The Project Gutenberg eBook, Da importancia da Historia Universal Philosophica na esphera dos conhecimentos humanos, by Alberto Pimentel

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

Title: Da importancia da Historia Universal Philosophica na esphera dos conhecimentos humanos

Author: Alberto Pimentel

Release Date: July 3, 2010 [eBook #33068]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

***START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK DA IMPORTANCIA DA HISTORIA UNIVERSAL PHILOSOPHICA NA ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS***



E-text prepared by Pedro Saborano

 


 

 

DA IMPORTANCIA

DA

HISTORIA UNIVERSAL

PHILOSOPHICA

NA

ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS


DISSERTAÇÃO

PARA O CONCURSO DA PRIMEIRA CADEIRA (HISTORIA UNIVERSAL E PATRIA)

DO

CURSO SUPERIOR DE LETRAS

APRESENTADA PELO CANDIDATO

ALBERTO PIMENTEL


LIVRARIA INTERNACIONAL
DE

ERNESTO CHARDRON

Porto

EUGENIO CHARDRON

Braga

1878

 

 

 

 

{1}

DA IMPORTANCIA

DA

HISTORIA UNIVERSAL

PHILOSOPHICA

NA

ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS

 

 

 {2}

 {3}

DA IMPORTANCIA

DA

HISTORIA UNIVERSAL

PHILOSOPHICA

NA

ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS


DISSERTAÇÃO

PARA O CONCURSO DA PRIMEIRA CADEIRA (HISTORIA UNIVERSAL E PATRIA)

DO

CURSO SUPERIOR DE LETRAS

APRESENTADA PELO CANDIDATO

ALBERTO PIMENTEL


LIVRARIA INTERNACIONAL
DE

ERNESTO CHARDRON

Porto

EUGENIO CHARDRON

Braga

1878

{4}

 

 

 

 


Porto: 1878—Typ. de A. J. da Silva Teixeira, Cancella Velha, 62

 

 

 

 

{5}

DA IMPORTANCIA

DA

HISTORIA UNIVERSAL

PHILOSOPHICA

NA

ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS


João Baptista Vico, remontando-se á infancia poetica das sociedades humanas, vai encontrar a origem da curiosidade, filha da ignorancia e mãi da sciencia, n'um phenomeno natural que effectivamente devia de impressionar profundamente os sentidos e a imaginação dos homens primitivos.

Acceitando da tradição biblica o facto do diluvio, e dando á terra o tempo sufficiente para enxugar da inundação universal e para exhalar os vapores seccos proprios a formarem o raio, descreve a impressão que no espirito dos gigantes vigorosos e robustos, que então povoavam a terra, causára o coriscar d'aquelle meteóro através do ether, e o interesse com que ficaram olhando para o céo que desde logo consideraram como um{6} immenso corpo animado, o qual alguma cousa queria decerto exprimir por meio d'essa estranha linguagem de fogo.

Personificando toda a immensidade do céo no grande deus chamado Jove, que tinha por sceptro o raio, e que por toda a parte os seguia, por isso que toda a terra era coberta pelo céo, o que, segundo Vico, explica a phrase Jovis omnia plena, que Platão julgou dever traduzir por ether, os gigantes da terra renderam o primeiro culto á curiosidade, d'onde, como de uma semente abençoada, devia brotar o fructo precioso de todos os conhecimentos humanos.

Quer acceitemos a tradição religiosa do diluvio universal, determinado por Deus para refundir toda a humanidade com a familia salva na arca de Noé, quer consideremos essa inundação geral como uma simples phase geologica, caracterisada por phenomenos glaciarios, o facto poeticamente narrado pelo philosopho napolitano subsiste em essencia, e, a nosso vêr, é de todo o ponto provavel, e quasi certo, que fosse um phenomeno meteorologico o primeiro estimulo da curiosidade humana.

Vico lembra, afim de fazer acceitar a sua asserção, que ainda hoje os phenomenos naturaes lançam uma profunda impressão no animo de muitas pessoas, e cita especialmente, entre todos esses phenomenos, o da apparição de um cometa.

Despertada a imaginação do homem pelo sentimento{7} da curiosidade, entrou elle no periodo mais laborioso e ao mesmo passo poetico da infancia da humanidade. Era até ahi como um pobre cego lançado na vastidão de um mundo desconhecido e mysterioso. Mas a chamma electrica do raio veio, para assim dizer, rarear as trevas da sua immensa cegueira; essa luz estranha converteu-se para elle, como se não fosse movel e fugitiva mas fixa e duradoura, n'uma como estrella de guia, que o obrigou a altear o pensamento para além das brenhas da terra em que como selvagem vivia.

Assim como a criança tem deante de si, sem o presentir, sem o suspeitar, uma tarefa enorme a cumprir, o peso d'uma responsabilidade immensa, porque chegará um dia em que ella devera crear, permitta-se-nos a expressão, o mundo da sua existencia, construindo um ninho como as aves, organisando uma familia, norteando-a, como piloto, através dos mares aparcellados da vida; assim a humanidade era, n'esse periodo da sua infancia, chamada a cumprir a grandiosa missão de adaptar o mundo inteiro, como um ninho enorme, ás necessidades da sua existencia, de desbravar os caminhos por onde devia fazer a jornada dos seculos; de aproveitar todas as forças da natureza e as suas proprias, de as harmonisar, de as educar convenientemente para um fim commum; de pegar dos elementos creados e fundir com elles a gigantesca estatua da humanidade, com toda a perfeição relativa de contornos e relevos que hoje tem, porque a humanidade não era mais na sua infancia{8} que um esboço que importava accentuar, um molde que cumpria encher, uma força que tinha de desenvolver-se a si propria.

Mas assim como a criança lentamente e quasi inconscientemente enceta a obra do seu futuro, carreando uma pedra dia a dia, dando hoje um passo, outro ámanhã, refundindo o seu espirito com o auxilio da primeira instrucção; assim tambem a humanidade se foi transformando por successivos esforços e progressos, fazendo hoje uma conquista, ámanhã uma creação, enchendo a pouco e pouco o molde vazio em que, estatua, tinha de fundir-se e completar-se.

Pelo desenvolvimento da humanidade no momento actual é-nos facil avaliar a grandeza do seu trabalho através dos seculos, desde a origem do mundo até hoje. Religião, linguagem, agricultura, governo, industrias, commercio, artes, sciencias, tudo isso ella foi creando por um trabalho lento, que principiou por elementos simples, como se póde por exemplo ver na linguagem, onde o monosyllabo veio finalmente a converter-se nas linguas de flexão; na religião, onde a primeira elevação da alma para as forças da natureza, que foram encarnadas em symbolos grosseiros, veio a transformar-se na concepção grandiosa da divindade immaterial e absolutamente perfeita; no estabelecimento dos estados, onde o poder theocratico veio a parar nas modernas fórmas de governo que se pódem variar segundo o interesse geral; na agricultura, onde a rude cultura da terra, a{9} que o instincto impellia, se desdobrou na agronomia moderna, sciencia complexa, a que as invenções dos Dombasle, Fowler e Howard servem de diadema auriluzente; nas industrias, onde a vida pastoril exercida pelas tribus nómadas, e a da pesca, exercida pelas povoações costeiras, vieram a multiplicar-se na immensa diversidade de profissões e officios a que se dedicam as classes contemporaneas; no commercio, onde a simples troca de productos, n'uma área muito limitada, veio a metamorphosear-se nas grandes operações commerciaes que se alargam por todo o mundo, graças á invenção da moeda, aos progressos da navegação, aos rapidos meios de transporte; nas artes, onde os instrumentos de silex se transmudaram nos mais completos processos mechanicos, e os megalithos, que tanto se teem estudado hoje[1], vieram a converter-se nos grandiosos monumentos de nossos dias; nas sciencias, onde, por exemplo, a astronomia caminhou desde os pastores da Chaldéa, que contemplavam os astros, sentados nas eminencias penhascosas, pelo silencio da noite, até que essa sciencia celeste terminou com Newton, como diz Larousse, a sua evolução historica.

Durante esta obra de seculos, emquanto as bellas instituições da humanidade se fixavam na terra tão nova{10} como ella, ao mesmo tempo que as plantas enraizavam no solo e bebiam os succos nutritivos n'uma exuberancia caudal, os homens, como a criança, só poderam olhar para deante, para o futuro. O seu berço ficava ainda tão perto que não havia tempo de ter brotado d'elle esse doce sentimento que as lagrimas purificam, e que não poucas vezes conduz á reconstrucção do passado pela memoria,—a saudade; ou antes, como diz Cantu[2], os antigos tinham ainda muito poucas ruinas deante de si, phrase que Edgar Quinet repetiu [3],—e sendo o passado o campo aberto ás investigações da historia, onde quasi não havia passado não podia haver historia.

Sim. Dai um montão de ruinas ao homem, e conseguireis fazer d'elle um historiador. Uma vertebra, que no fim de contas é uma ruina do vasto edificio zoologico, bastou a Cuvier para a reconstrucção do passado. É pelo esqueleto das gerações que nos antecederam que os sabios de nossos dias teem realisado as mais assombrosas conquistas da sciencia moderna.

Mas havia transcorrido o tempo e as nacionalidades tinham sahido recentemente do berço, porque a humanidade gastára longo periodo da sua infancia na vida errante e rude primeiro que podesse constituir-se em tribu, e que da tribu nascesse a nação. Como acontece com as grandes obras d'arte, as instituições humanas foram modeladas{11} por um esboço, e aperfeiçoadas depois. O esboço da nação foi a tribu.

Parece-nos, porém, questionavel a fixação do periodo de desenvolvimento humano em que se constituiram as primeiras sociedades.

«Na verdade, diz Cantu, como podiam os laços do matrimonio e da paternidade tomar-se deveres antes do homem comprehender o bem que d'isto deriva e os meios de o alcançar? Como conceberia as vantagens da sociedade o que nunca as tivesse experimentado? Para que os homens se unam entre si, e façam um pacto social, é forçoso que possuam uma linguagem commum para se entenderem uns aos outros, e fórmas de convenção, de assembléas, e de representação; isto é, que estejam reunidos já em sociedade.»

Não concordamos, a este respeito, com a opinião de Cantu, pelas razões seguintes.

As relações naturaes a que o auctor da Historia universal allude na primeira interrogação, e que, segundo elle, importam a comprehensão dos deveres que d'ellas derivam, annullam, assim encaradas, a idéa de instincto, facto comprovado em todas as especies animaes, e até nas vegetaes. Para as aves, por exemplo, os laços d'essas relações naturaes convertem-se em deveres, e todavia nós não podemos suppôr nas aves a noção moral de dever. Emquanto, entre algumas familias aladas, a mãi acalenta o ovo, o pai divaga procurando alimento para a femea, e muitos naturalistas citam o facto de certas aves educarem{12} seus filhos no que chamaremos arte do vôo, antes de os abandonarem a si mesmos.

Quanto á segunda interrogação, convem distinguir entre o facto de constituir sociedade e o conhecimento das vantagens que d'ella resultam. Tambem poderemos suppôr nas aves, que se agremiam em grandes bandos, o conhecimento das vantagens que d'essa aggremiação resultam? As formigas, que vivem e trabalham em commum, obedecerão simplesmente ao instincto de conservação, ou serão impellidas pela elevada idéa da utilidade de associação?

Quanto á terceira interrogação, isto é, á necessidade de uma linguagem commum para que os homens possam reunir-se por um pacto social, desejamos accentuar mais largamente a nossa maneira de pensar.

Não somos da opinião dos que affirmam que haja tribus completamente privadas de linguagem, mas entendemos com sir John Lubbock[4] que essas tribus possuem todas uma linguagem, comquanto muito imperfeita e complicada de signaes.

Bastará citar em abono d'esta asserção o facto de entre os indios kiawa-kaskaia as tribus communicarem diariamente entre si, segundo o testimunho de James[5], ignorando completamente a linguagem umas das outras. «Pelo que não é raro, diz James, vêr dous individuos,{13} pertencentes a tribus differentes, sentados no sólo, conversando facilmente por signaes. São muito habeis em exprimir por este modo as suas idéas, e apenas interrompem o jogo das mãos, a longos intervallos, por um sorriso ou por uma palavra pronunciada no idioma dos indios crow, o mais espalhado ainda entre elles.»

