The Project Gutenberg EBook of Diccionario de João Fernandes, by 
Francisco Gomes de Amorim

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org


Title: Diccionario de João Fernandes

Author: Francisco Gomes de Amorim

Release Date: December 22, 2010 [EBook #34718]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DICCIONARIO DE JOÃO FERNANDES ***




Produced by Pedro Saborano





 

DICCIONARIO

DE

JOÃO FERNANDES

LIÇÕES DE LINGUA PORTUGUEZA

PELOS

PROCESSOS NOVOS AO ALCANCE DE TODAS AS CLASSES

DE

PORTUGAL E BRAZIL

 

 

 

 

DICCIONARIO

DE

JOÃO FERNANDES

 

 

 

 

DICCIONARIO

DE

JOÃO FERNANDES

LIÇÕES DE LINGUA PORTUGUEZA

PELOS

PROCESSOS NOVOS AO ALCANCE DE TODAS AS CLASSES

DE

PORTUGAL E BRAZIL

 

 

Castigat ridendo mores.

 

 

LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1878

 

 

{5}

A QUEM LER

Por bem entendido orgulho, resolveu o auctor d'este livro não privar o seu nome da gratidão dos contemporaneos. Honra lhe seja!

Do seu trabalho se póde dizer sem lisonja; que reune o utile dulce. Instrue e deleita, inspirou-lh'o um opusculo francez, de indole similhante, intitulado: Le Carnaval du Dictionnaire.

Pretendeu o nosso auctor demonstrar que tambem a riquissima lingua portugueza se{6} presta a graciosas evoluções, aos traits d'esprit, e ao humour dos idiomas francez e inglez. Ousará alguem dizer que elle se não saiu victorioso da empreza? Estou que ninguem se atreve. Bons ditos, agudezas, epigrammas, finas ironias, satyras, critica de costumes, tudo aqui se encontra, mais ou menos floreado, conforme requer cada assumpto.

É possivel que não falte quem faça má cara ás definições simples e claras da maioria dos vocabulos; e que por essa mesma ingenuidade não as acreditem nem acceitem. O auctor não se desconsola por isso. Elle sabe que quanto mais grosseiro for um erro, mais facilmente será admittido; ao passo que raros crêem na verdade pura. Ha pouco mais de trezentos annos ainda se suppunha que as marrecas (aves similhantes ao patos) nasciam da madeira dos mastros, dos remos e das tabuas de barcos velhos apodrecidos pelas aguas; e quando Childrai asseverou que{7} as tinha visto ao norte da Escocia pôr e chocar os ovos como os outros palmipedes, pouco faltou para que o engulissem vivo! O abbade de Valmont, refutando-o em pomposos discursos, no começo do seculo passado, provava triumphantemente, com applauso de todo o mundo sabio, que, sendo as marrecas «animaes de sangue frio, como os peixes, não podiam chocar», e que as perseves eram larvas de marreca e tambem plantas marinhas, e que d'ellas se formavam as citadas aves!

Nada custa mais a acceitar do que as verdades singelas, sobretudo se ellas não lisonjeiam a tolice humana! Ora o auctor tem a consciencia de não haver commettido esse peccado, assim como a de ter feito uma obra digna do seu tempo. Rôam-n'a, portanto, como podérem: a posteridade lhe fará justiça.

No apimentado da linguagem seguiu-se o systema do sabio Raspail, com o fim de afugentar os vermes... litterarios. Os conceitos,{8} assim temperados, não embucharão tanto os estomagos exquisitos, embora algumas vezes produzam irritabilidade passageira, proveitosa para todos os lymphaticos.

Por entre os gracejos encontram-se muitas verdades instructivas, com applicação ás creaturas hypocondriacas e dyspepticas. Não ignorava o nosso auctor que trabalhava para o futuro, e que o seu livro seria o unico diccionario serio adoptado por vindouros illustrados; mas nem se desvaneceu com essa certeza, nem quiz em monumento de tão sublime lavor titulo de armar ao effeito. Podia ter-lhe chamado, com assás de propriedade, Diccionario de pimenta na lingua, ou, mais cruamente, tira-pelle, escacha-pecegueiros, leva couro e cabello, etc. Preferiu, comtudo, o simples titulo de Diccionario de João Fernandes para o maior padrão da moderna litteratura portugueza. Que modestia, tão digna de elogio no seculo corrupto em que todos se gabam e louvam a si publicamente!{9}

E comtudo o que mais estava aqui a calhar era Diccionario raboleva. Cousa de pôr e tirar, sem a minima idéa de offender, que não faz mal nenhum, e que vem tanto a proposito n'estes tempos de carnaval perpetuo. Raboleva é como quem diz carapuça. Mas a carapuça, no sentido intimo e transcendental, é invisivel para todos e só a sente quem a põe. Ao passo que o raboleva são os outros que o vêem em nós e nos gritam:

—Raboleva!

Que admiravel invenção! É claro que só os tolos lhe não achariam graça. Confessem, porém, todos que o não forem, que o auctor foi o homem mais modesto do seu tempo, privando a sua obra d'esse titulo palpitante de actualidade, e assim provarão que sabem ser superiores a invejas mesquinhas.

O livro porém não carece de nomes pomposos para se tornar celebre. Elle ahi vae, eu acho-o bom, sou de voto que o approvem para os collegios, que o compre toda a gente,{10} e peço a immortalidade que me compete... a seis tostões por cabeça.

 

João Fernandes

Auctor da dita obra.

 

N. B.P. S. Os artigos desengraçados, ou obscuros, não são meus. Traduzi-os do francez e do chin. Eu só fiz os que teem graça.

 

J. F.

{11}

A

{12}

 

{13}

A

ABA—Diz-se de mesa, em vulgar; mas no estylo poetico toma-se por petala da flor chamada orçamento, onde pousam mais zangãos do que abelhas.

ABADA—Por um singular capricho da lingua dá-se este nome ao corno do rhinoceronte, e ás canastradas de leis mais duras de roer, que os parlamentos approvam sem exame, no fim das suas sessões!

ABAETADO—Panno grosseiro com{14} que alguns grandes homens vestem a sua delicadeza.

ABAFADIÇO—O ar da independencia, para certos patriotas.

ABAFADO—Vinhito soffrivel antes de se ter inventado o oidium, a philoxera, a flor de enxofre, a baga de sabugueiro, o campeche, a anilina, a fuchsina, e outros ingredientes capazes de estoirar o estomago do grande diabo.

ABAFADOR—Sujeito que não deixa fallar os outros.

—Amigo zeloso, que abafa o alheio para que se não constipe.

ABAFAR—O mesmo que atabafar; cobrir ou esconder o que é dos outros, de modo que os donos não vejam.{15}

ABAIXAR-SE—Maneira de poder andar seguro por caminhos difficeis.

ABALISADO—Grande comedor.

ABJECÇÃO—Usar botas sem meias.

ABJURAR—Tem, em politica, muitos significados pittorescos: virar a casaca, mudar de cara, roer a corda, passar o pé, atirar as cangalhas a terra, etc.

Em religião: Deitar um rombo de madeira nova n'um barco podre.

ABSOLVIÇÃO—Dar um bispado in partibus infidelium.

ABUSO—Planta nociva, que gréla e rebenta por toda a parte.

—As verrugas nacionaes.

ACADEMIA—Cozinha litteraria e scientifica,{16} da qual nem todas as comidas são gratas ao paladar.

AÇAMO—Ponto de contacto entre o cão e o jornalista, nos paizes em que a rolha faz parte das instituições.

ACANHADA (MULHER)—Capilé de cavallinho.

ACANHAMENTO—Casaco apertado.

ACCIONISTA—Unica especie de mosca, que se apanha com vinagre... de sete ladrões.

ACEIO—O luxo do pobre... que elle raras vezes tem.

ACTOR—Proteo por conta alheia.

ACTRIZ—Espelho de reflectir paixões.

—Flor artificial.{17}

ADMIRAÇÃO—Sentimento que só nos acommette diante das nossas obras, ou quando nos vemos ao espelho.

ADULAÇÃO—Musica da aria do servilismo.

ADVOGADO—Actor que representa autos.

AFFEIÇOADO—O que apenas diz mal de nós, em vez de tambem nos bater.

AGIOTAGEM—Montado, onde se engordam aves de rapina.

—Monturo, onde os cogumellos são venenosos.

AGUARara avis in Olissipone.

—O sonho de Lisboa.

—Cousa que muitos corpos nunca viram.

—Horror de certas caras.{18}

AJUDA (DE CUSTO)—Clyster que todos gramam com gosto.

ALBUM—Victima que faz victimas. É o caso de exclamar: Abyssus abyssum invocat.

—Machina de achatar poetas.

ALCANCE—Descuido intelligente que faz correr dinheiro dos cofres publicos para os particulares.

ALEGRIA—Premio na loteria da vida.

ALEXANDRINO—Verso: o elephante da poesia.

—Homem: o pigmeu dos Alexandres.

ALGIBEIRA (CHEIA)—Alma nova.

(VAZIA) Veia sem pinga de sangue.

ALGODÃO—Materia prima da belleza{19} plastica. Tranquillisae-vos, senhoras; todos fazemos de conta que não percebemos.

ALIMENTICIOS (GENEROS)—Misturada infernal, em que todos os artigos teem drogas suspeitas. Ha de vir um tempo em que o consumidor, para se livrar de ser roubado e envenenado, com assentimento da auctoridade publica, terá de ir procurar a subsistencia nas origens de todos os generos. Mais claro: Para comer sem repugnancia e sem perigo, terá que imitar os quadrupedes, e, posto ao lado d'elles, pastar nos campos o trigo infantil e virgem de toda a combinação toxica. Concorrerá com os cães ás vinhas, e ahi se regalará com os puros cachos ideaes (estylo da idéa nova), isentos do mistiforio horrendo que mais tarde lhes mistura no sumo o taberneiro boçal, ou qualquer outro ladrão e assassino da mesma laia. Cortará o seu bife do boi vivo (á moda dos bemaventurados do paraizo scandinavo,{20} que os comem de um javali sempre inteiro), e mamará com os vitellos seus collaços a manteiga e o queijo na fonte original da têta incorrupta (salvo o caso de ter bexiga, o que desde logo nos evitará a vaccina). Emfim, senhores tendeiros, merceeiros, commercieiros, taberneiros, leiteiros, açougueiros, peixeiros e mais varões da magna caterva dos envenenadores publicos (excepções honradas á parte, se ainda as ha), em chegando esse tempo, que os vossos abusos attrahem fatalmente, levar-vos-hão todos os diabos e ás vossas caranguejolas de chimica assassina, o que será de grande allivio para o resto da humanidade e de jubilo para este que vos admira como fluidos, e vos detesta como patifes, se acaso o sois, o que não é licito duvidar. Para esse tempo espero em Deus que a vossa raiva impotente vos faça rebentar como morteiros em arraial saloio. Amen.

ALLOPATHIA—Antiga companhia de{21} pompas funebres, furiosa por lhe terem creado concorrentes ao seu monopolio.

ALMANACH—Pasteleiro sem môlho.

ALVEITAR—Pobres bestas! Não poderem, ao menos como nós, dizer onde lhes doe, para que as matem em regra!...

ALVEITARIA—Arte de estoirar brutos.

ALVIELLA (RIO QUE HA DE TRAZER AGUA A LISBOA)—Um mytho.

AMA—Caricatura da maternidade.

AMABILIDADE—Virtude dos ministros que promettem sem tenção de cumprir.

—Chave de abrir corações.

AMADORES (DE TOURADAS)—Membros das sociedades protectoras dos animaes.{22}

(DE BELLAS ARTES) Entes inoffensivos, que os artistas fingem tomar a serio para que lhes comprem as obras.

(DE ANTIGUIDADES) Victimas felizes da industria moderna.

(DA BELLEZA FEMININA) Idealistas.

(DE THEATRO) Estomagos de bronze, que digerem desde a lama do lupanar e o opio até o chavelho e o ferro velho.

(DE BOA MESA) São as pessoas mais rasoaveis, e assim mesmo se lhes impinge a miude gato por lebre.

AMAR—Soffrer, desde a dor de cotovello até á colica do medo.

—Preludio de bebedeira.

AMARGURA—Rua que vae da cadeia ao tribunal.

AMBIÇÃO—A nossa, é sempre nobre. A dos outros, baixa e vil.{23}

AMIGO—Inimigo domesticado.

AMIGOS—Sujeitos de que é bom desconfiar para se não ser logrado.

AMISADE—Pedra philosophal do janota.

—Chapéu de chuva que se volta do avesso logo que ha mau tempo.

AMOLAR—Passar a lingua sobre as manchas da reputação alheia, para as lavar, á maneira do gato.

AMOR—Pedra preciosa, que se dava de graça, e por isso desappareceu ha muito tempo.

—Jovens incautas, desconfiae das paixões a vintem a linha nos annuncios dos jornaes. Se os pretendentes serios falham tantas vezes, que esperaes dos que se vos apresentam a declamar prosa pifia e sem grammatica,{24} entre o bacalhau frescal dos srs. Martins, e os chapéus da sr.ª D. Cecilia?

ANALPHABETO—O mais feliz dos entes. Perdôem os partidistas da instrucção a todo o transe. Antes de se pensar na escola seria util dar pão aos que se pretendem obrigar a frequental-a. Crear-lhes, em vez disso, necessidades que traz a educação, sem lhes proporcionar os meios de as satisfazer, não é beneficial-os, é pervertel-os. Desculpem ss. ex.as a este pobre diabo, que apalpa com frequencia o positivismo da vida por falta de tempo e de pachorra para subir aos mundos ideaes. Peço-lhes, porém, que, antes de legislar, estudem um pouco o homem. As suas illustres pessoas são as que lhes ficam mais á mão. Consultem-se a si proprios, e digam se, conscios como devem ser dos seus merecimentos, os julgam convenientemente reconhecidos e remunerados pela sociedade. No caso de se acharem bem retribuidos,{25} plenamente satisfeitos com a sua sorte, e convencidos de que não teem direito para aspirar a melhor estado, decretem a instrucção obrigatoria; e não só a primaria e secundaria, senão tambem a superior. Se, porém, julgam que a sua intelligencia, os seus talentos e estudos merecem mais alta consideração, os que pretendem educar virão tambem dentro em pouco a ter de si proprios igual opinião. E não tendo ss. ex.as meio de se melhorarem a si, como poderão satisfazer as necessidades que terão creado aos povos, a uma nação inteira? Não citem a Allemanha a proposito de tudo, porque já parece desproposito. A Allemanha, sobretudo a Prussia, onde todos sabem ler, não tem talvez um unico habitante contente com a sua sorte. Despeja-os aos milhares nos Estados Unidos, e como este paiz já rejeita emigrantes, procura no Brazil um ponto, onde caibam 500:000 de uma assentada!

Este magno assumpto não é para aqui.{26} Mas, repito, que será bom dar primeiro o pão aos que o não teem, e depois muito embora lhes dêem o ensino. Meus senhores, muito boa noite. Estou a caír com somno, e faço a vv. ex.as a justiça de acreditar que não terão menos do que eu, depois de lerem este artigo.

ANARCHIA—Isso é com os sabios modernos.

ANATOMIA—Arte de aprender a trinchar sem garfo.

ANTECAMARA—Logar onde os que são mais lacaios não usam libré.

ANTHROPOPHAGO—Agiota que faz muito negocio.

ANZOL—Rapariga bonita.

—Velha endinheirada.{27}

APAGADOR (PARLAMENTAR)—Coveiro da eloquencia.

APITO—Grillo, que em vez de estar engaiolado, na maioria dos casos, leva outros para a gaiola.

APOIO—Perguntem aos pobres ministros quanto lhes custa o de certas firmas...

—Muletas de oiro.

APOLLO—Improvisador do fado.

APOLOGO—O alfaiate da verdade.

APOPLEXIA (FULMINANTE)—Premio grande na loteria dos infelizes.

(PARCIAL) Primeiro aviso para o pagamento da contribuição... á morte.

—Mandado de despejo sem aviso previo.

APOSTASIA—Jogo da cabra cega.{28}

APPARENCIAS—O pudor da sociedade.

—A primeira cousa que se deve salvar em todos os naufragios.

APPETITE—Socio gerente do estomago.

APPROVAR—Serviço das maiorias parlamentares.

ARCO—Dizendo as auctoridades que é monumental, preparem-se para ver uma cousa feia, pesada, que esmaga a vista, o espirito e o gosto, mistiforio de todos os estylos, sem ter nenhum, amontoamento de pedregulhos enormes, um aleijão, emfim, que custa centos de contos de réis e entretem, durante longos annos, os ocios dos basbaques e os dos comedores.

—Sendo arco simples, procurem nas pipas.{29}

ARGUMENTO—Metralhadoras em exercicio.

ARMA—Muleta do absurdo.

ARQUEADO—Sevandija.

ARQUEAMENTO—Estylo das pessoas que teem a espinha dorsal muito elastica e a cabeça com pendor para o lado... da sabujice.

ARREATA—Um artigo de fé absolutista; mais necessario a certos homens do que a certas bestas.

ARREPENDIMENTO—Caldo requentado.

ARSENICO—O vinho que se vende nas tabernas de Lisboa. O povo chama-lhe judiciosamente mata-ratos.{30}

ARTISTA—Pessoa engenhosa, que agenceia a vida nas algibeiras alheias.

—Malandrino, desde que a qualificação se passou das bellas para as malas-artes.

ARVORE—É n'ella que o homem corrige Deus e a natureza, affeiçoando-a de modo que, segundo a sua opinião, fica mais graciosa do que a fizera o Creador.

ASNEIRA—Uns por não ver, outros sem saber e muitos sem querer: todos a fazem viver.

—Cala-te e pára! O que ias dizer, é uma; o que tentas fazer, é outra.

—Sentinella, brada ás armas, que s. ex.ª vae passar.

—Quem poderá gabar-se de não lhe render preito?!

—Divindade que está em toda a parte.

ASNO—Parece que foi aos de dois pés{31} que Deus disse: «Crescei e multiplicae-vos». O seu numero tem encarecido tanto a palha, que já se dá pão a muitos.

—Tão feliz, que até suppõe que o não conhecem!

ASQUEROSO—Escriptor sem vergonha. É o piolho da litteratura.

ASSASSINO—Sujeito que arranja meio de viajar de graça... para a Africa.

ATHEU—Innovador da peior especie. Crê que as machinas precisam de que alguem lhes dê impulso para poderem andar, e duvida de que o universo tenha um regulador supremo! Senhor, Senhor! Para quem creaste a palha?!...

ATTESTADO—Chave falsa, que se dá ao creado despedido para elle se introduzir na casa alheia.{32}

ATRAZADO—Relogio do progresso portuguez. Quanto mais lhe mexem, peior fica e mais vezes pára.

AUCTOR—Ente paradoxal. Acredita no seu talento.

