The Project Gutenberg EBook of Memorias sobre a influencia dos
descobrimentos portuguezes no conhecimento das plantas, by Conde de Ficalho

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Title: Memorias sobre a influencia dos descobrimentos portuguezes no conhecimento das plantas
       I. - Memoria sobre a Malagueta

Author: Conde de Ficalho

Release Date: February 12, 2009 [EBook #28055]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-15

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MEMORIAS

SOBRE A INFLUENCIA DOS DESCOBRIMENTOS DOS PORTUGUEZES

NO

CONHECIMENTO DAS PLANTAS

 

 

 

 

MEMORIAS

SOBRE A INFLUENCIA DOS DESCOBRIMENTOS DOS PORTUGUEZES

NO

CONHECIMENTO DAS PLANTAS


I.—MEMORIA SOBRE A MALAGUETA

APRESENTADA

Á ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA

PELO

CONDE DE FICALHO

SOCIO CORRESPONDENTE DA MESMA ACADEMIA
LENTE DE BOTANICA NA ESCOLA POLITTECHNICA
ETC. ETC. ETC.

 

 


 

 

LISBOA
TYPOGRAPHIA DA ACADEMIA
1878

 

 

INTRODUCÇÃO

Os descobrimentos dos portuguezes nos seculos XV e XVI constituem uma das feições mais salientes da época, porventura a mais notavel da historia. N'aquelle periodo em que o espirito humano, quebrando as peias das severas e estreitas tradicções da edade média, e parecendo ter a intuição de tudo quanto é elevado e bello, abre novos horisontes nas sciencias, nas lettras e nas artes; os limites do mundo physico tornam-se, como os do mundo moral, apertados para as aspirações de uma grande e forte geração, e rasgam-se com elles, perante o seu singular poder expansivo. Um povo pequeno, situado no extremo occidental do mundo até então explorado, lançando-se em perigosas e heroicas aventuras nos mares incognitos e tenebrosos, dá o primeiro impulso a uma serie de descobrimentos, que, em menos de um seculo, dobram perante as nações maravilhadas a extenção das terras conhecidas. Mares e climas novos, raças humanas ignoradas, animaes e vegetaes estranhos e variados se patenteiam, em rapida successão, a uma geração curiosa e avida de informações. Mais de uma vez se tem apontado, o quanto estes novos aspectos do mundo physico deviam influir nos animos, alargando as idéas e destruindo antigos preconceitos; mas não cabe n'este trabalho o quadro, nem mesmo o esboço, de taes transformações.

Limitando-nos rigorosamente ao nosso assumpto, é licito affirmar, que em época alguma se accrescentaram tantas e tão variadas fórmas vegetaes ao peculio das já conhecidas. A vegetação inteiramente nova das terras de[4] Santa Cruz, ou da Africa meridional, e as ricas floras da India, do archipelago malayo e da China, antes apenas entrevistas e agora observadas de perto, enriqueceram, por modo sem egual em tão curto periodo, o conhecimento do mundo vegetal.

É certo, que as plantas se não estudaram então systematicamente, e muitos annos decorreram, antes que as fórmas vegetaes se grupassem com methodo, e se descrevessem com rigor. Todavia, grande numero de ricos e uteis productos vegetaes attrairam desde logo as attenções, e encontramos dispersas nas obras dos navegadores e escriptores portuguezes e hespanhoes, muitas noticias curiosas, e muitas informações exactas, sobre a sua naturesa e a sua origem. Basta citar, entre muitos outros, Duarte Barbosa, Thomé Pires, Garcia da Orta, Christovão da Costa, Oviedo, e Nicolau Monardes para provar com quanto interesse, e em muitos casos, com que espirito do rigor scientifico se observam as plantas então descobertas.

Estudar sob este ponto de vista a historia dos nossos descobrimentos, e do nosso dominio nas terras da Africa, da Asia e da America, buscando nos documentos contemporaneos as provas do conhecimento que os portuguezes tiveram dos vegetaes, e esclarecendo á luz da moderna sciencia alguns pontos duvidosos ou obscuros das suas narrações, seria sem duvida muito interessante e util. Ao interesse, que se liga á elucidação de mais uma consequencia d'aquelle grande facto historico reune-se uma verdadeira utilidade scientifica, porque as sciencias naturaes não vivem só do presente, não se desenvolvem unicamente pelas recentes observações, e pelas descripções de novas especies, mas vivem tambem do passado, e adquirem vigor e auctoridade, quando os periodos do seu aperfeiçoamento se prendem ás successivas phases da evolução do espirito humano.

Considerado este estudo de um modo geral, daria logar a um trabalho em extremo difficil e longo, pois só teria valor quando apoiado em provas, que demandam investigações. É, porém, possivel reunir pouco a pouco materiaes para esse trabalho de maior vulto, em noticias especiaes sobre plantas, regiões, ou épocas particulares. Eis o que tentei n'esta memoria em relação a uma planta, que teve uma época de celebridade.

Refiro-me ao Amomum Granum paradisi, cujas sementes foram conhecidas dos nossos navegadores sob o nome da malagueta. Esta substancia tem hoje[5] pouca importancia, e quasi anda esquecido o seu nome e applicado vulgarmente aos fructos de outra planta, que, com a malagueta da Africa, não tem relações nem semelhança. Não succedeu porém sempre assim, e, como ao diante veremos, foi droga muito procurada e apreciada. Das especiarias, que na edade média gozavam de nomeada, foi a malagueta a primeira que os navegadores portugueses encontraram logo no começo dos seus descobrimentos, e a primeira de cujo trafico se senhorearam desviando-o dos caminhos até então seguidos, e tanta importancia adquiriu nas suas mãos, que uma parte do litoral africano veiu a receber o nome de Costa da Malagueta. Primeira, na data do descobrimento, entre as especiarias que enriqueceram o nosso commercio, pareceu-me que a malagueta devia ser o assumpto d'esta primeira memoria.[6]

[7]

I

Do conhecimento que houve da malagueta antes e durante as viagens dos portuguezes

É muitas vezes difficil, e não poucas impossivel, averiguar a que plantas se referem os auctores antigos, encontrando-se em suas descripções, quasi sempre vagas, muitas causas de duvida, mórmente quando tratam de drogas vindas de regiões afastadas, e de que tinham imperfeito conhecimento. Theophrasto, e mais tarde Dioscorides e Plinio, nomeiam diversas drogas aromaticas e pungentes, e tiveram noticia, entre outras, da pimenta e do cardamomo. É certo, que algumas inexactidões na relação dada d'estas plantas, particularmente por Plinio, nos levam a crer que confundissem sob a mesma designação productos de diversas origens vegetaes; não ha porém motivo para suppor que entre esses productos figurasse a malagueta, attendendo sobretudo á obscuridade, que ainda no tempo de Plinio envolvia as terras d'onde é natural[1].[8]

Encontramos nos livros de medicina e materia medica de alguns escriptores arabes, como por exemplo nos de Serapio e de Avicenna, mencionadas diversas drogas africanas. Na época, em que estes celebrados medicos composeram as suas obras, isto é do IX e X seculo em diante, já os productos do Sudan começavam a ser conhecidos no Egypto, e na Africa septentrional pelas viagens, que faziam as kafilas de mercadores através do Sahará, e parece provavel, que a malagueta fosse um d'esses productos. As referencias muito succintas, que se encontra em seus livros, deixam-nos porém, na maior parte dos casos, em muita incerteza e não temos fundamento para affirmar que a conhecessem e descrevessem, antes temos razão para suppor, ou pela descripção das drogas, ou pela indicação da sua procedencia, que se referiam a outras substancias vegetaes[2].

A primeira menção da droga pelo nome ainda hoje usado, de que tenho noticia, é do começo do XIII seculo, e encontra-se casualmente na descripção[9] de uma festa celebrada em Treviso no anno de 1214. Figurou n'esta especie de justa, ou torneio uma fortaleza ricamente ornada, cuja defeza estava entregue a doze das mais illustres e mais formosas senhoras, accompanhadas de suas donzellas, e que devia ser assaltada pelos moços cavalleiros, armados de flores, aguas aromaticas e custosas especiarias; infelizmente o fingido assalto transformou-se em seria peleja, porque os cavalleiros paduanos e venezianos, pressurosos, como é bem de crer, de correrem ao combate, se desavieram entre si, ficando alguns mal feridos na contenda, e rotos os estandartes de suas cidades. Entre as especiarias enumeradas na relação d'esta festa figura a melegeta[3]. Depois d'esta primeira menção encontramos numerosas indicações de quanto aquella substancia foi conhecida e usada durante a edade média.

No mesmo seculo XIII, Nicolau Myrepso, medico do imperador João III, na côrte de Nicaea, receitava a μευεγεται[4], e o seu comtemporaneo Simão de Genova, estabelecido em Roma, falla da melegete ou melegette[5]. Com o nome de grana paradisi, pelo qual tambem era conhecida, vem mencionada entre as especiarias vendidas em Lyão no anno de 1245; egualmente em uma pauta ou tarifa de direitos cobrados em Dordrecht na Hollanda, em 1358; e ainda entre os condimentos usados por João II rei de França, durante o seu captiveiro em Inglaterra[6]. Sabemos tambem pelo curioso livro de Francesco Balducci Pegolotti, escripto pelo anno de 1340, que era importada em algumas cidades do sul da França, como Nimes e Montpellier[7].

Era esta droga apreciada como medicamento e como condimento, e junta[10] ao gengivre e á canella empregada na preparação do vinho adubado, chamado hippocras, muito em uso na edade média[8].