Por onde nos é licito vêr que sobre a mais imperfeita e rudimentar linguagem, a dos signaes, estabelecem os indios kiawa-kaskaia as mais cordeaes relações de sociabilidade com as tribus visinhas. Finalmente, a theoria de Vico, dos povos mudos, exprimindo-se por meio de corpos ou de imagens, que tinham alguma relação natural com as idéas que queriam exprimir, por exemplo, tres espigas para significarem a idéa abstracta de tres annos[6], é manifestamente muito mais acceitavel do que a de Cantu, porque se funda na propria natureza humana, e destroe a opinião de que sem uma linguagem, no estado de perfeição em que Cesar Cantu parece suppol-a, a associação humana é inadmissivel.

O dr. Luiz Büchner[7] confirma a opinião de Vico. Crê, segundo Westropp, que o homem primitivo foi necessariamente um sêr mudo, e a linguagem articulada uma acquisição lenta e gradual; que ella teve por origem os gritos espontaneos de prazer e dôr, a que succederam{14} os sons imitativos (onomatopéas), razão por que na grande variedade de todas as linguas (cerca de tres mil) ha um numero consideravel de sons equivalentes, e até mais ou menos analogos. Cita uma observação de William Bell, a respeito do monosyllabo loh, empregado em muitas linguas para designar a luz, a chamma, e que procede da simples exclamação oh! precedida de um l ou de uma vibração da lingua. Crê que a pouco e pouco se foram formando os polysyllabos, pela repetição de um som simples, como nas palavras mamã, papá ou pela agglutinação das syllabas. «Depois, observa finalmente, o simples grito, correspondente a um sentimento, foi imitado pelos companheiros d'aquelle que o soltou, e acabou por tornar-se um signal representativo fixo servindo a designar o proprio sentimento.»

Aqui temos nós a linguagem, não como base de sociedade, mas, ao contrario, tomando a sociedade como base da sua perfeição.

Estabelecida a procreação pelo instincto, força irresistivel da natureza humana, que principiou a manifestar-se no homem desde os seus primeiros passos na terra, achando-se ainda embryonarias todas as forças moraes e intellectuaes, que por um lento progresso permittiram depois as mais elevadas concepções, e as mais assombrosas conquistas, foi ainda o instincto que levou a humanidade a lançar mão das primeiras industrias, da vida pastoril, da caça, da pesca, do commercio, segundo as condições naturaes dos paizes. «Assim as diversas industrias, diz Cantu, nasceram{15} e cresceram na razão dos lugares; porém a agricultura foi a que introduziu maiores mudanças na constituição moral. O homem, querendo, quando cultivou um campo, seguir com a vista as esperanças que lhe dava, construiu junto d'elle uma habitação; então aquelle sentimento tão imperioso, que chamamos amor da patria, apparece, e a estabilidade do lar domestico dá origem á associação civil.» Mas o lar domestico a que se refere Cantu está longe de ser a moralidade pela familia, pela familia que a monogamia santificou. O agricultor vivia rodeado dos seus escravos, e dos filhos; de procedencias diversas, escravos tambem. O pai era o senhor; governava pela força. A mulher era simplesmente uma cousa, um instrumento de reproducção; e as mais das vezes era arrebatada á sua tribu por violencia. Portanto, as primeiras familias foram uma reunião de escravos dominados por um chefe, só muito tarde, como mostra Lubbock[8], baseando-se nos trabalhos de Bachofen, M. Lennan e Morgan, é que se reconheceu que os filhos eram parentes de seu pai e de sua mãi. Mesmo em Roma, a palavra familia significava—escravos.—A mulher e os filhos só por serem escravos eram considerados familia.

Vico mostra, por uma observação philologica, a verdade d'estas affirmações. Sustentando, como na formação da linguagem, os verbos vieram depois dos nomes, e como os primeiros verbos foram certamente aquelles que{16} são como que os generos ou os radicaes de todos os outros, exemplo, sum, que contém todas as cousas metaphysicas,—sto, que exprime a immobilidade, e eo, que significa o movimento, observa por ultimo que estes verbos apenas tiveram a principio o modo imperativo, porque no estado de familia, e na excessiva pobreza de linguagem que então havia, só os paes davam ordens a seus filhos ou a seus criados, ao passo que estes, submettidos ao terrivel imperio do chefe de familia, obedeciam sem murmurios ás suas ordens[9]. Ainda hoje, entre os kalmuckos do Volga, o azorrague é o sceptro e o symbolo do poder domestico[10].

Foi certamente com esta mesma força de auctoridade que nasceu o chefe de tribu. Se a reunião de algumas pessoas carecia de uma que a regesse, a reunião de algumas familias, por maioria de razão, carecia de um magistrado que a governasse. Os chefes de familia ou senhores reuniam-se para se entregarem, em condições de segurança, ao exercicio da caça. Escolhiam certamente d'entre elles, para os dirigir, o que mais se assignalava pela destreza e certeza de caçador. Reconhecida a sua superioridade natural, ficava sendo o dominador da tribu. E esta authoridade devia ser tanto mais respeitada e temida, quanto era certo que se baseava n'um facto indestructivel e inevitavel, revestido de caracter divino,{17} porque a força era um attributo que não dependia da vontade do homem.

Da agglomeração das tribus nasceu a nação, como da agglomeração das familias havia nascido a tribu.

Sendo, porém, maior o numero de governados na nação do que na tribu, era preciso que o chefe escolhido para governal-os dispozesse de qualidades physicas ainda muito mais consideraveis. A mais importante de todas essas qualidades era a força, que, n'uma raça de valentes, não podia deixar de considerar-se um direito hereditario para governar. Cesar Cantu observa que o vocabulo dynastia (de dynamis, força) indica a origem de um tal poderio.

Temos, finalmente, fixada a nação, a nacionalidade, sob o imperio da força, origem dos grandes como dos pequenos estados, em todos os paizes e tempos. Citemos dous exemplos, ao acaso. «Romulo e os seus successores, diz Montesquieu[11], estiveram quasi sempre em guerra com os povos visinhos para ter cidadãos, mulheres ou terras; voltavam a cidade com os despojos dos vencidos; eram feixes de trigo e rebanhos: o que causava uma grande alegria. Eis-aqui a origem dos triumphos que foram no futuro a principal causa das grandezas a que esta cidade chegou.» A origem da moderna e pequena monarchia portugueza encarna-se, para assim dizer, na{18} athletica figura de Affonso Henriques, o terrivel perseguidor dos mouros, o guerreiro de estatura agigantada.

A propria origem das primeiras nacionalidades as impelliu á guerra, que, segundo Victor Cousin[12], é o instrumento terrivel mas necessario da civilisação. «A hypothese de um estado de paz perpetua na especie humana—diz elle—é a hypothese da immobilidade.» Comquanto não nos exalte em favor da guerra esta opinião de Victor Cousin, somos todavia levados a acreditar que a vida das primeiras nacionalidades se fortaleceu pela guerra, como o corpo de uma criança se fortalece pela gymnastica. Além do que, a victoria, lisonjeando o orgulho dos povos, nobilitava, para assim dizer, as suas aspirações de grandeza, e arrastava-os a assignalarem a si mesmos uma origem divina, aspiração que é a primeira fonte das tradições poeticas d'esses mesmos povos[13].

Acordada, portanto, a imaginação popular, cerca-se o berço das nações das brumas do maravilhoso.

Os quatro livros sagrados de Confucio, reconstruidos de memoria, depois de haverem sido queimados, e acrescentados com tradições, fazem remontar a historia da China, especialmente o ultimo livro, a um passado fabuloso. Na mais antiga parte dos Vedas, o Rigveda, os indios agradecem a intervenção do poder celeste nos seus combates. Indra protege a carnificina, como nós, quando{19} procurámos uma origem maravilhosa, fizemos intervir Christo na batalha de Ourique.

Por um lado as tradições poeticas, as narrativas fabulosas geraram a Historia. Por outro lado os factos reaes, especialmente os combates, misturados com as legendas phantasticas, desenvolveram-na.

Como para haver Historia é preciso que haja ruinas, a guerra foi o maior elemento da Historia, porque produz cadaveres, e os cadaveres são as ruinas da humanidade. Os seculos não passavam impunemente, sem fazer destroços. Na China, a monarchia dos Hia, que durou quatrocentos annos, acabou acompanhada de graves perturbações. Eis-aqui como foram augmentando os materiaes da Historia: ruinas e destroços.

Foi assim que, semelhante ao sol que nasce velado pelos vapores coloridos da manhã, surgiu, na successão dos tempos, a historia de cada nação, envolta nas tradições maravilhosas da sua origem poetica.

Que interessado enthusiasmo não devia de ser, porém, o dos primeiros homens que puderam quebrar imaginariamente o sello sagrado da sepultura das gerações que os precederam no perimetro da sua nação, e soprar-lhes vida nova, imitando a fabula de Pygmalião, o estatuario divino, e dar-lhes pensamento e voz, e ouvil-as, e collocal-as á volta de si mesmos, vendo-as passar em turbilhões phantasticos como na formosa ballada da dança dos mortos! O historiador, por uma arrojada abstracção, collocava-se fóra do seu paiz, e com uma poderosa{20} alavanca, muito semelhante á que o sabio Archimedes pedira ao rei Hieron, levantava a terra que lhe fôra berço com o peso enorme das gerações que a povoaram, mostrando-a suspensa aos olhos do mundo. Era realmente assombrosa esta nova conquista do pensamento humano, tanto mais que podia o homem transmittil-a aos seus successores por meio da tradição escripta. Sentiu-se decerto orgulhoso de si mesmo o homem que pôde legar aos seus descendentes essa preciosa cadêa de ouro que o prendia ao passado, á vida de seus avós, á gloria da antiguidade; fez, para assim dizer, um presente de seculos aos seus descendentes, que, por sua vez, arremessaram para a immensidade do futuro a outra extremidade da corrente de ouro, a que as gerações subsequentes haviam de encadear novos anneis.

Chegado á grande conquista do que chamaremos faculdade historica, isto é, ao desenvolvimento intellectual que permittiu transpor os limites da vida individual para se internar no estudo da vida nacional, apossou-se o homem de um poder verdadeiramente superior, que lhe permittia reconstruir o passado.

Se é attribuido a Christo o poder de ter resuscitado um só homem pelo milagre, o homem logrou resuscitar a nação pela Historia.

Mas os primeiros historiadores deveram forçosamente de assemelhar-se a estas arvores que, exuberantes de seiva na primavera, se cobrem totalmente de flôres, como a amendoeira. A imaginação, excitada pela tradição poetica[14],{21} estava n'elles em pleno vigor, pompeava as suas galas luxuriantes, á maneira das florestas virgens que se enredam em labyrinthos de phantasiosas ramarias.

Sendo certo que o ardor da imaginação arrasta á excessiva credulidade, os primeiros historiadores foram profundamente credulos, e bordaram as suas narrações com todas as tradições, legendas e fabulas, que a imaginação acceitára com prazer ou até com enthusiasmo.

Herodoto é um historiador poeta, que divinisa a Grecia; Tito-Livio dá largas á imaginação para descrever e declamar; Suetonio contenta-se com colleccionar anecdotas, que, por via de regra, tanto costumam lisonjear os espiritos frivolos, porque são um brinco para a imaginação.

Na successão dos tempos o christianismo, com o seu cortejo de legendas piedosas, com as exagerações proprias da exaltação da fé, contribuiu por sua vez, e não pouco largamente, para prolongar o predominio da imaginação na Historia, e retardar o advento do criterio philosophico e independente.

Toda a gente sabe como a imaginação dos povos occidentaes se exaltava com a posse das reliquias de um santo, n'uma época ainda relativamente proxima de nós. Sicard, duque de Benevento, declarava guerra a Amalfi só para obter os restos mortaes de Santa Triphomena.{22} Theodoro, bispo de Metz, preava em Roma, na presença do papa, a cadêa de S. Pedro, e jurava que não a largaria sem que primeiro lhe cortassem as mãos, porque a desejava possuir[15]. Jerusalem, a cidade celeste, apparecia ás imaginações christãs como um sagrado jardim rociado pelas lagrimas de Maria e pelo sangue de Jesus, e povoado das rosas de Engaddi, dos cedros do Libano, das oliveiras de Gethsemani, para nos servirmos de uma expressão alheia.

A cavallaria, em que o elemento christão se accentuou de modo a gerar as ordens militares religiosas, veio ainda inçar a Historia com as aventuras dos paladinos, com os matizes d'essa vida de imaginação, tão futil mas tão pittoresca. A febre da cavallaria chegou a ser tamanha, que bastará citar um só facto para comproval-a. Quando Carlos V foi coroado em Bolonha, tocou com a espada na cabeça dos que desejavam ser cavalleiros, dizendo a cada um: Esto miles. Mas como todos gritassem em volta do rei: Sire, sire, ad me, ad me, Carlos V, estendendo a espada sobre a multidão, viu-se obrigado a dizer: No puedo mas. Estote milites, estote milites, todos, todos[16].