—Parodia de Deus.

AUCTORISAÇÃO (DOS PARLAMENTOS AOS GOVERNOS)—Viagem por mar desconhecido.

AUDACIAAudaces fortuna juvat. Traduzido em vulgar, quer dizer: Quem for tolo, peça a Deus que o mate e ao diabo que o carregue.

—Talento dos insignificantes.

AVARENTO—Homem que aferrolha no limbo da arca as almas das algibeiras.

AVENTUROSO—Espirito de gato.{33}

AZEDO—Chefe de repartição que tem a consciencia de valer menos que os seus subalternos.

AZORRAGUE—Instrumento muito eloquente, quando o tocam com alma.

AZUL—A côr do céu, a do mar e a do ministro derrotado pelas côrtes.{34}

{35}

B

{36}
{37}

B

BABA—Humor que deposita o caracol litterario nas folhas que roe.

BAILARINAS—Illusões pintadas.

BAIXEZA—Meio de elevação.

BALA—Objecção penetrante.

BALANÇA—Salvo-conducto de varios ladrões.{38}

BALÃO—Imitação de certos potentados. É grande, ôco, e não sabe dirigir-se.

—Mineiro do infinito.

BALOFO—Homem sem miolo, ou cheio de palha.

BANANA—Entre os homens, caracol sem casca.

BANCA-ROTA—Phenomeno physico produzido por uma prisão de ventre. Os intestinos não restituem os laxantes, e causam o volvo.

BANCO—O dos réus attrahe as pessoas habeis, que mandam gente para o do hospital, ou que fazem concorrencia ao que emitte dinheiro.{39}

BANDALHO—Bacalhau fresco[1] e homem podre.

BANQUEIRO—Artista que faz bancos. Cuidado, não cáiam!

BARALHO—Orçamento do estado.

BARBARO—Indigena, que não é applaudido pela sociedade protectora dos animaes, nem sequer por estes.

BARQUEIRO—Caronte peiorado.

BARRIGA—Demonio familiar, que desculpa e justifica tudo.

BASTARDIA—Uma vangloria, quando{40} instituida pelos reis; uma vergonha, quando creada pelo povo.

BASTARDO—Uma letra e uma uva. A affinidade provém de que o sumo da uva se engarrafa, e a letra é garrafal.

—Linhagem com que se embrulham muitas familias nobres.

BATALHA—Maneira de ter rasão, á moda dos brutos.

BATATAS—Genero decadente, desde que os illegiveis as empurram aos eleitores.

BATERIA—As de cozinha são muito mais uteis á humanidade do que as de artilheria. Comtudo é por estas que as nações fazem sacrificios! Este facto, por si só, basta para fazer o elogio da nossa especie!

BATOTEIRA—Viuva de dois ou tres maridos.{41}

BEATA—Emolumento ecclesiastico.

BEIJO—Uma recordação de Judas.

BELISCÃO—A satyra das unhas.

BELLEZA—Flor de um dia, que, apesar da sua pouca duração, explica muitos segredos.

BEMAVENTURADO—O que sente pela primeira vez atrás da sege que o leva o choito cavallar do correio ministerial.

BEMDIZENTE—Genero que se acabou ha muito, e não se manda vir mais. Era da Parvalheira.

BEMFAZEJO—Sabe-se que ainda ha alguns pelo muito que elles se apregoam a si proprios, como é de justiça. Do contrario,{42} acreditariamos que tinham acabado inteiramente.

BEMFEITOR—Pessoa que dá conselhos a quem lhe pede esmolas, em vez de dar bengaladas.

BENEFICENCIA—Uma boa cousa que a vaidade estraga.

BENEFICIO (PRESTADO)—Coices a haver.

(RECEBIDO) Serviço de que nos esquecemos para não humilhar quem nol-o fez. Oh! humanidade... Quem não te conhecer que te compre, e verá a prenda que leva!

BENEMERITO—Sujeito que não rouba quanto póde.

BENGALA—Tira teimas; pouco usado.{43}

BERNARDA—Rede de pescar empregos e postos.

BERNARDICE—Conceito virado do avêsso.

BESTA—Bicho de varias especies. O que não come palha é dos peiores.

BEXIGA—A deusa da actualidade.

—Discurso laudatorio.

BIBLIOTHECARIO—Um collega da traça.

BICHAS—Prefiram as de rabiar.

BOFETADA—Conclusão, que em alguns casos se torna principio.

—Troco dado sem ser pedido.

—Visita mal recebida.

—Resposta em vulto.{44}

—Eloquencia da mão direita.

—Argumento solido.

BOI—Animal que muda o sexo depois de morto.

BOMBA—Noticia inesperada.

BOMBEIRO—Inimigo de innovações.

BONDADE—Qualidade que attrahe o abuso.

BORBORYGMOS—O gargantear das tripas.

BOTAS—Terror dos selvagens. Umas botas apertadas, umas calças com suspensorios e prezilhas, e um collarinho bem teso—eis os beneficios que a civilisação offerece, de envolta com os seus vicios, ao homem primitivo! Entalado, esticado e gemendo dentro{45} d'essas prisões, o pobre diabo, costumado a ter como a sua melhor riqueza a liberdade de movimentos, atira com tudo isso para longe de si, no primeiro ensejo, e foge para os seus bosques, arma o arco e espreita por entre as arvores os inquisidores que o atormentaram para lhes agradecer a judiaria com frechadas. Se estes, porém, o avistam primeiro, e lhe mostram de longe uma bota e um par de calças, o desgraçado larga as armas, e precipita-se no rio, preferindo ser comido pelos jacarés, ou morrer afogado, a dar-se em holocausto áquellas machinas de tratos.

BOTEQUIM—Escola de bellas-letras e de bons costumes.

BOTICARIO—Agente do coveiro.

BRAZÃO—Estudo dos fosseis.{46}

BRUTO—Animal commum: morde e dá coice.

BUGIO—Parodia humana.

BURLESCO—Annuncio em que se promettem enterros pobres fingindo de ricos. É de tentar os defuntos mais exigentes?

BURRA—A personificação do amor moderno. Se Balaam cá voltasse, veria o que é eloquencia! As burras de hoje teem todas o diabo no corpo, um diabo amarello e luzente, que faz dar urros a quem o quer apanhar!

BURRO—Irracional a quem muita gente faz concorrencia.{47}

[1] Em algumas partes de Portugal chama-se bandalho ao badejo.

C

{48}
{49}

C

CABEÇADA—Mais vale sentil-a sem a trazer do que trazel-a sem a sentir.

CABELLEIRA—Illusão.... para quem a traz.

CABELLO—Uma canção saudosa, cantada em côro por todos os calvos.

CABRESTO—Leme que governa á prôa. Nem sempre se põe a quem mais precisa d'elle.{50}

CAÇA—A mais procurada é a dos grandes empregos; sobretudo da especie sinecura.

CACETADA—Um dos modos de exprimir o pensamento.

CACETE—Uma idéa... politica.

CACHORRO—Expressão affectuosa, no nosso tempo.

CADUCIDADE—Infancia sem mãe nem mama.

CAHOS—Olhae á roda de vós.

CAÍM—Primeiro exemplo de fraternidade, e segunda victoria do mal contra o bem. Desde então teem sido tantos os casos, que já se perdeu a conta d'elles.{51}

CAÍR—Emprestar a caloteiros.

CALÇADO—Flagello que se impõe aos selvagens, a pretexto de os civilisar.

CALLO—Perdão, minhas senhoras! É com o mais profundo respeito, e por interesse vosso, que vos aconselho a não coxear. Não ha paixão que lhe resista. Um pé pequeno é bello. Não deixeis suspeitar que elle se parece com um banco de ostras. Cautela com a baixa-mar! Não consintaes sequer que o vosso King Charles vos veja tirar as meias. O diabo ás vezes arma-as!

CALOTE—Ferida ruim.

CALOTEIRO—Ente feliz, que achou quem lhe fiasse.

CALUMNIA—Nodoa, que se chega á pelle nunca mais se tira.{52}

CALUMNIADOR—Sujeito que atira pedras a uma sombra, e consegue por vezes acertar-lhe.

CALVA—Solidão melancolica.

—Terreno esterilisado pelos annos.

—Arvore, d'onde cairam as ultimas folhas.

—Pedra tumular, em cuja superficie pallida e lustrosa se reflecte a morte... dos cabellos.

CALVO—Audacioso, que ainda falla verdade... com a cabeça.

CAMELLO—O mais injuriado dos animaes. Até confundem certos homens com elle!

CAMISA—Uma convenção social.

CAMISEIRO—Aio da pudicicia.{53}

CANADA—Uma das nossas glorias passadas, que o litro assassinou.

CANALHA—Tomado á franceza, é gallicismo; porém a abundancia de genero nacionalisou-o.

CANÇÃO—O chiar lyrico da frigideira, onde bailam as pescadinhas de rabo na bôca.

CANDIDATO (A DEPUTADO)—Projecto de caustico no paiz.

CANEIRO—O cocyto de Alcantara. Desemboca no Phlegetonte, vulgo Tejo, que é outro lameiro pestilento, nas praias de Lisboa.

CANGA—Benção matrimonial.{54}

CANNA (DA INDIA)—Materia prima das azas de pau.

CANNIBAL—Grande mamador da teta do orçamento.

CANO (DE DESPEJO)—Fornecedor dos cemiterios de Lisboa.

—Um socio da medicina.

CANONISAR—Fingir que se abre aos outros uma porta de que não se tem a chave.

CANTO—A alma buscando outra patria.

CANTORA (CELEBRE)—Prodigio de aluguel.

—Escandalo ambulante, á moda Patti.

CAPACHO—Limpa-botas, que ss. ex.as{55} elevam às vezes até á altura de poder limpar tambem as algibeiras á mãe patria.

CAPADO—Mortal do genero neutro.

CARA—Desconfiae das taboletas.

CARACOL—Coração de mulher leviana. Por mais que se lhe corte a cabeça, revive sempre, e apega-se a todas as plantas.

CARACTER—Torneira que só quando serve se vê se está rota.

CARANGUEJO—Exemplificação dos nossos systemas de viação accelerada. Isto é: progresso do retrocesso, segundo a feliz expressão de um sabio frade bernardo.

CARAPUÇA—Barrete que se põe dando urros intimos.{56}

CARESTIA—Synonymo de subsistência, em Lisboa.

—Doença que não convem curar para não offender Nosso Senhor Monopolio.

CARICATURA—O retrato dos nossos amigos.

CARIDADE—Virtude, que deixa de o ser quando se mostra.

—Flor do céu, desabrochando no coração humano.

CARNAVAL—Tempo em que toda a gente finge doudejar, para fazer suppor que é séria no resto do anno.

—Sujidade que se cobre com cinza.

CARRUAGEM—Desespero dos que andam a pé, e que se não lembram que as suas pernas não correm risco de tomar o freio nos dentes, como as parelhas dos trens.{57}

CARTA (AMOROSA)—Folha da arvore do amor. Amarellece com o casamento.

CARTAZ—Programma de governo. Diz sempre a mesma cousa, e nem sequer os que o fazem acreditam n'elle.

CASADO—Boi de canga.

CASADOS—A ostra e a perola.

CASAMENTO—Prisão cellular perpetua.

CASAR—Bolo de amor, que todos querem comer, salvo os que teem medo de indigestões.

CASPA—A fina flor mais palpitante[2]{58} da actualidade, que orna as cabeças modernas. Substitue quasi as idéas e os cabellos.

CATAVENTO—Pára-raios politico.

—Um gastronomo philosopho. Acha todas as comidas boas, e só exige que outros as paguem por elle.

CAVALLEIRO (FIDALGO)—Pessoa que, em geral, não usa cavallo.

CELEBRIDADES—Pessoas a quem a fama põe chocalhos, ás vezes muito bem merecidos, mas muito mal postos.

CENSURA—Unico prazer dos deuses... invejosos.

CEPA—Tronco genealogico do fidalgo que mais alegra a gente.

CHAPÉU (DE CHUVA)—Symbolo da amisade. Falha-vos sempre em occasiões de tormenta.{59}

CHARUTO—Uma ladroeira e um envenenamento.

—Arte de aniquilar mais depressa a especie humana.

—A mais estupida de todas as distracções.

—Prova mais generalisada da tolice humana.

CHEFE—Ha muitos, de familia, que antes quereriam ser chefes de ladrões.

CHEIRO—Guai de quem aspira o de Lisboa!

CHICANA—Papel de apanhar moscas, já muito servido.

CHICOTE—A unanimidade de opiniões vae tornando o seu uso inutil. Cada vez ha mais quem precise e menos quem dê. Pois é pena!{60}

CHIMPANZÉ—Animal que póde intentar ao homem processo de contrafeição.

CHISPE—Uma invenção dos grellos de nabo, para se tornarem mais amados e mais caros.

CHORO—Carimbo que a dor nos põe amiudadas vezes, para que não passemos por falsos infelizes.

—Carantonha da alma.

—Armadilha de apanhar mama.

CHUMAÇO—Segredo que convem não devassar, sob pena de tristes desapontamentos.

CINTRA—A mais má lingua que eu tenho conhecido, dizia, com assás de indelicadeza, fallando da gente e da terra:—«É uma cabeça formosissima, coberta de piolhos!»{61}

CITAÇÃO (HISTÓRICA)—Bordão de cego.

(JUDICIAL) Cabresto posto ao homem para o levar onde elle não quer ir.

(LATINA) Condecoração do espirito.

CIVILIDADE—Archaismo.

CIVILISAÇÃO—Luz que quanto mais intensa mais vicia e devora os pulmões das cidades.

—Graxa de lustro dada nos povos. Quanto maior e mais repetida for a dóse, mais depressa se estraga o cabedal.

CIVILISADO—Traste polido de que convem desconfiar. O polimento encobre muitas mazellas, e até, ás vezes, madeira podre.

CHLOROPHORMIO—Amigo que mata.

COELHO—Ingenuo dos matos.{62}

COICE—A idéa em acção.

COLERA—Nuvens agglomeradas, que podem produzir chuva de sangue.

COLICA—Cousa que dá na gente em dia de letra vencida, não havendo dinheiro em caixa.

COLLEGA—Amigo de Peniche. Por causa d'elle, convem jantar na gaveta.

COLLEGIO—Machina de estragar creanças.

COMMERCIO—Compra e venda, em que raro não é lograda uma das partes.

COMPANHIA—Especie de jacaré voracissimo; ás vezes devora os proprios filhos.

—D'antes dizia-se francamente «quadrilha».{63} Hoje, pelas naturaes evoluções da lingua, e pela suavidade dos costumes, chama-se-lhe cortezmente «seguro de vidas», á maneira de certo paiz que nos ama.

COMPRAR—Verbo activo em tempo de eleições.

CONCUSSÃO—Emolumento de certos magistrados.

CONDECORAÇÃO—Penduricalho que os homens põem ao peito, para que os tomem a serio.

CONFEITEIRO—Perverso, que expõe bonitas goloseimas á nossa vista, e pede dinheiro por ellas.

—O unico productor que não tem direito de se azedar, se quizer vender doce.{64}

CONFESSOR—Vasculho de varrer consciencias.

—Saca-rolhas celeste.

CONFISSÃO—Lavatorio das almas.

—Contrato em que uma das partes despeja sobre a outra as sujidades intimas, e lhe compra a bemaventurança por meio tostão.

CONSCIENCIA—Importuna, a quem muitos voltam as costas.

CONSIDERAÇÃO—Singular cousa! Não se dá senão a quem a tem!

CONSOLAÇÃO—Cataplasma que se põe na dor alheia. Ha muito quem se engane com as farinhas, e applique a de mostarda em logar da de linhaça.

CONSULTA (MEDICA)—Tres contra um! É impossivel escapar.{65}

CONSUMIDOR—Ovelha infeliz, a quem todos cardam, até quando ella não tem lã!

CONTINUO—Y de secretaria.

CONVALESCENÇA—Lua de mel da saude.

COPISTA—Espelho que felizmente não reflecte.

COPO—Perdição de muita gente boa.

CORAÇÃO—Cavallo que quando nos leva por bom caminho nos faz apanhar coices dos outros.

—Cabide de pendurar affectos.

CORAL—Planta que, depois de colhida, se rega com oiro.{66}

CORRUPTO—Homem que se põe a par do goraz condemnado na Ribeira Nova, mas que não tem o mesmo destino, infelizmente!

CORTADOR—Membro da sociedade de liquidação social, quando tira modestamente cem grammas em cada peso.

CÔRTES—Inferno dos ministros, que são ali atormentados pelos que pretendem ser grandes diabos como elles.

COSTELLA—Mãe do genero humano. Eu amo as de vitella, assadas na grelha; mas não me opponho a que o leitor ou a leitora prefira as de carneiro.

COSTUMES—Façam idéa! As elegantes que no ultimo outomno se refrescavam nas praias de Mattosinhos, estabeleceram um{67} premio para o tiro aos pombos! Era uma medalha: de oiro, tendo de um lado uma corôa de louro (!) e a seguinte inscripção:—Premio das Senhoras.—No reverso dizia:—Tiro aos pombos no hippodromo de Mattosinhos, outubro de 1877[3].—Não se dizia se tambem ellas atiravam, mas facilmente se calcula o que a sociedade tem a esperar d'essas passadas, presentes ou futuras mães de familia. Quando as pombas se fazem milhafres é porque já não podem ser nada melhor. Ai de vós, gaviões de frak e chapéu alto da sociedade protectora dos animaes! D'esta vez podeis gritar: «Aqui d'el-rei!»—As matronas do hippodromo são capazes de vos trucidar, e a nós todos tambem.

COVARDIA—N'outro tempo davam-se{68} dois pontapés em quem a tinha; hoje, todos os covardes são valentes... comedores.

COVEIRO—O mais lugubre dos semeadores. Nunca germina a semente que elle deita á terra.

—Encarregado de esconder os segredos do boticario e as asneiras do medico.

CRANEO—Gaveta das idéas.

CREAÇÃO—Gallinhas... e tudo mais, incluindo as grandes obras dos genios demolidores.

CREADO—Pessoa a quem pagâmos para que diga mal de nós.

—O mais proximo dos nossos inimigos.

—Doença interna.

CREANÇA—Flor da humanidade. É{69} livrar que n'ella pouse insecto venenoso, porque lhe converterá o bom e franco riso da innocencia em tregeitos ferozes de maldade e de hypocrisia.

—Phosphoro que ha de produzir incendios.

CREANCICE—Ensaio para a maroteira.

CRENÇAS—Ferros velhos, comidos da ferrugem e do tempo.