As caravanas arabes, ou berbéres traziam estas e outras mercadorias do Sudan, através do grande deserto do Sahará até aos portos do mediterraneo. D'este commercio e do nome de Grana paradisi, o qual proveiu de ser preciosa a especiaria, e misteriosa a sua origem, nos dá noticia uma importante passagem de João de Barros[9]. Vê-se pois, que o nome de malagueta foi bem conhecido e usado na Europa desde o começo do seculo XIII, e que n'este e seguintes, até ao meiado do XV, o transporte d'esta substancia era exclusivamente feito pelas kafilas ou caravanas dos mercadores africanos.

As eruditas e clarissimas demonstrações do visconde de Santarem[10] e do sr. H. Major[11] pozeram tão fóra de duvida, o caracter fabuloso das viagens[11] normandas do XIV seculo, e do supposto commercio ou trato de mercadorias, feito entre Dieppe e Roão, e a costa de Africa, que bem podemos passar em silencio o que Villaud e o sr. Margry nos dizem a tal respeito.

Os nossos navegadores tiveram conhecimento da malagueta ainda em tempo do infante D. Henrique, como se deduz da já citada passagem de João de Barros. Quando falleceu o infante, ainda não tinhamos chegado á parte da costa, que mais especialmente recebeu depois o nome d'aquella especiaria, e corre do cabo Mesurado ao cabo das Palmas; mas tinhamos conhecimento dos terrenos banhados pelo rio Gambia, rio Grande e rio de Geba, aonde egualmente se encontra. Das relações de viagem, que deixou o veneziano Alvise Cadamosto, tanto das duas a que elle proprio foi, por mandado do infante, como da que emprehendeu Pedro de Cintra, o qual chegou ao arvoredo de Santa Maria, além do cabo Mesurado e já na costa da Malagueta, não consta que se encontrasse a droga nas terras d'onde é natural. Falla é verdade da malagueta, mas como de mercadoria, que as caravanas de passagem em Hoden, ou Guaden traziam de Tombuto e outras regiões habitadas pelos negros[12]. Conhecia pois Cadamosto aquella especiaria, e é singular que a não encontrasse ou não mencionasse nas noticias detalhadas que dá das terras do Gambia, e do Casamança, tanto mais que o genovez Antonio da Nolle, ou Antonio Uso di Mare, seu companheiro de viagem, fallando do rio Gamba, diz que ahi entrou porque in ipsa regione aurum et meregeta colligitur[13]. Na narração da viagem de Diogo Gomes, levada a cabo ainda em tempo do infante pelos annos de 1456 ou 1457, encontramos uma interessante menção. Estando detidas as tres caravellas de seu commando pouco além da foz do rio Grande (o actual rio de Geba), pelas correntes fortissimas, que lhes embargavam o passo, vieram de terra os naturaes, trazendo pannos de algodão, marfim e malagueta em grão e tambem nos fructos em que nasce, de que elle (Diogo Gomes) teve grande contentamento[14].[12]

É para notar, que os nossos escriptores não fallam da malagueta, como de coisa nova e então descoberta, mas sim como de especiaria bem conhecida, e de feito sabemos o era, a qual, por ser preciosa, os navegadores folgavam de encontrar. É um sentimento analogo, ao que, alguns annos depois, deviam experimentar chegando ás terras da pimenta e do cravo.

Encontramos a prova da importancia, que desde logo teve a malagueta em um valioso documento do XV seculo, o celebre globo de Martinho Behaim. É bem sabido, que este notavel cosmographo, discipulo do mais afamado astronomo dos seus tempos, Regiomontanus, se estabeleceu em Portugal, para onde fôra attraido, como outros distinctos sabios, pela fama, que ao longe corria da revolução feita nos conhecimentos geographicos, e na arte de navegar pelos descobrimentos dos portuguezes. Assistiu muitos annos em Lisboa, e na ilha do Fayal, d'onde era natural sua mulher, fazendo apenas algumas curtas viagens á Allemanha, sua patria, e vindo a fallecer em Lisboa no anno de 1506. N'esta cidade se encontrou de 1480 a 1484 com Cristovão Colombo, o qual já andava empenhado nos seus projectos de viagem ao occidente, e alguns auctores pretenderam, ainda que com pouco fundamento, attribuir-lhe a gloria dos descobrimentos de Colombo, e tambem dos de Magalhães, dizendo que se haviam guiado por seus avisos e conselhos, ou por alguns mappas seus, em que se achava indicada a existencia do continente americano e mesmo a sua terminação austral. No anno de 1484 acompanhou Martinho Behaim a Diogo Cam, em uma viagem ao Congo, e de volta á Europa, ajudado pelo que elle proprio observara, e pelas informações colhidas entre os portuguezes, construiu o globo que ainda se conserva em Nuremberg[15]. Nos rotulos ahi gravados, além de outras indicações, que não vem para o nosso assumpto, lê-se o seguinte: «Chegámos ao pays que chamão reino de Gambia aonde cresce a malagueta,[13] afastado de Portugal oitocentas léguas, passámos depois ao pays do rei de Furfur que está a mil e duzentas léguas, aonde cresce a pimenta chamada de «Portugal[16].» Por aqui se vê que estas drogas não só eram bem conhecidas, como tidas pelos mais valiosos productos vegetaes d'aquellas regiões, e por isso mencionadas nos curtos rotulos aonde se descreviam as principaes feições das terras figuradas no globo.

Dos fins do XV seculo, ou principios do seguinte temos uma curiosa e detalhada noticia da malagueta e do seu commercio, em um livro que ainda se conserva inedito, intitulado Esmeraldo de situ orbis, escripto por Duarte Pacheco, um dos capitães portuguezes mais conhecidos por seu denodo e extremado valor. Dos seus heroicos feitos na India fazem menção João de Barros, Castanheda e Camões. Voltando da India governou o castello da Mina, e caíndo depois, por intrigas que lhe moveram, no desagrado d'el-rei, foi preso e terminou a vida pobre e abandonado. Da ingratidão d'el-rei D. Manuel o vingaram bem algumas admiraveis oitavas de Camões[17]. O Esmeraldo foi terminado, ao que parece, no anno de 1503, isto é logo que Duarte Pacheco voltou da India, para onde fôra em 1503 na armada de Affonso de Albuquerque, e aonde ainda permanecia em 1504. Attendendo ao curto periodo decorrido entre o regresso do oriente e o offerecimento do livro a el-rei D. Manuel, é natural suppor que estivesse já composto antes da sua partida, e que as informações minuciosas sobre a costa de Africa, que ali se encontram, fossem colligidas nas viagens de que Duarte Pacheco falla, feitas nos fins do seculo XV, ainda em tempo de D. João II, de cuja casa era cavalleiro[18].

Terei de examinar mais detidamente este livro nas paginas seguintes, basta[14] dizer por agora, que o auctor conhecia mui bem a malagueta e as suas diversas designações, pois na descripção da costa de Africa, diz fallando da matta de Santa Maria: «e d'aqui se comessa o resguate da malagueta que em latim se chama grany paradisy (sic)».

Ainda devemos citar uma passagem da historia ou relação da viagem de um piloto portuguez á ilha de S. Thomé. Não era homem vulgar este piloto, antes parece ter sido muito lido e erudito. Estando em Veneza travou amisade com o bem conhecido Jeronymo Fracastor, e com o conde Romualdo de la Torre, e occupou-se em estudar e interpretar o periplo de Hannon. O conhecimento, que já então tinha da costa da Africa occidental aonde fôra varias vezes, habilitava-o a lançar alguma luz na obscura relação, que nos ficou, da tão discutida e celebrada viagem dos carthaginezes. E certo que Ramusio se serviu muito, na sua interpretação do periplo, das observações e esclarecimentos fornecidos pelo portuguez[19]. De volta a Villa do Conde, d'onde era natural, escreveu o anonymo piloto a relação de uma das suas viagens á ilha de S. Thomé, relação que enviou ao Conde de la Torre, e que, vertida em italiano, foi publicada por J. B. Ramusio. Deprehende-se das datas citadas ter a viagem tido logar pelos annos de 1551 ou 1552.

No capitulo VI[20] tratando da Costa de Guiné e Benim diz o seguinte: «Nasce n'esta costa a especiaria chamada malagueta, muito semelhante ao milho da Italia, porém de um gosto forte como a pimenta; produz-se alli tambem uma pimenta fortissima, mais do dobro do que he a de Calicut a qual nós os Portuguezes, porque ella tem um pezinho que conserva depois de secca chamamos pimenta de cauda[21]; he muito semelhante ás cubebas em a sua figura, porém para o paladar é tão forte, que uma onça d'ella faz o mesmo effeito[15] que faria meia libra da ordinaria; e ainda que seja prohibido debaixo de gravissimas penas exportal-a da dita costa, tirão-na comtudo ás escondidas vendendo-a em Inglaterra por um preço dobrado d'aquelle porque venderião a pimenta vulgar. Procede esta prohibição, de que desconfiando ElRei N. S.r que esta planta não fizesse empatar e abaratar a grande quantidade de pimenta que vem cada anno do Calicut determinou que de modo algum se podesse conduzir para fóra[22]. Ha tambem uns arbustos que produzem vagens longas como saõ as dos feijões, com algumas sementes dentro, as quaes não tem sabor algum, mas as vagens mastigadas tem um gosto delicado de gengibre, e os negros lhe chamaõ Unias e lhes serve de tempero, junto com a dita pimenta, quando comem peixe de que saõ sobremaneira avidos.»

Citei integralmente este importante trexo porque nos dá clara e completa a distincção entre tres substancias vegetaes por vezes confundidas. De feito a descripção corresponde bem ao Amomum Granum paradisi Afzelius, ao Piper Clusii Cas. DC. e á Xylopia Æthiopica Richard, plantas de todo o ponto diversas e de afastadas familias, porém semelhantes nas qualidades aromaticas e ardentes de seus fructos ou sementes, e que por isso se substituiram mutuamente ou confundiram no commercio.

