou não de s, tais: pêssego, português, fôlego, mercê.

4.º O acento grave é diferencial: indica sempre a pronunciação alfabética própria da letra vogal alterável, isto é, susceptível de ter mais de uma pronunciação (a, e, o). Emprega-se na ortografia exclusivamente em tres circunstáncias:—na crase da preposição a com o artigo feminino a, a + a (ambos átonos) = à;—na sílaba átona cuja vogal alterável haja de se proferir aberta e átona com a sua pronúncia alfabética, para que se distinga o vocábulo de outro seu parónimo, ex.: crèdor (cf. credor), prègar (cf. pregar);—no u de prolacão gùe, gùi quando se proferir átono (cf. 2.º): argùir, agùentar, lingùística.

Escólio.—Escrevemos cue por que (qùe), cui por qui (qùi); ex.: consecuente, consecuéncia.

5.º Os vocábulos terminados em a, o, e, as, os, es, são jeralmente enunciados com acentuação na penúltima sílaba; logo não teem acentuação gráfica marcada. Cf. 2.º e corolário de 7.º bis.

5.º bis. Todo vocábulo terminado em a ou as, o ou os, e ou es, proferido com acentuação noutra sílaba que não seja a penúltima, tem a acentuação marcada na escrita. São innúmeros os exemplos; em toda esta exposição doutrinal os terá notado o leitor, pois que saltam à vista, sempre como excepção, as dições cuja grafia é acentuada.

6.º Os vocábulos terminados em outra qualquer vogal (i, u), ou em vogal pura seguida de outra consoante que não seja s, e os plurais respectivos, são jeralmente proferidos com acento na última sílaba. Logo não teem acento gráfico.

6.º bis. Todo vocábulo terminado dêste modo mas cuja acentuação se faz noutra sílaba tem o acento gráfico nessa sílaba. Ex.: pedi, pedis; funil, 'funis; matiz; pénsil, pénseis; cascavel, cascaveis; peru, perus; Hindu, Hindus; Caramuru; tríbu, tríbus; Púru.

7.º Os vocábulos cuja última sílaba for em vogal nasal, ou em ditongo puro ou nasal, teem jeralmente a enunciação acentuada na sílaba final. Logo não se lhes marca o acento na escrita. Ex.: marfim; irmã, irmãs; irmão, irmãos; marau, maraus; andai, andais; louvei, louveis; Simões; Magalhães. Cf. 2.º paj. 7 e 13.

7.º bis. Será, porém, marcada a acentuação dêsses vocábulos quando ela se faça noutra qualquer sílaba. Ex.: órgão, Estêvão.

Escólio.—Para os contratos é absolutamente indispensável, como bem o viu o grande Ministro, distinguir os futuros dos pretéritos na 3.ª pessoa do plural, sem emprêgo do acento gráfico, fácil de esquecer ou de ser pôsto depois do contrato escrito e assinado, distinguir-se hão, pois: jurarão, juraram (jurárão); venderão, venderam (vendêrão); prescindirão, prescindiram (prescindírão); etc.

Corolário.—Por êste motivo o ditongo ão, final átono de verbos, escrever-se ha idénticamente com am; e, por analojia, se escreverá a sílaba final dos vocábulos terminados pelo ditongo átono êe com a grafia em. A acentuação gráfica de tais vocábulos obedece ao princípio 5.º Ex.: honram, viajam, ordem, viajem, pôrem, alem (= álem, v. alar).

N.B. Pelo princípio 5.º bis devemos escrever e escrevemos: porém, ninguém, também, além, etc.; deveríamos, todavia, usar da ortografia: porêe, ninguêe, tambêe, etc. Deixámos êste ponto para o Congresso.

É aínda evidente que os plurais dêstes nomes seguem análogamente a regra dada para os plurais dos nomes em a, o, e; assim: _ordens, viajens, (órdêes, viájêes).