Eu vos saúdo, oh jovens demolidores! E advirto-vos, em nome do senso commum, que os povos não se levam senão pelas crenças ou pela força. Vós apeastes Deus; os descrentes tornar-se-hão communistas ferozes, e sereis obrigados a recorrer ao despotismo para os domar, no dia da liquidação social, que tão sem tino preparaes. Dizeis-vos homens livres, e os vossos esforços levam infallivelmente{70} á escravidão e á tyrannia! Que conta dareis ao porvir da herança de vossos paes? A geração a quem succedeis, apesar dos seus grandes erros, e até dos seus crimes, tinha convicções profundas; plantou a liberdade na vossa terra, comprando com o seu sangue os direitos que vós gosaes. Tambem ella foi revolucionaria e demolidora; mas, ao passo que demolia, reedificava tres vezes mais. Vós, pelo contrario, derrubaes tudo e não substituis cousa nenhuma. Se escarneceis de Deus, em que podereis acreditar? Nos vossos livros, onde mutuamente vos presenteaes com a immortalidade? Pobres loucos! Pensae um pouco menos em vós e um pouco mais no futuro que apparelhaes para vossos filhos. Sem religião não ha moral, e a vossa litteratura não produz uma nem outra. Os que vos acreditarem e seguirem recairão fatalmente no embrutecimento do materialismo e n'um captiveiro peior do que aquelle de que nos livraram nossos paes. Debalde{71} restabelecereis o Ente Supremo, como fez a França de Robespierre. As crenças não se decretam. A sociedade que as vossas obras educarem será mil vezes mais podre do que aquella que estaes alluindo; e o que o mundo tem a esperar d'ella para os seus progressos são carneiros, bogalhos e estrume.

Eu vos saúdo, mancebos esperançosos!

CRIMINOSO—Membro de orchestra universal, que desafinou.

CRITERIO—Nome de um macaco do barão de Catanea, que morreu ha muitos annos.

CRUZ—Instrumento onde antigamente se penduravam os ladrões, e que hoje se pendura ao peito d'elles, para variar.

CUBIÇA—Vento que anda no ar que respiramos.{72}

CUMPLICE—Pessoa dedicada... ao crime.

CURA (DE ENFERMIDADE)—Não accusem os medicos, que estão innocentes. Foi sem elles quererem.

(DE ALMAS) Pastor. Alguns não desgostam de comer a sua ovelha; outros contentam-se em cardal-as.

(DE ENFERMIDADES) Acaso ou providencia.

CURANDEIRO—Fadista da sciencia.

CYNICO—Homem-cão. Ha grande abundancia no mercado, e tem pouca saída.

—Pau estragado pelo caruncho... da immoralidade.

—Creatura que apodreceu por dentro.

—Sujidade que nenhuma agua lava.{73}

[2] Deixem passar o gallicismo.

[3] Diario Illustrado de 17 de outubro do mesmo anno.

D

{74}
{75}

D

DAMA—Mysterio, desde que se usa pintar o cabello.

DANÇA—Arte das pessoas de juizo se fingirem doudas.

—Pão de ló das jovens casadouras.

—Invenção para fazer dar urros aos maridos ciosos.

DECADENCIA—Entrada no beaterio. Oh! meu S. Luiz, rei de França, compadecei-vos{76} d'elles, com um bom milagre... passado!

DECENCIA—Uso de certos viajantes, que calçam chinellos, nas carruagens dos caminhos de ferro, depois de terem descalçado as botas.

—Não dormir de bôca aberta... diante de gente.

DECIMA—Vesicatorio politico.

—A fórma menos poetica, e mais detestada pelos contribuintes.

—Estrophe que arranha e franze as barrigas dos funccionarios publicos.

DEFEITO—Esconda os seus, leitora amavel e benevola. Não sonhe aquella pessoa que V. ex.ª lhe prefere o seu jornal de modas... e os pés de porco. Depois de casada é outro cantar!{77}

DEGRAU—O lombo popular.

DEGREDO (TERRA DE)—Tijela da casa, onde se despeja a lavadura dos tribunaes.

DELICADEZA—Ha grande falta no mercado.

DELICADO (HOMEM)—Leão que esconde a garra. É preferivel ao que a mostra, com tanto que nunca mude.

DEMISSÃO (PEDIDA)—Remendo deitado no manto da dignidade.

(DADA SEM SE PEDIR) Buraco aberto na reputação.

DENTADA—Modo por que os cães imitam varios criticos.

DENTE (POSTIÇO)—Um intruso n'uma reunião de familia.

(FURADO) Hospede importuno.{78}

DENTISTA—Homem que repõe o que tira.

DEPUTADOS—Deuses em perspectiva.

DESAPPROVAR—Officio das opposições.

DESAVERGONHADO—Papel mata-borrão com muito uso.

DESCARADO—Fazenda a que o sol comeu a côr. Fica peior, tingindo-se... com a hypocrisia.

DESDEM—Mascara que quasi sempre se vê no rosto da inveja.

DESEJAR—Desejar o que pertence ao proximo é um mandamento da cartilha de certa gente. E parece que o proximo fica ás{79} vezes muito lisonjeado e agradecido, segundo a mesma lei novissima.

DESGOSTO—Parece incrivel como se supportam bem os que se causam aos outros!

DESGRAÇA—Pesa-amisade.

—Espantalho de afugentar gente.

DESHARMONIA—É o estado actual dos espiritos, tanto na ordem moral e religiosa, como na politica e na litteraria.

DESINTERESSE—Bonito bicho! D'onde veiu elle?...

DESMAMAR—Demittir de emprego rendoso.

DESPOTISMO—Freio na bôca e espora{80} na barriga. Ainda ha muitos amadores. Que lhes preste!

DESPREZO—Legado que eu deixo aos meus inimigos.

DESTREZA—Meio de arranjar dinheiro... ou cadeia.

DEVASSO—Parafuso que estragou as roscas na porca da consciencia.

DEVER—Não dizermos nunca tudo quanto pensâmos. Quem mostra o coração, mostra o lombo.

—Não emprestarmos dinheiro aos amigos, para nos não arriscarmos a perdel-o. Os amigos são raros; mas o dinheiro é mais raro ainda, e por isso antes perder aquelles do que este.

DEVOTA—Vivandeira da milicia divina,{81} que faz serviço com os olhos no céu, e com o coração na sacristia.

DIABO—Espantalho que já não afugenta passaros da figueira do peccado.

—Nome que se gasta como canella.

DICCIONARIO (DE JOÃO FERNANDES)—Raboleva nacional.

(EM CINCO VOLUMES) Palheiro incommensuravel.

(IDEM) Rebanho de sandices.

(IDEM) Babel da lingua portugueza... e bunda.

—Besta de carga, sendo dos meus collegas.

—Fonte de sciencia, sendo feito por mim.

DIGNIDADE—... Conhecem? Coitadinha! Se sabem onde ella está, calem-se, para não assanhar ninguem.

—Palavra em que o singular nem sempre se põe de accordo com o plural.{82}

DINHEIRO—A prova mais evidente de que a união faz a força.

—Ar de podridão, que corrompe tudo.

—Rival da graça divina, da culpa original e até de Deus. Por causa d'elle veem ao mundo os maiores bens e os maiores males; e sem esse cachorro não ha milagres possiveis! Por isso já quasi ninguem hesita nos meios de o adquirir. O povo diz que quem furta pouco é ladrão, e que a quem furta muito o fazem barão. Lá se avenham.

—Silencio, miseraveis! Sou eu que tenho a palavra.

DIPLOMACIA—Arte de dourar pilulas e de impingir gato por lebre.

DIREITO—Aquillo de que se faz torto... quando calha.

—Um revolver puxado a tempo.

DIREITOS (DE CONSUMO)—Não torçam{83} tanto a escaravelha, olhem que se quebra a corda!

DISCIPULO (DE ALGUEM CELEBRE)—Espelho que deforma a physionomia.

DISCRETO—Pessoa que se finge sabia. Outros lhe chamam urso de sala.

—Um defuncto.

DISCURSO (ACADEMICO)—Rio de flores... de papoula.

(POLITICO) Musica de arraial.

DITO (SATYRICO)—Pincellada de mostarda.

(GRACIOSO) Goloseima.

(INSULSO) Phosphoro molhado.

DIVIDA (PUBLICA)—Dartro canceroso das nações. Come como todos os diabos!{84}

DIVIDAS—Doenças secretas.

DIVIDENDO—Accionista, lembra-te de que S. Thomé queria ver para crer!

DOENTE—Se morre são os medicos que o matam; sarando, é Deus que o cura. Pobres medicos! Felizes d'aquelles que... que escapam das más linguas... e das vossas mãos.

DONZELLA—Ovo que se não póde chocalhar.

DOR—A palavra da enfermidade.

DRAMA—Dois gallos n'um poleiro.

DRAMATURGO—Domesticador de feras, que ás vezes o devoram... com os pés.{85}

DUELLO—Raboleva dos tempos barbaros posto nos costumes modernos.

—Caso em que o insultado se rehabilita e se vinga... fazendo-se matar por quem o insulta.

—Farça em dois actos.

—Ridiculo de que os homens serios não prescindem.

—A mais estupida expressão do amor proprio.

—Quando não degenera em tragedia, o que é raro, farça ridicula, representada quasi sempre por actores de má morte, e, ás vezes, de má vida.

DUVIDA—O mais horrivel dos parasitas do homem. Devora-lhe as crenças.{86}
{87}

E

{88}
{89}

E

EBRIEDADE—Nome fino da bebedeira.

EÇA—Corpo sem alma... e sem corpo.

ECLECTICO—Diz-se dos sabios, quando não teem opinião sua.

ECONOMIA—Oh! almas caridosas, lembrae-vos do desgraçadinho que se chama Portugal, e mandae-lh'a por esmola.{90}

EDITOR—Quem quer que tu sejas, se lá, onde se roubam impunemente as obras dos auctores portuguezes, te luzir o olho por esta minha, manda-me ao menos metade do que ganhares com ella. Se o não fizeres, tornarei o teu nome tão celebre, n'outra edição, que acabarás por dar a tua popularidade a seiscentos milhões de diabos que te levem para as profundas. Amen.

EDUCAÇÃO—Parece impossivel como a maioria dos meninos se esquece d'ella quando chega a converter-se em homens grandes!

ELEIÇÕES—Feira das consciencias.

ELOGIO—Alçapão por onde quasi sempre cae o elogiado.

EMBATUCADO—Noticiarista invejoso,{91} diante da obra que tem de annunciar, se ella é boa.

EMPENHO—Escandalo que todos procuram mais ou menos.

EMPLASTO—Artigo novo em lei velha.

EMPREGO (RENDOSO)—Teta de vacca gorda.

(PEQUENO) Rolhinha que se mette na bôca das creanças para não berrarem com fome.

EMPRESTIMO (GRATUITO)—Sedenho no cachaço da burra.

(ONEROSO) Estocada, que póde tornar-se mutua, pela insolvabilidade do devedor.

(COM GRANDE USURA) Caustico tratado por arrancamento da pelle. É mais doloroso{92} ás vezes para o curador do que para o curado.

EMULAÇÃO—Irmã gemea da inveja.

ENCADERNAÇÃO—Succede com as mulheres o mesmo que com os livros: Ás vezes são as que menos valem que teem mais ricos vestidos.

ENGRAIXADOR—Pessoa que vae longe, quando se dedica ás botas dos poderosos.

ENSABOADELLA—Locução sem propriedade. Usa-se indistinctamente para significar que alguem foi aos queixos de outrem, que o zurziu material ou moralmente.

ENSINO—A ordem volvida ao cahos. Meus meninos, admirae e respeitae o vosso{93} seculo, que para em tudo ser prodigioso até vos ensina o que não sabe!

ENTHUSIASMO—Fogo de vistas. Perdeu-se o segredo de o fabricar.

ENVENENADOR—Vendedor de vinhos. Tendeiro e mercieiro são synonymos.

ENVENENAMENTO—Simplificação.

EOLO—Sujeito que toca folles.

EPHEMERA—A lembrança do favor ou beneficio recebido. Quando se não apaga, acautelem-se com o beneficiado.

EPIGRAMMA—Torquezada.

ERUDITO—Ente que resuscita mortos.{94}

ESCADA—Revolução. Quando não faz subir ao poder, póde levar ao patibulo.

ESCANDALO—Ordem do dia.

ESCOLA—Introducção ao curso da tolice humana.

ESCORIA—Fructos podres da arvore social.

ESCORPIÃO—Velho libidinoso.

ESCOVAR—Bater beefs no lombo humano, com uma vara de marmelleiro.

ESCRIPTOR (PUBLICO)—Senhor Deus, misericordia! Todos o querem ser, excepto nas listas da contribuição industrial. Livrae-nos d'esta praga, fazendo com que elles paguem mais e escrevam menos.{95}

ESCRIVÃO—Fugi, rapazes! Se elle vos apanha, come-vos vivos, apesar das vossas navalhas.

(DE FAZENDA) Oh, senhor, olhe que eu sempre fui seu amigo! Deixe-me passar pela malha por onde sempre se escapa certo Achilles, o qual ganha só por si muito mais do que nós todos os que temos pago até agora, incluindo os verdadeiros Achilles litterarios. Ou o inscreva a elle, ou nos tire a todos nós do inferno da matriz, salvo seja tal logar!

ESCRUPULO—Excesso de bagagem, que se deita fóra para chegar mais depressa ao fim da viagem.

ESMOLA—Imposto sobre o coração.

ESPANTALHO—Velho menino.

ESPECTRO—Amnistiado com saudades do desterro.{96}

ESPELHO—Denunciante que raros desprezam.

ESPERANÇA—Doudice dos poetas, e das pessoas que teem tios no Brazil.

—Flor do céu, que todos procuram inutilmente na terra.

ESPIRITUALISTA—Pessoa que prefere crer a ir verificar se a theoria é verdadeira.

ESPONJA—Devoto do deus Baccho.

ESQUECIMENTO—Balda de poderosos, segundo affirmam os pequenos despeitados.

—Desculpa dos que mettem na sua algibeira o relogio alheio.

ESTADISTA—Medico, que accumula tambem os officios de boticario e de enfermeiro,{97} e que não duvida dos seus remedios, nem mesmo quando vê morrer o doente.

ESTERILIDADE—Premio grande da loteria do matrimonio.

ESTOMAGO—Machina de fazer picardias, a si e aos outros.

EUPHONIA—Som que produzem em nossos ouvidos as palavras que nos louvam.

EXPLICAÇÕES (PARLAMENTARES)—Papas de linhaça.{98}
{99}

F

{100}
{101}

F

FACA—Unha dos assassinos.

—Picareta com que se abre o caminho da eternidade.

FACADA—Abertura do infinito.

FACINORA—Cantor que desafina.

FADISTA—Esfaqueador lyrico.

FADO—Não digo que não, umas vezes{102} por outras, e á porta fechada. É nacional e é bonito. Mas não abusem, porque já se rosna muito.

FALLADORDouche de palavras.

FALSIFICAÇÃO—Mal empregado! Um trabalho tão perfeito, inutilisar-se por causa das opiniões de uns pifios, que não eram capazes de o fazer melhor!

FALSIFICADOR—Artista incomprehendido pelos tribunaes.

FAMA—O chocalho dos immortaes.

FANATICO—Carneiro que marra.

FANATISMO—O pae da intolerancia.

FANFARRÃO—O mano patarata, que engole adversarios com pistolas e tudo.{103}

FASTIO—Repugnancia que teem os difamadores de engulir as injurias vomitadas. Abre-se-lhes o appetite com uma canna da India.

FATO—Encadernação que vale ás vezes mais do que o livro.

FAVOR—Roldana por onde se içam os amigos para a mesa do orçamento.

—Sendo pequeno, cousa que não se agradece; grande, tolice que se amarga cedo ou tarde.

FEALDADE—Urro das feições.

—Defeito que alegra a mulher quando o vê nas suas amigas.

FELICIDADE—É não ter amigos que nos peçam dinheiro, nem familia que nos dê exemplos de anthropophagia, comendo-nos vivos.{104}

FÉRIAS (PARLAMENTARES)—Intervallo e sezão ministerial.

(ESCOLARES) Sonho de estudante.

(DE TRIBUNAES) Reforma de letra para os que esperam sentença contra.

FIDUCIARIO (CREDITO)—Saturno que muitas vezes devora os proprios filhos.

—Sol que quando faz eclypse total deixa muita gente a pedir chuva.

FIGO (PASSADO)—Coração que já não póde amar.

FILHOS—A lepra das familias. Anda que se cocem[4] não deixam de comer.{105}

FINANÇAS—Gallicismo que atrapalha muito ministro.

FITA—Antigamente, enfeite de mulheres; agora é mais usada pelos homens.

FLAGELLO—Auctor que nos lê as suas obras, antes de as imprimir.

FLATO—Segundo o Diccionario de synonymos portuguezes, de José da Fonseca, é ventosidade.

FLOR—O balbuciar da planta.

FLUCTUANTE (DIVIDA)Philoxera vastatrix da nação portugueza.

FOGÃO—O cannibal das arvores.

FOGUEIRA—Resplendor da inquisição, onde deviam ser purificados todos os que{106} affimam que aquella senhora não foi tão má como a pintam.

FORCA—Ultima palavra da sciencia do arroxo. Infelizmente, os que ella ensinava não aprendiam nada.

FORMOSURA—Chave de muitos enigmas.

FORTUNA—Creatura sem coração, que só se dá por capricho.

—Uma bebeda, que não faz senão asneiras.

FRALDIQUEIRO—Homem mulherengo.

FRANCEZA (LINGUA)—O portuguez de muitos litteratinhos nossos.

FRANQUEZA—Virtude dos anthropophagos.{107}

FRAUDE—Brincadeira de mau gosto.

FRUCTO—Poema da arvore.

FUMAR—Minhas senhoras: No tempo em que estupidas modas, inventadas em França por mulheres de má nota, não tinham estragado as cabeças a vv. ex.as, era permittido aos poetas consagrarem versos e louvar a belleza dos seus cabellos. Depois, as trouxas monstruosas, os chignons, as cuias, os crescentes, e outros chumaços ridiculos, e absurdos trouxeram-lhes a calvicia precoce. Hoje não se póde alludir aos penteados sem que vv. ex.as fiquem em duvida se se lhes dirige um comprimento ou um epigramma. Restavam-lhes ainda, comtudo, os dentes alvos e as bocas perfumadas para nos não afugentarem inteiramente.