Por estas citações se vê, que os nossos navegadores e escriptores conheceram bem a droga produzida pelos Amoma da Africa occidental, e que a designaram geralmente com o nome de malagueta, não lhes sendo tambem estranho o nome de grãos do parayso.[16]

 

II

Da origem da palavra malagueta

Esta designação foi, como vimos, muito usada nos XIII, XIV e XV seculos, e, quanto hoje podemos julgar, applicada sempre, ou quasi sempre, ás sementes dos Amoma da Africa occidental. Rarissimas vezes encontramos este nome designando drogas da Asia, como por exemplo algum dos cardamomos da India, e n'estes casos por evidente equivocação. Assim Lagana, nos seus commentarios a Dioscorides, pertende identificar um dos cardamomos do auctor grego com a malagueta, quando é quasi certo que tal droga não conhecia[23]. Assim tambem Fr. Odorico de Pordenone, que visitou o oriente pelos annos de 1320 a 1328, diz, que na ilha de Java crescem diversas especiarias e entre estas as melegetae. A substancia designada assim pelo missionario Franciscano era sem duvida um cardamomo[24]. Estas applicações erradas do nome explicam-se facilmente pela semelhança das drogas, e por modo algum significam, que estas se confundissem geralmente, antes temos provas de que bem se distinguiam[25]. Foi só muito mais tarde, que este nome começou a ser vagamente dado a outras drogas e mui particularmente, como adiante veremos, aos fructos de uma Solanacea.

Examinemos agora qual a origem provavel da palavra malagueta, ou talvez melhor melegeta primeira fórma com que a encontramos escripta. Um dos mais eruditos homens de sciencia dos nossos tempos, Alexandre de Humboldt, quiz filiar esta palavra nos vocabulos asiaticos, que designam a pimenta. De[17] feito tem esta ultima especiaria em Sumatra o nome de molaga, e na India o de mellaghoo, e pela tendencia natural a applicar o mesmo nome a substancias analogas, e que o commercio confunde, suppoz Humboldt que o nome da pimenta, um pouco alterado, e tomando a fórma malagueta, se viesse a dar á droga de Africa[26]. Não julgo por modo algum acceitavel esta etymologia. Para que na Europa se désse á semente do Amomum um nome derivado, por analogia, do da pimenta, era necessario que esse nome se tivesse primeiro dado aos fructos do verdadeiro Piper. Ora não temos noticia de que a pimenta fosse conhecida nas linguas da Europa por palavra semelhante a molaga ou mellaghoo, ou que de algum modo se possa filiar nas fórmas sanskritas mallaja ou maricha. O vocabulo grego πεπερι, assim como o latino piper, d'onde vem quasi todas as designações usadas na Europa[27], prendem-se sem a menor duvida ao sanskrito pippali pela mudança do l em r, frequente nas linguas do ramo iraniano, pelas quaes nos foi transmittido. Não é pois facil admittir que se désse a uma droga, por ser semelhante á pimenta, um nome que a pimenta nunca teve, nem se comprehende que na Europa se applicasse a uma substancia da Africa um nome asiatico pouco ou nada conhecido.

O sabio academico visconde de Santarem propõe em uma das suas obras[28] outra etymologia. Recordando que Cosmas Indicopleustes falla, na sua Topographia christiana, do paiz de Mala na Asia, e accrescenta ubi piper gignitur,[18] suppõe que malagueta seja malagignitur corrompido, por isso que os primeiros navegadores, chegando á costa da Malagueta, e vendo tanta abundancia de especiaria se podiam julgar no paiz de Mala. Na verdade, parece-me demasiado forçada e difficil de admittir esta derivação.

Sustentaram alguns auctores a origem européa; entre outros Villaud de Bellefond, seguido depois com pouco criterio por Corneille no seu Diccionario Geographico, disse que a palavra era franceza, e quiz d'ahi tirar, não sei bem porque raciocinio, uma prova de que os francezes haviam descoberto as terras aonde a planta cresce. A origem franceza é insustentavel, e não tem um unico argumento em seu favor. Devemos todavia notar, que o visconde de Santarem, refutando esta opinião de Villaud, incorreu por sua parte em alguns erros e seguiu um systema contrario á verdade dos factos. No texto da sua memoria a pag. 39 e nota 7.ª[29], aquelle erudito escriptor pretende provar, que a palavra malagueta era usada pelos naturaes da costa d'Africa, datando dos nossos descobrimentos a sua adopção para designar a droga, antes mais conhecida pelo nome de sementes, ou grãos do paraizo. Os factos apontados nas citadas passagens pouco ou nada provam. Se Antonio da Nolle diz que na região aonde foi havia ouro e malagueta, não se segue que o nome fosse usado pelos negros, mas sim que elle o conhecia, o que era natural pois havia traficado no Mediterraneo. Se Brown, na relação da sua viagem, affirma que os negros chamavam malagueta a uma especie de pimenta, isto só significa que os negros da costa já n'aquelle tempo (1617) haviam adoptado o nome empregado pelos portuguezes, com os quaes estavam em contacto quasi diario. Demais todos estes argumentos caem perante os documentos citados nas paginas precedentes, que escaparam ás investigações do douto academico[30], e provam ser conhecido o nome de melegeta desde o começo do seculo XIII, isto é, mais de dois seculos antes das nossas viagens, e muitos annos antes das datas marcadas aos suppostos descobrimentos dos genovezes, dos catalães e dos normandos. Se pois a adopção da palavra malagueta se não póde ligar a viagem dos francezes á Africa, não é por só ter sido conhecida depois, mas exactamente pela razão opposta por ser vulgarissima muito antes.

Deparam-nos as obras de Matthioli, uma etymologia que, com quanto apresentada de passagem e como opinião pessoal, é muito digna de attenção e exame. Vem a ser a que deriva a palavra malagueta da semelhança da semente com os grãos de milho da India, aos quaes em algumas partes da Italia[19] se dava o nome de meléga[31]. Effectivamente, o milho da India, o Holcus sorghum de Linneo, foi denominado meléga, meliga ou mélica, e encontra-se designado com este nome em uma data anterior á primeira menção, que conheço, do nome de malagueta. Em um instrumento publico do XIII seculo, passado na villa d'Incisa, se diz, que dois cavalleiros cruzados, companheiros de armas de Bonifacio, marquez de Monteferrato, de volta do cerco de Constantinopla, deram á dita villa, além de uma cruz de prata encerrando um fragmento do Santo Lenho, uma porção de sementes provenientes da provincia de Natolia na Asia e chamadas meliga, offerta que foi tida em grande estima e consideração[32]. Quizeram alguns, que estas sementes fossem o milho, é porém mais provavel fosse uma especie de sorgo então nova, ou pouco vulgar[33]. Do theor da carta passada em Incisa no anno de 1204 parece resultar que o nome de meliga era até então desconhecido. É possivel, com quanto pouco provavel, que dez annos depois no de 1214 se tivesse já, por analogia e semelhança de fórma, derivado d'aquelle nome o de melégueta.

Resta examinar a origem africana, a qual se póde encontrar nos numerosos e variados dialectos usados pelas populações negras da região aonde a planta se cria, ou ainda nas linguas dos povos que com ellas negoceiavam. Dois povos de raça diversa se empregaram no activo commercio feito por um lado com os europeus, e por outro com as populações de raça negra; commercio de que os nossos escriptores tiveram, como vimos, noticia, e de que Leão Africano dá relação com a clareza e intimo conhecimento de quem n'elle tomou parte. Foram esses povos os arabes e os berberes: estes, os numidas ou libyanos dos antigos, fallam uma lingua bem distincta do arabe, e que nem mesmo se póde filiar no grupo semitico, mas sim em um grupo um pouco vago, de que o coptico parece ser o typo, para o qual se propoz o nome de «chamitico[34].» Dominados pelos semitas e em contacto por duas vezes com linguas semiticas, isto é, com a lingua punica dos colonos carthaginezes, e seculos[20] depois com a arabica, aceitando o dominio dos arabes e recebendo mesmo d'estes a religião mahometana, alguns berberes conservaram no entanto lingua e costumes proprios. Ainda mais; os povos berberes de raça pura, como os Tuareg, mais entranhados no deserto, e mais afastados do elemento arabe, que tão profundamente tem penetrado todo o norte da Africa, não só fallam uma lingua distincta, mas conservam o uso de um alphabeto especial, semelhante ao das inscripções libycas[35]. O mais antigo historiador dos descobrimentos portuguezes, Gomes Eannes de Azurara, teve conhecimento dos berberes, que chamou azanegues e barbaros, e da distincção entre a linguagem mourisca e «a azaneguya do Zaara»; e ainda mais, relatando a viagem do heroico escudeiro João Fernandes, dá conta de usarem de uma lettra com que escrevem «de outra guisa» que a dos mouros[36], facto curioso, ignorado ou posto em duvida durante muito tempo, e demonstrado pelas modernas investigações scientificas.

É pois no arabe, no berbér, ou nas linguas do Sudan e da costa occidental que se deve procurar a origem da palavra, se porventura é africana.

Devemos no entanto notar que os nomes arabes, hoje mais usados, não tem relação ou semelhança com a palavra malagueta. São estes nomes teen el felfel e tamar el felfel, o que vale o mesmo que pimenta figo e pimenta tamara, derivados por um lado da ardencia das sementes, e por outro de uma vaga semelhança na fórma dos fructos, quando mais desenvolvidos, com os figos, quando menores, com as tamaras.