Na época a que nos vimos referindo, os historiadores engrinaldavam as suas lucubrações com as flôres colhidas pela mão do amor e com as rosas cortadas nos{23} hortos de Jerusalem, pois que tanto valiam umas como outras, como claramente demonstra o annel nupcial com que S. Luiz brindou Margarida de Provença, o qual era formado de margaritas e de lizes alternados, tendo no meio um cruciflxo circuitado por esta inscripção: Hors cet anel pourrions-nous trouver amor[17]?

Na historia portugueza andaram por muito tempo dous episodios, que tiveram por origem o maravilhoso da tradição religiosa e o maravilhoso da tradição cavalheiresca. Referimo-nos ao milagre de Ourique, refutado por Herculano, e á instituição da ordem de S. Miguel da Ala, refutada por fr. Francisco de S. Luiz.

Quando havia de soar, porém, a hora em que o maravilhoso, o predominio da imaginação, devia ser banido da Historia? em que essa especie de peccado original devia desapparecer batido pelo criterio philosophico?

Coube aos tempos modernos a gloria de refundir a Historia, de lhe dar um novo rumo, de alargar as suas vistas espraiando-as por sobre toda a humanidade. A primeira idéa da Historia universal nasceu no seculo XVII, época relativamente muito recente, mas esta nova e grandissima conquista do pensamento humano só tarde podia chegar. Era preciso deixar accumular ruinas sobre ruinas, destroços sobre destroços, dar tempo a que os imperios desabassem, a que as religiões desapparecessem, a que os cadaveres dos homens e das instituições{24} se amontoassem, para que de cima de todos esses enormes escombros se levantasse sereno e altivo o pensamento humano, semelhante a uma grande aguia, e alçasse o vôo até pairar n'uma esphera superior e poder medir, com segura agudeza de vista, a profundeza dos destinos da humanidade na successão dos seculos.

Victoria immensa foi essa, triumpho assombroso o que permittiu que o homem alargasse por todo o mundo o dominio do seu espirito, que reconstruisse a humanidade como os primeiros historiadores haviam reconstruido a nação; que zombasse da morte animando as cinzas dos cadaveres e povoando com elles, por um poder maravilhoso do espirito, os imperios que tinham apparecido e desapparecido á face da terra, como plantas marinhas que ora surgem fluctuando no dorso da onda, ora se escondem nos sulcos profundos do oceano!

Desde o momento em que o homem pôde realisar esta synthese estupenda, o maravilhoso, as tradições fabulosas fugiram espavoridos do dominio da Historia. Outr'ora, como observa Edgar Quinet, «cada nação se fazia o centro e o fim do universo, e se impunha á adoração do genero humano[18]»; agora era o genero humano que se impunha á admiração de cada nação. Perante o enorme conjuncto dos povos, já não podia pensar-se em assignalar a origem de cada um singularmente; desapparecia o orgulho nacional, o excessivo sentimento de{25} amor patrio que procurava revestir essa origem de ouropeis poeticos; agora era preciso procurar a filiação da humanidade, estudar a sua apparição na terra, as suas divisões e evoluções, e tomando a peito a resolução de tamanhos problemas não havia tempo para estar a inventar fabulas, que ficavam esmagadas, como flôres inuteis, sob o carro da nova idéa, ou antes da nova sciencia vencedora. Como flôres inuteis, dissemos nós, e todavia devemos reflectir, avisados por Victor Cousin[19], que os primeiros erros são inevitaveis e ao mesmo passo uteis, porque fornecem a base de todo o progresso. De feito, não se póde entender a idéa de progresso senão á vista de primordios que se tornam defeituosos quando comparados com trabalhos posteriores. «Sem as attrahentes chimeras da astrologia, sem as energicas decepções da alchimia, por exemplo, onde teriamos nós haurido, pergunta Augusto Comte, a constancia e o ardor necessarios para recolher as longas series de observações e de experiencias que, mais tarde, teem servido de fundamento ás primeiras theorias positivas de uma e outra classe de phenomenos[20]»?

Até agora tinhamos diante de nós a Grecia, Carthago ou Roma, e feita a historia separada de cada uma d'essas nações, julgavamos que tudo estava feito. Pelo contrario,{26} tudo principiará agora a fazer-se, tomando por elementos de trabalho as ruinas d'esses emporios. Desde o momento em que nos collocamos n'um plano superior a todas as nações, creamos a Historia universal, e, conhecendo pela Historia universal os factos da vida dos povos, salteou-nos o desejo de averiguar as relações que poderiam existir entre os factos e as idéas, de conhecer se todos esses factos seriam obra do acaso, ou se cada povo teria sido impellido por um mobil secreto para o cumprimento de determinada lei e encarregado de desempenhar uma missão no grande conjuncto da civilisação geral.

De tal desejo nasceu, no seculo XVIII, a Philosophia da historia.

Assim como a medicina seria uma sciencia imperfeitissima, destinada a caminhar ás cegas, se a physiologia não houvesse podido penetrar na vida interior do corpo humano, assim a Historia universal ficaria condemnada a contemplar tão sómente o enorme vulto do gigante que se chama humanidade, se a philosophia, desempenhando missão semelhante a da physiologia no campo das sciencias medicas, não perscrutasse o que ha de intimo e de secreto no seio d'esse colosso, se, por outras palavras, não habilitasse a escrever a verdadeira historia da humanidade[21].

Uma nação constitue-se, florece e cahe. No fim de contas, pergunta um philosopho[22], o que é uma nação de{27} mais ou de menos na humanidade? E tem razão. A Historia não passa além do tempo marcado á existencia d'essa nação, quer dizer, acompanha-a até ao seu ultimo dia, mas a Philosophia da historia procura estudar a influencia que essa nação extincta imprimiu na sorte da humanidade, qual o papel que representou no grande concerto dos destinos da civilisação.

Os povos são individualidades conscientes. Ora todos os factos praticados por individualidades conscientes, embora hajam sido determinados por causas variadas, representam uma idéa.

A Historia estuda os factos; a Philosophia estuda a idéa que cada um d'esses factos envolve.

Portanto a Philosophia completa a Historia.

Bossuet, o sabio prelado de Meaux, foi quem primeiro executou a idéa de uma Historia universal. Dedicando o seu vasto trabalho ao Delphim,—vasto, sobretudo, em relação a época—procura lançar a vista sobre a successão dos seculos, afim de que no espirito do principe permaneçam gravados os traços geraes da vida da humanidade se por ventura se lhe desluzirem da memoria os episodios das historias particulares.

«Esta maneira de historia universal—diz elle[23]—é, a respeito da historia de cada paiz e de cada povo, o que uma carta geral é para as cartas particulares. Nas cartas particulares estudaes miudamente um reino ou uma provincia{28} em si mesmos; nas cartas universaes aprendeis a situar todas as regiões do mundo conjunctamente; vêdes o que Paris ou a ilha de França é para o reino, o que o reino é para a Europa, e o que a Europa é para o universo.»

Realmente, este espectaculo offerecido por Bossuet ao Delphim era assombroso, mas não se póde considerar como propriamente uma invenção do prelado de Meaux. Por isso dissemos anteriormente que foi elle quem primeiro executou a idéa de uma Historia universal.

Bossuet, traçando o plano da sua obra, antepõe a tudo o mais a historia do povo de Deus, que foi o fundamento da religião. Escreve, portanto, sob o ponto de vista religioso, ou antes faz-se um echo da Igreja. A sua obra é, para assim dizer, um desdobramento da Biblia, e toda a originalidade que revela está, como observa Cousin, na execução. Vendo caminhar o povo de Deus á face da terra, sempre guiado pelo milagre, que faz, por exemplo, com que a vara de Moysés aparte as aguas do mar Vermelho, Bossuet vê em todos os passos d'esse povo a mão de Deus, o espirito do Senhor. O plano descoberto por Bossuet na mobilidade dos acontecimentos humanos é traçado pela Providencia. «Mas lembrai-vos, meu senhor—conclue o prelado de Meaux[24]—que esta longa cadêa das causas particulares que fazem e desfazem os imperios, depende das ordens secretas da divina{29} Providencia.» Embora arrastado pelas convicções profundamente religiosas do seu tempo e do seu espirito, e até pelo dever da sua posição social, Bossuet tem um ponto de vista exclusivo, unico, intransigente; mas em todo o caso imprime á Historia um caracter philosophico, porque determina um mobil e um fim a todos os acontecimentos humanos.

O exclusivismo de Bossuet é seguramente, pelo menos á luz da sciencia moderna, o maior defeito da sua obra. Havendo elle comparado a Historia universal a um mappa-mundi, onde se póde vêr o que Paris é para a França, a França para a Europa, e a Europa para o universo, esquece-se comtudo, perante o espectaculo da Providencia, embevecido em extasis religiosos, de estudar as relações dos povos entre si para se elevar até á humanidade. Elle preoccupa-se com o povo de Moysés como se esse povo constituisse por si só a humanidade. Na historia dos imperios, a que consagra a terceira parte da sua obra, procura systematicamente a ligação, que reputa necessaria, com a historia do povo de Deus. Não só o Oriente falta no grande livro de Bossuet,—pondera Cousin[25]—assim como a historia das artes, da industria e da philosophia; mas tambem as religiões e as instituições politicas dos differentes povos são algumas vezes tratadas de modo um pouco superficial, se bem que de longe a longe, e por exemplo na historia romana, haja{30} relampagos de uma sagacidade superior e paginas que lembram Machiavel e antecipam Montesquieu.»

Lançada a primeira pedra no vasto edificio da Historia da humanidade, uma de duas cousas havia fatalmente de acontecer: ou a obra de Bossuet ficaria esquecida e, portanto, perdida, ou novos obreiros viriam continuar a fabrica gigantesca. Felizmente, um homem verdadeiramente superior, um «d'estes genios descobridores que alcançam as verdades na sua maior generalisação»[26], appareceu em Italia, illuminando com os relampagos do seu genio a grande obra da historia das idéas humanas, porque, já o dissemos, a historia dos povos não é outra cousa, ou antes creando elle proprio uma sciencia nova, scienza nuova, a rainha das sciencias, «porque as sciencias devem começar onde a materia e o objecto de que tratam principiam, e esta começará de feito com os primeiros pensamentos dos primeiros homens, e não com as primeiras reflexões dos philosophos sobre as idéas humanas[27].

É claro que nos referimos a João Baptista Vico.

O immortal philosopho napolitano, cujas obras despertam a mais sympathica admiração e o mais profundo interesse, extrahe da noite profunda e tenebrosa que envolve a antiguidade, uma affirmação completamente nova e surprehendente: O mundo civil foi certamente feito pelos homens{31} ou, n'uma phrase mais synthetica ainda, a humanidade é obra de si mesma.

Remontando-se á origem do mundo das nações, ou mundo civil, João Baptista Vico acceita a tradição biblica de que a terra fôra repovoada pelos descendentes de Noé, os quaes, rompendo os laços de familia por ligações passageiras e arbitrarias, se espalharam na grande floresta da terra.

A infancia da humanidade é semelhante, segundo Vico, á infancia do homem.

Os homens são mudos na sua origem. Vivem apenas porque o instincto os leva a conservarem-se. Mas o primeiro trovão e o primeiro raio lançaram no seio da humanidade nascente uma luz nova, a primeira noção da divindade, como já mostramos no principio d'este trabalho.

A commoção que o primeiro phenomeno meteorologico produziu no homem, desprende-lhe a lingua: póde, finalmente, pronunciar o primeiro monosyllabo.

O desenvolvimento da palavra faz-se lentamente na humanidade como no homem. A insufficiencia da linguagem é supprida por signaes, por gestos ou pela grosseira representação dos objectos na casca das arvores, origem dos hieroglyphos. Para facilitar a articulação das primeiras palavras, os homens fallam cadenciadamente: é a origem dos cantos, dos versos, da pantomima e da dança. Desenvolvidos os orgãos da voz, as primeiras palavras são a copia dos sons da natureza. Depois as palavras perdem a significação natural e tomam uma significação{32} convencional; o mesmo acontece na escriptura, a partir dos hieroglyphos.

O homem, assustado pelo trovão e pelo raio, escondeu-se nas cavernas da terra, receando d'um poder superior a elle; e ahi occultou tambem a sua companheira. D'esta juncção nasceu a familia, a que o homem teve de procurar alimentos, tendo de sahir, para encontral-os, dos recessos das cavernas. Do accordo dos deveres e das necessidades, a que esta primeira sociedade deu origem, nasceu o direito natural.