A alimentação de generos falsificados e o mercurio da medicina, trabalhavam, porém, incessantemente para lhes ennegrecer o marfim{108} e corromper o halito; mas a acção d'esses venenos era lenta... De repente, vv. ex.as, que já se haviam apropriado do instrumento dos fadistas, a guitarra, lançam-se tambem na atmosphera de tarimba do mau charuto e da cigarrilha de papel! Isto é: adoptam o vicio repugnante do tabaco, impregnam os seus vestidos no cheiro nauseante d'essa droga venenosa, e entregam ao fumo, para que lh'os ennegreça inteiramente, os restos dos dentes que a carea e os preparados mercuriaes iam roendo de má vontade! Isto é uma resolução desastrosa, infelicissima, louca. Abstrahindo do pessimo effeito que produz n'um publico que não foi educado no Brazil, ou na Havana, o espectaculo da degradação de vv. ex.as, supplico-lhes que considerem o caso simplesmente pelo lado artistico. A mulher era ainda ha poucos annos o ideal do homem. Convinhamos todos em chamar-lhe fada, nympha, anjo, etc., tanto em má prosa como em peior verso. Imaginem, porém, se{109} ha possibilidade de sustentar esse ideal, vendo-o, e sentindo-o, com os dentes negros, os cabellos postiços, e rescendendo a cheiro de logares suspeitos! Alem d'isso, tangendo e amando o fado como as infelizes que não teem mais consolações, nem dinheiro.

N'outro tempo, o homem que fumava não se atrevia a entrar nos aposentos de uma senhora, sem ter esfregado os dentes e lavado o bigode com essencias de cheiro delicado e imperceptivel; mudava cuidadosamente o fato, para que o odor do tabaco o não denunciasse como pessoa de instinctos e vicios grosseiros. Hoje, serão vv. ex.as que necessitem de tomar essas precauções, antes de apparecerem aos homens, para que estes as não julguem amantes de fadistas! Convenho que estão no pleno direito que lhes dá uma sociedade apodrecida, que já não tem que perder; mas pela minha parte, e até com risco de desagradar a vv. ex.as, declaro-lhes que prefiro a companhia de um cabo de esquadra{110} bebado á de uma mulher que fuma. Depois d'esta confissão ingenua, sei que vv. ex.as me não mostrarão mais, através do sorriso amavel, as suas perolas... pretas. Prefiro, comtudo, o odio de vv. ex.as á torpeza de lhes mentir, louvando-as por andarem de charuto na bôca, em vez de trazerem ao peito o filho que entregam á ama mercenaria. Quando uma mulher troca o amor conjugal ou maternal por uma caixa de habanos, a sociedade não tem a esperar d'ella senão cinza de mau tabaco.

É esse, effectivamente, o producto de que estão sendo construidos os homens do futuro. Que lhes preste!

FUNDOS (PUBLICOS)—Uma bexiga que se póde romper e deixar-nos afogar, se nos mettermos a nadar com ella muito ao largo, no mar da especulação. (Desculpem o estylo pindarico.){111}

(HESPANHOES) Ultima invenção dos salteadores civilisados.

(TURCOS) Disciplinas com que se penitenceia Sua Santidade Pio IX ao fazer votos pela victoria dos infieis, com o fim de salvar o dinheiro que piedosamente empregou nos papeis d'elles.

FUNEBRE—Proposta de lei, impondo decima aos empregados.

FURIOSO—Escriptor apanhado em roubo litterario.

FUSÃO—Arte de derreter opiniões politicas.

FUTURO—Synonymo de morte, por isso ninguem quer fixar n'elle o pensamento.{112}

[4] É claro que o coçar, aqui, significa sovar. Esta explicação serve só para os que precisam de leme á prôa.

{113}

G

{114}
{115}

G

GALHOFA—Dezeseis annos e dezeseis contos de renda.

GALLEGO—Segundo certos auctores, o gallego deve ser incluido na classe dos animaes nocivos, e como tal póde ser destruido. É uma opinião abominavel.

—Machina de fazer immundicie e brutalidade, segundo outros.{116}

—Pseudonymo de bruto, acrescentam terceiros.

—Homem de ganhar. A peior especie não é a que importâmos de Galliza, nem a que faz fretes; é a que se aluga em quanto pobre e que dá coices depois de rica. Entre nós abunda esse producto das sociedades corrompidas e mal educadas. Aos que nos veem de Hespanha caracterisa-os o seguinte facto:

Indo uma vez o general Leone de Monsão para o Porto, encontrou um galleguito, de dez ou doze annos, que seguia a mesma direcção. Tendo saido dois dias antes de Tuy, o rapaz perdêra-se no caminho, ia estafado, com os pés feridos e chorando. Compadeceu-se d'elle o general, e, depois de o interrogar e saber que vinha para o Porto ganhar a vida, ordenou generosamente que o montassem n'uma das cavalgaduras que vinha com as suas bagagens. O joven ganhador, a quem o pae déra, provavelmente, como unica lição o conselho de não fazer nada sem que lhe pagassem,{117} poz a mão na anca do cavallo salvador, e, voltando-se para o general, perguntou-lhe:

Canto me dá bossê?

GALLO—Pimpão de feira.

GARRAFA—A mais sublime prova da transmigração das almas: recebe espiritos de todas as qualidades.

—Prisão de muitas asneiras, quando está cheia d'aquelle precioso sumo que alegra os tristes e dá valor aos covardes.

GATO—Perguntem aos alfaiates se sabem o que é.

—Facinora de jardins.

GATO-PINGADO—A parte burlesca do que ha de mais triste.{118}

GAZOMETRO—Sujeito de apparencia sombria e triste, apesar de ter gaz.

—O tendeiro dos candieiros.

—O coração mais inflammavel que se conhece.

—Animal de sangue negro, que a luz irrita e faz estoirar de raiva.

GENEALOGIA—Arte de basofiar, invocando o apoio dos defunctos.

GENERAL—Summo sacerdote da morte.

GENEROSIDADE—Planta rara; cada vez escasseiam mais os terrenos em que ella medra.

—Senhora desapparecida, lhe chamam outros. Os seus signaes esqueceram, e por isso não se podem dar á policia para que a procure.{119}

GIRASOL—Deputado de todos os governos quando lhe dão luz que o aqueça.

GORDO—Perigo para o magro que viajar com elle de carruagem, no caso em que esta se volte.

GORDURA—Eloquencia do estomago, e sobretudo dos ossos.

GRALHA—Orador sem convicções.

GRAMMATICA—Inutilidade que atrapalha e embaraça varios sabios de meia tijela.

GRAVATA—Meio de afugentar selvagens.

GRAVIDADE—Velha que promove o riso dos que não a possuem.{120}

GREMIO—Elemento de inimisades.

(LITTERARIO) Escola de bilhar e de tiro.

GRIPPE—Lyrismo do nariz.

GUARDA—Mola de segurança, de que é util desconfiar sempre.

GUERRA—Arte de ter rasão, matando, e de impedir os excessos de população que fariam encarecer as subsistencias.

—A unica rival seria da medicina.

GUIA—Cabresto util.

—Cão de cego. Quem se fia n'elle, esquece-se de que foram outros que o ensinaram.

GUITARRA—Chamariz de amor... e de facadas.{121}

—Corda sensivel de muita gente boa.

—É a sardinha dos instrumentos musicos. Não ha paladar aristocratico que a desdenhe umas vezes por outras.{122}
{123}

H

{124}
{125}

H

HARMONIA—Qualidade rara nos poetas, nas orchestras, nos partidos politicos e entre casados.

HERANÇA—Diz o proverbio, que antes deixar a maus do que pedir a bons. Eu prefiro herdar de todos. Oh! tu, rico amavel, que me estás lendo, reflecte que nada ha como fazer testamento a pessoas que nunca nos desejaram a morte... E lembra-te de mim. Os teus herdeiros talvez te contem os{126} dias como quem os corta á tesoura, com febril impaciencia. E logo que se apossarem do teu dinheiro nunca mais pensarão em ti, senão para te accusarem de não lhes teres deixado bastante. Eu, pelo contrario, acceitarei com reconhecimento os teus cincoenta, ou mesmo cem contos, sem te maldizer se deixares mais a outros.

—Maná do céu.

—Colher sem ter semeado.

—Unico fructo que se apanha sem crime na arvore alheia.

HERDEIRA (RICA)—Eu quero, tu queres, elle quer. Nós queremos, vós quereis, elles querem, etc., até apanhar.

HERDEIRO—Apanhador de caça que outrem matou.

—Pessoa que precisa ter grande imperio sobre si, para não perguntar ao testador se tenciona demorar-se muito.{127}

HISTORIA—Manjadoura onde os escriptores parciaes põem alguns brutos a comer gloria.

—O romance das nações.

HOMEM—Projecto de tigre.

HOMEOPATHIA—A imaginação applicada á sciencia... de beber agua aos golinhos.

HONRA—Genero que se vende... mas já não ha quem compre.

HONRAS (CONSERVADAS AO MINISTRO DEMITTIDO)—Maneira de adoçar a pilula.

HUMANIDADE—Velha pretenciosa que estuda sempre e nunca aprende.

HUMILDADE—O sacca-rolhas do orgulho.{128}

HUMILDE—Tigre que se encolhe para armar o salto.

HUMILIAÇÃO—Esporada na alma.

HYPOCRISIA—Parodia da virtude; produz sempre mais effeito do que a parodiada.

HYPOCRITA—Reptil venenoso.{129}

I

{130}
{131}

I

IDADE—Unico segredo que as mulheres sabem guardar, segundo asseveram os maldizentes.

IDÉA—Fonte subterranea; quando rebenta vem quasi sempre turva.

IDÉA-NOVA—Demolir sem reedificar.

IDEALISMO—Religião dos que chegam com a cabeça á lua.{132}

IDILLIO—Tisana que produz dispepsias no gosto. Exemplo: os versos do poeta V. que já não teem sabor possivel.

IDIOTA—Pessoa que tem boa fé em politica.

IDOLATRIA—A religião das maiorias parlamentares, quando o idolo é de ouro, como diz a opposição.

IGNOMINIA—Sujidade na alma.

ILLUSÃO—Vacca de muitas mil tetas, onde todos mamam sem dar por isso.

ILLUSTRAÇÃO—Verniz que por vezes estraga os trastes que o teem.

IMAGINAÇÃO—Uma bebeda que nos faz amargar quasi sempre o tempo que empregâmos a seguil-a.{133}

IMPORTUNO—A carraça da humanidade.

—Sinapismo da paciencia.

IMPOSTO—Drastico violento.

IMPOSTURA—A taboleta da moda.

IMPRUDENCIA—Os tres ultimos copos ou decilitros. Se não fossem elles, nunca se saberia se o senhor F. é dado a casos tristes.

IMPUDENCIA—Meio muito em voga, desde que se reconheceu a inutilidade da vergonha.

INCENDIO—Um innovador atroz.

INCONSTANCIA—Borboleta do amor e da politica.{134}

INDEPENDENTES—Vampiros da peior especie, quando sabem fingir bem que não amam o sangue... de burra.

INDIFFERENTISMO—Caruncho que está comendo o tutano da dignidade nacional dos portuguezes.

INDIGESTÃO—Barometro do estomago; ao inverso dos outros, é quando este sobe que promette tempestade.

INDIGNO—Apanhador frequente do que devia dar-se aos dignos.

INDIRECTO (IMPOSTO)—Um calumniado. Vae direito ás algibeiras dos governos e chamam-lhe indirecto!

INDULGENCIA—Arte de fazer desculpar as proprias faltas.{135}

INDULGENCIAS—Letras de cambio sacadas contra o céu. São de cobrança duvidosa, por falta do acceito.

INFALLIBILIDADE—Qualidade que não impede de enganar os outros.

INFANTICIDIO—Coice de burra adormecida.

INFERNO—Visualidade em narrativa.

—A terra dos albuns, para quem for poeta.

INFINITO—O mais antigo dos logogriphos.

—Livro sem fim, onde o homem treslê.

INGRATIDÃO—Arte de saldar contas sem as pagar.

INIMIGO—Amigo assanhado.{136}

INNOCENCIA—Avesinha que a malicia afugenta.

INOFFENSIVO—Abstracto; ou defuncto, antes de entrar em decomposição.

INSCRIPÇÃO (DE DIVIDA PUBLICA)—Diacho de palavra, que tem mais valor escripta em papel do que em marmore ou bronze.

INSIPIDO—Folhetim do senhor V.

INSOLENCIA—Zurro humano.

INSOLENTE—Pessoa que pede murros.

INTELLIGENCIA—Luz que Deus accende quasi sempre no cerebro dos menos felizes.{137}

INTIMO—Cautela com elle! Sabe o nosso lado fraco, e os nossos segredos.

INTRIGANTE—Cozinheiro que salga e apimenta de mais os molhos.

INTRUJÃO—Palavra nova posta a uma qualidade velha.

—Explorador da tolice humana.

INVEJA—Não bulam com a bicha, que morde e é venenosa.

—Ferrugem de certos trastes.

—Barata que roe uma sombra.

—Raiva dos infinitamente pequenos.

INVEJOSO—Figo passado da humanidade.

—Lombriga do talento.

INVERNO—Porta do sepulchro á vista.{138}

IODURETO (DE POTASSIO)—Pagamento de letra vencida.

IRA—Mãe da apoplexia.

IRONIA—Confeito... de amendoa amarga.

—Fel da bexiga da inveja.

ISCA—Duzentos contos de dote. Eu dou cincoenta a quem me arranjar o resto.{139}

J

{140}
{141}

J

JANOTA—Na opinião de um caricaturista celebre, quer dizer: pessoa sem vintem... e sem exame de instrucção primaria.

JAULA—Corpo humano, onde rugem encarceradas as feras intestinaes.

JESUITAS—Collegas de Judas, que tambem era da companhia de Jesus.

JOGO—Cano de despejo da rasão e da fortuna.{142}

—Pedra de toque da educação.

—Pedra atirada para o ar. Cuidado com as cabeças!

JORNAL—Cabide de pendurar opiniões.

(DE NOTICIAS) Feira da Ladra litteraria.

JORNALISTA (SERIO)—Missionario que prega no deserto.

(VENAL) Ovelha ranhosa do rebanho.

(LEVIANO) Semeador de immoralidades.

(INCONSCIENTE) Um fossador.

(APAIXONADO) Cego de entendimento.

(ECLECTICO) Penelope de calças.

JUDAS—Official do teu officio; sobretudo se te dever favores.

JUDEU—Homem que não empresta dinheiro, e vendedor que não fia cognac.

(Theoria dos Marialvas.){143}

JUDICIOSO—Ouço gritos na rua a pedir soccorro! Ó Possidonio vae acudir.—Estás brincando?! Para me constipar ou ser esfaqueado por engano... Conchega-me ahi a roupa ás costas, e deixa-me dormir descansado.

JUIZAbrenuntio! Caros pastores do Bairro Alto, que tocaes flauta de ponta e mola, não confieis no seu ar benevolo. Aquelle sorriso quer dizer que s. ex.ª hesita se deverá mandar-vos para o inferno da Penitenciaria, até que enlouqueçaes, ou para o ameno clima de Moçambique, onde dareis um estoiro com a carneirada. O unico meio de evitar esses dois perigos, é abdicar a navalha, oh amigos de barrigas alheias!

—Corvo que já não traz queijo no bico, desde que foi logrado pela raposa.

JUIZO—Não se sabe o que seja.{144}

JUPITER—Emprezario de theatro.

JURAMENTO (POLITICO)—Espantalho que se põe na figueira, para que os passaros não vão aos figos.

JURAR—Modo de mentir com solemnidade.

JURISTA—Oh! leitor amigo, se tu o és, empresta-me cincoenta inscripções, dadas, para eu o ser tambem.

JUSTIÇA—Um mytho para os pobres, segundo dizem as más linguas; e modo dos ricos fazerem do torto direito, como asseveram as mesmas. Não acreditem uns nem outros, porque em tudo se mente muito.

JUSTIFICAR—Que diabo entenderão elles por justificação?! O meu advogado, que sabe de mim muito mais do que eu, provou{145} que sou homem de bem, e mandam-me para a Costa d'Africa! Para a outra vez hei de pedir que ninguem me justifique.

JUVENTUDE—Prisma de côres brilhantes.{146}
{147}

K

{148}
{149}

K

KALEIDOSCOPO—Instrumento, onde cada escola politica vê as suas theorias.

KALIUM ou POTASSIUM—Bebe-o com salsa-parrilha, desgraçado! Talvez assim te doam menos os espinhos das rosas colhidas.

KALMIA—Arbusto, em cuja flor as abelhas colhem mel venenoso. É a Traviata das plantas. Só as cabras e os veados a comem impunemente.{150}

KANTISMO—Systema de philosophia de Kant, ou arte de mostrar aos crentes um cabello de Nossa Senhora, tão delgado, que nem mesmo quem o mostra o viu nunca!

KERATINA—Materia prima do chavelho. Tambem os ha sem ella.

KERMES—Um filho do antimonio vermelho, que rebenta gente como a polvora rebenta bombas de foguetes. Se lhe carrego a mão é para lhe retribuir o que elle me tem feito.

KEROSENE ou PETROLEO—Genero que quanto mais abunda no mercado de Lisboa, mais encarece. Ó senhor Governo; acuda aos monopolistas com mais leis protectoras, e com mais commendas. V. ex.ª e elles... lá se entendem.

KILO ou KILOGRAMMA—A nossa{151} jurisprudencia sempre tem cousas! Ha de a gente receber novecentas grammas de carne, quando paga um kilo, e se chamar ladrão ao açougueiro, vae o roubado para a cadeia e não o roubador! Não se póde chamar ladrão a ninguem sem que os tribunaes sentenceiem; mas póde-se ser roubado por todos, sem que ninguem se importe! A lei protege unicamente os que roubam o povo!

Ó nações do mundo? Quem dá uma medalha de honra a este paiz originalissimo?! E se não ha medalhas, dêem-lhe, ao menos, mais alguns pontapés, alem dos que todos os dias leva. Mas, voltando ao kilo, convem saber que o mais que elle dá em Portugal, sobre tudo nos açougues, são novecentas grammas, e já é bem bom.

KISTO—Membrana em fórma de bexiga, contendo humores perniciosos, que nasce nos costumes e tem o nome vulgar de alcouce.{152}

KLOPEMANIA—Doença caracterisada por uma inclinação irresistível para o roubo. É endemica de certo paiz que nós sabemos. Deu-se-lhe o nome grego para fingir que a cousa não é com elles.

KNOUT—Moda russa, que conviria introduzir nos nossos costumes, para lhes dar côr local.

KYRIE-ELEYSON—Senhor, tende piedade de nós, que estamos sendo comidos em vida pelos traficantes de generos alimenticios, e pela administração que os tolera e a policia que os protege!{153}

L

{154}
{155}

L

LABÉO—Doença que roe muitas excellencias.

LABIA—Sciencia de pescar incautos.

LACAIO—Imitador servil de certos amos.

LACONISMO—Um sôcco, em resposta a uma insolencia.{156}

LADRÃO—Amador de curiosidades alheias.

—Artista modesto e discreto, que encobre as inclinações.

(EM PONTO GRANDE) Predestinado á consideração dos governos.

LADRAR—Dizer mal de alguem, por inveja. Zurrar é synonymo.

LAGRIMAS—Ultima rasão da mulher.

—Secreção da glandula do olho, que muitas pessoas abrem, como torneira, a proposito de tudo.

—Ha quem séque as da mulher com as da ostra.