8º Os vocábulos compostos teem na escrita a acentuação dos seus símplices respectivamente marcada em obediéncia aos princípios que ficam expostos.

II—DOS FONEMAS E SUA REPRESENTAÇÃO POR LETRAS CONSOANTES

Dois princípios absolutos determinam a exclusão de consoante inútil; e quatro ordens de outros factos decidem a adopção científica de representação de fonemas articulados. São estes factos:

a) valores dialectalmente confundidos: ch (= tch), ch (= x), x; s, ç; s, z.

b) valores próximos confundidos pela falta de observação da articulação: s, x; g(a), g(ue, ui); g(e, i), j; c(a, o, u), qu.

c) valor exclusivamente de influência do fonema articulado sôbre o fonema modulado precedente.

d) valores diferentes de um só símbolo gráfico: x, entre vogais.

II a.—EXCLUSÃO DE LETRAS CONSOANTES

1.º São banidos da escrita os símbolos gráficos sem valor de fonema próprio. São eles th, ph, ch, respectivamente por t, f, q(u), c(a, o, u), c; bem assim y=i.

1.º bis. Póde manter-se k=q(u)=c(a, o, u) nas abreviaturas de quilómetro=klm., etc. Devemos, porém, escrever por extenso: quilómetro[1], quilograma, etc.

2.º São banidos da escrita os símbolos gráficos sem valor. São eles as consoantes dobradas ou grupos de consoantes não proferidas e sem influéncia na modulação antecedente, nem necessidade por derivação manifesta de outro vocábulo existente em que haja de proferir-se cada uma das consoantes, como é Ejipto de que se deriva ejípcio.

Exemplos de símbolos sem valor próprio em português:

th = t.—thermometro = termómetro; ether = éter; thio = tio.

ph = f.—ethnographia = etnografia; philtro = filtro.

ch = q(u).—chimica = química; machina = máquina; chimera = quimera.

ch = c(a, o).—chorographia = corografia; mechanica = mecánica.

y = i.—lyrio = lírio; physica = física.

Consoantes dobradas:—agglomerar = aglomerar; prometter = prometer; commum = comum; Philippe = Filipe.

Grupo de consoantes:—Christo = Cristo; Demosthenes = Demóstenes; Mattheus (que já se escreve, sem razão, Matheus) = Mateus; schola = escola; sciencia = ciéncia; phthisica = tísica.

Influência da consoante na modulação precedente:—Vejam-se exemplos em c, páj. 11.

1.º Escólio.—Conservamos n dobrado, m dobrado, nos vocábulos derivados de outros, cuja inicial é n ou m, por meio das prepositivas in, em, toda vez que a prepositiva significa dentro; e aínda nalguns poucos vocábulos em que n ou m influam na vogal i ou e. A nasal da prepositiva com só a conservamos, por êste motivo, em connosco. Escrevemos, pois: immigrar, immerjir, emmalar, ennobrecer, innato, etc.; comoção, comum, comutar, conexo, etc.

2.º Escólio.—Mantemos as representações gráficas das palatais ch, lh, nh, emquanto não houver símbolo único para cada uma delas.

[1] A ortografia kilometro por chilometro dá ocasião a traduzir-se «metro-de-burro» e não «mil-metros». Em grego kíllos significa «burro», e chílioi significa «mil». Porque razão, pois, havemos de escrever cirurgia, chimera, kilo, quando o c, o ch e o k representam a mesma orijem ch, transcrição latina do χ, grego?

3.º Escólio.—Só ao Congresso compete tratar da exclusão ou conservação da aspirante h.

II b.—ADOPÇÃO DE LETRAS CONSOANTES

a)—1.º Escrevem-se com ch as sílabas que são proferidas com palatal dura, segundo os dialectos, explosiva ou contínua: chave, chapeu, chuva; etc. A etimolojia e as línguas conjéneres determinam que sigamos o exemplo dos nossos clássicos e de vários monumentos escritos usando-se da grafia ch.