Segundo a formosa theoria de Vico, vêmos, pois, como o homem é um producto de si mesmo, e o mundo civil é feito pelo homem.

Na existencia de cada povo, Vico encontra a idade dos deuses, ou a época em que a imaginação e o medo divinisam as forças da natureza; a idade dos heroes, ou a época em que os homens, imaginando que tudo é obra dos deuses, attribuem a si mesmos uma origem divina; finalmente, a idade historica, em que o heroe se humanisa, e em que a natureza humana se torna intelligente, modesta, dôce e razoavel, obedecendo por consequencia á lei da consciencia, da razão e do dever, como diz o proprio Vico[28].

Dentro do circulo fatal d'estas tres idades ou naturezas, é que a vida dos povos se desenvolve e completa. Chegado ao grau de perfeição que fica assignalado, cada{33} povo extingue-se como uma flôr que attingiu o seu maximo desenvolvimento. Outro povo, como outra flôr, o ha-de vir substituir dentro do mesmo circulo fatal.

Toda a theoria de Vico se póde representar graphicamente por uma serie de linhas parallelas, que a nosso vêr exprimem perfeitamente o seu corsi e ricorsi, o progresso e retrocesso dos povos. Segundo esta theoria, os governos começam pela unidade nas monarchias de familia; pelo menor numero, nas aristocracias heroicas; pelo maior numero, nas republicas populares, e acabam pela unidade, como principiaram, nas monarchias civis. A successão d'estes periodos abrange a vida de cada povo.

Assim, Vico, traçando, nos tempos da primeira barbarie, a longa linha de corsi, encontra os paes de familia exercendo um governo, cuja authoridade pretende derivar dos deuses. Esse é o periodo do mutismo; a expressão do pensamento é gesticulada, hieroglyphica (Monarchias de familia). Os homens errantes refugiam-se junto dos paes de familia, que lhes não querem reconhecer direito algum. Os adventicios revoltam-se. São vencidos pelos paes de familia. Revoltam-se de novo. Os paes de familia procuram fortificar-se formando uma classe e regulando os direitos das gentes minores, dos adventicios (Aristocracias heroicas). Segue-se o periodo em que a continuação das revoltas por parte das gentes minores obtem concessões que produzem finalmente o governo humano, isto é, do maior numero (Republicas populares).{34} A estas épocas de agitação succede naturalmente um periodo de repouso, a monarchia. Mas cumpre notar que por isso que as monarchias e as republicas populares são ambas uma expressão do governo humano, podem succeder-se alternadamente.

Tracemos agora, segundo Vico, parallela á linha de corsi, a linha de ricorsi no periodo da segunda barbarie.

Voltam os tempos divinos. Os reis são os defensores da religião, magestades sagradas. Revestem a dalmatica dos diaconos. A corôa é encimada pela cruz. Fundação das ordens religiosas armadas. Os signaes dos brazões correspondem á linguagem hieroglyphica.—Regressam os tempos heroicos pelo feudalismo. Os barões são os heroes; os servos são as gentes minores.—Finalmente, os esforços dos vassallos para conquistarem a liberdade, em virtude da lei de que a potencia livre de um estado deve passar ao acto, vencem os esforços dos senhores e dão origem ao governo do maior numero, isto é, aos governos democraticos modernos.

Vico, encontrando o parallelismo dos corsi e ricorsi na linha d'extensão, não o pôde comtudo achar na duração e intensidade dos periodos, porque o da segunda barbarie foi muito menos longo e profundo que o da primeira.

A theoria de Vico tem sido mais ou menos impugnada, sem que da impugnação se possa deduzir menospreço pela elevada concepção do philosopho napolitano,{35} que evidentemente se baseia na divisão dos tempos, feita pelos egypcios e pelos chinezes. Cantu acha que a theoria da Scienza nuova tem o inconveniente de sobrepôr a razão á liberdade; de inutilisar todos os esforços tendentes a realisar um progresso continuo; finalmente, que ella é desmentida pela constituição da sociedade americana, que se organisou sem deuses, sem heroes e sem feudatarios, á custa da industria e da concorrencia[29]. Cousin encontra na theoria de Vico o vicio da preponderancia do elemento politico, da omissão quasi completa da arte e da philosophia, e sobretudo do estudo da civilisação oriental, dominada pela religião; finalmente, da omissão relativa aos destinos da humanidade em geral na sua marcha de refluxo em refluxo[30]. O snr. dr. Theophilo Braga acha que se ha erro n'aquella divisão dos tempos consiste em fazer o computo de tal modo, que os periodos subsequentes sejam excluidos dos primeiros[31].

Mas Cantu, como Cousin, faz justiça ao talento brilhantissimo de Vico, cuja arrojada intuição, em pleno seculo XVIII, espanta realmente. Comquanto Vico fique hoje muito atrazado em vista do estado actual da sciencia, sobretudo pelo que toca aos modernos debates sobre a origem das especies, distribuição geographica das raças humanas, pluralidade dos mundos, suspeitada já por{36} Giordano Bruno, e á questão da influencia dos meios, não póde deixar de reconhecer-se que não só previu muitos dos mais transcendentes problemas da sciencia moderna, taes como o da origem da linguagem, cuja resolução antecipou, mas tambem que deixou na sua obra os germens de muitas sciencias novas[32], e que foi o fecundador da maior parte das theorias modernas, entre as quaes a Philosophia da Historia.

A obra de Vico foi continuada por Montesquieu n'um plano igualmente superior. Como Vico, Montesquieu occupa-se da relação do direito com os costumes, mas introduz na sciencia da Historia um elemento novo, que todavia já Hippocrates, Platão, Aristoteles e outros sabios da antiguidade haviam suspeitado: a influencia dos climas no caracter e vida dos povos. Bossuet havia introduzido na Historia universal o elemento religioso: Vico, o elemento racional; Montesquieu introduziu o elemento climatologico.

O auctor do Espirito das Leis, fanatico pela sua doutrina, exagera os effeitos do clima, comquanto devesse attender a totalidade dos meios cosmologicos como Herder, mas o que é certo, e a sciencia moderna o tem demonstrado, é que o homem, e mais adeante nos demoraremos n'este ponto, quando tratarmos de Herder, nasce{37} e vive sob a influencia da natureza que o rodeia. O clima produz as sensações habituaes, que, no decurso dos tempos, constituem a sensibilidade definitiva[33]. Nas obras d'arte, e de litteratura, que são as que mais profundamente caracterisam a civilisação de um povo, como mais de espaço veremos, importa considerar, segundo Taine[34], tres forças primordiaes, a raça, o meio, e o momento. Estabelecida a verdade da influencia climatologica no homo duplex, Emilio Deschanel[35] procura no estylo de cada escriptor a caracteristica do temperamento, do clima, dos habitos, etc. Pelletan, considerando o sólo como um collaborador forçado do destino d'uma raça, reconhece a necessidade de se escrever a geographia do progresso[36].

Não se póde levar tão longe, porém, a fatalidade exclusiva do clima, sob o ponto de vista da temperatura, que haja de se fechar os olhos a contradicções flagrantes, a que os proprios factos historicos dão relevo, embora Montesquieu veja ainda no fundo d'essas contradicções a influencia climaterica. Assente que os climas frios são os que dão o vigor, a energia, e os climas quentes a molleza e a indolencia, o proprio Montesquieu[37] foi{38} obrigado a notar contradicções nos caracteres de certos povos do Meio-dia. «Os indios são naturalmente faltos de coragem, diz elle; os proprios filhos dos europeus, nascidos nas Indias, perdem a do seu clima.» Esta ultima affirmação acha-se plenamente confirmada no precioso livro de um viajante hollandez[38], o qual, tratando da maneira de viver dos portuguezes na India, faz notar a ociosidade a que se entregavam, a ponto de explorarem a honra de suas proprias mulheres[39]. Pois não obstante a indolencia peculiar ao clima da India, onde a luz e o calor parece conservarem-se n'uma primavera ininterrompida, os costumes indianos são violentos e barbaros: os homens submettem-se a males incriveis, as mulheres lançam-se ao fogo. Montesquieu explica ainda este facto pela preguiça do espirito dos indios, a qual é devida á indolencia do corpo, produzida pelo clima. A preguiça do espirito traz, realmente, a immobilidade nas leis e nos costumes; sem embargo, como observa Voltaire, a influencia dos climas é algumas vezes desmentida pelos factos historicos: em resposta á asserção de que os povos dos paizes quentes são timidos como os velhos, lembra Voltaire que os arabes conquistaram em oitenta annos maior territorio do que aquelle que o imperio romano possuia.{39}

Um philosopho allemão, que Edgar Quinet vulgarisou na Europa, levanta sobre a theoria de Montesquieu um edificio tão brilhante como arrojado; segundo Montesquieu, o homem é influenciado pelo clima; segundo Herder, a natureza é o molde d'onde a humanidade sahe conformada. Herder, cuja largueza de vistas abrange todos os elementos da humanidade, estudados desde a origem dos tempos, no seu desenvolvimento harmonico e progressivo, o que lhe dá uma incontestavel vantagem sobre os philosophos que o precederam, parte da geographia physica para chegar a uma synthese assombrosa. «É com um admiravel instincto—diz Quinet—que Herder segue o contorno dos rochedos e dos rios, que se perde nos desertos, que penetra com um olhar o interior de um paiz, para encontrar na natureza externa o primeiro mobil das tendencias e determinações dos povos[40].» A theoria de Herder é muito mais complexa do que a de Montesquieu, e é claro que, lançando mão de todos os elementos offerecidos pela natureza, abrange maior numero de verdades. Herder, como observa Quinet, estuda até os contornos dos rochedos e dos rios, as linhas da natureza; os perfis das montanhas e as sinuosidades do alveo dão-lhe a idéa das tendencias dos povos que vivem n'essas paragens. Com effeito, o scenario de um theatro fornece a primeira concepção das paixões que se irão desenvolver{40} no drama. No grande palco do mundo acontece o mesmo. O aspecto da natureza torna o germano dotado de uma tempera robusta[41]. Em Portugal, os povos nascidos nas duas montanhosas provincias da Beira sahem aptos para as maiores rudezas do trabalho; são principalmente elles os que executam a tarefa das ceifas no Alemtejo, onde vão todos os annos, arrostando um sol canicular, abrazador, chegando a morrer n'um só estio e n'uma só comarca, a de Elvas, quatrocentos ceifeiros, de fouce em punho, como verdadeiros heroes do trabalho[42]. Os povos do Algarve nascem marinheiros pela fatalidade da situação geographica, arrojam-se ás maiores ousadias da navegação, como a que no principio d'este seculo realisaram, indo dous homens n'um cahique ao Rio de Janeiro. Herder tinha razão. Um só rio, o sinuoso e extenso Douro, basta a caracterisar a vida da maior parte dos habitantes d'uma provincia. O conhecimento pratico, a observação de algumas povoações portuguezas leva-nos a estabelecer o principio de que a fórma geometrica dos rios determina os costumes dos povos circumpostos. As correntes em linha recta são as que produzem menor pureza de vida; pelo contrario, os rios meandrosos, difficeis, occasionando um trabalho continuo e perigoso santificam, para assim dizer, os costumes. Estudemos{41} esta theoria no rio Douro. Os barqueiros d'este rio entregam-se a um trabalho por tal modo intenso e ininterrompido, que chega a ser uma religião. Pendurados das fragas afim de tirarem os barcos á sirga, empenhados em vencerem os perigos dos pontos, verdadeiras cataratas, havendo previamente, de barrete na mão, confiado as suas vidas a Deus, são completamente absorvidos pela preoccupação do trabalho. Extenuados, quando recolhem ao lar domestico, dedicam-se á vida de familia, ao descanço patriarchal da lareira; regulando ainda assim o tempo por modo que muitos d'elles cultivam a sua vinha, a sua pequena horta, no intervallo das viagens. Mas nos rios placidos, rectilineos, a navegação não é um trabalho, é, pelo contrario, um pretexto de ociosidade. A propria corrente leva o barco, os barqueiros não bebem para fortalecer-se; bebem para embriagar-se, por deboche. Quando chega a noite, procuram as casas devassas, as rameiras do caes.