Vem expressa em varias obras, sobretudo francezas, a opinião de que o nome da droga se deriva do nome de uma villa ou logar de Africa, chamado Melega, d'onde era trazida para a Europa. Da existencia de tal villa não pôde achar noticia, e creio, que alguns desses auctores se equivocaram com a costa da Malagueta, e que os outros, como tantas vezes succede, repetiram a asserção sem se darem ao trabalho de procurar os seus fundamentos[37].[21]

Nos dialectos dos negros os nomes da droga são variadissimos o pela maior parte absolutamente diversos e afastados no som e na fórma da palavra malagueta[38]. Diz-nos porém o sr. Daniell, que entre os negros Krus habitantes da costa que vae do cabo Mesurado ao das Palmas, o nome vulgar é Guetta, ao qual frequentes vezes se juntam as prefixas mane ou malé, e tem por certo ser esta a origem da palavra. É possivel, mas não tão seguro, nem tão fóra de discussão como parece ao dr. Daniell, pois se póde bem admittir que o nome usado pelos Krus seja a corrupção do vocabulo empregado pelos portuguezes e outros europeus, o que é tanto mais provavel quanto os Krus não são uma população do interior, mas sim um povo da costa, muito dado á navegação, e como tal um dos que tem sempre tido mais contacto com os estrangeiros.

Em todo o caso, se a palavra pertence ao dialecto dos negros foi-nos transmitida pelos povos do norte da Africa, unicos que até ás viagens portuguezas tiveram contacto com aquellas regiões. Devemos pois admittir que espalhando-se o seu uso pelo interior da região de Mandinga, se tornasse vulgar em Timbuktu e outros grandes mercados do Sudan. Os arabes e os berberes, que a esses mercados concorriam trouxeram a droga, e com a droga o nome, pelo caminho do Dar-Fur ao alto Nilo, e d'ahi aos portos do Egypto, ou pela via mais seguida do Fezzan aos portos de Tripoli. Mercadores de varias nações, e na época a que nos referimos, principalmente os venezianos, navegavam para esses portos, e desde o começo do XIII seculo, se não antes, introduziram a droga na Europa e usaram o nome malagueta ou melegeta.

Em resumo a origem da palavra permanece obscura, e unicamente temos[22] como certo, que os italianos foram os primeiros, entre os povos da Europa, a empregal-a, quer a derivassem da semelhança da droga com o sorgo, chamado melega, quer usassem, o que é mais provavel, de uma denominação vulgar eutre os africanos.

 

III

Das plantas que produzem a malagueta, e da sua distribuição geographica

Como mais de uma vez tenho observado, existe uma tendencia geral a applicar o mesmo nome a productos distinctos, mas semelhantes ou de propriedades analogas, e que se confundem ou substituem mutuamente no commercio. Por outro lado nas diversas regiões e épocas se tem dado nomes differentes á mesma substancia. D'aqui resulta uma certa confusão de nomes vulgares, da qual póde provir obscuridade, e que exige algumas palavras de explicação.

O nome de pimenta tem designado productos vegetaes variados. Em primeiro logar algumas especies do genero Piper[39], da familia das Piperaceas, pela maior parte oriundas da Asia, algumas porém naturaes da Africa, como por exemplo o Piper Clusii, chamado pimenta de rabo pelos nossos antigos escriptores. Por analogia de propriedades deu-se depois ao fructo de uma planta totalmente diversa, uma Myrtacea das Indias occidentaes, o Myrtus Pimenta de Linneo, ou Pimenta officinalis de Lindley, sendo singular que o nome portuguez do Piper se viesse a adoptar na linguagem scientifica para uma planta tão afastada. O fructo de uma Anonacea, a Xylopia Æthiopica, foi egualmente conhecido no commercio, pelos nomes de pimenta de Guiné ou de Ethiopia, de pimenta negra longa[40], de grãos de zelim e de maniguette[41], este ultimo por confusão com a verdadeira malagueta.[23]

Pelos fins do XV seculo, ou principios do seguinte, introduziu-se na Europa a cultura de diversas especies do genero Capsicum da familia das Solanaceas. Parece que todas estas especies são de origem americana[42]. A primeira noticia que temos d'estas plantas, é dada pelo medico Chanca, natural de Sevilha, e companheiro de Christovão Colombo na sua segunda viagem, o qual as descreve sob o nome de agi usado pelos naturaes das Antilhas[43]. Trazido o Capsicum para a Europa, ahi se generalisou rapidamente a sua cultura. D. Nicolau Monardes, que escreveu não muitos annos depois da conquista do novo mundo, diz que em toda as hortas de Hespanha se cultivava[44]. Clusio dá a mesma noticia em relação a Hespanha e a Portugal, aonde, nos arredores de Lisboa, observou differentes especies e variedades[45]. Pelas qualidades pungentes e ardentissimas de seus fructos, receberam estas plantas o nome de pimenta, sendo chamadas, no tempo em que Clusio visitou Lisboa pimenta do Brasil, e depois pimenta de Hespanha ou de Cayenna e tambem pimento, pimentão e malagueta. É o fructo pequeno, alongado e muito ardente, da variedade quasi arbustiva, que geralmente se conhece com o nome de malagueta. Como a cultura d'esta planta é hoje muito espalhada no meio-dia da Europa, o tambem na Africa, e ao mesmo tempo a antiga malagueta é rara no commercio e pouco usada, o nome transferiu-se na linguagem vulgar para o fructo do Capsicum, sendo geralmente ignorado, que durante seculos designou uma planta totalmente diversa.

Em quanto a essa planta, a que agora nos occupa, pertence á familia das Zingiberaceas do grande grupo das Monocotyledoneas: familia constituida por vegetaes das regiões quentes do globo, nos quaes abundam principios aromaticos, e cujas raizes, ou antes rhyzomas e sementes, fornecem alguns productos muito conhecidos desde tempos antigos, como são os cardamomos, a curcuma, a galanga e o gengivre. Os cardamomos, produzidos pelo genero Elletaria e por algumas especies do genero Amomum da Asia ou do oriente da Africa, foram conhecidos dos antigos, mas bastante confundidos entre si. Dioscorides e Plinio, e ainda[24] mais os seus commentadores, como Ruellio, Valerio Cordo, Laguna, Matthioli e outros, enredaram por tal fórma a synonymia dos cardamomos[46], que os trabalhos modernos, e em especial as pacientes investigações do erudito Hanbury, ainda não conseguiram dissipar toda a obscuridade e remover todas as duvidas. Quando a semente do Amomum da Africa occidental começou a apparecer no commercio, foi envolvida n'esta confusão, recebendo por vezes os nomes de cardamomum majus, e cardamomum piperatum, com quanto fosse geralmente chamada melegeta ou grana paradisi. A natureza e patria da planta, que a produzia, eram então ignoradas e mesmo quando depois as viagens dos portuguezes lançaram alguma luz sobre estes pontos, a distincção das especies permaneceu por muito tempo, e até aos nossos dias, em extremo duvidosa e incerta.

Foi Linneo o primeiro a descrever uma Zingiberacea sob o nome de Amomum Granum-paradisi[47]: porém dando uma diagnose curtissima, como era seu costume, que mal permitte discriminar a que planta se referia, e citando a par da habitação exacta na Guiné, a habitação em Madagascar e em Ceylão, aonde não existe tal especie e sim outras distinctas, temos a prova de que confundia a especie do occidente d'Africa, com alguma outra da Africa oriental ou da Asia. Torna-se assim muito difficil saber o que na realidade seja a planta de Linneo. Um botanico sueco, que no começo d'este seculo assistiu por algum tempo em Serra Leôa, Afzélius, descreveu depois uma especie sob o mesmo nome de A. Granum paradisi[48]. Mais tarde Roscoe, em uma monographia das Scitamineas, estabeleceu uma especie que julgou nova, mas parece ser uma simples variedade da já descripta por Afzélius, da qual diz provirem as sementes do commercio, e á qual deu o nome de A. Melegueta[49]. Algum tempo depois sir J. Smith em trabalhos diversos, e particularmente em varios artigos da Cyclopaedia de Rees, occupou-se do genero Amomum, creando algumas especies novas. O dr. Hooker publicou finalmente differentes noticias sobre estas plantas, e fez a revisão dos Amoma da Africa occidental[50]. Devemos ainda citar as observações de Jonathan Pereira, inseridas nas successivas edições dos seus elementos de Materia Medica, assim como as do sr. Planchon nas ultimas edições da Historia[25] das drogas de Guibourt[51] e muito particularmente uma memoria importante do dr. Daniell, á qual já repetidas vezes me referi, fructo de longas e cuidadosas investigações, feitas na costa de Africa[52].

De todos estes trabalhos resulta, que houve numerosos enganos e trocas na descripção e identificação das diversas especies, devidos por um lado á difficuldade de as distinguir, e por outro a imperfeita exploração da região que habitam. Ainda hoje não concordam absolutamente os diversos auctores, Hanbury, o dr. Hooker e o dr. Daniell sobre a sua limitação, e o valor de algumas fórmas, que uns julgam especies e outros simples variedades. Não entra no plano d'este trabalho a descripção minuciosa das especies, nem a discussão da sua synonymia muito complicada e das divergencias em alguns pontos secundarios, que ainda podem existir entre uns e outros botanicos, e se encontram expostas nas obras citadas.

Basta-nos dizer, seguindo principalmente a opinião do dr. Daniell, que as sementes se podem distribuir em dois grupos: o primeiro da malagueta véra, ao qual pertence quasí toda a droga do commercio, tendo em subido grau as qualidades aromaticas e pungentes que a tornam procurada: o segundo da malagueta dubia, aproveitada pelos negros na falta da primeira, e servindo mesmo para adulterar a droga trazida aos mercados, pois possue algumas das suas qualidades, posto que em menor grau.

A malagueta véra parece ser produzida por uma unica especie, o Amomum Granum paradisi Afz.[53], da qual se encontram tres variedades distinctas.

Var. a. majus: de porte maior e fructos e sementes grandes, a mais estimada. Encontra-se principalmente na costa da Malagueta e do golfo de Guiné, e particularmente nos logares baixos, humidos e ferteis. É a fórma que Roscoe considerou como especie distincta e descreveu com o nome de A. Melegueta.