2.º Escrevem-se com x (melhor seria ) as sílabas cuja inicial palatal é dura contínua: xacoco, xadrez, xarafim; enxárcia, enxada, enxêrga, enxérga, enxertia, enxaimel, enxame, enxúndia; rixa, roixo; etc. Cf. d).

3.º Escrevem-se com s as sílabas cuja final é sibilante dura palatal e, esporádicamente, sibilante dura dental: mas; basta; foste; démos, dêmos; bosques; português, portugueses; etc. A etimolojia, o dialecto transmontano e as línguas conjéneres determinam a grafia s.

4.º Escrevem-se com s inicial, ou com ss entre vogais, as sílabas em que a sibilante dura é ou dental, ou supra-alveolar, conforme os dialectos: saber, classe, diverso, sessão, conselho, sossêgo, sosségo, etc. Determinação histórica e comparação.

5.º Escrevem-se com ç, ou com c(e, i), inicial as sílabas em que a sibilante é dental dura, e só é supra-alveolar nas partes do país onde não ha outra sibilante dura inicial: peço, ciéncia, concelho, poço, doçura, preço, çapato, çarça, cárcere, etc. Determinação histórica e comparação.

6.º Escrevem-se com s entre duas vogais (uma final da sílaba a que pertence a sibilante, outra final da sílaba precedente) as sílabas em que a sibilante é branda dental ou, segundo o dialecto, supra-alveolar: posição, coser (consuere), precioso, preso (prehensum, cf. prezo), preciso, pêso, péso, etc. Determinação histórica e comparação.

7.º Escrevem-se com z inicial as sílabas em que a sibilante é dental branda em todo o país, à excepção daqueles pontos em que se não profere sibilante inicial senão supra-alveolar: azêdo, azédo, azebre, razão, cozer, prezo (cf. preso), etc. Determinação histórica e comparação.

8.º Escrevem-se com z final os vocábulos que nos seus derivados são escritos com c (e, i) correspondente à sibilante final deles. Assim o determina a etimolojia, evidente na derivação, e a pronúncia dialectal. Exemplos: infeliz, infelicidade; símplez, símplices, simplicidade; ourívez, ourivezaria; etc.

Corolário.—Escrevem-se com z infixo os diminutivos e aumentativos zito, -zinho, -zão, etc., e os sufixos (derivados do latino -itia) -eza, -ez; bem como os sufixos de verbos, -izar, e de nomes, -ização.

Escólio.—Os plurais dos nomes diminutivos formam-se do tema do plural do nome fundamental e do plural do sufixo. Dão testemunho os dialectos. Assim, pois, escrevemos: homemzinho, homemzinhos, não homensinhos; acçãozinha, acçõezinhas, não acçõesinhas; pãozinho, pãezinhos, não pãesinhos; mãozinha, mãozinhas; aneizinhos; etc.

b)—1.º Adoptámos, pelo que fica dito em a) 3.º, a representação gráfica s para a sibilante palatal dura final de sílaba, que muitas pessoas julgam ser absolutamente igual a x ().

2.º Por falta mais grave na observação se tem confundido as articulações g(a), g(ue, ui), j(a), j(e, i), e ainda c(a), q(ue, ui). Os pontos articulatórios são diferentes. No congresso trataremos estes assuntos. Carecemos de caracteres próprios para distinguir na escrita as articulações j(a), g(e, i), j(o, u), nas palavras Jacob, Jeremias, José, Jesus, Jutlandia, Jerusalem, geme, gemer, gentes, gymnasio, Gil; etc.; e é certo que não podemos, tão pouco, distinguir Guilherme, guerra, garra, gume, causando estranheza invencível a grafia Geremias, Gesus, e ficando aínda infiel gemer, geral, e sempre em contradição com uma pronúncia Gèrusalém ou Jerusalém; tendo nós, pois, de escrever Jeremias, Jesus, adoptámos o símbolo j para os fonemas articulados das sílabas ja, jo, ju, ge, gi, e por êste sistema gráfico evitamos também regra especial para a conjugação dos verbos em (-ger, gir) -jer, -jir.