Herder, desenvolvendo a theoria de Vico, abrangeu todos os meios cosmologicos; não se preoccupou só, como Montesquieu, com os agentes astronomicos, e deu a devida importancia á acção geral da natureza. No estado actual da sciencia é preciso tambem ter em vista os modificadores sociologicos, posto que muitas vezes nos pareçam sujeitos aos cosmologicos. As profissões industriaes, por exemplo, não raro dependem de uma influencia puramente local. Jacques de Boisjoslin confirma esta opinião, avisando de que as aptidões profissionaes{42} podem enganar sobre as verdadeiras disposições das raças, por isso que frequentemente derivam do clima, da pressão da natureza[43].

Edgar Quinet lança-se com vivo enthusiasmo na theoria de Herder: «A figura dos continentes, dos rios, dos mares, das montanhas,—escreve elle com o seu bello colorido poetico—, quasi por toda a parte ha determinado a das sociedades; de modo que cada continente é um molde onde a Providencia vasa as raças humanas para que ahi tomem a fórma eterna dos seus designios; e o primeiro propheta escreveu o seu livro nas linhas mudas dos continentes ainda deshabitados[44]

Cousin, depois de haver prescripto ao movimento geral da Historia tres épocas, ligadas não só por uma relação de successão mas tambem de geração, tres épocas baseadas sobre as tres unicas idéas que o pensamento humano póde conceber, o infinito, o finito, a relação do finito com o infinito, sendo que estes tres elementos podem coexistir n'uma mesma época posto que seja o predominio de um o que a caracterisa; Cousin liga tambem uma alta importancia á situação geographica e chega á conclusão de que para tres épocas differentes, tres theatros differentes.

A theoria de Herder tem sido, porém, accusada por alguns philosophos de imprimir ao homem um caracter{43} de passividade, que o reduz á condição de escravo da natureza que o rodeia, e elle proprio, como lhe é censurado, não póde explicar pela geographia physica todos os desenvolvimentos da civilisação. Para elle, a linguagem humana é uma instituição divina, posto que até certo ponto nos pareça que, reproduzindo os primeiros homens as vozes da natureza pela onomatopea, segundo Vico, podia Herder explicar por esse mesmo facto a origem da linguagem, e pela situação geographica a euphonia ou a aspereza de certos dialectos.

Uma outra accusação consiste em não se haver Herder remontado á origem ethnica das raças, encarando-as apenas no estado em que as encontrou, quando estudou o caracter de cada uma como elemento da Philosophia da historia; pelo que calumniou toda a raça aryana, e portanto os germanos, a que pertencia, quando representou como rebeldes a toda a cultura os celtas e os slavos, que foram a guarda-avançada da colonisação europêa[45].

Como quer que seja, Herder accendeu a esplendida aurora que devia illuminar, principalmente em nossos dias, o estudo de todos os grandes problemas da sciencia e da humanidade, a que, depois d'elle, se tem dedicado grande numero de espiritos luminosos e fortes, cujas theorias não podemos mencionar n'um trabalho que, como este, tem de ser realisado n'um periodo fatal e curto.{44}

O ponto de vista religioso de Bossuet e o ponto de vista politico de Vico ficaram desde Herder offuscados pelo conjuncto synthetico de todos os elementos da civilisação humana: as raças, as linguas, as religiões, as artes, as litteraturas, os systemas de governo e de philosophia, etc. Duchinski achou vinte e oito elementos de critica historica: 1. Hydrographia; 2. Plasticidade do sólo; 3. Physionomia dos habitantes; 4. Hygiene, doenças; 5. Climatologia; 6. Mythos; 7. Tradições peculiares a cada raça; 8. Faculdades musicaes e poeticas; 9. Tendencia dos povos á vida sedentaria agricola ou a vida nómada mercantil; 10. Lugar da mulher na sociedade; 11. Faculdades religiosas, desenvolvimento das seitas; 12. Vestuario; 13. Alimentos, e bebidas; 14. Desenvolvimento da vida provincial e das idéas federativas; 15. Maior ou menor predisposição para a adoração do principio do mal; 16. A geologia e sobretudo a geologia agricola; 17. A botanica; 18. A zoologia; 19. As linguas sob o ponto de vista lexicographico; 20. As linguas sob o ponto de vista euphonico; 21. As linguas sob o ponto de vista dos caracteres da civilisação; 22. As linguas sob o ponto de vista das tradições historicas que apresentam; 23. Pureza e impureza relativa dos costumes; 24. Grau do poder creador do espirito; 25. Grau de parentesco entre os povos sob o ponto de vista das relações historico-politicas; 26. Estatistica; 27. Encadeamento dos factos historicos. 28. Grau de parentesco com relação ás origens. E certamente não se poderia Duchinski gabar de{45} ter enumerado todos os materiaes que sabe aproveitar a Philosophia da Historia, em cujo campo o menor elemento fornece uma caracteristica, o que não deve admirar depois que se conheceu que uma alga microscopica, a Trichodesmium erythræum, produz certa coloração particular do mar Vermelho.

Afim de estudar todos estes elementos, para chegar á synthese da humanidade, era preciso desenvolver, refundir e até crear um grande numero de sciencias correlativas a elles. É o que se tem feito até hoje. Cada sciencia especial acode a offerecer ao investigador uma poderosa alavanca que ha-de ajudar a levantar a humanidade á altura precisa para receber de frente toda a luz da Philosophia. A Historia, que fôra outr'ora simplesmente a narração de factos, tornou-se, portanto, a mais complexa de todas as sciencias. Foi uma transformação assombrosa. Atearam-se os grandes debates da sciencia moderna, os sabios lançaram-se á descoberta da verdade, tomando a Philosophia por instrumento. O nosso seculo tem assistido as mais brilhantes investigações. A Philosophia positiva metteu hombros ao colosso do passado, e iniciou um dos cyclos mais admiraveis da humanidade, se não o mais assombroso de todos elles.

Parece-nos conveniente insistir n'este ponto, por isso que lavra ainda em alguns espiritos uma certa desconfiança sobre o estado de perfeição dos modernos trabalhos scientificos. O conhecimento d'esta desconfiança foi que nos determinou a escolhermos para dissertação{46} de concurso o vasto assumpto de que vimos tratando, seguramente muito superior ás nossas forças.

Odysse-Barot é um d'esses espiritos desconfiados. «Vemos apparecer cada anno, diz elle[46] numerosas e interessantes monographias, obras especiaes de um incontestavel valor; mas não passam de uteis materiaes, que seria tempo de pôr em obra. A Historia está no ponto em que se achavam: a astronomia antes de Keppler, Copernico e Newton; a chimica antes de Lavoisier e Berzelius; a physica antes de Archimedes; a zoologia antes de Geoffroy Saint-Hilaire; a geologia antes de Cuvier; a physiologia antes de Harvey. A lei da attracção universal será mais difficil de formular do que a lei da attracção celeste? Sabemos como se movem os astros, e ignoramos como se movem os povos! Podemos determinar a curva que descrevem os mundos, e não sabemos absolutamente nada da orbita que percorrem as nações! Porque não descobrirão a lei da aggregação dos homens, como souberam achar a lei da aggregação das moleculas de um corpo? Não haverá uma chimica social do mesmo modo que ha uma chimica organica ou uma chimica mineral? Será que as forças chamadas cohesão e affinidade não possam actuar senão sobre os gazes, os liquidos ou os solidos? Acaso a humanidade ignora o que é uma combinação, uma liga? Não tem seus reagentes, suas decomposições, seus precipitados? Descobriu-se a{47} lei da circulação do sangue no homem: a historia espera o seu Harvey, para encontrar a lei da circulação do sangue nas sociedades. A historia espera o seu Archimedes, que nos dê a formula da dynamica e da statica politicas, etc.»

Realmente, isto é querer desconhecer até onde teem chegado os progressos da actividade humana dentro do campo da possibilidade, e exigir da humanidade o impossivel.

Com a sabia orientação da Philosophia positiva, o espirito humano caminha energicamente para as acquisições scientificas que as mais pacientes observações preparam todos os dias. Foi trabalhosa e demorada a jornada até esta conquista, porque o espirito humano teve de atravessar successivamente o estado theologico, base e estimulo de todo o progresso, porque é preciso um ponto de apoio qualquer para firmar os primeiros passos, e o estado metaphysico, transição do estado theologico para o estado positivo.

Mas, chegados a esta nova conquista, o que podemos exigir da Philosophia positiva, sciencia que elevou a Historia á sua mais alta concepção? Que nos permitta encarar todos os phenomenos como sujeitos a leis naturaes invariaveis, e reduzil-as ao menor numero possivel, afim de simplificarmos a universalidade dos conhecimentos humanos; que nos permitta sujeitar a um systema claro e positivo todas as sciencias fundamentaes estudadas nas suas relações communs como elementos constitutivos de{48} um todo harmonico, e portanto tambem nas suas relações com esse mesmo systema, com esse todo. Esta grande, esta immensa obra de simplificação deve-se á Philosophia positiva. Mas para que a Philosophia positiva podesse constituir-se com o caracter de universalidade que lhe é proprio, era preciso abraçar todas as ordens de phenomenos. Por isso a Philosophia positiva teve de inventar uma nova sciencia, que se propozesse estudar uma especie de phenomenos, que não podia incluir-se na dos astronomicos, na dos physicos, na dos chimicos, nem finalmente na dos physiologicos, e creou a physica social, que se trata de estudar com o vagar que a sua dependencia de todas as outras sciencias de observação exige, e que virá completar a constituição da Philosophia positiva.

Mas todos estes grandes, estes grandissimos progressos do espirito humano, toda esta colossal obra de simplificação e generalisação poderá produzir o conhecimento exacto, certo das causas das leis estudadas ou da explicação universal de todos os phenomenos por uma lei unica? Responde o proprio Comte, o grande apostolo do positivismo: «Na minha profunda convicção pessoal, considero estas empresas d'explicação universal de todos os phenomenos por uma lei unica como eminentemente chimericas, ainda quando são tentadas pelas mais competentes intelligencias. Creio que os meios do espirito humano são muito fracos, e o universo muito complicado para que uma tal perfeição scientifica possa estar ao{49} nosso alcance, e até penso que se faz geralmente uma idéa muito exagerada das vantagens que de tal conquista resultariam necessariamente, se ella fosse possivel[47].» É o proprio Augusto Comte que nos vem dizer que considera defezos á razão humana todos os mysterios que a philosophia theologica procurava explicar facilmente; que o espirito humano deve reconhecer, no estado positivo em que se acha, a impossibilidade de obter noções absolutas, de conhecer as causas intimas dos phenomenos, a origem e o destino do universo[48].

Estamos, pois, lançados na ampla estrada de uma sciencia toda humana, e havemos de chegar até onde os recursos humanos nos possam levar. É preciso tempo e trabalho para que a folha da amoreira se converta em sêda. A astronomia esperou o seu Keppler, como a historia espera o seu Archimedes. Odysse-Barot pede a formula da dynamica e da statica politicas: portanto, o que pede são duas theorias scientificas, que se devem considerar como factos logicos. Ora só por uma profunda observação d'esses factos se póde chegar ao conhecimento das leis logicas[49]. A Philosophia positiva, auxiliada pelas sciencias de observação já perfeitamente conhecidas, procura preencher a lacuna que respeita aos phenomenos sociaes para attingir o seu caracter de universalidade.{50}

Segundo esta nova marcha do espirito humano, toda positiva e observadora, a Historia teve de estudar profundamente a natureza para chegar, finalmente, á exacta concepção do lugar que n'ella occupa o homem. A geologia tem, portanto, attingido um notavel estado de florecimento. A historia da terra desdobrou-se em capitulos com uma nitidez admiravel, desde a nebulose, que pelo resfriamento se converteu na esphera terrestre, até nossos dias. Excavando nas entranhas da terra, para extrahir, como um minerio precioso, a sua historia, a sciencia encontrou os destroços animaes e vegetaes que geraram a paleontologia. Nas camadas terciarias do globo appareceram os instrumentos de pedra, a que o vulgo chama ainda hoje pedras de raio[50], e que effectivamente foram considerados como productos da natureza antes que Mercati os considerasse como armas defensivas do homem no estado da sua rudeza primitiva. O achado de alguns fosseis, que pareceram humanos, a par com os esqueletos de alimarias ante-diluvianas, veio depois, ao cabo de longos debates, e de novos achados, desfazer o erro anthropocentrico, confirmar a existencia prehistorica do homem e por conseguinte o emprego dos instrumentos de silex. Foi assim que do consorcio da geologia com a paleontologia nasceu a archeologia. Então, á luz do grande facho da archeologia, pôde a Historia{51} reconstruir as idades primitivas do homem. Chamou á primeira, de pedra, e subdividiu-a em paleolithica ou dos instrumentos de pedra lascada; mesolithica ou dos instrumentos de pedra lascada e de osso; neolithica ou dos instrumentos de pedra polida; e á segunda, idade dos metaes, subdividindo-a em idade de bronze[51] e idade de ferro. A descoberta de fosseis humanos, e dos instrumentos prehistoricos, veio dar desenvolvimento a um grupo de sciencias que teem necessaria relação entre si.