Var. b. medium: de porte e fructos menores. Habita os terrenos montanhosos da Serra Leôa e outros logares. Parece ser a que serviu de typo á descripção de Afzelius.

Var. c. minus: propria ás regiões mais seccas e mais elevadas, de porte, fructos e sementes muito reduzidos; uma verdadeira variedade subalpina.

Em quanto á malagueta dubia é produzida por um certo numero de especies bem distinctas, como são o Amomum exscapum Sims., A. longiscapum[26] Hooker fil., A. latifolium Afzelius, A. Danielli[54] Hooker fil., A. palustre Afzelius, A. Pereirianum Daniell.

A exploração botanica da Africa intertropical está demasiado imperfeita, para que se possa fixar com rigor, ou mesmo com uma tal ou qual segurança, a demarcação das areas habitadas pelas differentes especies vegetaes. Os limites, que vamos indicar, devem pois tomar-se apenas como uma grosseira aproximação, sujeita a muitas correcções.

Pelo lado do norte a malagueta começa a encontrar-se desde o cabo Verde, ou talvez mesmo desde o Senegal. Parece porém ser bastante rara na região proxima ao mar, que corre da foz d'este rio á do Gambia. A que por ahi se vende é trazida do interior pelos mandingas, e provém do alto Senegal, alto Gambia, e das terras de Bambará. Podemos pois fixar como limite norte, aproximadamente, o parallelo de 15° latitude norte.

Caminhando para o sul encontra-se na Guiné portugueza porém em pequena quantidade. É mais frequente a partir do rio de Nuno Tristão, e muito abundante desde a Serra Leôa até ao cabo das Palmas. Predomina sempre nos terrenos baixos, humidos e fundos aonde chega a invadir as culturas sendo difficil de destruir. Do cabo das Palmas para este abunda em toda a zona da costa da Mina, costa de Benin, e delta do Niger até ao rio dos Camarões, encontrando-se tambem na ilha de Fernão do Pó. Existe egualmente no Gabão, e em geral em toda a costa que corre norte sul do rio dos Camarões até ao Zaire. Começa porém a ser mais rara, ou pelo menos a não dar logar a tão activo commercio. Estende-se a habitação da planta além do Zaire. Temos n'esta parte uma informação importante, dada pelo dr. Welwitsch, o qual nas suas explorações botanicas, não encontrou a planta espontanea, mas foi informado de que existe nas florestas do interior do Congo[55]. Comparando esta informação com o itinerario seguido por Welwitsch, póde fixar-se como limite aproximado sul o parallelo de 7° latitude sul. Vê-se pois que a planta se encontra localisada em uma região bastante vasta, que se estende ao norte e ao sul do equador, dilatando-se mais para o norte[56].

O limite oriental é muito mais vago, senão absolutamente desconhecido. As vastas regiões do Sudan tem sido atravessadas por alguns, poucos, exploradores[27] europeus, mas não estudadas botanicamente. Sabemos apenas, que aos mercados da costa vem malagueta das terras de Bambará e talvez das de Massina no alto Niger, que por outro lado as caravanas ainda hoje levam a Murzuk, no Fezzan, alguma malagueta do Sudan[57], mas ignoramos a região onde é produzida. Attendendo ás condições bastante uniformes de temperatura e humidade que reinam no Sudan, é natural suppor que alguns Amoma da costa occidental, se não todos, se estendam em uma vasta habitação até á região dos lagos, ou mesmo de costa a costa. Na Abyssinia, no paiz dos Gallas, e mesmo na costa oriental existem especies de Amomum, mas a sua identidade com as da costa occidental, com quanto admittida por alguns auctores[58], não está completamente demonstrada. É forçoso confessar que o conhecimento d'estas plantas é demasiado imperfeito, e a exploração d'estas regiões demasiado incompleta para que desde já se possam formular quaesquer conclusões seguras.

 

IV

Do commercio da malagueta, e da parte da costa a que se deu este nome

Na ultima metade do XV seculo, e no principio do seguinte, o commercio da malagueta, como o de todos os outros productos da costa occidental da Africa, foi exclusivamente feito pelos portuguezes. O caracter, que distingue os descobrimentos dos nossos, e os separa de muitas tentativas arrojadas, mas desconnexas, de outros navegadores, é a energia e a persistencia com que, não só proseguem avançando para o desconhecido, mas vão consolidando, por meio de novas e repetidas expedições, o seu dominio nas longinquas praias recentemente visitadas. Inspiradas pelo genio ardente do infante D. Henrique, as navegações portuguezas algum tanto affrouxam no tempo de D. Affonso V, occupado pelas dissenções intestinas do reino, pelos cuidados das expedições á Africa mediterranica, e pela lucta em que a defesa dos direitos da excellente Senhora o havia envolvido; tomam porém novo impulso sob a mão energica e inflexivel de D. João II, para chegarem no reinado de D. Manuel, a essa época de maravilhosa espansão, em que as naus portuguezas sulcavam todos os mares.[28] Não se satisfazem os nossos em descobrir novas terras, mas procuram firmar por toda a parte o dominio portuguez, levantam o castello de Arguim, edificam a fortaleza de S. Jorge da Mina, e cobrem a costa oriental da Africa e a costa do Malabar de fortes e feitorias. Estabelecem-se assim relações seguidas, e um activissimo commercio com a Africa e com o Oriente, no qual as especiarias representavam, como é geralmente sabido, o mais importante papel.

Hoje, que algumas especiarias tem caído em completo desuso e abandono, e outras se encontram tão vulgares e correntes no commercio, surprehende-nos a singular estima, em que foram tidas nos tempos antigos, durante toda a edade média, e ainda no primeiro periodo do renascimento. É certo, porém, que as difficeis, e muitas vezes interrompidas relações com o extremo Oriente, e as longas e demoradas viagens pela Persia, ou pelo Mar Vermelho[59], tornaram estes productos vegetaes raros e custosos, e por isso mesmo procurados como objecto de luxo excepcional. As duvidas sobre a sua patria, o mysterio que envolvia a sua origem, e fazia considerar alguns como provenientes do parayso terrestre[60], ainda mais contribuiram para que se encarecessem as suas[29] excellencias como medicamentos, e como adubos. Quantidades pequenas d'estas substancias, e que hoje teriamos por insignificantes, se offereciam como valiosos presentes a papas e imperadores, ou se enumeravam cuidadosamente entre as riquezas accumuladas em seus thesouros[61].

O desejo de chegar ás terras aonde cresciam tão ricos e estimados productos, e de, pela communicação directa, arrancar das mãos dos venezianos o monopolio do trato commercial com o Oriente, foi sem duvida uma das causas principaes, que incitaram portuguezes e hespanhoes nas suas navegações.

É impossivel desconhecer, que outros motivos mais elevados e desinteressados actuaram no animo dos nossos antepassados. As vivas crenças religiosas, e o empenho de dilatar a verdadeira fé entre as populações pagans ou mahometanas, o intuito de alargar o dominio das quinas, accrescentando novas glorias, a tantas que já as rodeavam, e ainda o puro interesse scientifico de resolver alguns problemas geographicos, influiram por certo nos portuguezes para os lançar em empresas heroicas, nas quaes nunca regatearam o sangue, nem a vida. Todavia, devemos confessar, que a estes motivos mais puros accresceram depois a sede do lucro, a rivalidade com as opulentas cidades de Italia, e a attracção irresistivel exercida pelas riquezas do Oriente, a terra das pedras preciosas, do ouro e das especiarias.

As relações com o estremo Oriente haviam-se tornado durante a dominação dos tartaros, pelos XIII e XIV seculos mais seguidas e frequentes. A viagem tão conhecida de Marco Polo, e as perigrinações de alguns frades menores, como Fr. João de Plano Carpini, Guilherme Rubruk, mais conhecido com o nome de Rubruquis, Fr. João de Monte Corvino, Fr. Odorico de Pordenone, Fr. João de Marignolli e muitos outros, rasgaram um pouco o véo, que envolvia as terras quasi fabulosas do Cathayo ou da Ilha de Cipango, e avivaram o desejo e a cubiça de penetrar n'aquellas regiões, pois antes encareciam que diminuiam a fama já antiga das suas riquezas. Se algumas d'estas viagens foram menos conhecidas ou quasi ignoradas[62], não succedeu o mesmo[30] a todas. As copias e traducções da relação escripta por Marco Polo multiplicaram-se desde logo, e é bem sabido, que em Portugal se conheceram e estudaram na época, que precede o grande movimento dos nossos descobrimentos[63]. O mesmo se deu no XV seculo com a viagem de Nicolo di Conti, escripta por Poggio[64], e avidamente lida e estudada pelos mais notaveis geographos de então, como Fra Mauro e Toscanelli.

Os projectos para chegar a essas ricas regiões do oriente, a terra das especiarias occupam por esta época todos os espiritos. D. Affonso V manda por um dos seus capellães, o conego Fernão Martins, consultar o celebre Toscanelli sobre o mais curto caminho para aquella terra. Christovão Colombo consulta egualmente Toscanelli sobre o seu grande intento de chegar aonde nascem as especiarias navegando para o occidente; intento que não levou a cabo, que só devia realisar Fernando de Magalhães alguns annos mais tarde, mas[31] que o conduziu ao inesperado descobrimento do novo mundo e illustrou para sempre o seu nome. D. João II, não affrouxando nas expedições maritimas, manda pela via do Mediterraneo Pero da Covilhan e Affonso de Paiva, estudar o caminho para a terra das especiarias, e procurar o Preste João, esse singular e mysterioso personagem, que tanto occupou as attenções do mundo christão durante alguns seculos[65].