LANGUIDEZ—Estado da bolsa do empregado publico passado o dia 15 de cada mez.{157}

LARAPIO—Homem que busca aventuras.

—Synonymo de cavalheiro... de industria.

LAVAR-SE—Ruim manha, na opinião de muita gente.

LEILÃO—Quem dá mais pela minha belleza?!

(Uma mulher moça.)

—Quem compra o meu voto?!

(Um eleitor.)

—Quem quer a minha honra?!

(Um sujeito que deseja enriquecer depressa.)

—Quem quer pretos, e brancos, e moeda falsa?!

(Aspirante a barão.)

—Quem compra empregos e honras?!

(Pessoa influente.)

—Quem quer enriquecer sem trabalhar?!

(Um cauteleiro.)

—Quem quer moralidade, progresso e economias?!{158}

(Aspirantes a ministros.)

Nota.—O povo, não sabendo para que lado se ha de voltar, nem tendo dinheiro para taes mercadorias, grita por sua vez:

—Quem quer o diabo que os leve a todos?!

E o leilão continúa.

LEITE—Liquido suspeito, que se vende publicamente em Lisboa.

LEITURA, DE PEÇA (OUVIR)—Pesadello, depois de se ter ceiado carneiro com batatas.

LEMBRANÇA—A mais duradoura é a que nos recorda as belliscaduras feitas ao nosso amor proprio.{159}

LIBERALISMO—O pesadello de Roma e dos que gostam do arroxo.

LIBERDADE—Um horror, segundo a opinião dos jornaes que mais usam e abusam d'ella.

—Faculdade que cada um tem de fazer com que o mettam na cadeia.

LIGA—Juncção de metaes, formando um todo impuro.

LIMOEIRO (CADEIA)—Arvore de má sombra. Os que a apanham são quasi todos obrigados a mudar de ares, e raros se restabelecem.

LIMPEZA—Ha mais nas ruas do que nas mãos.

LINGUA—A arma de maior alcance.{160}

—Instrumento sem cordas, que muitas vezes faz encordoar.

(CLASSICA) É a guizada.

(CORRUPTA) Quando se chama de vacca, sendo de boi. Outros dizem ser synonymo idioma de vacca.

LINGUADO—Discurso chato.

LISBOA—Vasto cemiterio de podridão e lentejoulas, como chamou ao reinado de el-rei D. Manuel o senhor A. Herculano.

—Cousa immunda e pestifera.

—Tapem os narizes e fujam!

LITTERATO (DE BOTEQUIM)—Sujeito sem vintem, sem instrucção e sem officio.

LIVRARIA—Unico logar em que é permittido confundirem-se os mortos com os vivos.{161}

—Exercitos de mudos, que exprimem idéas de todos os diabos.

—Instrumento, cujas cordas vibram no coração de todos os seculos.

—A Babel das idéas.

—Gazometro do espirito.

LIVRO—Soporifero dos parvos.

LOBISHOMEM—Cantor que vae perdendo a voz.

LOBO—Parlapatão imprudente, que imagina poder tratar com o homem de mano a mano.

LORPA—Homem em projecto.

LOTADOR (DE VINHO)—Envenenador que faz concorrencia ao medico.

LOUREIRO—Emblema de gloria, com{162} que se coroavam antigamente os poetas. Hoje é emblema de escabeche.

LUA—Confidente discreta. Mas nem a ella digas que és pobre, se não queres que até os cães te evitem, com medo de que tu os mordas a elles.

LUGUBRE—Homem que pede dinheiro emprestado.

—Orçamento do estado.

LUNATICO—O que acredita nos outros e duvida de si.

LUPANAR—Casa onde os filhos familias recebem a ultima demão de moral.

LUVA—A mais alta expressão social. Ás vezes é mais limpa do que a mão que a calça.{163}

LUXO—Cancro da sociedade e da familia.

—Perdição de muitas mulheres.

—Sanguesuga de todos os maridos.

LUZEIRO—Qualquer jornal pifio, no conceito dos que o escrevem.

LYCEU—Accumulação de absurdos. Pobres rapazes! Por que insolitos meios fazem de vós os homens do futuro! E queixam-se depois se algumas vezes desatinaes nas academias e nos parlamentos!... Quando chegaes a ser deputados, pares, ministros, sabios de qualquer tamanho, lembraes-vos naturalmente do lyceu, onde a ignorancia e a maldade, o pedantismo e a presumpção estupida vos atrophiaram a intelligencia e perverteram o senso moral, e daes-lhe para baixo com as vossas reformas, que os põem cada vez peior! Mancebos de hoje, tomae o conselho de um amigo prudente, que ama do{164} fundo d'alma a mocidade com todas as suas loucuras e tolices: Quando chegardes um dia a fazer leis, não copieis dos estrangeiros as reformas para a instrucção de vossos filhos. Deitae abaixo o lyceu, e restabelecei o antigo curso de humanidades, que nos deu os grandes homens que sabiam bem das suas especialidades, em vez dos que hoje fazemos, obrigando-os a aprender tudo para ficarem sem saber nada.

Zacharias, toca o bumbo! As tiradas graves afugentam o publico. Deixa brilhar os lyceus, e a rapaziada que os reforma.{165}

M

{166}
{167}

M

—Para mim, é toda a occasião em que me pedem dinheiro.

MACACO—O nosso parente mais chegado. Copiâmol-o em tudo, excepto em andarmos tambem com as mãos no chão. Será para lhe fazermos suppor que não somos da sua especie? Por sua parte, anda elle muitas vezes só com os pés, para nos mostrar que não lhe somos superiores, e que podia imitar-nos,{168} se quizesse, mas que é quadrumano por commodidade. Seria de grande interesse para a sciencia nomear-se uma commissão academico-politica, para dar parecer sobre se convirá mais que nós ponhamos as mãos no chão, ou que os macacos levantem as suas.

MACARRONEO—Estylo de alguns contemporaneos celebres.

MÁCULA—Pingo de azeite no panno da reputação.

MADRASTA—Livro mal traduzido.

—Parodia da mãe.

MÃE—Fonte de agua pura, onde ás vezes se criam sapos e sanguesugas.

(QUE ENGEITA OS FILHOS) Pataco falso.{169}

MAIORIA—Rebanho que, em lhe cheirando a defuncto, roe a corda do redil.

—Babylonia de crimes, segundo a minoria.

MALANDRO—Besta manhosa.

MALCREADO—Bruto que nunca aprendeu a ser homem.

MALDADE—Sciencia que mais se aprende, cursando a escola do mundo.

MALDIZENTE—O gracioso moderno.

—Cloaca mal fechada.

MALEDICENCIA—Prazer dos deuses em férias.

MALFEITOR—Comparsa incumbido de legalisar a existencia da policia.{170}

MÁ-LINGUA—Escova de arame, com que se alisa a pelle dos ausentes.

MANCHA—Verruga da probidade.

MANDRIÃO—Um larapio como qualquer outro.

MANEQUIM—Boneco politico. Serve para modelo de pintar situações.

MARCA (DE FAZENDA)—Signal falso, na maioria dos casos.

MARÉ—Occasião que devemos aproveitar, arranjando os nossos negocios, ou desarranjando... os dos outros.

MARIOLA—Homem carregado de cousas feias.

MAROMBA—Distinctivo das maiorias{171} parlamentares, no dizer dos que lhes são adversos.

MASCARADO—Bacalhau sem sal.

—Desamparado de Deus, porque lhe falta a graça.

—Esplendor da semsaboria.

MASSADOR—Moinho de moer gente.

MATERIAL—Homem que trabalha mais de queixo do que de cabeça. Para navegar precisa leme... á prôa.

MEETING—Vocabulo inglez, que, traduzido para portuguez, quer dizer farça.

—Rede com que se pescam empregos.

MEETINGUEIRO—Cão que ladra á lua, e que se faz calar com pão ou com pau.{172}

MEDICINA—Monte pio do coveiro. Soccorre-o com defunctos.

MEDICO—Oh, céus! Como hei de eu ter animo de os beliscar, lembrando-me de quanto elles me teem feito?! Ha trinta annos que lhes caí nas unhas, e ainda estou vivo! Parece incrivel, porque tenho tido muitos. Mas a verdade é que apenas me tiraram a pelle e me estragaram o sangue e os ossos!

Queridos e piérios amigos, nenias de casaca, esfolladores amaveis, permitti que eu, por minha vez, derrame sobre os vossos couros este pingo de vinagre produzido no meu espirito pelas panelladas horrendas com que estoiraes os pobres diabos da minha especie. E adeus, até ao primeiro caustico.

MEIOS—A escola mais perfeita acha todos bons, quando ajudam a viver.{173}

MELODIA—O tenir do oiro com que nos pagam uma divida julgada perdida. É como se ouvissemos a alma de Bellini cantar-nos a Norma.

MENTIRA—Nossa Senhora da Actualidade.

MERCURIO—Filho dilecto da medicina.

—Idéa mãe das doenças de pelle.

—Creador de padecimentos que fazem damnar os medicos... que os teem.

MERITO—Qualidade de que quasi sempre dizem mal os que não a teem.

METAMORPHOSE—Evolução politica, por meio da qual uma borboleta se torna em lagarta que roe todos os ministerios.

METHODOS—Especie de muletas,{174} que seus auctores gabam muito, apesar de cairem frequentemente com ellas, e acabarem de quebrar as pernas.

METRALHADORAS—Ultima palavra, até agora, do direito moderno.

MÉZINHA—A consolação dada ao ministro que perdeu o poder, com as palavras do chavão—«Serviu muito a meu contento»—e com a conservação das honras.

MILAGRE—Viver de empregados publicos, com ordenados de 600$000 réis para baixo.

—Agua de Lourdes.

MINEIRO—Homem com vocação de minhoca.

MINHOCA—Sugador modesto.{175}

MINISTERIO—Capitolio, Rocha Tarpeia, Calvario, Pelourinho, Olympo, ou simples tribuneca. É conforme a qualidade dos, que o compõem.

—Zodiaco constitucional.

MINISTRO—Jupiter em exercicio.

—Homem que muda de amigos.

—Artista que despreza o publico que mais o applaude.

MINORIAVox clamantis in deserto.

—A virtude opprimida e a sciencia menosprezada, na opinião dos que a compõem.

MISERICORDIA—Virtude sublime de mais para homens politicos. Não ha exemplo de a terem tido com os adversarios.

MISSÃO (RELIGIOSA)—Loteria em que se jogava a pelle contra almas de sujeitos que adoravam a carne dos missionarios.{176}

MOCHO—Apagador parlamentar.

MODA—Unica paixão séria da mulher.

MODESTIA—Qualidade distincta, que, em geral, só se vê nos que não teem motivo de a manifestar.

—Qualidade negativa para se triumphar.

MODESTO—O mais temivel dos orgulhosos, no conceito dos que o não imitam.

MODISTA—A pythonissa moderna.

MOEDA—Sangue dos estados.

MOEDEIRO (FALSO)—Viajante que se esqueceu do proverbio «Nunca deixes caminho por atalho», e é por isso punido pelos jurados, naturaes zeladores de proloquios.

—Perito que duvída de si, e faz experiencias{177} para ver se o trabalho da casa da moeda é igual ao seu.

—Pessoa que explora o meio de chegar depressa... á Costa de Africa.

—Algebrista que resolve o problema de fazer cinco mil réis com dois mil e quinhentos.

—Curioso que procura a grilheta com o buril.

MONOPOLIO—Menino bonito que todos os governos respeitam, mais ou menos.

MONUMENTO—Um aleijão.

MORATORIA—Anemia commercial.

MORDACIDADE—Zurrapa litteraria.

MORIBUNDO—Luz que bruxuleia com o vento do outro mundo.{178}

MORTE—Uma caricatura.

—Fim da representação.

MULHER—Quando ama, sereia; quando tem ciumes, gata assanhada; quando cessa de amar, vinagreira.

—Instrumento impossivel de afinar.

MULHERENGO (HOMEM)—Cão fraldiqueiro.

MUNICIPAL (SOLDADO)—Achilles dos Briseis de Lisboa. Policía e moralisa a cidade por meio das creadas.

MUNIFICENCIA—Patacoada de certos soberanos, que davam terras... a quem as conquistava aos infieis.

MYSTERIOCherchez la femme.

MYSTERIOS—Cabellos muito pretos{179} e dentes muito brancos. Convem desconfiar de tudo, passados os trinta annos. As illusões deixaram de ser exclusivo da mocidade.{180}
{181}

N

{182}
{183}

N

NABABO—É a posição que mais me sorri, com dez mil elephantes, carregados de oiro. Se eu a apanhasse, veriam o que era ter graça para fazer diccionarios!

NAÇÃO—Não se conhece nenhuma tão feliz como a nossa. Acorda um momento para se gabar da sua historia gloriosa, e logo torna a adormecer! Deus te abençoe, mãe de heroes... passados!{184}

NACAR—Oh, menina, se ao menos eu tivesse as perolas! deitava as conchas fóra.

NACIONALISAR—Em linguagem de varios litteratos, é abastardar peças francezas com portuguez mascavado.

NADAR—É bom saber, mas convem mais não precisar d'isso. Por mim, preferia nadar em dinheiro. E tu, leitor?

NAMORADA (RICA)—Prodigio de belleza, ainda que seja feia como o grande diabo.

(POBRE) Carapau, do que se dá aos gatos.

NAMORADEIRA—Especie de mosca. Tanto pousa na flor como no estrume.

NAMORAR—Fazer de urso.{185}

NAMORO—Primeira expressão da parvoice humana, assim como o casamento é a ultima, segundo affirmam os descontentes.

NARCOTICO—Um livro do senhor V.

NAVALHA—Lyra dos poetas do fado.

NAVIO—Viajante, a quem as viagens estragam e não illustram.

NAYADES—Em Lisboa são fingidas por aguadeiros.

NUDEZ—Uso economico e primitivo, ao qual a policia declarou guerra, para proteger os alfaiates e as modistas.

NULLIDADE—Genero que sempre tem saida, apesar da sua abundancia.

—Varão conspicuo.

—Nunca se deprecia, porque serve de marca nas contradanças politicas.{186}
{187}

O

{188}
{189}

O

OBRAS (DE CASAS)—Pinhal da Azambuja, no conceito dos proprietarios.

OBRIGADO—Ah! tu infliges-me a humiliação de um serviço! Pois deixa estar, patife, que m'o has de pagar!

OCIO—Deleite que os pobres compram caro.

—O antipoda do trabalho.{190}

OCIOSO—Membro da liquidação social, quando não tem duzentos contos de renda.

OLEIRO—Escaravelho aperfeiçoado.

OLHOS—Interpretes que tornam diabolicamente verdadeiro o proverbio italiano: Traduttore, traditore.

—Portas da traição.

OPINIÃO—Julga-se que fosse uma especie de ventoinha, que o vento levou ha muitos annos. Passa-se bem sem ella.

OPPOSIÇÃO—Moinho de moer senso commum, no conceito dos ministeriaes.

ORAÇÃO—Traço de união entre a creatura e o creador.

ORÇAMENTO—Mysterio.

Monstrum horrendum, informe, ingens, cui lumen ademptum.{191} O que traduzido em vulgar quer dizer: «Polyphemo, a quem varios Ullysses teem tirado os olhos da cara, substituindo-lh'os por uma trapalhada».

ORGULHO—Paixão digna de quem não póde ter outras.

—A lombriga dos immortaes.

ORTHOGRAPHIA (PORTUGUEZA)—Reminiscencia da torre de Babel.

OSTRA—Pessoa que não se mostra por dentro senão quando acha maré.{192}
{193}

P

{194}
{195}

P

—Instrumento que estava a calhar nas costas dos amigos da união iberica, se ainda houvesse Brites de Almeida. Infelizmente as padeiras de hoje, incluindo as de Aljubarrota, preferem a pá de vitella, desossada.

PAÇAL ou PASSAL—O ultimo osso nacional que se está roendo. Desperdiçaram a farinha e comem agora o farélo!{196}

PACHORRAAlma mater da minha terra. Faz gosto ver como ella engorda a estudar todas as questões!

PACIENCIA—Virtude que ninguem se esquece de aconselhar áquelles a quem pisa os callos.

PACIENTE—Um, que se sentiu incommodado, momentos antes de ir para o patibulo, exclamou, ao ver entrar no seu carcere um homem vestido de preto:

—«Não é preciso; não é preciso! Prefiro que me enforquem já.»

—«Sou o executor da lei...»—respondeu como desculpando-se o carrasco.

—«Ah!—tornou o padecente muito consolado—Cuidei que era um medico!»

PADRE—Bilheteiro do céu. Escusam de o procurar sem dinheiro, que elle não abre a porta.{197}

PADROADO—Direito que podia ser uma das glorias portuguezas no oriente, e é uma das nossas vergonhas.

PAES (DA PATRIA)—Parricidas e anthropophagos inconscientes. Matam e comem a mãe aos pedaços.

PAGINA—Desculpem, se lhes impinjo esta!

PAIO—Ideal dos que amam... os do Alemtejo.

PAIXÃO—Bebedeira do sangue.

PALAVRA—A faca do pensamento.

PALAVRIADO—Flores do charlatanismo.{198}

PALCO—Parodia do paraizo de Mafoma: tem as houris pintadas.

PALHA—Artigo que devia ter muito maior consumo, attendendo ao grande numero dos que precisam d'ella.

PALHADA—Litteratura contemporanea, exceptuado o meu diccionario.

PALPITANTE—Coração de mulher, quando joga a primeira carta na banca do matrimonio.

PANACEA—A minha idéa de governo. A dos meus adversarios dá cabo do paiz em vez de o curar.

PANDIGA—Termo chulo, que tem dado em pantana com muita gente séria.{199}

PANTANA—Paiz para onde se vae pelo caminho da pandiga.

PAPAGAIO—Deputado da maioria, no dizer dos seus inimigos. Alguns nunca aprendem a fallar bem.

PAPÃO—O deficit do orçamento do estado em Portugal.

PARAIZO—Logar onde não ha livros, nem jornaes, nem prodigios de talento de nenhuma especie.

PARASITA—Verme intestinal das pessoas, generosas.

—Orchidéa que vive nas mesas ricas.

—Collega do piolho.

PARASITISMO—Doença que devora ministerios.{200}

PARENTES—Inimigos dados pela natureza.

PARLAMENTO—Boceta de Pandora.

—Casa onde não ha pão, todos ralham ninguem tem rasão.

—Casa onde todos querem entrar, e de onde poucos sabem sair.

PARLAPATICE—Mana da patacuada.

PARTIDO (POLITICO)—Quando opposição, grupo de seis homens e um cabo. Quando governo, exercito numeroso.

PARVALHEIRA—Região occidental da peninsula hispanica, onde os parvos grelam e florescem como os nabos.

PARVOICE—Uma divindade muito estimada.{201}

PASQUIM—Bofetada escripta.