No primeiro plano d'este grupo, apparece a anthropologia, ramo da historia natural que trata do homem e das raças humanas, sciencia que se póde considerar originada pelo positivismo moderno, comquanto os gregos já designassem pelo vocabulo anthropologos aquelles que discutiam sobre o homem. O problema da origem do homem impoz-se á meditação dos sabios, como uma das mais importantes questões a resolver. Apartaram-se as opiniões, os campos. A primeira base de toda a discussão foi o Genesis. A opinião polygenista tirava argumento de serem os filhos de Deus representados como raças{52} provenientes de Adão, e os filhos dos homens como raças não adamicas[52] e de que a Biblia apenas se referia aos povos semitas, particularmente aos judeus[53]. A opinião monogenista contrapunha que todas as raças descendiam primitivamente de Adão e Eva, e consecutivamente dos tres filhos de Noé salvos do diluvio; que a influencia dos meios cosmicos produzira a variedade das raças. Esta discussão veio a generalisar-se, a emancipar-se da sua origem biblica, a diffundir-se pelo campo da sciencia, e até da politica[54].

O transformismo é uma phase nova d'esta grande questão, que envolve uma idéa antiga[55]. Lamarck sustenta que as especies se transformam passando de uma para outra, tanto no reino animal como no vegetal: o homem é uma transformação lenta do macaco. Procurando a origem dos sêres, Lamarck encontra os germens primordiaes ou mónadas, provenientes de geração espontanea. N'este systema, os meios de transformação{53} explicam-se pela adaptação dos orgãos ás condições da existencia. Cuvier, Geoffroy Saint-Hilaire e outros, sahiram em defeza das idéas orthodoxas, que parecia haverem triumphado quando appareceu Carlos Darwin, cuja theoria se póde definir: A selecção natural por a lucta pela existencia, applicada ao transformismo de Lamarck[56]. Segundo Darwin, todos os seres organisados se transformam incessantemente sob o imperio de uma lei de selecção natural (natural selection), e todas estas transformações têem por causa a lucta pela vida (struggle for life), isto é, o combate eterno dos sêres vivos entre si pelos meios de existencia. Todas as especies vivas descendem, segundo Darwin, de um pequeno numero de prototypos ou mesmo de um só. Em virtude da selecção natural todas as variações uteis são conservadas, e todos os desvios nocivos eliminados[57]. Comquanto Carlos Darwin se abstivesse de applicar a sua theoria á especie humana particularmente, os que a defendem fazem essa applicação como consequencia logica das asserções apresentadas por elle. A doutrina darwiniana foi o ponto de partida de um longo debate que ainda dura. Entre os allemães que se filiaram na escóla do transformismo, avulta Hæckel, que para explicar a origem do{54} homem parte das primeiras cellulas conhecidas, moneras, formadas por geração espontanea. Estas cellulas foram-se dispondo em orgãos e, depois de uma serie de transformações, que se podem classificar em vinte e dous graus, apparece o homem.

Graças ao espirito de positivismo do nosso seculo, as sciencias biologicas chegaram a este grau de desenvolvimento, e como que sopraram vida nova á intelligencia humana cada vez mais ávida de saber. Desdobram-se na tela da discussão os mais graves problemas, como por exemplo o das gerações espontaneas, que tanto preoccupou a Academia das Sciencias de Paris, depois que em 1858 o professor Pouchet lançou o pomo da discordia ao seio dos quarenta immortaes[58]. Certo é que muitos d'esses{55} grandes problemas não estão ainda resolvidos, como por exemplo o do transformismo, mas não é menos certo que as modernas investigações vão cada vez produzindo novas acquisições, e que, pelo que toca ao transformismo, a doutrina da mutabilidade e da evolução morphologica dos seres organisados vai cada dia ganhando maior terreno.

N'um curso regular de anthropologia, como aquelle que se professa no Instituto anthropologico de Paris, sob a direcção de Paulo Broca, a ethnologia, sciencia que se occupa da classificação, descripção, repartição, filiação e evolução das raças humanas, tem um logar importantissimo, e tanto se identifica esta nova sciencia com a Historia philosophica, que só pelo estudo das raças constituiram alguns historiadores uma Philosophia da Historia.

As analogias encontradas entre as linguas da Europa e o sanscrito determinaram as affirmações a que se chegou sobre a unidade da raça indo-européa ou aryana. Os resultados fornecidos pela investigação levaram Francisco Boop a reconhecer o parentesco das linguas celticas, que até ahi faziam grupo á parte, com o sanscrito, e com as demais de origem aryana. Por onde nos é dado vêr como a ethnologia prosperou pela applicação do methodo philologico. Aqui temos pois irmanadas duas novas sciencias, por igual importantes, a ethnologia e a philologia. E não diremos que a philologia é a base da ethnologia, porque muitas vezes a linguagem de um povo está falseada por agentes historicos e sociaes, taes como a conquista,{56} o commercio, e a irradiação de focos intellectuaes mais ardentes[59]. Mas, como quer que seja, acompanhar a evolução das raças desde a sua filiação o mesmo importa que fazer simultaneamente a historia das linguas respectivas e o estudo critico das litteraturas sob o ponto de vista da archeologia, da arte e da mythologia[60]. Os grandes problemas philologicos apenas começaram a inspirar geral interesse no principio d'este seculo. O ponto de partida dos modernos trabalhos sobre a sciencia da linguagem foi a Grammatica comparada das linguas indo-europêas por Francisco Boop. A antiguidade classica, circumscripta ao estudo da civilisação italiana ou grega, não podia elevar-se ás theorias geraes[61]. Além do que, era preciso que a Historia fosse estudando a genealogia dos povos, reconhecendo-os, para sobre o conhecimento pratico das linguas fundamentar a moderna sciencia da linguagem[62]. No seculo actual a philologia começou a estudar as ramificações das linguas, a comparal-as, a classifical-as, a criticar os seus productos, como a Historia começou simultaneamente a estudar as ramificações{57} dos povos, a comparal-os, a classifical-os, a criticar as suas manifestações. A linguistica, estudando a phonetica e a estructura das linguas, veio prestar uma valiosa collaboração á philologia, porque se o philologo não sabe nada da lingua em si mesma, diz Hovelacque, se ignora a sua estructura e os elementos que a compoem, como poderá fazer um juizo completo sobre os productos, os fructos d'esse agente, d'essa lingua[63]? A Philosophia positiva, pela applicação dos seus processos de simplificação e de generalisação, tratou de procurar as leis que presidiram á formação das linguas, e assim é que a sciencia da linguagem tem chegado á descoberta de factos importantissimos. Averiguou-se, por exemplo, que a lingua chineza, a qual comprehende quarenta mil palavras, apenas possue um peculio de quatrocentas e cincoenta raizes. Lubbock[64] occupa-se em mostrar a identidade de raizes na linguagem de muitas raças, e toma para exemplo as articulações pa e ma, que para a maioria dos povos significam pai e mãe, por isso mesmo que são as primeiras syllabas pronunciadas pela criança, as mais faceis, as mais involuntarias, como observa Lefèvre[65]. Mas, aqui se levanta uma importante questão. Como foram escolhidas estas raizes? Como é que certas cousas foram indicadas por certos sons? Max Müller chama a esses primitivos elementos das differentes famillias de linguas typos phoneticos{58} produzidos por um poder inherente á natureza humana. E acrescenta: «Existem, como diria Platão, por natureza; ainda que devemos tambem declarar com Platão que quando dizemos por natureza, queremos dizer pela mão de Deus.» Ha, porém, algumas palavras que, como zas, provém da imitação de um som. Segundo Müller, as palavras d'esta especie parecem-se com as flôres artificiaes: não têem raizes.

Lubbock não fica satisfeito com a resposta dada por Müller a esta pergunta «Como é que os sons podem exprimir o pensamento»? posto adjective de eloquente a resposta. Lefèvre qualifica-a de excesso de mysticismo anglicano por parte de Müller, e observa que «o grito vago, fixado, precisado pelo habito, por convenção, por analogia com certas impressões traduzidas em onomatopêas nos basta para comprehender como a tal ordem de sensações ou de movimentos cerebraes se pôde ligar tal ou tal som.» D'este modo não haveria na linguagem as flôres artificiaes de que falla Müller, e, como pensamos, todas essas syllabas-mães mergulhariam raizes na interjeição ou na onomatopêa, acabando de fixal-as o habito.

A moderna applicação da Historia a todos os ramos dos conhecimentos humanos produziu, na sciencia da linguagem, um estudo encantador—a biographia de cada palavra, muitas vezes em opposição com as regras phoneticas que determinam as mudanças possiveis das letras. O verdadeiro caracter de universalidade da Historia provém{59} certamente não do facto de abranger a generalidade dos povos, mas sim a generalidade dos assumptos, e é por isso que ella envolve, na sua immensa esphera, todas as sciencias. Tudo tem uma historia, e o historiador universal tem de abranger a historia de tudo.

Max Müller[66] faz, a traços poeticos, a biographia da palavra palacio. Sobre as margens do Tibre, uma das sete collinas era chamada collis Palatinus. Palatinus derivava-se de Palas, divindade pastoral, cuja festa se celebrava a 21 de abril. Nero mandou demolir todas as casas particulares d'esta collina para ahi edificar o seu aureo palacio, domus aurea, a que se principiou a dar o nome de Palatium, conservando-se como typo dos palacios reaes da Europa. De palatium nasceu o adjectivo palatino, a que se juntou a palavra abobada para significar o ponto mais elevado da bocca, porque abobada era realmente, como observa Müller, uma palavra muito propria para designar o palacio da bocca. O illustre professor d'Oxford, lembrando a phrase de Ennius—palatum coeli—, para exprimir a abobada dos céos, faz sentir a evidente analogia que ha entre a concepção do palacio da bocca e a de uma abobada, e entre a concepção de uma abobada e a sumptuosa habitação dos imperadores.

Tomando por instrumento de investigação a philologia, a Historia não abriu os vocabularios das differentes{60} raças para estudar sómente a biographia das palavras, mas quiz tambem deletrear n'elles a condição social, a civilisação d'essas raças.

A critica philologica descobriu que os Hos da India central não conhecem os termos affectuosos; que os Algonquinos, povo da America septentrional, não possuem o verbo amar; que os Bosmejans não teem nomes proprios para distinguir os individuos; que as tribus brazilicas desconhecem as noções de côr, genero, espirito, etc., por isso que não apparecem nos seus vocabularios palavras correspondentes a estas noções[67].

Se os vocabularios foram considerados testimunhos importantes para a historia da civilisação dos povos, as litteraturas, os monumentos litterarios principiaram a reputar-se, perante a critica moderna, a photographia do estado do espirito d'esses povos, e dos seus costumes. É por isso que Henri Taine[68] disse: «A historia transformou-se ha cem annos na Allemanha e ha sessenta em França, pelo estudo das litteraturas.» A litteratura copia o povo, como o livro copia o homem. Os monumentos litterarios são a concretisação da alma das nações: tudo o que ella sentia no momento em que produziu, influenciada pela força do meio physico, clima, e pelas disposições hereditarias, raça, está alli condensado. Uma epopéa é um composto determinado pela acção simultanea{61} d'estas tres forças primordiaes reconhecidas por Taine.

Interrogado o Mahabharata, reproduz a nossos olhos o cyclo tempestuoso das conquistas dos aryas, quando, avançando para o sul, se propozeram assenhorear as regiões do Ganges. O Ramayana é tambem um symbolo sob a fórma de uma epopéa. A serenidade e abundancia que succedem aos trabalhos de Rama, para rehaver o throno e a esposa, representam a conquista pacifica do Meio-dia da India depois da conquista guerreira. É o poema da posse, como o Mahabharata é o poema da lucta. Ambos elles respondem eloquentemente ás interrogações da Historia, ambos elles caracterisam a alma da raça arya ao tempo em que rolava do alto do Thibet para, como uma onda enorme, alagar talvez o mundo[69]. Eis-aqui porque já haviamos dito que as obras de arte e de litteratura são as que mais profundamente caracterisam a civilisação de um povo.