Dada esta preoccupação dos espiritos, este desejo de alcançar as terras do oriente ricas em aromas e productos preciosos, e os esforços durante muitos annos baldados para ahi penetrar dobrando a terra incognita do continente africano, facil é comprehender, com que alvoroço seria acolhido o descobrimento, nas novas terras de Africa, de substancias vegetaes aromaticas capazes de rivalisar com as producções da Asia. É o que se torna bem patente pela sollicitude com que, no dizer de João de Barros e de Garcia de Rezende, D. João II procurava fazer conhecida nos mercados da Europa, a pimenta trazida por João Affonso de Aveiro da costa de Benin[66].

Por mais importante se teve sem duvida o descobrimento da malagueta, pois se tratava, não de uma substancia nova, e que podia ser recebida no commercio com maior ou menor acceitação, mas de uma droga conhecida, apreciada e unica talvez, entre as drogas africanas, que gosava já então de tanta nomeada como as especiarias do oriente.

Que esta droga ou especiaria fosse conhecida dos portuguezes antes de descobrirem as terras d'onde é natural, parece-me fóra de toda a duvida. O contacto que tiveram com os italianos, a presença nas esquadras portuguezas de genovezes e de Venezianos, versados na navegação e commercio do Mediterraneo, levam-nos a crer que os nossos andassem bem informados do valor e natureza dos principaes objectos de trafico com o Oriente e com a Africa. O modo porque alguns dos primeiros navegadores, como por exemplo Diogo Gomes, se referem áquella substancia confirma inteiramente esta opinião.

Que por outro lado a patria da malagueta e a natureza da planta que a produz fossem então desconhecidas, parece-me facto egualmente provado. É[32] bem notorio, que as regiões centraes da Africa não permaneceram inexploradas, até aos descobrimentos dos portuguezes na costa occidental, e que desde épocas remotas os viajantes e mercadores arabes penetraram no Sudan. Pelas relações que estes conservaram durante muito tempo na peninsula, deviam os portuguezes e os hespanhoes, andar mais bem informados das coisas de Africa, que outro qualquer povo da Europa: sabemos mesmo, com quanto zelo e sollicitude o infante D. Henrique procurava obter, por esta via, informações das terras africanas[67]: no entanto não temos motivo para suppor que essas informações fossem muito exactas e detalhadas, no que dizia respeito á origem e natureza das producções vegetaes.

Algumas passagens das narrações dos nossos primeiros navegadores, vem tambem em apoio d'esta opinião. Diz Diogo Gomes, enumerando os objectos que os negros trouxeram de terra estando as suas caravellas em frente do rio Grande «e uma quarta de malagueta em grão, e nos fructos em que nasce, de que fiquei muito satisfeito.» Parece-me resultar claramente d'esta phrase que conhecia bem a malagueta, sabia o seu valor, e folgava de encontrar a terra ou região aonde era produzida. Ainda mais, referindo-se ao facto, que parece julgar importante, de trazerem a semente incluida nos fructos, indica que estes lhe eram menos familiares que a semente ou grão, o que é natural, pois se encontravam com menos frequencia no commercio. Tinha por tanto a[33] vista do fructo por um signal de que a planta se encontrava em logares proximos, como de feito succedia.

Foram pois os portuguezes, os primeiros europeos que observaram a planta, e definiram bem a situação das terras aonde nasce; situação que se havia conservado, durante a edade média, envolvida em grande obscuridade e mysterio, dando origem ao nome de grana paradisi. Lançou-se assim um primeiro raio de luz sobre um ponto importante de geographia botanica.

Foram egualmente os portuguezes, os primeiros a darem a uma parte do littoral africano o nome, que ainda conserva, de costa da Malagueta. Vamos demonstrar pelo exame de alguns documentos importantes, que este nome se applicava á mesma extensão de costa, hoje assim designada, e que os limites pouco ou nada tem variado.

Como vimos, a primeira malagueta encontrou-se na região do Gambia, e nas terras da Guiné portugueza, que foram descobertas em 1446 por Nuno Tristam[68] na viagem em que pereceu, e visitadas no mesmo anno e nos seguintes por Alvaro Fernandes[69], Diogo Gomes[70] e Cadamosto[71]. Alguns annos depois, no de 1460[72], Pedro de Cintra avançou muito nos descobrimentos, correndo toda a costa africana até á Serra Leôa, a qual já fôra reconhecida por Alvaro Fernandes, mas ao que parece imperfeitamente, e avançando para o meio dia até ao cabo Mesurado e ao arvoredo de Santa Maria. Dos annos seguintes temos escassas noticias; é certo, porém, que pouco ou nada se adiantou, e que mesmo a ultima parte da viagem de Pedro de Cintra era mal conhecida, pois se encontra, no contracto celebrado com Fernão Gomes no de 1469, marcada a Serra Leôa como o termo dos anteriores descobrimentos, feitos pelo mencionado Pedro de Cintra e por Sueiro da Costa[73]. Em janeiro de 1471 descobriram João de Santarem e Pedro de Escobar[74] o resgate do ouro, já no golfo de Guiné sendo, ao que parece, os primeiros que correram a costa depois chamada da Malagueta. Podemos por tanto fixar o descobrimento d'aquella costa entre o anno de 1460, em que as nossas caravellas passaram além da Serra Leôa, e o de 1471, em que penetraram no golfo de Guiné, dobrando o cabo das Palmas.[34]

O nome de Guiné, applicado primeiro de um modo vago a todo o occidente de Africa, veiu depois a dar-se mais especialmente á terra dos negros, aos quaes os primeiros historiadores das nossas conquistas, como por exemplo Azurara, chamam muitas vezes guinéos. O rio Senegal determinava rigorosamente o limite septentrional da Guiné, pois que as differenças de vegetação e de clima, e a passagem dos berbéres ou mouros da margem direita aos negros Jallofs da margem esquerda estabeleciam ahi uma transição rapida, que não escapou á observação dos nossos[75]. Dava-se por tanto o nome de costa de Guiné, á que corria para o meio-dia do Senegal, e ás vezes o de costa de Anterote, á que ficava ao norte entre o cabo Branco e a foz do dito rio. O limite meridional da Guiné, não era bem definido, e parece ter-se designado com aquelle nome toda a Senegambia, assim como toda a região, que hoje o conserva mais especialmente e limita pelo norte o golfo de Guiné. É certo, porém, que as diversas partes da costa começaram desde logo a receber nomes especiaes, derivados geralmente das principaes mercadorias que ahi affluiam. Assim como parte da costa do golfo de Guiné, que corre para oriente do cabo das Palmas, se chamou costa do Resgate do ouro ou da Mina, a que fica aquem d'aquelle cabo teve o nome da costa da Malagueta.

Encontra-se uma primeira menção d'este nome nos escriptos de Christovão Colombo, o qual antes de emprehender a celebre viagem, em que descobriu o novo mundo, tinha navegado varias vezes para Guiné em companhia dos portuguezes. Na relação da sua primeira expedição á America, diz por incidente ter visto, tempo antes, algumas sereias na costa da Malagueta[76]. Com quanto não sejam conhecidas, com rigor, as datas das suas viagens a Africa, podera-se fixar com bastante aproximação. De feito Colombo affirma, no seu tratado das zonas habitaveis, que esteve no Castello da Mina do rei de Portugal[77].[35] Como a fortaleza de S. Jorge da Mina foi mandada edificar no anno de 1481, e terminada no seguinte de 1482, e como no de 1484[78], saíu Colombo para Hespanha a offerecer os seus serviços aos reis de Castella, segue-se que uma das suas viagens teve logar entre estas datas, e que as outras foram provavelmente anteriores, pois decerto não voltou a Guiné, depois de passar a Hespanha. Vê-se, por tanto, que já n'essa época os portuguezes, com quem Colombo navegou, empregavam a designação de costa da Malagueta[79].

Vejamos agora as curiosas observações, que nos depára o Esmeraldo de Duarte Pacheco, do qual já de passagem fiz menção, mas que é mister examinar em detalhe, não só pela importancia das noticias que contém, como pelo facto de se conservar inedito.

Em primeiro logar convém advertir, que o nome de costa da Malagueta se encontra ali mencionado repetidas vezes, como expressão vulgar e corrente. Assim em uma taboada das latitudes de diversos logares, vem (fol. 12 v.º) a latitude «do rio dos Cestos na costa da Malagueta.» Mais adiante (fol. 50) explicando a derrota, que os navios devem seguir, diz assim: «se algum[36] navio estiver tanto avante como o cabo Ledo da Serra Lyoa e ouver de ir pera a costa da Malagueta.» E ainda em outra passagem (fol. 53 v.º) tratando do Cabo das Palmas, e da navegação, que convém fazer para o dobrar na volta para Portugal, diz; «Costumamos de fazer caminho de Loes Sudoeste caminho destes reynos, por nos arradarmos da costa da Malagueta.»

Em quanto aos limites do littoral comprehendido sob aquella designação, estão fixados com o maior rigor nas seguintes passagens. A (fl. 50) encontra-se no Esmeraldo o seguinte: «Item do Cabo do Mesurado ha matta de Santa Maria som 2 leguoas e esta matta he muito grande e de muito grosso arvoredo e daqui se comessa o resguate da Malagueta, que em latim se chama grany paradisy (sic) e dura este comercio 40 leguoas ao longo d'esta costa.» Segue depois enumerando os diversos pontos do littoral[80], mencionando repetidas[37] vezes a Malagueta entre os objectos de commercio, e quando falla do Cabo das Palmas, diz: (fol. 53 v.º) «da costa da Malagueta a qual faz fim no dito cabo das Palmas.»