PASSADO—Abysmo sem fundo, para onde olhamos sempre.

PASTA—Alma dos ministros... e do boticario Régnauld. A do ultimo é comtudo, menos peitoral, apesar de ser mais balsamica.

PASTEL—Visita querida para estomagos gulosos.

PASTELLEIRO—Concorrente de certos politicos, sobretudo se abusa do mesmo molho para tudo.

PASTOR—Lobo disfarçado.

PASTORA—Já não ha. Florian deu cabo d'ellas.{202}

PATEADA—Avesso de um bom panno. O direito são as palmas do applauso.

PATIFE—Homem de bem que se descuida.

PATINHAR—Cousa novamente introduzida, na qual a gente se diverte fazendo de urso e quebrando as pernas. É uma especie de natação, á maneira de pato, nos lagos, digo, nos salões dos theatros.

PATRIOTA—Homem que quer mamar.

PATRIOTISMO—Faro de emprego graúdo.

—Bordão a que se encosta a barriga.

PATRONATO—Cousa que eu nunca apanhei, mas que me consta ser muito boa, e por isso a recommendo.{203}

PAULADA—Prazer dos deuses... que a dão.

PAVÃO—Especie de passaro, depennado pelo senso commum, que não serve senão para dar gloria... aos alfaiates.

PAZ—Somnolencia da diplomacia.

—Hemistichio humano.

PÊA (PARA SELVAGENS)—Presilhas, gravata, botas e suspensorios.

(PARA CIVILISADOS) Respeitar-se a si e aos outros. A liberdade (como hoje a entendem) vae dando cabo d'esta ultima.

PEÃO—Os pequenos jogam com os de pau, os grandes com, os de carne e osso. O segundo methodo é mais bonito, salvo para os que apanham.{204}

PECHINCHA—Uma boa moça com trezentos contos de réis. Não se ponham com escrupulos, que ha muito quem queira.

PEÇONHENTO—Sapo litterario. Arrasta-se pelos escriptorios dos jornaes, e como não póde subir, lança a baba para o ar com o intuito de salpicar tudo que está acima d'elle.

PECULATO—Descuido dos que mettem na sua algibeira o dinheiro do estado. Em certo paiz que eu sei, ha muitas propriedades, que bem podiam chamar-se, à romana, peculatorius.

PEDIR—Systema de escurraçar amigos.

PEITA—Uma cousa que acabou desde que todos queriam antes ser peitados do que peitar.{205}

PEIXEIRO—Repuxo de palavradas.

PELLE—Campo que quanto mais se cobre de flores mais repugnante parece. Nascem n'elle as bexigas, o sarampo e a escarlatina, sem fallar nas dez mil variedades de herpes, desde a sarna e o dartro até o cancro e a lepra. Felizes d'aquelles a quem tiram a pelle!

PELOURINHO—Diminutivo de pelouro. Os vereadores podem estar n'um e n'outro, conforme seus merecimentos.

PENEIRA—Em phrase popular são os vidros dos oculos com que vemos o proximo quando o escovâmos. (Veja o artigo: MÁ LINGUA.)

PENHOR—Garantia que por vezes se exige aos roubados no acto da expoliação.{206}

PENITENCIARIA—Renascimento da inquisição e da Bastilha, que zomba das revoluções e progressos do espirito humano.

PENNA—O buril que mais profundamente grava a idéa no coração dos seculos.

—Stylete, cuja ponta é mais rija que o diamante.

—Arma que honra o homem quando elle a emprega em defeza dos opprimidos; e que o deshonra quando serve a injustiça e a tyrannia.

PENSAMENTO—... O maior bem que Deus nos fez foi dar-nol-o de modo que ninguem o possa ver. Do contrario, comiamos-nos vivos uns aos outros.

PENSAR—Viver, asnear.

PENSIONARIOS—Vermes intestinaes.{207}

PEQUENO—Homem que se julga muito grande.

PEQUICE—Signal por onde os deuses que nós fazemos revelam a sua origem mortal.

PERDÃO—Applauso que pede bis aos patifes.

PERDER (A CABEÇA)—É gallicismo duplamente censuravel, porque, na maioria dos casos, as pessoas que o empregam já não teem pés nem cabeça.

PERDULARIO—Cavallo que deita a maior parte da palha fóra da manjadoura.

PÉRFIDO—Rato que roe o queijo da amisade.{208}

PERNA—Silencio!... Não profanemos os mysterios do algodão em rama.

PERNAS—Eu prefiro as do porco.

PERRARIA (PERRICE)—Um prazer feminino.

PERSEVEJO—O calumniador: morde e esconde-se, apenas sente que o procuram. É o mais covarde dos insectos nojentos.

—Companheiro de cama que nos roe a pelle.

PERU—Sujeito que attrahe peruas, das que trata o artigo immediato.

PERUA—Phantasia da linguistica popular, de sentido obscuro. Muitas pessoas respeitaveis a teem tomado, no intuito de ver se decifram o enigma, porém adormecem antes de tel-o adivinhado.{209}

PESCADA—Uma filha de Amphytrite, que eu amo, cozida, com azeite e vinagre, e até frita, com salada.

—A rosa do mar.

PESCADINHA—Imitadora das creanças que chucham no dedo, quando os cozinheiros lhe mettem o rabo na bôca. Peço perdão aos srs. grammaticos d'esta amphibologia. Não é ás creanças que o cozinheiro mette o rabo na bôca, é ás pescadinhas. O diacho da grammatica está a mangar commigo! Entenda-se que é o rabo das ditas pescadinhas que elle mette na sua bôca d'ellas, e não outro rabo qualquer.

PESTE—A doutrina dos nossos adversarios.

PETROLEO—Intelligencia dos candeeiros.{210}

PHAROL—Amigo que nos adverte.

—Olho das praias.

PHENOMENO—Ha de mostrar-se no dia em que um amigo me der cincoenta contos de réis.

PHILANTHROPO—Aquelle que não te desanca nem te rouba.

PHILOSOPHIA—Sciencia de confundir tudo.

—Arte de não crer em cousa nenhuma.

PHOTOGRAPHIA—Calamidade que propaga as caras feias.

PIANO—Maravilha do engenho, antes de vulgarisado. Agora, machina infernal de machucar paciencias e ouvidos. Oh! jovens prodigios, que os papás e as mamãs, repletas{211} de parvoice e de jubilo odioso, impingem ás visitas infelizes, eu vos arrenego!

PIMENTA—Artigo que, se não fosse a minha modestia, eu affirmaria existir n'este diccionario em grande abundancia e para fazer arder todos os paladares.

PINOTE—Expansão por mimica.

PINTAR-SE—Arte de não verificar as datas.

PINTURA—Depois que se usa a da cara e a dos cabellos, já ninguem presta attenção ás outras.

—Arte de engraixar cabeças.

PIPA (DE VINHO)—Gaiola do jubilo.

PIRATA—Caçador de noivas ricas.{212}

PITEIRA—Planta-se nos vallados, e deita gente nas vallas[5].

PLASTICA—A arte de modelar... com pasta de algodão.

PLEBEU—Cidadão que tem noventa probabilidades por cento para subir, emquanto que o nobre tem o mesmo numero d'ellas para descer.

POBRE—Bedelho de cães e gatos.

POÇO—Furo por onde quasi sempre sae o dinheiro e não entra agua.

POEMA—Caldeirada de versos. Eu prefiro as de enguia.

POESIA—É como cada um a sente e{213} entende. Para uns resume-se n'um bom pichel de vinho novo, diante de um lombo assado; para outros é a lua reflectindo-se nas aguas serenas dos lagos; para a mãe, o riso do filhinho no berço; para o pae, o não ouvir chorar a creança quando quer trabalhar; para o soldado, não ter de ir á guerra; para o empregado, um feriado; para a donzella, um noivo; para o agiota, noventa e nove por cento; para o ministro, a pasta indisputada e os applausos da maioria; para o marinheiro, o bom vento; para o medico, um caso de doença bem horrivel e bem desconhecida; para o fumador, optimos charutos; para o viajante, mundos desconhecidos; para a mulher, um vestido como não tenha nenhuma das suas amigas; para o marido, uma familia que não lhe peça dinheiro; para o janota, objectos que pôr no prego e botequim que fie cognac; para as actrizes, palmas e admiradores ricos; para os escrevinhadores, quem lisonjeie as suas inepcias e semsaborias;{214} para os maus auctores, quem lhes louve a estupidez e a ignorancia; para os emprezarios, auctores famintos; para os inuteis, um fato bem feito... para mim a poesia é o silencio, a solidão e o somno.

POETA—Simplorio.

—Esculptor que desenha no ar.

—Pyrilampo que segrega pieguices luminosas.

—Ente que se diz incomprehendido, e que o é realmente quando pretende conquistar o mundo em verso. Desgraçado! Se queres que te entendam, falla na boa e classica prosa do peru trufado e do vinho da Madeira, que tu não detestas... nem eu.

POLEIRO—Pomo de discordia. E cada vez ha mais gallos!

POLICIA (DE LISBOA)—Um mytho.{215}

POLIDEZ—Fazenda de bonita apparencia.

POLITICA—Machina de moer consciencias.

—Bailarina pervertida pelas contradicções e caprichos dos compositores de dansa.

PONTO—Nó dado na barriga dos empregados, quando se suspendem os pagamentos.

PONTUAÇÃO—Os alfinetes de pregar a palavra escripta.

PORCO—Sonho das mulheres pallidas e nervosas.

—Um curso de philosophia ambulante. Meditem e digam se não é verdade. Comido pelos que mais o amam! Em quem se ha de fiar a pobre gente suina?!{216}

PORTEIRO (DE SECRETARIA)—Cerbero ministerial.

PORTUGUEZ—Lingua que todos fallam e ninguem sabe.

POSSIDONIO—Cousa feia, parvoíce.

POSTIÇO—Oh, minhas senhoras... mil perdões! É o meu triste officio de escriptor quem me obriga, sem eu querer, contra todos os meus sentimentos e desejos, a traçar aqui estas linhas, que até fazem córar o lapis de oiro com que as escrevo! Acaso vv. ex.as já reflectiram bem na situação em que se collocam, quando entram n'uma casa de modas e pedem (a um homem, santo Deus! E ás vezes a que homem!) certo objecto, que ali se vê ostentosamente pendurado nas armações pelas fitas com que ha de ser preso ás cinturas de vv. ex.as?! Essa cousa, cujo aspecto me faz baixar os olhos, e me dá{217} ao rosto a côr de lagosta cozida, chamava-se um... francez. A casta linguagem da elegancia dá-lhe hoje o nome de tournure. Mas nem por isso o traste deixa de ser para vv. ex.as porem sobre os quadris, com o fim de fingirem (oh! moda!) que teem um... muito grande. Mas, minhas senhoras, para que serve a vv. ex.as um... muito grande, que (de mais a mais!) é postiço?! O impudor (desculpem a dureza da phrase) o impudor não está no tamanho artificial do trazeiro. A natureza poderia, sem sacrificio, ter-lhes feito a vontade, dotando-as com um... verdadeiro, de mais vastas proporções ainda do que o fingido. Onde o caso se me afigura espinhoso para as pessoas medianamente graves, é quando o caixeiro (no uso pleno dos seus direitos de fazer valer a mercadoria) se permitte a familiaridade de passar complacentemente a mão sobre a rotondidade do objecto, e medindo com a vista o posterior de vv. ex.as, lhes diz sorrindo:{218}

—«Este deve ficar-lhe bem!»

A primeira vez que presenceei uma scena d'estas caí para traz, sobre uma cadeira, fulminado de vergonha, pelas palavras do vendedor. Na minha candida ingenuidade pensei que a compradora do traste em questão ia esmagar o homem com um d'esses olhares olympicos, que as grandes actrizes usam uma vez na vida, quando representam de Lucrecias, em noite de beneficio. Mas a senhora volveu, visivelmente lisonjeada, e rindo tambem:

—«Acha?...»

Era uma pessoa de alta sociedade, como se diz em calão aristocratico, mãe de familia, e trajada como uma rainha. Comprou o sobresalente, que, depois de embrulhado, um lacaio levou para a carruagem, e despediu-se, com uma cortezia e um riso amavel do logista e dos seus empregados. Abysmado por tamanho rebaixamento moral, fiquei com ar de ingenuo de theatro particular, ruminando{219} commigo os seguintes pontos, que respeitosamente submetto á critica de vv. ex.as:

—Se uma senhora, mãe de familia, se preoccupa com artificios e modas ridiculas, enchumaçando-se, pintando-se, contrafazendo-se, e mentindo a si e aos outros, persuadida de que alguem acredita na côr dos seus cabellos e na altura dos seus seios e trazeiro, n'um tempo em que raros são os que se não pintam e enchumaçam, que educação dará a seus filhos com esses exemplos?! Começa desde o berço a leval-os por um caminho, do qual nunca mais poderão sair—o da impostura; costuma-os ao fingimento, porque lhes serve de modelo do modo mais funesto e contagioso. E quando elles chegarem á idade de pensar, será sua propria mãe a primeira pessoa a quem percam o respeito, que ella não soube arreigar-lhes n'alma com um procedimento sério, modesto, franco e simples. Em vez de boas e sãs lições de religião, de moral, de probidade e honra, deu-lhes{220} noções falsas de tudo, conhecimentos superficiaes e idéas incompletas; enchumaçou-lhes a rasão com crenças postiças, envernizou-os com uma educação viciosa e lançou-os na circulação, pervertidos antes de tempo, como moveis novos feitos de madeira já carunchosa. São estes productos que compõem a maioria da sociedade actual, em todas as nações que se dizem cultas. D'elles saem os professores, os medicos, os padres, os juizes, os deputados e os ministros!...

Minhas senhoras, rogo a v. ex.as que se dignem reflectir um instante n'este problema:—Que póde esperar-se para o progresso e aperfeiçoamento da especie humana, de homens que vêem suas mães a comprar... francezes?—O que póde sair de um trazeiro postiço, a não ser o rabo (cauda) de seis metros, que principia a substituil-o?

Se vv. ex.as entenderem que vale a pena, meditem um pouco este assumpto, sem se prenderem com a circumstancia de ter sido{221} o meu diccionario, e não qualquer outra moda que chamou para elle a sua attenção.

POSTURA—Devaneio municipal para recreio dos policias.

POVO—Pau para toda a obra. Se, como o boi, elle não desconhecesse a sua força, outro gallo lhe cantaria. Em todo o caso, tomem cuidado não lhes caia em cima, porque pesa muito.

PRATICO (HOMEM)—Não se fiem n'elle. D'antes pediam-se homens praticos a proposito de tudo. Agora já todos se julgam experimentados, e não fazem senão dar com as cangalhas em terra. Cautela! Sobretudo com mau tempo duvidem da sua sciencia. Eu, em me cheirando a especialista, pés para que te quero! Se teem amor á pelle, façam outro tanto.{222}

PRÉGADOR (MAU)—Machina de moer senso commum.

PRESENTE—Indifferença de que ámanhã teremos remorsos e saudades.

—Cousa que se dava antigamente. Hoje é apenas tempo dos verbos.

—Leitor benevolo, se acaso estás costumado a mandar-me alguns, que o teu zelo se não esfrie com esta generalidade. Não era a ti que eu me dirigia, mas sim aos sovinas que nunca me deram nada.

—Chave com que ás vezes se abre a porta do futuro.

PRESILHAS—Escotas das calças.

PRIMAVERA—Uma prova da immortalidade. Nada morre: tudo se renova e transforma. Se duvidam, reparem nos abusos que se reproduzem incessantemente na nossa terra.{223}

PRIMITIVO—Sujeito que não corresponde a um comprimento.

PRINCIPIOS—Fins de muita gente.

PROBIDADE—Tolice que hoje só se tem por esquecimento.

PROCESSO (JUDICIAL)—Duello em que ambos os contendores ficam feridos.

PROSA—Pão da idéa, da qual a poesia é o bolo.

PROSTITUIÇÃO—Fleimão ardente, que nasce nos costumes.

PROTECTOR—Estaca que se põe ás plantas para se apoiarem. Ás vezes cae sobre ellas e quebra-as.

PROTECTORES (DIREITOS)—Testemunho{224} irrecusavel da capacidade dos economistas, que por amor de quatro compadres fazem gemer quatro milhões de almas.

—Um gosto caracteristico da nação portugueza: á obrigar os seus subditos a gastar tudo mau pelo dobro do que custa o bom, persuadida de que assim faz acreditar aos estranhos que nós temos industria e artes. Já é... simplicidade!

PROXIMO—O que está mais perto. Cuidado com elle!

PRUDENCIA—A melhor arma que nós estragâmos convertendo-a em pachorra.

PRUDENTE—Aquelle que mata outro em vez de se matar a si.

PUDOR—Vestuario da alma.

PULHA—Mulher que pinta o cabello e usa dentes postiços.{225}

PURGANTE—Insurgente dos intestinos.

PURGATORIO—Um dia de eleições para os candidatos.

—Calabouço da policia.

—Sedlitz das almas.{226}
{227}

[5] O povo chama piteira á bebedeira.

Q

{228}
{229}

Q

QUADRA—A fórma de poesia mais supportavel, por conter apenas quatro versos. Ainda assim é raro que d'esses não sejam tres detestaveis e um mediocre.

QUADRILHA—Reunião de pessoas que se associam para explorar... o proximo.

QUADRO (PAINEL COM PINTURA)—Diziam dois sujeitos de má lingua, visitando{230} uma exposição da Sociedade Promotora de Bellas Artes:

—«Ó aquelle, tu entendes?»

—«Entendo, sim. Que queres que te explique?»

—«Sabes se este cartucho é de coelho, ou se o coelho é de cartucho?»

Dizendo isto, apontou, para um quadro que figurava um coelho morto, a par de um cartucho de papel semi-azulado. O companheiro olhou para a pintura, depois circumvagou os olhos pela sala e respondeu:

—«O cartucho é de coelho e o coelho é de cartucho. Percebes?»

—«Percebo. Mal empregado tanta tinta estragada! Isto, posto á porta dos droguistas, fazia um vistão.»

—«Olha que se te ouvem, racham-te.»

—«Porquê? Acaso não pago eu a minha libra para promover o desenvolvimento do desandamento?»

—«Certamente. Mas não vale atacar com{231} baldas certas. Bem sabes que o costume da terra é andar para traz.»

—«Ó aquelle, vamos embora. O que nós protegemos são as drogarias e não as bellas artes.»

—«Espera. Se te sair o premio de duzentos mil réis, vendes-me o quadrinho para eu dar á Josepha, que tem muito dó de brutos aleijados?»

—«Quanto me dás por elle?»

—«Tres libras. Achas que as valerá?»

—«Parece-me rasoavel. É teu... se me sair.»

—«Está dito então.»

QUADRUMANO—Homem degenerado. Outros asseveram que é aperfeiçoado, e que nós, vindo d'elle, estragámos o typo.