Nos tempos modernos, a Historia, depois do rumo que lhe imprimiu Vico, pôde extrahir grandes recursos do estudo dos symbolos; quando ella chegou a lêr esses alphabetos mudos, permitta-se-nos a expressão, dos povos primitivos, descobriu segredos importantissimos. Na poesia do Ramayana conseguiu reconhecer em Rama e em{62} Sita uma dupla personificação da agricultura, da força que move o arado e do sulco que esse movimento produz na terra[70], o que plenamente confirma a exegese em que o Ramayana é o poema da conquista do sul da peninsula indostanica pelo trabalho sereno, pela paz. O symbolismo juridico, interrogado pela Historia, produziu a poesia do direito, concepção encantadora que em Portugal só tem originado, até hoje, um unico livro[71]. Assim é que a symbolica vai encontrar na stipulacão a palha (stipula), que intervinha nos contractos[72] e que até algumas vezes se cosia aos documentos[73]; na prova pelo fogo o symbolo da pureza, porque, segundo os antigos, o fogo, sendo o grande purificador, «não podia conjurar contra o innocente[74]

Em Portugal, as mulheres accusadas de adulterio purgavam-se a ferro caldo. O ferro, aquecido pelo fogo, accusava o crime ou a innocencia: o fogo, diz o Ramayana, vê tudo o que ha de manifesto e tudo o que{63} ha de occulto. Bastaria só este facto para demonstrar que o symbolismo tanto abrangia a religião como o direito. Por um lado o fogo tinha um caracter divino, encarnava-se em Vesta, a que os gregos chamavam Estia, fogo domestico[75]; por outro lado revestia um caracter juridico, porque pela prova do fogo ficava a mulher legalmente rehabilitada. De modo que no ferro caldo não só se póde distinguir o elemento religioso e o elemento juridico, mas tambem a relação existente entre os dous elementos: sendo o adulterio um crime que principalmente affecta a vida de familia, a superstição continuou a fazel-o julgar pelo fogo, que na mythologia grega tinha um caracter divino de domesticidade.

Antigamente, o historiador fugia dos symbolos pela mesma razão que os caminhantes fugiam da Sphynge: por não poder adivinhar o que elles diziam. Mas depois de Vico, o primeiro philosopho da Historia, as allegorias tornaram-se claras, luminosas. Desde esse momento tanto se dilatou a esphera da Historia, que um só individuo passou a representar uma generalisação: Achilles o valor commum a todos os homens fortes, Ulysses a prudencia commum a todos os sabios[76]. Esta generalisação illustrou ao mesmo passo o passado e o futuro: o passado, porque interpretou a antiguidade; o futuro, porque produziu a etymologia das linguagens poeticas.{64}

Pelo auxilio que a archeologia e o estudo das litteraturas vieram prestar á Historia, chegou-se á concepção da ethnographia, sciencia que dá o conhecimento dos usos, costumes, aptidões e religiões dos povos, e cuja denominação foi fixada em 1826 por Balbi[77]. Esta nova sciencia veio, pois, completar o estudo do grupo humano sob o ponto de vista zoologico (anthropologia) e sob o ponto de vista historico e geographico (ethnologia). Como se fossem tres grandes linhas, as tres sciencias cruzaram-se em triangulo: dentro d'elle ficou o homem. O homo sapiens de Linneu mais propriamente se poderia denominar desde então homo triplex.

Toda a importancia da ethnographia não está, como por muito tempo se julgou, no interesse maior ou menor que póde despertar á imaginação o conhecimento da estranha maneira de viver dos povos. A sciencia moderna deu ás narrativas dos touristes um valor até agora desconhecido, e foi d'este modo que a ethnographia revestiu um caracter altamente scientifico. Sob este ponto de vista, presta um grande auxilio a interpretação dos phenomenos sociaes, á sciencia da sociedade ou sociologia, como lhe chamou Augusto Comte. Herbert Spencer encontrou grandes subsidios na historia das superstições, quando reconheceu que ellas pertenciam ao numero de certas particularidades de que parcialmente depende a maneira por que a unidade social se comporta no meio{65} das condições ambientes, inorganicas, organicas e superorganicas[78].

As civilisações antigas teem-se reconstruido em grande parte pelas investigações archeologicas, que são para a ethnographia um poderoso instrumento de averiguação. A sciencia moderna tem conseguido fazer a historia geral da civilisação da humanidade desde a idade de pedra até nossos dias, como se o homem actual podesse realmente retroceder ao passado e voltar ao presente com as provas materiaes do modo como a sua existencia se desenvolveu, de cyclo em cyclo, sobre a face da terra. Na grande resurreição da humanidade pela sciencia, o mais insignificante fragmento de barro serviu para a reconstrucção historica de uma civilisação.

Do conjuncto das sciencias que estudam o passado, e que são dominadas pela Historia, porque se apoiam sobre factos historicos, trazem origem algumas sciencias novas, entre as quaes mencionaremos a sciencia das religiões. Com quanto recentissima, são realmente admiraveis as conquistas, as descobertas já realisadas por esta sciencia. Uma d'ellas é, seguramente, a affirmação da unidade historica das religiões. A crença de que cada religião possuia sua autochthonia, ou pelo menos certa originalidade, cahiu perante o resultado das investigações modernas, as quaes poderam levar o espirito humano{66} á conclusão de que as religiões teem uma origem asiatica commum, que se encontra nos Vedas. A demonstração d'esta verdade é admiravelmente desenvolvida por Emilio Durnouf[79].

Achou-se que as religiões derivam de um elemento primitivo, o fogo, considerado sob o ponto de vista de tres funcções distinctas: uma physica, outra psychologica, a ultima metaphysica. A estas tres funcções correspondem tres phenomenos, que impressionaram o espirito dos aryas, quando ainda estanciavam nos valles do Oxus: o movimento, a vida, o pensamento. Estes tres phenomenos abrangem a totalidade dos phenomenos naturaes.

Espraiando a vista por todas as cousas inanimadas que os rodeavam, os aryas chegaram á convicção de que todas essas cousas se moviam por effeito do calor, proveniente do sol. Reconheceram o calor na chamma, no raio, nas nuvens formadas pela evaporação das aguas, no vento produzido pelos movimentos vibratorios do ar devidos á presença do calor, que o rarefaz, ou á sua ausencia, que o condensa; em tudo, finalmente. Depois, fixando a sua attenção nos corpos organicos, encontraram a mesma causa de vida: viram os vegetaes enfolhar e florir animados pelo ósculo tépido da primavera, e pender feridos de morte no inverno; viram os animaes mover-se cheios de actividade e de vida quando o calor lhes{67} retemperava os membros, e enfermar e morrer quando o frio os enregelava.

Portanto foram levados a concluir que residia no calor a causa de todo o movimento nos corpos inorganicos, e de todos as phenomenos vitaes nos corpos organisados.

Mas a presença ou a ausencia de calor, estudada no corpo humano, produziu a noção de tres funcções differentes.

FUNCÇÃO PHYSICA.—O corpo do homem ganhava pelo calor a actividade, a vida, que perdia pelo resfriamento.

FUNCÇÃO PSYCHOLOGIGA.—Desde o momento em que o corpo do homem se tornava cadaver por um resfriamento geral, a faculdade de pensar desapparecia.

FUNCÇÃO METAPHYSICA.—Se pela ausencia da luz o mundo ficasse sepultado em trevas, a intelligencia humana, dado que podesse funccionar, ficaria inteiramente desajudada do auxilio da vista, que é o sentido pelo qual nós adquirimos a percepção de quasi todas as idéas, especialmente a idéa da harmonia das cousas, e conseguintemente do principio de que emanam[80].

Assentes estes principios, vejamos como se póde affirmar a unidade historica das religiões pela sua filiação commum no elemento vedico do calor. Tomemos na religião{68} que seguimos um exemplo, o dogma da trindade.

Temos no christianismo o Padre, o Filho e o Espirito, e na trindade aryana a concepção de tres deuses que resumiam o nucleo da theogonia: Savitri, Agni e Vâyu.

Savitri, o productor, o pai celeste, é o sol.

Agni, é o fogo, habita na terra. O seu nascimento é mystico: se por um lado tem um pai terrestre, Twastri, que quer dizer carpinteiro, por outro lado descende do céo, e foi concebido pela vontade de Vâyu no ventre de Mâyâ.

Vâyu, no sentido material é o vento, o ar em movimento, que alimenta a luz e o fogo; no sentido metaphysico é o espirito de vida, a immortalidade em si mesma.

Todos estes tres deuses estão, pois, substancialmente identificados na trindade aryana como na trindade christã. São uma concepção metaphysica baseada sobre uma concepção muito vaga da natureza.

Mas a unidade historica das religiões póde ainda acompanhar-se na vida de Agni, o deus que se humanisa, porque desce á terra.

Twastri, seu pai, é o carpinteiro, que fricciona os dous bocados de madeira, de que ha-de sahir o «filho divino».

Mâyâ é a personificação da potencia productora sob a fórma de mulher.{69}

Agni nasce homem e transforma-se em deus quando um sacerdote, collocando-o sobre o altar, derramou sobre a sua cabeça o licôr sagrado, sôma, e o ungiu com a manteiga do sacrificio. Entre os aryas da Asia central a vacca era o typo por excellencia dos animaes, produz o leite, o qual produz a manteiga. A manteiga clarificada é a materia animal que melhor serve para alimentar o fogo. O sôma é um licôr alcoolico, produzido pelo succo da asclepias acida, que, fermentado, e lançado ao fogo, cria chammas esplendidas.

O sôma das religiões do Oriente transforma-se nas religiões do Occidente em vinho, o licôr sagrado. Assim como Agni reside no sôma, Christo reside no vinho, tambem sob uma fórma mystica. Ainda vamos encontrar no vinho o elemento vedico do fogo: a uva amadurece pelo calor, concentra-o, e transmitte-o a quem bebe o seu succo. O bolo que na religião indiana é feito de farinha e manteiga, materias eminentemente combustiveis e nutritivas, transforma-se na religião christa na hostia feita de farinha e agua, convindo lembrar que a combinação do hydrogenio com o oxygenio, de que resulta a agua, tem por condição, essencial o calor. Agni como Christo residem n'esta offrenda solida: são o sacrificador que se offerece a si mesmo como victima.

Eis o dogma da eucharistia.

Seguindo o luminoso rastro de Burnouf, poderiamos levar mais longe a demonstração da unidade historica das religiões, mesmo sem sahirmos do christianismo;{70} poderiamos descer a minuciosidades, mostrar como a estrella dos magos é a savanagraha, a estrella fatidica; como a vacca do presepe de Bethlem é a vacca mystica dos aryas, e como nem siquer falta o jumentinho que para alguns áryas traz sobre o dorso o fructo de que se extrahe o licôr sagrado; pelo que especialmente toca aos ritos, seria curioso mostrar, por exemplo, acompanhando Burnouf, como a grande época do anno christão consiste justamente nas ceremonias da renovação do fogo, quer dizer, na Paschoa; mas o nosso fim é tão sómente fazer sentir que a unidade das religiões é uma verdade, e que essa verdade foi conquistada por uma sciencia nova, baseada sobre factos historicos, e portanto filha da Historia universal philosophica.

A grande obra de simplificação da Philosophia positiva releva principalmente no mobil que impelliu o espirito humano a descobrir o principio de unidade das religiões.

Realmente é assombroso acompanhar a marcha da idéa religiosa, semelhante a uma grande corrente aryana, desde o seu berço asiatico, e através das mythologias dos antigos povos gregos, latinos e germanos, até ao christianismo, em que Agnus, o cordeiro immaculado, parece não ser mais que uma leve alteração morphologica de Agni.

A sciencia moderna está já dirigindo as suas vistas para a America, no indefesso empenho de encontrar a unidade das origens da civilisação. De Chavencey, estudando{71} o mytho americano de Votan, encontrou n'elle uma contrafacção, á parte o elemento indigena já introduzido, das legendas asiaticas de Phra-Ruang e de Pyú-Tsau-ti[81]. «Tem-se notado, observa Maury[82] a analogia de muitas tradições religiosas dos antigos mexicanos e de algumas crenças christãs ou buddicas, a conformidade de certos monumentos e symbolos da America central com figuras e emblemas christãos e japonezes. As populações boreaes encontravam um caminho já traçado para o novo mundo pelo estreito de Behring e ilhas Aleutianas.»