Das affirmações d'estes dois escriptores contemporaneos, Christovão Colombo e Duarte Pacheco Pereira, que conheceram muito bem, e frequentaram[38] a costa africana, se deduz, que a designação de costa da Malagueta era usada nos fins do seculo XV e por tanto se devia ter começado a empregar logo após o descobrimento. Torna-se pois bem claro, que o commercio d'aquella droga, havia tomado grande importancia logo nos primeiros annos, o que nos não póde surprehender, em vista da nomeada que então tinha nos mercados da Europa. É egualmente certo, que este nome era então exclusivamente usado entre os portuguezes e pelos portugueses, ou estrangeiros, que em seus navios embarcavam, pois n'estas primeiras épocas, os navegadores de outras nações nem frequentavam, nem quasi conheciam o caminho d'aquellas regiões. Quando annos depois esses navegadores começaram a concorrer com os nossos, adoptaram a designação portugueza, ou os seus equivalentes de Côte des grains e de grain coast. Só muito recentemente se tem empregado o nome de costa da Liberia, não se tendo, ainda assim, abandonado a designação primitiva. No tocante aos limites não houve alteração, pois em todo o tempo a costa da Malagueta, se considerou, como começando no cabo do Monte, ou no Mesurado e estendendo-se até ao das Palmas; isto é, limitada pelo mesmo modo que na época de Duarte Pacheco.

Seguindo o exame do Esmeraldo encontramos outras importantes noticias. A origem do nome do rio dos Cestos, vem ali explicada do modo o mais claro na seguinte passagem (fol. 51 v.º) «Item do rio do Junco ao rio dos Cestos som 12 leguoas, e este nome do rio dos Cestos lhe foi posto porque os negros d'esta terra vem resguatar malagueta, a qual he muito boa e arrazoada quantidade e esta trazem em huns Cestos, o que em toda a outra costa honde há a dita malagueta nom costumam trazer[81]

Sobre o preço da droga, e sua variação nos dá Duarte Pacheco preciosas informações. Fallando da Ilha da Palma, e do commercio de escravos, que tres leguas adiante se podia fazer, diz assim: «aguóra está este comercio danado, porque quando se comprava um alqueire de malagueta por uma manilha de latam, que teria em pezo meio arratel, e um escrávo por duas bacias,[39] assi como as dos barbeiros, e aguóra vai um alqueire de malagueta cinco e seis manilhas e um escrávo quatro e cinco bacias.» D'onde se vê, que o preço augmentára de um modo consideravel, e que os negros tinham tirado partido da frequencia, com que as nossas caravellas visitavam aquella costa. É para notar a circumstancia curiosa, de ter, relativamente, crescido mais o preço da malagueta, que o dos escravos, ou porque a primeira fosse mais procurada, ou (o que infelizmente é mais provavel) porque o mercado andasse sempre abundantemente provido da mercadoria humana pelas guerras e correrias continuas das populações do littoral e do interior.

Ainda merece ser citada uma observação feita por Pacheco quando, descrevendo a costa situada na proximidade da Lagea, diz «neste lugar ha maior malagueta de toda esta costa:» observação pela qual se vê, que as differentes dimensões da planta, e dos seus fructos e sementes, tinham attrahido a attenção dos portugueses já nos fins do seculo XV. Estas differenças são, como vimos, bastante sensiveis, sendo os fructos e sementes de grandes dimensões na fórma, que Roscoe, o dr. Hooker e outros botanicos, admittiram como especie distincta e descreveram sob o nome de Amomum Melegueta, e que o dr. Daniell tem por uma simples variedade (var. a majus da malagueta vera), e sendo mais pequenas na especie Amomum Granum paradisi de alguns auctores, a qual corresponde ás duas variedades (b. medium e c. minus) do dr. Daniell[82]. Da memoria d'este botanico consta, que a primeira fórma é mais frequente na parte média da area habitada pela planta, isto é, na extremidade meridional da costa da Malagueta, na costa do golfo de Guiné até ao delta do Niger e nas terras interiores do Sudan, em quanto que as fórmas menores abundam para o norte na costa da Serra Leôa, e para o sul em Fernão do Pó, costa do Gabão e terras do Congo. Confirma-se assim a exactidão do reparo de Duarte Pacheco, pois que a Lagea estava situada na região aonde então, como ainda hoje, se devia encontrar a especie ou variedade de sementes maiores.

Temos, por tanto provas numerosas e seguras, de que os portuguezes, conheceram a Malagueta, souberam bem o seu valor, frequentaram as terras d'onde é natural, e distinguiram mesmo as variedades, que os negros offereciam á venda nas diversas localidades. Fica egualmente provado, que os portuguezes, desviaram o commercio d'aquella especiaria do caminho, moroso e difficil, até então seguido pelo interior da Africa, abrindo-lhe via mais rapida e segura pelo Atlantico. De feito, se das terras sertanejas do Sudan continuaram a vir, como ainda hoje vem algumas pequenas porções através do Sahará, toda a que se produzia na região occidental, passou a ser conduzida pelos[40] nossos, os quaes se senhorearam d'este commercio, como mais tarde do das drogas asiaticas.

Durante todo o XV seculo, e ainda no primeiro quartel do seguinte, se conservou este monopolio nas mãos dos portuguezes. Os reis de Portugal, escudados nas bullas de Nicolau V, de Calixto III, de Xisto IV e de outros papas, tendo os seus direitos garantidos por tratados celebrados com diversos soberanos, entre os quaes avulta o de Tordesillas de 1493, tratados que os declaravam e reconheciam por senhores exclusivos do commercio e navegação de Guiné, mantiveram com vigillante sollicitude os seus privilegios. Algumas viagens de mercadores estrangeiros, que tentaram traficar na costa de Africa, deram logar a reclamações diplomaticas promptamente attendidas[83] quando não foram reprimidas por meios mais expeditos e violentos, sendo apresados ou mettidos a pique os seus galeões.

Correndo porém o XVI seculo, esta vigillancia veiu a afrouxar, começando os navios francezes e inglezes a frequentar a costa de Guiné. As conquistas no oriente, que não só traziam occupadas todas as forças da nação, mas distraidos os animos para empresas, que então se affiguravam mais lucrativas e gloriosas, contribuiram sem duvida, para que se descurasse a guarda das possessões africanas. A pimenta, a canella, o cravo e as outras ricas especiarias da India e da China, lançavam no esquecimento os mais conhecidos e menos valiosos productos africanos. Continuaram, é certo, as restricções commerciaes, inspiradas pelo desejo de aproveitar as drogas de Africa e ainda mais pelo receio de que estas affrontassem no mercado os productos da Asia; mas essas restricções foram sendo successivamente mantidas com menor energia e cuidado. As nossas armadas conservavam-se o mais do tempo, occupadas nos mares da India e da China, ou na guarda do estreito, fazendo apenas escalla pelos portos de Guiné aonde pouco se demoravam. Iam-se assim[41] tornando mais ousados os mercadores estrangeiros, e mais repetidas as suas viagens. Abundam os documentos, que nos fazem assistir, quasi que dia a dia, a esta lucta de Portugal com as nações maritimas rivaes; que nos mostram o caminho de Guiné, aberto pelos portuguezes e só d'elles conhecido durante annos, devassado pouco a pouco pelos outros navegadores, até que o monopolio de Portugal se torna insustentavel e a egualdade se estabelece.

Os primeiros que navegaram para a costa da Malagueta foram os francezes: não só negociando nos seus portos, com quebra dos direitos de Portugal, mas atacando, como verdadeiros corsarios, alguns navios menos veleiros e menos bem armados, que encontravam isolados. Não é possivel fixar exactamente a época, em que as suas primeiras viagens tiveram logar, mas deve ter sido no começo do XVI seculo, pois que em 1531, já para ali se dirigiam com tanta frequencia, que a côrte de Lisboa se resentiu d'estas violações repetidas dos seus direitos, e entabolou longas negociações diplomaticas com a côrte de França, para pôr cobro ás invasões dos mercadores e corsarios francezes. Tomaram parte n'essas negociações, pelo lado de Portugal, os embaixadores D. Antonio do Athayde e o dr. Gaspar Vaz, e pelo lado de França, «o Cardeal de Sans, Legado e Chançarel de França, e os senhores de Memoransi, Grão-mestre e Marichal, e de Biron Almirante de França»: podendo deprehender-se da qualidade das pessoas a importancia do negocio[84]. Chegaram afinal a um concerto, sendo revogadas todas as cartas de marca e represarias, e publicando pouco depois o rei de França uma provisão, na qual prohibia aos seus vassallos[42] contratar nas conquistas do rei de Portugal, sob pena de confiscação de sua pessoa e bens[85]. Era urgente obter estas providencias, pois só no citado anno de 1531 tinham saido dos portos de Normandia, Picardia e Bretanha, não menos de sete navios com destino a Guiné. No entanto o dr. Gaspar Vaz, que andava empenhado n'estas reclamações, e dá noticia da partida d'estes navios, parece acreditar pouco na efficacia das prohibições, pois recommenda com muita instancia, que os mettam no fundo, unico remedio seguro, na sua opinião, para que taes viagens não continuassem, e o nosso commercio se não devassasse[86]. De feito as previsões do dr. Gaspar Vaz realisaram-se, porque as viagens continuaram. Ramusio, dando conta da navegação de um capitão de Dieppe, que no anno de 1539 foi á Malagueta e muito além, dobrando o cabo de Boa Esperança e chegando a Sumatra, affirma que os francezes corriam com frequencia a costa de Guiné[87]. Fr. Luiz de Sousa, relatando a partida de uma forte armada, commandada por Manuel de Macedo, que no anno de 1540 passou á costa da Malagueta, diz que o seu destino era «fazer levantar os corsarios que a continuavam com teima e força[88].» Finalmente no anno de 1542, dizia o conde da Castanheira, em uma especie de memorandum sobre o estado da fazenda publica, «o trato da malagueta he devasso de vinte e oito e vinte e nove annos a esta parte» e aconselhava como remedio fazer-se uma fortaleza n'aquella costa[89]. Por todas estas affirmações se vê bem claramente, que os esforços de Portugal para fazer respeitar os seus direitos, já pelas vias diplomaticas, já pela força das armas, haviam sido baldados.