Escólio.—É evidente (pelo que fica dito em b) 2.º) a necessidade aínda existente de mantermos o modo de escrever gue, gui, nas sílabas terminadas na vogal palatal i ou e, precedida do fonema gutural brando, mostrando-se pelo acento grave sôbre o u da prolação gùe, gùi, as silabizacões gu-e, gu-i, como fica dito em 4.º de páj. 7.

c) Conservamos todo sinal gráfico de fonema histórico, hoje nulo, cuja influéncia na vogal precedente é persistente: acção, actor, predilecção, redacção, respectivo, trajectória, baptismo, concepção; e aínda quando é facultativa a pronunciação, como em carácter.

Escólio.—Os fonemas i, u, não estão sujeitos a esta influéncia: edito = edicto (cf. édito); corruto = corrupto; corrução = corrupção.

d) Conservamos a grafia x para representar os diferentes fonemas que de facto representa na língua portuguesa, porque não temos direito, nem Congresso nenhum, de impor pronúncia pela ortografia. O Congresso poderá assentar as bases para o dicionário ortoépico; e no tocante a pronúncia nada mais pode fazer—estabelece o padrão, dá a norma—para que se dilijenceie ler dum modo único o vocábulo escrito.

Ninguém pode contestar o direito de se pronunciar o vocábulo exemplo de uma das seguintes maneiras: izemplo, isemplo, eizemplo, eisemplo, isjemplo. Ninguém pode contestar o direito de se pronunciar trouxe: trouẋe, trouce; extravagante: eistravagante, istravagante, 'stravagante; fixo: fiẋo, ficso, ficço.

III—DOS DITONGOS

Pelo que fica dito se vê qual a maneira por que indicamos a dissolução do ditongo. Não usamos da diérese, também chamada ápices, e mais jeralmente trema ¨, que alguns gramáticos entre nós querem que se use na vogal prepositiva ou conjuntiva, e no u das prolações, para neste caso mostrar que faz sinérese com a voz seguinte.

O trema é sinal que nos veiu de países estranhos. Tem na escrita de línguas europeas significação insubstituível; que nas jermánicas é fórma abreviada de um e, e nesta significação únicamente o empregamos.

IV—DA SILABIZAÇÃO

Em quanto à sibalizacão devemos mencionar aqui apenas os tres seguintes princípios:

1.º Dividem-se as sílabas, considerando os vocábulos como portugueses para êste efeito, sem que se atenda à derivação de língua estranha, nem à derivação dentro da própria língua: ma-nus-cri-to, cons-pí-cu-o, obs-tá-cu-lo, ins-cre-ver, no-ro-es-te, nor-des-te, pla-nal-to, a-lhei-o, mai-or, mai-o-res.

2.º Conserva-se à sílaba a consoante que determina a modulação da sua vogal (paj. 11, c)): ac-ção, fac-tor, cor-rec-to, bap-tis-mal.

3.º Na passajem de uma para outra linha empregamos em ambas as linhas o traço de união, tanto o próprio de vocábulos compostos cujos símplices se distingam na escrita entrepondo-se-lhes o hífen, como o próprio da ligação das vozes enclíticas às suas subordinantes: porta—bandeira, guarda—fato, clara—boia; luso—brasileiro; deu—m'o, louva—lhe, démo'—lo, louva—o, louvá—lo, arrepender—se, domá—lo—ia.