Especialmente pelo que toca á religião, a philosophia applicada á Historia é muitas vezes accusada de acintemente demolidora. Esta accusação, na materia de que vimos tratando, refere-se principalmente á vida de Christo. Ora é preciso observar que deve haver n'este assumpto tres pontos distinctos, correspondentes a tres elementos differentes: a theoria de Christo, a legenda de Christo e a vida de Jesus[83]. Christo, estudado na pureza sublime da sua vida, merece o respeito de todos os philosophos. «De alguma crença que a critica racional nos despoje, diz Stuart Mill[84], resta-nos Christo; figura unica,{72} que se eleva tanto acima dos seus precursores como dos seus successores, e d'aquelles mesmos que tiveram o privilegio de receber directamente de sua bocca o seu ensinamento.»

Desde o momento em que o espirito moderno tratou de procurar nos factos sociaes a estabilidade de principios que rege os phenomenos naturaes, querendo assim reduzir todas as nossas concepções fundamentaes a um estado de homogeneidade e, portanto, dar á philosophia um caracter definitivo de positividade, a Historia, fornecendo uma grande base para os estudos de observação, veio occupar um ponto culminante na esphera dos conhecimentos humanos. Esta superioridade de posição, que a Historia conquistou na hierarchia das sciencias, provém da necessaria relação que ha entre os factos e as idéas. De modo que se póde dizer que um grande numero de sciencias, se é que não são todas ellas, concorrem de mãos dadas para erigir o vasto monumento da Historia. As obras colossaes precisam de um immenso concurso de trabalho; quando Cheops e Cephten pensaram em levantar as duas mais altas pyramides do Egypto, diz-se que cêrca de cem mil homens carreavam materiaes. A Historia é tambem uma pyramide. E assim como as do Egypto dominavam com as suas quatro faces os quatro pontos cardeaes do mundo, a Historia abrange com a sua vista de aguia a esphera dos conhecimentos humanos.{73}

{74}

 

((1878))

 

 


[1] Referimo-nos principalmente ás antas ou dolmens. Vide Adolpho Coelho, Algumas observações ácerca do diccionario bibliographico portuguez e seu auctor, pag. 10, e Augusto Filippe Simões, Introducção á archeologia da peninsula iberica, pag. 76.

[2] Historia universal, introducção, cap. VII.

[3] Introduction a la philosophie de l'histoire de l'humanité.

[4] Les origines de la civilisation, cap. IX, traducção franceza de Ed. Barbier.

[5] Expedition to the Rocky mountains, vol. III, pag. 52.

[6] Scienza nuova, liv. II, Da sabedoria poetica.

[7] L'homme selon la science, traducção franceza de Ch. Letourneau, pag. 235.

[8] Les origines de la civilisation, cap. III.

[9] Scienza nuova, liv. II.

[10] Paulo Janet. A familia.

[11] Considérations sur les causes de la grandeur des romains et de leur décadence. Cap. I.

[12] Introduction a l'histoire de la philosophie, neuvième leçon.

[13] Theophilo Braga. Historia da poesia popular portugueza.

[14] Les sciences et la philosophie, por Th.-Henri Martin, pag. 30.

[15] Cantu. Hist. univ. Liv. XI, cap. I.

[16] Ibidem, cap. IV.

[17] Cantu. Hist. univ. Liv. XI, cap. VI.

[18] Introduction a la philosophie de l'histoire de l'humanité.

[19] Introduction a l'histoire de la philosophie, sixième édition, pag. 228.

[20] Principes de philosophie positive, por Augusto Comte, pag. 96.

[21] Cousin. Premiers essais de philosophie, pag. 380.

[22] Ibidem, pag. 379.

[23] Discours sur l'histoire universelle—Avant-propos.

[24] Disc. sur l'hist. univ. Troisième partie, chapitre VIII.

[25] Introduction a l'histoire de la philosophie, onzième leçon.

[26] Theophilo Braga. Poesia do direito, pag. 168.

[27] Vico. Scienza nuova, liv. I.

[28] Scienza nuova. Liv. IV.

[29] Historia universal. Introd.

[30] Introduction a l'histoire de la philosophie, sixième Edition, pag. 239 e 240.

[31] Poesia do Direito, pag. 13.

[32] «O seu livro é um Apocalypse, cada dia se descobre alli o germen d'uma sciencia nova, a Philosophia da Historia, a Symbolica do Direito, a Critica da Arte.» Theophilo Braga. A Poesia do Direito.

[33] H. Taine. La Fontaine et ses fables, troisième édition, pag. 8.

[34] Histoire de la litteratura anglaise, tome premier, pag. 22.

[35] Physiologie des ecrivains et des artistes.

[36] Le monde marche, seconde édition, pag. 214.

[37] De l'esprit des lois, livre quatorzième, chapitre III.

[38] Histoire de la navigation de Jean Hugues de Linschot, hollandois, aux Indes Orientales. Amsterdam, 1619.

[39] Capitulos XXIX e XXX.

[40] Introduction a la philosophie de l'histoire de l'humanité.

[41] Theophilo Braga. Introducção á Historia da litteratura portugueza, pag. 6.

[42] Joaquim Pedro Fragoso de Siqueira. Memorias economicas da Academia, tom. V.

[43] Les peuples de la France, pag. 16.

[44] Le génie des religions. (Ed. de 1869), cap. II, pag. 15.

[45] Jacques de Boisjoslin. Les peuples de la France, pag. 12 e 155.

[46] Lettres sur la philosophie de l'histoire, pag. 115.

[47] Principes de philosophie positive, pag. 140.

[48] Obra citada, pag. 88.

[49] Idem, pag. 119.

[50] Introducção á archeologia da peninsula iberica pelo dr. Augusto Filippe Simões, pag. 2.

[51] «Quem souber porém que o bronze é uma liga de cobre e estanho, que o segundo d'estes metaes é menos commum que o primeiro e de mais difficil extracção, e finalmente que, sem se conhecerem ambos, não se inventaria a sua liga, de certo perguntará porque se não faz preceder a época do bronze pela época do cobre? A razão é simples. Em quasi todas as nações da Europa apparecem tão numerosos os objectos de bronze e tão raros os de cobre, que se teem refusado os archeologos a admittir uma época só caracterisada por este metal.» Dr. Augusto Filippe Simões.

[52] Capitulo VI do Genesis.

[53] Com razão observa Quatrefages que o polygenismo, habitualmente olhado como um resultado do livre pensamento, começou por ser biblico e dogmatico. L'espèce humaine, deuzième édition, pag. 22.

[54] Quatrefages. A proposito da discussão americana entre esclavistas e negrophilos.

[55] Dumont. Hæckel et la théorie de l'évolution en Allemagne. Segundo Dumont a theoria da evolução apparece em germen nas velhas religiões pantheistas da India e do Egypto. O philosopho Parmenides concebia a geração da vida como gradual e resultante d'ensaios successivos. Chapitre premier.

[56] Topinard. L'Anthropologie, pag. 550.

[57] Este ponto é considerado inatacavel por Quatrefages. «Se toda a terra, diz elle, não é invadida dentro de alguns annos por certas especies, se os rios e os oceanos não são igualmente invadidos, a estas luctas se deve.»

[58] As peripecias d'este debate vem largamente narradas no livro La genèse des espèces, publicado em 1873 por H. de Valroger, padre do Oratorio (pag. 38 e seg.) e no livro Du darwinisme ou l'homme-singe pelo dr. Constantin James, publicado em 1877. Este ultimo livro é um manifesto plagiato do primeiro. Diz, por exemplo, o padre Valroger: «M. Claude Bernard, A. Dumas, M. de Quatrefages e M. Payen combattirent les theses de M. Pouchet, en s'appuyant sur leurs propres expériences, et signalèrent des causes d'erreur dont M. Pouchet paraissait ne pas s'être préservé. L'Academie proposa l'examen de la question en litige comme sujet d'un de ses prix.» Diz o dr. James, copiando quasi textualmente, sem citar o padre do Oratorio: «MM. Claude Bernard, Dumas, de Quatrefages e Payen, combattirent la thèse de M. Pouchet, en s'appuyant sur leurs propres expériences, et signalerent de plus les causes d'erreur dont il n'avait pas su se garantir. C'est alors que l'Academie proposa l'examen de la question en litige comme sujet d'un de ses prix!» (Pag. 79).

[59] De Boisjoslin cita, entre outros factos, o dos judeus haverem deixado de fallar hebreu seiscentos annos antes de Christo, e o dos francos terem perdido a lingua teutonica trezentos annos antes de Clovis.

[60] Hovelacque. La linguistique, pag. 3.

[61] Études de linguistique et de philologie par André Lefévre, pag. 41.

[62] Theodoro Benfey. Citado pelo snr. Adolpho Coelho no seu opusculo Sobre a necessidade da introducção do ensino da glottica em Portugal, pag. 4.

[63] La linguistique, pag. 13.

[64] Les origines de la civilisation, pag. 416.

[65] Études de linguistique et de philologie, pag. 94.

[66] Nouvelles leçons sur la science du langage, traducção franceza de Harris e Perrot, pag. 318.

[67] Lubbock. Les origines de la civilisation, pag. 425 e 426.

[68] Histoire de la littérature anglaise, tome premier.

[69] Dr. Theophilo Braga: «... esta raça conhecida pelo nome de indo-europêa, é a que pelas suas condições de ubiquidade, que lhe dá a sciencia e o poder, subsistira como unica na terra.» Hist. Univ., fasc. I, pag. 55.

[70] «Minha filha Sita, nobre premio da força, não recebeu a vida no seio de uma mulher; esta virgem de encantadoras fórmas, que se diria filha dos Immortaes, nasceu de um sulco aberto para o sacrificio. Eu a dou como esposa a Rama; elle heroicamente a mereceu por sua força e vigorRamayana, trad, de Hippolyte Fauche.

[71] Referimo-nos á Poesia do Direito do snr. dr. Theophilo Braga.

[72] Poesia do Direito, pag. XIV.

[73] Idem, pag. 62.

[74] Idem, pag. 66.

[75] O Fogo, por F. da Fonseca Benevides.

[76] Vico. Scienza nuova. Liv. II. Da logica poetica.

[77] Atlas ethnographique.

[78] Principes de sociologie, trad. franceza de Cazelles, pag. 137.

[79] La science des religions.

[80] Emilio Burnouf. La science des religions, cap. VIII, pag. 208 e seguintes. (Ed. de 1872).

[81] Le mythe de Votan, étude sur les origines asiatiques de la civilisation américaine, pag. 87.

[82] La terre et l'homme, quatrième edition, pag 485.

[83] Burnouf. La science des religions, pag. 242.

[84] Essais sur la religion, traducção franceza de Cazelles, pag. 237.


***END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK DA IMPORTANCIA DA HISTORIA UNIVERSAL PHILOSOPHICA NA ESPHERA DOS CONHECIMENTOS HUMANOS***

******* This file should be named 33068-h.txt or 33068-h.zip *******

This and all associated files of various formats will be found in:
http://www.gutenberg.org/3/3/0/6/33068

Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution.

*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
http://www.gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH F3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS,' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at http://www.gutenberg.org/fundraising/pglaf.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://www.gutenberg.org/about/contact

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org

Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit http://www.gutenberg.org/fundraising/pglaf

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including checks, online payments and credit card donations.
To donate, please visit: http://www.gutenberg.org/fundraising/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.

Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.

Each eBook is in a subdirectory of the same number as the eBook's
eBook number, often in several formats including plain vanilla ASCII,
compressed (zipped), HTML and others.

Corrected EDITIONS of our eBooks replace the old file and take over
the old filename and etext number.  The replaced older file is renamed.
VERSIONS based on separate sources are treated as new eBooks receiving
new filenames and etext numbers.

Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

http://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.

EBooks posted prior to November 2003, with eBook numbers BELOW #10000,
are filed in directories based on their release date.  If you want to
download any of these eBooks directly, rather than using the regular
search system you may utilize the following addresses and just
download by the etext year.

http://www.gutenberg.org/dirs/etext06/

    (Or /etext 05, 04, 03, 02, 01, 00, 99,
     98, 97, 96, 95, 94, 93, 92, 92, 91 or 90)

EBooks posted since November 2003, with etext numbers OVER #10000, are
filed in a different way.  The year of a release date is no longer part
of the directory path.  The path is based on the etext number (which is
identical to the filename).  The path to the file is made up of single
digits corresponding to all but the last digit in the filename.  For
example an eBook of filename 10234 would be found at:

http://www.gutenberg.org/dirs/1/0/2/3/10234

or filename 24689 would be found at:
http://www.gutenberg.org/dirs/2/4/6/8/24689

An alternative method of locating eBooks:
http://www.gutenberg.org/dirs/GUTINDEX.ALL

*** END: FULL LICENSE ***