QUADRUPEDE—Não lhe batas, cruel! Quem sabe se é teu irmão?{232}

QUARENTENA—Rosna-se muito. Será bom nomear uma commissão... para que se rosne mais.

QUARTANS—Não brinquem com ellas! Estão compradas pela pharmacia e pela medicina.

QUARTEL—Ninho de heroes... na casca. Muitos goram.

QUARTILHO—Tudo no mundo se transforma para peior! Até o bom e honrado quartilho se virou em pifio decilitro! Oh! amadores, que lastima! Como ha de um homem saber agora qual era a sua conta?!

QUEBRAR—Arte de tirar a camisa aos outros.{233}

—Remedio infallivel para se ficar inteiro. Um milhão de curas!!!

QUÉDA—Visinho do coice. Não caiam, rapazes; senão levam!{234}
{235}

R

{236}
{237}

R

RABUGEM—Affinidade entre a creança mal educada, a mulher de mau genio e o cão doente.

RACIOCINIO—Meio de chegar á tolice pelo caminho mais longo.

RAFEIRO—Professor de instrucção primaria. Guarda gado miudo, e vive do acaso como os cães sem dono. O desdem com{238} que o tratam, indica assás o zêlo da sociedade pelos seus futuros membros.

RAIO—Buscapé celeste.

—Gracejo pyrotechnico da electricidade.

—Advertencia de que as nuvens teem a palavra.

RAPTO—Combinação amorosa em que o raptor é muitas vezes o roubado.

RASÃO—Uma faculdade, que quanto menos se tem mais se affirma que se possue. Em França, quando a não tinham, erguiam-lhe estatuas, e adoravam-n'a personificada por qualquer meretriz.

—Um disparate fugido de Rilhafoilles. Todos a querem para si, e ninguem prova que tenha direito a ella senão os doidos que a não reclamam.

RATOEIRA—Olhos bonitos.{239}

—Parte visivel da embarcação encalhada no banco do crime. A proa está mergulhada na consciencia do jury.

REACCIONARIO—Um acido corrosivo.

RECEITA (PUBLICA)—Bicha furada.

(MEDICA) Preludio de um epicédio em crua prosa.

RECONCILIAÇÃO—Vinho azedo ou restaurado com maus ingredientes, que raros bebedores podem tragar.

RECRUTA—Aprendiz de heroe, que, emquanto se ensaia a bater o chão com os pés, trocaria de bom grado o bastão de marechal que tem em perspectiva por um bordão de peregrino para regressar ao lar paterno.{240}

REFLEXÃO—Luz que alumia asneiras.

REFORMA—Maneira por que em Portugal se peiora e estraga tudo.

—Oh, senhores, ao menos não reformem os costumes! Que será de nós, se lhes mexem?! Bem basta o deploravel estado em que elles já estão!...

RELATORIO (DE LEI)—Tizana politica.

(DE PESSOA QUE FOI ESTUDAR AO ESTRANGEIRO) Clyster litterario.

RELOGIO—Especie de inquisidor que nos miga a vida.

REMEDIO—Dois pontapés dados a tempo é o melhor que se conhece para curar patifes.{241}

REMORSO—Indigestão da alma.

REPARAÇÃO—Acto muito penoso para os poltrões e para os proprietarios.

REPROVADO—Nadador que descaiu com a corrente.

REPTIL—Bicho venenoso, que se arrasta sob a sombra dos homens de merito, lambendo-lhes os pés quando não póde morder-lh'os.

—Especie de homem degenerado.

RESPEITO—«Ah! meu caro senhor, que tempos! Já ninguem quer ser respeitoso!...»

—«E o senhor sabe se ainda ha quem saiba ser respeitavel?»

RESTITUIÇÃO—O peior dos vomitorios.{242}

RETRACTAÇÃO—Esponja com que cada um se suja a si para lavar os outros.

REVOLUÇÃO—Caso em que os que levam mais pancada não são os que recebem mais recompensas.

—Jogo de xadrez, no qual só aos peões não é permittido recuar.

REVOLWER—Invenção do diabo, que faz ter juizo a muitas creaturas de Deus, quando se puxa por elle a tempo.

RHEUMATISMO—A escravidão... dos membros.

RICA (MULHER)—Isca que attrahe velhacos.

RICINOS—Vasculho intestinal.

RICO—Desgraçado de quem todos dizem mal, quando não lhe apanham dinheiro.{243}

RIGORISTA—V. ex.ª... Perdão... eu... nós. Isto é: Pessoa que só vê os outros e nunca olha para si.

RIQUEZA—Vv. ex.as não teem notado quão frequentemente se encontram os mais ricos pianos em casa de pessoas que não sabem tocar!

—A lampada maravilhosa de Aladin.

—... Não conheço. A patifa tem andado sempre por longe da minha porta.

RISCO—Devia ser um traço, ou linha geometrica; porém, pelas evoluções da lingua, entende-se que póde tornar-se um furo na pelle ou nos haveres.

RISO—A flor da alma.

—Porta do coração escancarada.

ROMANCE—A imaginação em vulto.{244}

RONCAR—Trombeta de Jerichó do amor. Ao primeiro ronco desmorona-se tudo.

ROSARIO—Deus... com ervilhas.

ROSTO (PHYSIONOMIA)—Taboleta de que convem desconfiar.

RUAS (DE LISBOA)—Caminhos sobre vulcões, que em vez de fogo teem... cheiro pestilencial.

—Vallas de lama e de poeira, que levam ás do cemiterio.

—Estrumeiras disfarçadas, e cujos nomes, na sua grande maioria, dão a medida da illustração das vereações e dos governadores civis que teem dirigido a cidade. Alguns d'esses nomes não cabem no sobrescripto de uma carta, e são impossiveis para o uso do telegrapho; outros cheiram mal, como as ruas que os teem; e muitos são estupidos, absurdos e repetidos vinte vezes. Conservam-se{245} todavia para gloria da administração e da municipalidade, que não querem bolir com elles pelo muito respeito que sempre tiveram a tudo quanto é tolice.

RUDE—Pessoa por descascar.

RUDEZA—A côdea humana.

RUGAS—Caminhos abertos pelos pés do tempo.

RUGIR—Maneira por que os intestinos fingem de tigres.

RUMINANTE—Animal que remoe muitas vezes a mesma comida. Exemplos: o boi, o romancista, o compositor de musica, etc., etc.{246}
{247}

S

{248}
{249}

S

SABEDORIA—É a arte de ser tolo sem que os outros percebam. «Sabenças para que servem?» Disse o Camões, ou não sei quem. Portanto, é chiar do papo e deixar gyrar o marfim.

SABER—A desgraça da humanidade. Quanto mais o individuo se afasta da sua esphera, maior numero de necessidades cria e mais difficuldades achará para satisfazel-as.{250} Os apostolos da instrucção a todo o trance nunca pensaram n'isto. Quanto maior for o numero dos instruidos, menos emprego haverá para elles, e a sociedade terá tornado mais insoluvel o problema da felicidade humana. O que na ignorancia se contentava com cigarros e mau vinho, illustrado quererá Champagne e charutos havanos. Aonde os tendes para lhe dar, oh! prégadores do ensino obrigatorio?! Acaso a vossa sociedade póde satisfazer as aspirações ambiciosas de um povo de sabios?! Julgaes que os communistas de Paris não sabiam ler nem escrever? Ora mettei a viola no sacco, que eu faço o mesmo.

SABIO—Aquelle que chegou a conhecer a sua inepcia e ignorancia. Creio que não ha nenhum.

SABUJO—Cão que engraixa botas.{251}

SADIO—Natural de terras em que não ha boticas nem medicos.

SAGUÃO—Foco de infecção, alimentado em Lisboa pelo patrocinio da policia.

SAL—A maior necessidade litteraria do nosso tempo.

SALADA—Discursos parlamentares.

SANDICE—Senhora do meu maior respeito.

SANGUE—Moeda circulante dos corpos. Está todo falsificado pelos alimentos venenosos e pelos canos de esgoto, que são as medalhas de honra da cidade de Lisboa.

—Liquido composto actualmente de tanta cousa suspeita, que bem se lhe póde chamar lavadura de tijela da casa.

—O que ha n'elle de singular é que temos{252} muito menos desde que os medicos nos não tiram nenhum. Provavelmente porque tinham extrahido demasiado a nossos paes, por adiantamento.

SANGUENTO—É assim que eu amo o beef e que os conquistadores amam os povos.

SARCASMO—Aplainadela com ferro amolado de novo.

—Vespa do intellecto.

SATYRA—A pimenta da litteratura.

SAUDADE—O estado de quem tem o capote empenhado, depois de jogar a ultima libra que lhe deram sobre elle, quando sente apertar o frio.

SAUDE—Planta rara que os medicos{253} não conseguiram ainda extinguir inteiramente.

SCEPTICO—Paladar estragado por generos falsificados.

SEDA (BICHO DE)—Se esses pobres vermes soubessem para quem trabalham ás vezes!...

SÊDE—É tambem um dos motivos por que a gente bebe. Mas entre a agua dos canos de chumbo e os vinhos das nossas tascas deve haver hesitações dolorosas!

SEGREDO—Se não queres morrer solteira, nem ao teu travesseiro reveles o que te aloira os cabellos, ou te arredonda graciosamente o seio. Um olhar desconfiado adivinha trouxas e chumaços, até onde elles nunca existiram! As tintas claras são perfidas;{254} o algodão em rama tem achatamentos imprevistos, de denunciante vilão; não te fies senão no roast-beef inglez, no salpicão de Castello de Vide, no bom Bairrada e no velho Porto. Só elles são discretos e generosos. Pede-lhes o que te falta, e serás feliz se te attenderem.

SELVAGEM—Sujeito que não doura pilulas.

SEMENTEIRA—Fonte da esperança.

SENSO (COMMUM)—Velharia. A idéa nova promette dar cabo d'elle.

SENSUAL—Pessoa que tem o diabo no corpo.

SENTIR—Padecer.

SEPULTURA—Logar onde se arrumam{255} cousas inuteis, que não tornam a servir.

—Caixa do esquecimento.

SEREIA—Ministro cantando á maioria quando ella se mostra esquiva.

SERIEDADE—Quasi que já ninguem acredita n'ella, nem sequer os que a teem!

—Indicio de decadencia.

SERINGA—A musa dos intestinos.

—Sacca-rolhas das tripas.

SERPENTE—Mulher que assobia.

SERTANEJO—Transição do homem para o bruto.

SERVIÇO—Cousa que se esquece tanto como o chapéu de sol.{256}

SEVANDIJA—Especie de lagarta que infesta as antecamaras dos ministros.

SILENCIO—Parede feita pelos meus collegas Joões Fernandes em torno de todas as obras que não saem do seu gremio, com o louvavel intuito de impedir que se lhes vejam os defeitos. Ah! meu pobre diccionario!... Elles te ensinarão a ter juizo.

SIMPLICIDADE—É persuadir-se a gente de que ainda ha generos não falsificados, policia que puna os vendedores que nos envenenam, agiotas de coração, meninas que não queiram casar, sujeitos que façam cara a um grande dote, ainda que a noiva seja tout ce qu'il y a de plus... chose; e muchas cosas mas.

SINAPISMO—Cataplasma que se damnou.{257}

—Remorso da pelle, quando sente a mostarda tomar o freio nos dentes.

SINECURA—Lobinho tornado em têta.

SINEIRO—Encarregado de espantar as almas, quando toca a finados, para que ellas não voltem aos corpos, caso em que poderiam surprehender muitos segredos de familia, que lhes tirariam as illusões que levaram da terra.

SINISTRO—Crédor que quer que lhe paguem.

SINO—A voz da igreja sem a poesia da religião.

—Vizinho insupportavel, sobretudo quando nos repete sem parar a noticia da morte de pessoa querida.

—Berrador que nunca enrouquece.{258}

—Amigo que saúda o nosso nascimento, e chora a nossa morte... quando pagâmos a quem o faça alegrar ou entristecer.

—Actor da farça da vida e da comedia da morte.

—Pantomineiro alugado para fazer um papel que elle recita sempre no mesmo tom.

SOCIO—Companheiro de cama, que muitas vezes quer puxar a roupa toda para si.

SOLDADO—Qualificação atrozmente ironica. Para familiarisar o homem com a idéa de que ha de ser partido, começa-se pelo aterrar, apenas senta praça, com a affirmativa de que já não está inteiro!

SOLTEIRO—Passaro que sonha com a gaiola.

SOMNO—Esquecimento.{259}

—Porta, atrás da qual a gente se esconde dos desgostos.

SOMNOLENCIA—Enfermidade passageira. Acommette muito as pessoas que ouvem louvar os seus amigos.

SORRISO (DAS CREANÇAS)—Flor do paraizo.

(DAS NAMORADEIRAS) Rede de apanhar patos.

(DA MULHER AMADA) Sol que nos aquece.

(DOS QUE PRECISAM) Armadilha.

(DOS HYPOCRITAS) Careta a que se deve responder com dois pontapés, em sitio que a gravidade dos leitores, e a minha propria, me impede de revelar, mas que facilmente adivinhará a sua perspicacia.

SUBORNO—Azeite que se dá nas molas para que os trastes funccionem á nossa vontade.{260}

SUBRIPIO—Verbo latino conjugado por todas as nações modernas. Póde traduzir-se por «abafar o alheio».

SUICIDIO—A ultima loucura. Mulher que eu adoro, pela tua salvação te peço que não me estragues os phosphoros! Está tudo pela hora da morte! E desde já te previno que se me saires pela janella, não dou nem dois patacos a um padre para te fazer o enterro. Esperarás na rua pela tumba da misericordia ou pela carroça do lixo. Os suicidas não valem uma pitada de tabaco.

SUOR—Producto natural das bestas do carga e dos constipados felizes

SUPPLICIO—Rouxinol cantando na gaiola a aria da liberdade.

—Gato contemplando a frigideira cheia de carapaus mergulhados em azeite fervendo.{261}

—Romeu corrido a cacete pelo pae de Julieta.

SUSCEPTIBILIDADENoli me tangere. Traduzido em portuguez diz assim: «Não bulam com o bicho que se assanha!»

SUSPEITA—Nodoa difficil de lavar.

SUSPENSÃO—Compassos de espera nos pagamentos.

SUSPENSORIOS—Adriças das calças.

SYLLABUS—Papão, filho de Papa.

SYSTEMA—Cada individuo tem o seu. É a melhor maneira de chegarmos a um accordo!{262}
{263}

T

{264}
{265}

T

TABACO—Envenenador que reparte com o estado os seus lucros para que este o deixe funccionar livremente.

TABERNA—Lupanar do estomago.

—A mãe das facadas.

TALENTO—É a arte de nos fazermos applaudir por outros mais tolos do que nós.{266}

TANGENTE—Jangada de salvação.

TELEGRAPHO (TRANSATLANTICO)—Cordão umbelical dos dois mundos.

TELHA—Barrete invisivel só para os que o trazem.

TELHADO—Varanda de Julieta, onde miam os Romeus, que ás vezes vão apalpar a rua com os lombos, da altura de um quinto andar.

TEMPESTADE—«Que miseria! Até me recusou um vestido de seda que levava apenas trinta metros!»

—«Mas, querida, bem vês que é uma enormidade! Quando nos casámos, gastavas sete metros...»

—«Cale-se ahi, monstro! Então, não quer elle que a moda esteja ás ordens da sua sordicia!{267} Se lhe parece vista-me com chita de tostão.»

—«Usava-a minha mãe, e...»

—«Que horror! Dá-me para modelo uma velha idiota...»

—«Senhora!»

—«Ó Josepha, leva o meu almoço para o quarto.»

—«Commigo não contes. Vou almoçar e jantar fóra.»

Côro

—«Casem-se, amigas!»

—«Casem-se, amigos!»

—«Que delicias, que prazer!

Antes me eu desse ao demonio.»

—«Dez diabos me levassem

No dia do matrimonio!»

TEMPESTUOSO—Domicilio conjugal no dia em que a senhora sente resoar os seus nervos como bordões de viola.{268}

TEMPO—Capital que nós julgâmos comer, quando é elle quem nos come.

—O mais fino dos ladrões. Rouba-nos annos de vida, sem que dêmos por isso.

TENDEIRO—Homem que baralha e embrulha tudo.

TENTAÇÕES—Para o china, opio; para o indiano, betel; para o turco, café; para o japonez, rasgar a barriga; para o inglez, vinho do Porto; para o francez, cancan; para o italiano, macaroni; para o hespanhol, touros; para o allemão, cerveja; para o arabe, cavallos; para o norte-americano, excentricidade; para o brazileiro, Paris; para o portuguez, Brazil.

TESOURA—A opinião dos vossos amigos a vosso respeito.

THEATRO—Casa de corrupção.{269}

—Parodia do mundo.

—Pelourinho onde se expõem theorias mais ou menos absurdas.

THEORIA—Bexiga de boi assoprada.

(POLITICA) Metralhadora do senso commum e dos dinheiros publicos.

THEORICO—Um ingenuo. Do vivo ao pintado ha grande distancia.

THESOURO (PUBLICO)—Um anemico.

—Infeliz a quem todos sangram.

—Pobre diabo! Os teus medicos são quasi sempre da escola do doutor sangrado, e tu não querias entisicar?! Aguenta-te e espera o resto. Quem te comeu a carne, tambem te ha de roer os ossos.

TIGRE—Animal a que chamâmos feroz... Oh, céus! se as costelletas de carneiro e de vitella fallassem!...{270}

TIMIDO—O que furta pouco.

TINTA (DE ESCREVER)—Cousa de que nem todos sabem servir-se sem se sujar ou sem sujarem os outros.

—O rio do pensamento, quando corre sobre o papel.

TINTEIRO—Monstro prodigioso, de cuja bôca saem quasi todas as bellas maravilhas e todas as aberrações da intelligencia humana.

TITULAR—Sujeito que se disfarça.

TITULO—Acontece frequentemente aos da nobreza o mesmo que aos dos livros. Que desencantamento, quando se conhece o sujeito ou a obra que os trazem!{271}

—Carimbo com que os reis marcam os vassallos, como os lavradores fazem aos gados.

(LITTERARIO) Papel em que se embrulham muitas nullidades.

(DE NOBREZA) Graça pesada, pelo que custa em dinheiro, quando não é tambem um gracejo pela qualidade do agraciado.

TOICINHO—A côdea do porco.

TOJO—Genio de mulher casada, quando não comprehende a sua missão na familia.

TOLO—Homem de espirito, na actualidade. É elle que consegue tudo que deseja; os intelligentes ficam a ver navios no alto de Santa Catharina.

TORNEIRA (DE PIPA)—Boca de varia eloquencia.

TOURADA—Contra-veneno das associações protectoras dos animaes.{272}

TRABALHO—Genero depreciado.

—Premio a que todos fazem cara na loteria da vida.