V—DOS HOMÓNIMOS E PARÓNIMOS

1.º Os homónimos confundem-se umas vezes na escrita do português como na sua pronúncia; exemplos: cedo (verbo e advérbio); conto (verbo e nome): são (verbo e adjectivo). Outras vezes distinguem-se com exactidão na escrita, embora não se distingam em todas as pronúncias; exemplos: vez, vês; cem, sem; coser, cozer; sessão, cessão; -passo, paço,—parónimos no dialecto em que se faça diferença na articulação de s para a de ç e para a de z. Podem aínda os homónimos distinguir-se na escrita e não se distinguirem em pronúncia nenhuma: houve, ouve; dê-se, dêsse.

Escólio.—Distinguem-se na escrita, mas sem exactidão rigorosa: hora, ora; heis, eis; e por êrro de analojia falsa, pelo cuja orijem é per-lo, que deu pel lo e pe'-lo homónimo, quando se pronuncie enfáticamente, de pello, que etimolójicamente só tem um l e devemos escrever (como de facto se escreve nesta ortografia proposta) pêlo (cf. pélo, pelo).

2.º Os parónimos são perfeitamente distintos na presente ortografia: pelo, pêlo, pélo; para, pára; crê, cré; cesto, sexto (homónimos em Lisboa); fôsse, fósse; fôrça, fórça; sessão, cessão, secção; coando, quando; quanto, canto; credor, crèdor; incómodo, incomodo; colhêr, colhér; contrato, contracto; alias, aliás; alem (verbo), além; papeis (verbo), papéis; reis (pl. de rei), réis (pl. de real); bateis (verbo), batéis; caia, caía; etc.

VI—DOS SUFIXOS

Conservamos toda a exactidão na ortografia dêstes elementos morfolójicos cuja função anda tão ignorada. Pululam os galicismos, os estranjeirismos, até na ortografia da nossa linguajem e na sua morfolojia, que não só em se introduzirem vocábulos novos desnecessários, e em se esquecer a sintaxe dela.

É êrro escrever-se civilisação por civilização, organisar por organizar; chapeleria por chapelaria; cortez por cortês; etc.

VII—DA COMPOSIÇÃO, DA PERÍFRASE, E DAS ENCLÍTICAS

Dissemos o bastante acêrca do primeiro e terceiro dêstes pontos. Em quanto à perífrase, diremos que as linguajens perifrásticas dos verbos são diferenciadas em linguajens de perífrase consciente e perífrase inconsciente.

É linguajem perifrástica consciente a formada com o presente do verbo haver. Escrevemo-la, pois, sem hífen de ligação: descrevê-lo hei, louvá-la has, dar-lh'o ha, amar-nos hemos, unir-vos heis, receber-se hão.

É linguajem perifrástica inconsciente, com tmese evidente, a formada com um resto do pretérito imperfeito do verbo haver: -ia = (hav)ia, -ias = (hav)ias, -ia = (hav)ia, -íamos = (hav)íamos, -íeis = (hav)íeis, -iam = (hav)iam. Escrevemos estas linguajens sem o h, perdido com os outros elementos de hav-, em todas as pessoas do pretérito imperfeito do verbo haver, que entra na perífrase. Exemplos: descrevê-lo-ia, deixar-me-ias, aborrecê-la-ia, evitá-lo-íamos, comportar-vos-ieis, obedecer-lhe-iam.

III

O NOSSO INTUITO

Se quiséssemos entrar em minudéncias de linguajem e defender em todos os pontos a ortografia que iniciámos, teríamos de escrever um livro de grosso volume. Se o nosso intuito fôsse ensinar, publicaríamos um tratado. Mas é diferente o fim dêste escrito, que oferecemos gratuitamente aos nossos conterráneos, como testemunho de respeito pelas cousas da nossa pátria: Damos razão da reforma iniciada e sujeitamos ao são critério as bases em que esta assenta. Por êste motivo deixámos de tratar pontos de que o Congresso terá de se ocupar.

Andam infelizmente esquecidas por alguns escritores regras de gramática, que, a serem lembradas, os não deixariam cometer erros imperdoáveis. Temos visto ortografar (e até pronunciar!!), passeiando, passeiata, ideiou, receiará, feichara, etc., em vez de passeando, passeata, ideou, receará, fechara, etc. É certo que a maioria dos leitores sabe que, por motivo de a acentuação tónica se fazer nas tres pessoas do singular e terceira do plural de todos os presentes dos verbos, como idear, recear, passear, etc., únicamente nessas fórmas pessoais aparece o ditongo ei no radical: passeio, passeias, passeia, passeamos, passeais, passeiam;—passeava, passeavas_, etc.;—passeei, passeaste, etc.;—passearei, passearás, etc.;—passearia, etc.;—passeia tu, passeie ele, passeemos nós, passeai vós, passeiem eles;—que eu passeie, que tu passeies, que ele passeie, que nós passeemos, que vós passeeis, que eles passeiem;—passear, passeando, passeado. O radical português é passe-.

É claro que tratar de assuntos como êste não é objecto de uma símplez circular. E se o leitor houver notado que usámos nela de modos de ortografar para que não encontra explicação nos princípos que ficam estabelecidos, atribua o facto a não caber a explicação suficiente nos princípios jerais. Cremos que as bases, como ficam postas, constituem método sem contradições:—se o Congresso fôr até suprimir (como julgamos que deve suprimir) as letras consoantes inúteis nos nomes próprios e nos de família, assinaremos sem dobrar as consoantes nn, ll dos nossos nomes.

Não nos preocupa uma idea preconcebida. Não nos domina um subjectivismo apaixonado. Desejamos que no país todo se una para discutir de boa fé quem tiver estudado o problema, e que êste se resolva estabelecendo-se ORTOGRAFIA PORTUGUESA.

+ALGUNS OUTROS TRABALHOS PUBLICADOS PELOS MESMOS AUTORES+

POR A. R. GONÇALVES VIANNA

Estudos Glottologicos: Graphica e Phonetica. O livro da Escripta do
Professor Faulmann.—Porto, 1881.

Essai de Phonétique et de Phonologie de la Langue Portugaise d'après le dialecte de Lisbonne.—Paris, 1883.

Études de Grammaire Portugaise.—Louvain, 1884.

Mágoas de Werther (romance de J. W. von Goethe trasladado a português).—Paris, 1885.

POR G. DE VASCONCELLOS ABREU

Questions Védiques.—Paris, 1877.

Sobre a Séde originaria da Gente Árica.—Coimbra, 1878.

Investigação sobre o caracter da Civilisacão Árya-hindu.—Lisboa, 1878.

Importância capital do sãoskrito como base da Glottologia árica e da Glottologia árica no ensino superior das lettras e da historia.—Lisboa, 1878.

Contribuições mythologicas.

Grammatica da língua sãoskrita: Phonologia.—Lisboa, 1879.

Fragmentos de uma tentativa de Estudo Scoliastico da Epopea Portugueza (publicados pelo 3.º Centenário de Camões; a 2.ª parte dêste trabalho foi traduzida em inglês pelo sr. Donald Fergusson, com o título «Buddhist Legends from Fragmentos … by G. de Vasconcellos Abreu. Translated with additional notes. Ceylon).—1880.—1884.

O Reconhecimento de Chakuntalá (texto devanágrico e tradução portuguesa do Acto I do célebre drama de Xacuntalá do poeta Calidaça, segundo a recensão Bengali).—Lisboa, 1878.

Manual para o Estudo do Sãoskrito clássico. Tomo I, Resumo
Grammatical.—Lisboa, 1881-1882.

De l'Origine probable des Toukhâres et leurs migrations à travers l'Asie.—Louvain. Lisbonne. (Memória acerca da orijem dos Teucros, apresentada ao Congresso antropolójico de Lisboa em 1880).

A literatura e a relijião dos Árias na índia. Primeira Parte.—Paris, 1885.