TRANCA—Fundo de reserva para as occasiões criticas. Mal empregado não se acudir mais vezes com ella a tanta gente que a precisa!

TRAPAÇA—Carambola por tabella.

TRAVESSA—Linha de bastardia.

TREMORES (DE TERRA)—Sezões perigosissimas para os que assistem á doente.

TRIBUNA—Metralhadora parlamentar.

TRILO—Os borborygmos do canto.

TRINCHADOR—Sujeito que cria difficuldades a Deus para o dia de juizo.{273}

TRISTEZA—Inverno na alma.

TRIUMPHAR—A arte de fazer dar urros aos collegas.

TROUXA—Cabeça feminina.

TULIPA—Mulher formosa e estupida.

TUMBA—Caixa de inutilidades.

TUMULO—Ultima vaidade e ultima insolencia do dinheiro. Perguntae aos que dormem sob as cryptas soberbas se lá dentro é menos intenso o frio da morte do que no fundo da sepultura humilde, que ellas privam do sol.{274}
{275}

U

{276}
{277}

U

UBIQUIDADE—Ter seis empregos... e não servir nenhum.

ULCERA—Divida que se não póde pagar.

ULTIMATUM—«Se o não sangrarmos morre hoje.»

—«E se o sangrarmos?»

—«Poderá viver ainda... até ámanhã.»{278}

ULTRAJE—«O senhor insulta-me?!»

—«Insulto, sim, senhor.»

—«Isso é serio?».

—«Muito serio.»

—«Logo vi. Commigo não se brinca. Passe muito bem.»

—«Covarde!»

—«Amalia! Fecha a porta depressa! Esse homem que vinha atrás de mim não está bom de cabeça.»

—«Canalha!»

—«Oh! patrão, olhe que elle cuspiu-lhe na cara!»

—«Porcalhão! Fecha... e dá cá um lenço lavado.»

—«O senhor não lhe quebra os queixos?!»

—«Para elle querelar, ou quebrar-me tambem os meus?! Prefiro o almoço. Põe o fiambre na mesa.»

ULULAR—Fingir de Shakspeare ou de Molière.{279}

ULYSSES—Pantomineiro.

—Raposo de especie humana.

—Saloio.

—Cigano que negoceia em cavalgaduras. Todos teem sido victimas de um ou mais Ulysses na sua vida. Tratem pois de os evitar na occasião da morte, porque elles são capazes de nos fazer errar a cova.

UNÇÃO—Sobre a ultima receita medica a ultima receita da igreja.

UNHADA—Gracejo felino ou feminino.

URNA—Vaso funereo, para os que ella mata, eleitoralmente fallando. Para os vencedores é uma piscina de agua de rosas em que muitos se banham... pela primeira e ultima vez.{280}

URSO—Homem namorado.

USURA—Cancro que roe a pelle á sociedade moderna, com singular indifferença da roída.

—Maneira de descascar gente como se descascam peras.

UTOPISTA—Ente inoffensivo, quando não tenta impingir aos outros a sua pedra philosophal.

UVA—Ternura-mãe.{281}

V

{282}
{283}

V

VACCA—Animal que se chama boi antes de entrar no açougue.

VADIO—Peixe que cáe na rede da policia.

—Artista que prepara um quarto no hospital, na cadeia ou n'um asylo, quando não apanha viagem gratuita para o ultramar.

VAIDADE—Estado em que a creatura{284} humana se assimilha a um perú arripiado, ou a uma bexiga assoprada. Outros lhe chamam por isso peruite e bexiguite.

—Desculpa que cada um dá a si proprio da sua parvoice.

VAIDOSO—Papelão pintado.

—Pessoa que insulta o senso commum.

VALSA—Invenção do diabo, que este mette no corpo ás mulheres, e que ellas passam aos homens.

VARREDOR (MUNICIPAL)—O laxante das ruas.

VELA (ACCESA)—Alma em pena.

(APAGADA) Hibernação.

VELHACO—Especie de garrano de dois pés. Sempre que rincha dá coice.{285}

VELHICE (HUMANA)—Bola de sabão prestes a desfazer-se.

—Trapo que nem sempre vem de bom panno.

—Os que a não respeitam, esquecem-se que vão andando para ella, e que d'esse modo começam a ser dignos de lastima, ainda mais cedo do que aquelles de quem zombam.

VELLUDO—Genio de mulher que pretende casar. Livrem-se d'elle depois de lhe cair o pello!

VENALIDADE—A amiga de ss. ex.as! Suba, que os seus amigos estão impacientes por deitar carruagem.

—Escorregadela.

VENENO—Atmosphera artificial de Lisboa.{286}

VENTOINHA—Pessoa que se forra ao trabalho de ter opinião propria.

VENTREDeus ex machina de todas as patifarias. Segundo o Diccionario de synonymos portuguezes, de José da Fonseca, tem outros significados que a decencia do meu livro não tolera. Aquelle diccionario, destinado á mocidade, e approvado pelos nossos sabios, attesta o que se deve esperar do ensino, dos que ensinam e dos que são ensinados, n'esta classica terra da parvoice. É um acerbo de sandices, proprias para crear sandeus.

VENUS—Pessoa de má nota, segundo a mythologia grega. Modernamente, creada que aspira aos Martes da guarda municipal.

VERDADE—Origem de malquerenças.{287}

—Cão perdido, que anda a fugir de todos com o rabo entre as pernas.

—Pessoa envergonhada diante de saltimbancos.

—Rede de apanhar inimigos.

VERGONHA—Vocabulo sem sentido.

VERME—Bicho que roe as costas das celebridades. Algumas pessoas lhe chamam inveja.

VERNIZ (SOCIAL)—Untura com que se escondem os defeitos da madeira podre.

VERSATILIDADE—Flor cultivada no jardim das conveniencias.

VERSO (HARMONIOSO)—Preludio musical.

(DURO, OU ERRADO) Chavelho retorcido.{288}

VESPA—Emblema da critica: o ferrão sem o mel.

VIAJANTE—Almocreve de petas.

—Folha levada pelo vento da curiosidade.

VICIO—Racha na louça.

—Escola de aviltamento.

—No proximo é tudo quanto em nós são virtudes.

VIDA—Farça, comedia, drama ou tragedia, conforme a interpretação que cada um dá ao seu papel.

VIDRO—Reputação de mulher, que qualquer cousa embacia ou quebra.

VINAGRE—Em vulgar, vinho de Collares, do que se vende em Lisboa.

—Em estylo campanudo, divorcio.{289}

VINHA—Idéa mãe, d'onde nasce o pae da desordem.

VINHO—Poesia da pipa.

—Espirito que até aos materialistas dá alma quando lhes entra no corpo. É livrar de que elle tome a palavra lá dentro, porque, se falla, vae tudo com os diabos!

VIRTUDE—A violeta humana. Floresce na sombra.

—Substantivo feminino, pouco usado.

VISITA (DE CEREMONIA)—Estreia de botas novas.

(DE PESSOA AMIGA) Sol em dia de inverno.

(DE MEDICO) Ponto na mortalha.

(DE PADRE) Consummatum est!

VISUALIDADE—Arte de virar a casaca diante do publico.{290}

VIUVA—Passaro que chora... pela gaiola.

VIUVEZDe profundis, que se canta quasi sempre com musica da aria: «Oh! querida liberdade!»

VIUVO—Condemnado que obteve commutação de pena.

VIVEIRO—D'antes havia-os de plantas, aves, peixes, etc. A sociedade moderna inventou os de patifes, que são muito mais faceis de aclimatar.

VOLCÕES—Bocas da mãe terra. Quando fallam de mais vae tudo por ares e ventos.

—Corações de namoradas de annuncio e de theatros particulares. Apagam-se com o casamento.{291}

VOTO—Artigo de commercio eleitoral.

(DE CONFIANÇA) Corda para enforcar quem o deu.{292}
{293}

W

{294}
{295}

W

WAGON—Pessoa que tem muitos nomes e appellidos.

WAGONETE—Filho de sujeito que traz muitas condecorações. Outros lhe chamam fidalgote.

WALKYRIA—Deusa da antiga mythologia scandinava, que designava nos combates aquelles que deviam morrer. Dizem os{296} satyricos que os medicos representam perfeitamente de Walkyrias cada vez que receitam. Calumniadores!

WHIG—Nome do partido que na Inglaterra se diz defensor da liberdade. Ingrato Portugal! Deves-lhe tanto, e ainda não lhe deste todas as tuas colonias! Deixa estar, sovina, que os liberaes inglezes tomarão posse d'ellas, sem que tu lh'as dês, para te ensinar como se administra bem.

WICLEFISMO—Doutrina do heresiarcha Wiclef. Não podia agradar ao illustre mendigo do Vaticano, porque lhe negava a supremacia sobre as outras igrejas, e prégava a vida exemplar e a pobreza.{297}

X

{298}
{299}

X

XÁ, ou CHÁ—Uma ladroeira e um envenenamento com que os chinas retribuem a todas as nações do mundo o opio que só os inglezes lhes impingem.

XACA—Anspeçada do exercito dos idolos do Japão.

XACARA—Deus nos livre das que se{300} fazem hoje imitando as antigas! Já sabem a minha opinião: a respeito de versos, nem mesmo á moda de fallar minhôta, com b e c cedilhado. Prefiro-lhes o paio com ervilhas, e até o chouriço com ovos.

XAMATE—Asneira que se acha em todos os diccionarios da lingua portugueza, e que transcrevo sómente para demonstrar que é locução viciosa. É este o primeiro diccionario serio que a restitue á verdadeira pronuncia de XEQUE-MATE. (Veja adiante.)

XAQUE—Mais asneira pelas rasões já ditas. (Veja XEQUE.)

XAQUEMA—Tecido de que se fazem cilhas ás bestas.—«Porque andarão ainda tantas de suspensorios?—perguntaria José Agostinho de Macedo.—Talvez pelo equivoco de trazerem as mãos no ar?»{301}

XAROPADA—A maior suavidade da medicina. Apenas estraga o estomago.

XAROPE—Discurso do devedor que pede reforma de letra.

XENOMANIA—Gosto de estrangeirices, muito peculiar em varios litteratos que não sabem a sua lingua.

XEQUE—Termo de xadrez, quando se annuncia ao parceiro que o rei d'elle está ameaçado de perigo. Os diccionarios portuguezes trazem xaque, palavra que nunca se pronuncia entre nós.

—Em todo o caso, prefiram os xeques dos bancos aos do xadrez, que eu faço o mesmo.

XEQUE-MATE—Ultimo lance do jogo do xadrez, quando o rei vencido flca prisioneiro. Nenhum dos diccionaristas portuguezes{302} conheceu até hoje aquelle jogo, aliás não escreveriam todos, com automatica unanimidade, xamate, que ninguem diz, nem disse nunca, em vez de xeque-mate.

—D. Miguel, em Evora Monte; Napoleão III, em Sédan; D. Carlos, na Hespanha; todos levaram xeque-mate. A opposição portugueza deu xeque aos ministros passados, que entregaram a partida, e está hoje applaudindo outros jogadores. Vejam, mas não atrapalhem. Preparam-se grandes lances, sobretudo se jogarem os bispos! Tomem sempre cautela com os peões. Por se não contar com elles, perde-se muitas vezes o jogo.

XIPHOIDE—Nome scientifico da espinhela. Oh! caros leitores, se ella vos cair alguma vez, procurae-a... n'este diccionario.

XIRA—Grande comezana á mesa do orçamento.{303}

XIS—Segundo um sabio estrangeiro, residente em Portugal, x vem de chin, que o dito philologo escreve xin. Em questões de tão alta sciencia metto a viola no sacco.

—Gritem todos, quando virem algum ladrador partir a correr, com grande posta que lhe atiraram para o calar.

XUPISTA—Amador de capilé de cavallinho em ponto grande.

—Descobridor de pessoas raras, das que ainda caem.

XYLOALOES—Pau que dá o aloes, e que se poderia chamar, com propriedade, pau de Raspail. Oh, meus amigos: o aloes é bom; mas não o tomeis nunca sem caldo de hervas. Elle só por si faz cousas de todos os diabos, desde a queimadela até aos rugidos medonhos das feras intestinaes!{304}

XYLOLATRA—Adorador de imagens de pau. Carissimas devotas de S. Luiz & C.ª, bem fazeis vós, que não sois xylolatras, segundo rosnam falladores atrevidos!

XYLOPHORO—Cada um dos ministros encarregado de accender e alimentar o fogo sagrado... do amor da pasta.{305}

Y

{306}
{307}

Y

YPSILON—Um timido que rarissimas vezes começa alguma cousa por si, e que só apparece quasi sempre no meio da multidão.

—Ente inutil, e por isso o mais pobre de entre os vinte e cinco irmãos que lhe deu a arte de escrever. Por mais que eu o apertasse e espremesse, deitou apenas o magro chorume d'estes dois artigos. Bolas para elle!

Y mas no hay.{308}
{309}

Z

{310}
{311}

Z

ZABUMBA.—Estylo retumbante de certos discursadores.

—Os versos do senhor X.

—O elogio do senhor Y feito pelo senhor Z.

ZAGAL—Pessoa que falla á maneira dos heroes de Florian.

ZANGÃO—Ingenuo que faz livros com versos alheios.{312}

ZANGARREAR—Fallar ou escrever contra nós.

ZÃOZÃO—Discurso laudativo.

ZARCÃO—Perfido auxiliador do tempo nas caras das bailarinas.

ZAS!—O que precisam os patifes que nos roem a pelle.

ZELADOR—Pessoa util... a si.

ZIGUE-ZAGUE—Maneira de ir mais depressa.

ZOMBARIA—Pulga do espirito.

ZURRAR—Tomar a palavra, sem a pedir primeiro.{313}

ZT—Cousa que passa diante da nossa vista com a rapidez de um passaro. E modo por que eu me despeço do leitor:

 

ZT!

{315}

 

 

 

 

NOTA FINAL

OU A

ULTIMA PALAVRA DA SCIENCIA

Amaveis leitoras e benevolos leitores:—O homem que acaba de dotar tão generosamente a nação portugueza, e tambem a brazileira, com obra de tamanho prestimo e valia, pede-vos que não a largueis da mão sem vos terdes deliciado com estas linhas, que são remate e corôa do edificio consagrado á vossa admiração e regosijo.

Congratulae-vos commigo, povos d'aquem e d'alem mar! O monumento está concluido. Apesar das difficuldades da empreza, foi levado{316} ao cabo pela energia da vontade e pelo poder maravilhoso do genio, que o levantou sobre alicerces de diamante. A fama vae tomar conta d'elle para o tornar eternamente celebre; e os editores disputarão, de faca em punho, a honra de o reimprimir cincoenta vezes por anno.

Oh! gloria! oh! loureiros e palmares... onde tendes rama que chegue para tal triumpho?!

Jornalistas illustres, aparae as vossas pennas; academias e institutos scientificos, abri as vossas portas; povos, que vos prezaes de civilisados, saudae o Diccionario de João Fernandes!

—Viva João Fernandes!—Ouço eu já d'aqui gritar ás multidões enthusiasmadas.

—Viva!

—Mas quem é João Fernandes?!

A esta perfida e insidiosa pergunta cala-se tudo; os sabios entreolham-se de bôca aberta; e os outros suspendem a respiração, receiando{317} serem elles os predestinados. Por fim, responde uma voz:

—João Fernandes é um grande homem!

—Immenso!—apoia outra.

—Incommensuravel!—acode terceira.

—Sublime!

—Unico!

—Engraçadissimo!

—Sapientissimo!

—Immortalissimo!

—Foi elle quem mandou dar para baixo no povo, á porta do Passeio Publico.

—E quem matou o projecto da avenida para o Campo Grande.

—E quem levantou a questão dos muros...

—E quem embirra com as grades...

—E quem diz...

—Bolas, meus amigos! bolas!—exclama o auctor do Diccionario.—Essas obras são de outros Joões Fernandes; não confundam a minha com as dos meus collegas. Todos somos de grande força; mas eu não trato{318} as cousas tanto em absoluto. É verdade que não deixei ir o Polyphemo com um só olho, no artigo orçamento; que deixei escorregar a mão, ás vezes sem querer, no modo por que tratei os meus amigos medicos, a medicina e a botica, que Deus afaste da minha porta por todos os seculos dos seculos, amen; que escovei soffrivelmente a poesia e a politica; e que fui assás sincero com as mulheres... Porém nada d'isso vos auctorisa para me impingirdes filhos alheios. Que se aguente cada João Fernandes d'esta terra com os seus feitos. O meu é este. Vanglorio-me d'elle; e, attendendo a que não convem alargar mais o cavaco, declaro-o a ultima palavra da sciencia, e recommendo-vos que o elogieis com alma, se não quizerdes fazer má figura passando por ignorantes em materia de gosto.

No fim d'este discurso recrudesce o enthusiasmo, repetem-se os vivas e quebram-se á pedrada as vidraças de todos os livreiros{319} que não teem o Diccionario á venda. O auctor, enternecido com essas demonstrações, diz modestamente, começando a fazer a barba a si:

—Já vêem que não sou dos taes Joões Fernandes de tres ao vintem...

—Não—acodem os fanatisados;—é dos de pataco!

—Macanjo.—rosna um patife que não gostou do livro.

—Olhem esse maroto que está a dizer mal de mim!

—Quem foi?!

—Que é d'elle?!

—Calumniador!

—Invejoso!

—Vibora damnada!

E a multidão invade a casa do auctor, péga n'elle e passeia-o em triumpho pela cidade, com meia cara rapada, e a outra meia com barba de tres centimetros coberta de espuma de sabão. Este pormenor commove o resto{320} da população de Lisboa, que segue immediatamente o triumphador.

Ouve-se grande algazarra nas livrarias e vendem-se dez mil exemplares da obra em dez minutos. Vendo este successo, o tal sujeito, que fallára em macanjo, chega-se ao pé do auctor e diz-lhe, fulo de raiva:

—Eu chamo-me a critica... e vou fazer-te o resto da barba.

—Pois faze, mas compra o livro.

O povo, que percebe a cousa, salta por cima da critica, esborracha-a e esgota o resto da edição—outros dez mil exemplares!

João Fernandes volta rico para casa, e grita de longe á familia:

—Dei-a em cheio! «Posteridade, és minha!»

E cae o panno.

FIM

 

{321}

 

ERRATAS

Necessário aplicar!!!!!!

 

 

 

 

LISBOA

IMPRENSA NACIONAL

1878






End of the Project Gutenberg EBook of Diccionario de João Fernandes, by 
Francisco Gomes de Amorim

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DICCIONARIO DE JOÃO FERNANDES ***

***** This file should be named 34718-h.htm or 34718-h.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
        https://www.gutenberg.org/3/4/7/1/34718/

Produced by Pedro Saborano

Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties.  Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark.  Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission.  If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy.  You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research.  They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks.  Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.



*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
https://gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.