Não tardaram os inglezes em seguir o mesmo caminho. Thomaz Windham em 1551, João Lok em 1554, Towrson por varias vezes nos annos seguintes, e pouco depois Butter, Fenner e Baker correram a costa de Malagueta, e negociaram[43] nos seus portos[90]. É de notar, como prova de quanto, ainda então, aquellas paragens eram pouco conhecidas dos outros povos da Europa, que tanto os francezes como os inglezes procuravam o auxilio de portuguezes, que os guiassem nas suas primeiras viagens. A bordo do navio saido da Rochella no anno de 1531 ia como piloto o portuguez João Affonso, e em companhia de Windham foram Antonio Annes Penteado[91], que então andava refugiado em Inglaterra, e outro portuguez chamado Francisco.

Por esta época ainda a malagueta conservava a sua reputação e o seu valor, sendo procurada como um dos principaes objectos de trafico da costa de Guiné. O curioso despacho do dr. Gaspar Vaz, antes citado, dá noticia de uma pequena porção d'esta especiaria, que os francezes tinham trazido directamente da Africa: a Roão vieram 17 botas[92], e fôra informado de que em Flandres tinham vendido 5 ou 6, e por ventura mais alguma nos portos de Inglaterra ou Escossia. Sobre estas vendas havia o nosso embaixador dirigido uma reclamação ao almirante de França, da qual, na data do seu despacho, ainda aguardava a solução. É importante este documento, porque prova, que se então já vinha alguma malagueta á Europa por mão dos francezes, era pequena a quantidade, e não era facto vulgar[93], pois que esta venda insignificante chamava a attenção e provocava os reparos do embaixador de Portugal.

Nas relações das primeiras viagens dos inglezes veiu egualmente mencionada a malagueta. Windham falla dos grãos, ou sementes do paiz de Sestros, como[44] incluidos em um fructo quente, semelhante aos figos[94]; não diz porém o nome, que parece ignorar. João Lok, que trouxe, como parte da sua carga, trinta e seis barricas d'aquella mercadoria, dá uma noticia bastante exacta dos fructos, e das sementes, chamadas pelos medicos Grana Paradisi[95]. Towrson é o primeiro que menciona o nome de manegeta, como sendo usado pelos negros[96], e dado ás vezes á parte da costa aonde aquelle commercio era mais activo.

Se por estes documentos se prova que os francezes e os inglezes, já no meado do seculo XVI concorriam com os nossos no commercio da malagueta, prova-se egualmente que o seu trato era ainda limitado, e não affrontava sensivelmente o monopolio dos portuguezes. De feito as pequenas porções da droga a que se referem, contrastam com as avultadas quantias, que os navios de Portugal lançavam nos mercados da Europa. Por uma carta d'el-rei D. João III, de 5 de fevereiro de 1533, se vê que havia, na casa da India, mil e quinhentos quintaes de malagueta para vender[97]. Annos depois, no de 1537, fazia-se, por intermedio do conde da Castanheira, a venda de quatro centos quintaes a doze cruzados o quintal[98]. São sufficientes estes numeros para demonstrar a importancia que ainda conservava para Portugal aquelle commercio.

No entanto ia-nos escapando pouco a pouco das mãos, pela marcha natural dos acontecimentos, e mau grado os esforços da nossa diplomacia, um monopolio, que na verdade era difficil de conservar, perante os progressos realisados pelas outras nações maritimas da Europa. De feito é de crer, que as prohibições emanadas dos governos, com os quaes estavamos em relações amigaveis, se não tornassem effectivas com grande rigor, pois eram mais destinadas a dar satisfação apparente ás nossas reclamações, que a tolher o desenvolvimento da navegação e commercio, por certo agradavel a esses governos.

Não vem para aqui a historia da decadencia do nosso poder maritimo. Quando Portugal, conquistada de novo a independencia, fez um esforço supremo para restabelecer o seu dominio sobre algumas colonias quasi perdidas,[45] e para recuperar outras que totalmente lhe haviam escapado, nao pôde voltar ao estado de antiga supremacia. Não só tinha perdido o exclusivo da navegação e commercio nos mares de Guiné e do Oriente, já antes mais nominal que real, não só estava em presença de uma concorrencia absolutamente livre, mas achava-se em estado de evidente inferioridade, relativamente a outras nações. No que toca á costa occidental do continente africano, apenas conserva o dominio da Guiné portugueza e da vasta provincia de Angola. Nas regiões mais proximas ao equador, onde mais activamente se fazia o commercio da malagueta, só ficou possuindo o insignificante forte ou feitoria de S. João Baptista de Ajudá. As outras possessões portuguezas passaram para as mãos dos hollandezes e dos inglezes, que tomaram desde então a parte mais activa no commercio d'aquellas regiões. É certo, que alguns navios portuguezes continuaram até a época presente, a concorrer com os das outras nações aos portos da costa da Malagueta e do golfo de Guiné; mas este commercio feito em pequena escala, e perdendo a feição exclusivamente portugueza deixa de nos interessar n'este estudo.

Ao passo que o commercio da malagueta perde a sua importancia relativamente a Portugal, perde-a egualmente de um modo absoluto. A droga, outr'ora tão conhecida, foi pouco a pouco caindo em desuso; já porque as suas propriedades medicinaes ou aromaticas haviam sido exageradas, e se foram reduzindo ao seu verdadeiro valor; já porque a crescente facilidade de communicações fez affluir aos centros de consumo outras substancias vegetaes das diversas partes do globo, de eguaes ou superiores qualidades. Entre os negros continuou, e continua ainda, a ser usada como medicina e condimento estimulante. Ainda no seculo passado e principio do corrente a predilecção dos negros por aquelle adubo dava alguma actividade ao commercio da malagueta, pois que se vendia facilmente na America aonde estava accumulada uma grande população de escravos. É o que succedia, por exemplo, na provincia da Bahia, principalmente abastecida de escravos pela região de Benin e circumvisinhas, habituados á comida feita com azeite de palma e adubada com as substancias vegetaes aromaticas da sua terra natal. Hoje porém, que o trafico da escravatura está mui limitado, este consumo deve ter diminuido, se não cessado inteiramente. Entre os povos civilisados o emprego da malagueta é modernamente pouco consideravel. No entanto dos portos das costas da Malagueta, do Marfim e do Ouro, ainda se embarca alguma para Inglaterra, França, Hollanda, Estados Unidos e outros destinos. É empregada na preparação de medicamentos para os animaes, raras vezes usada como condimento, servindo principalmente para dar um gosto forte a alguns cordeaes[99].[46]

Como se vê tem decaido muito da sua antiga nomeada a celebrada droga da edade média: tão celebrada, que as suas suppostas excellencias e o mysterio da sua origem lhe haviam conquistado o nome de semente do parayso.

 

V

Conclusões

É facil agora, resumindo o que levamos dito, definir em breves palavras, qual foi a influencia das viagens portuguezas sobre o conhecimento d'aquella notavel planta, e sobre o trafico commercial a que deu logar.

Vimos nas paginas precedentes, que a malagueta é a semente de uma especie vegetal, o Amomum Granum paradisi, localisada em uma vasta zona da Africa equatorial, que se estende das praias do Atlantico até a um limite oriental ainda pouco definido. A densa população de raça negra d'aquella região, conheceu sem duvida as suas propriedades, e empregou-a desde épocas muito remotas. Ficou porém ignorada dos povos da Europa, que só em um periodo retalivamente recente, tiveram noticia das terras, hoje geralmente designadas com o nome de Sudan.

Á subita e singular expansão da raça arabe, que se seguiu ao estabelecimento da religião mahometana, se prendem os successos historicos que abriram ao commercio europeu aquellas uberrimas terras. As invasões arabes na Africa septentrional, repellindo uma parte da população berbére, que se não quiz submetter ao dominio dos sectarios do Islam, determinaram a sua migração para o interior, lançando-a sobre a terra dos negros, com os quaes já antes tinham communicações, porém menos seguidas e frequentes. Não tardaram os arabes em trilhar o mesmo caminho, internando-se no sertão e pondo-se tambem em contacto com a terra dos negros, o Belad es-Sudan. Estes dois povos, affeitos á vida nómada, eram eminentemente proprios a precorrer, em longas e penosas viagens, os desvios de areia movediça, ou de rocha escalvada e sáfara do Sahará. Estabeleceu-se assim o trafico das caravanas, travando relações commerciaes entre os portos do Mediterraneo, e as ferteis regiões do Sudan. A Alexandria, a Tripoli e aos portos do Gharb affluiram os escravos, o ouro, o zibetto, a malagueta e outras mercadorias de Melli, de Kukia, ou de Timbuktu. Aos navegadores italianos, entre os quaes sobrelevaram os venezianos, que, durante seculos, tiveram em suas mãos o commercio do Mediterraneo, se deve sem duvida a introducção na Europa d'essas mercadorias, e entre ellas da malagueta. Esta conjectura é confirmada pelo estudo feito nas paginas precedentes. A primeira menção da droga, encontra-se,[47] como vimos, em um livro italiano: depois abundam as noticias em livros egualmente publicados em Italia, e as referencias á introdução pelos portos da Italia ou do meio-dia da França. Se bem as menções, de que tive conhecimento e que citei, sejam do seculo XIII e seguintes, tudo nos leva a crer que fosse conhecida no seculo XII ou mesmo XI, pois já então havia relações com o Sudan. Como vimos, os italianos começaram desde logo a usar simultaneamente de duas designações: a de malagueta ou melegeta, provavelmente de origem africana: a de grana paradisi de invenção européa, e que resume em si duas noções, a da excellencia da droga, e a da incerteza da sua patria.

De feito os italianos colheram dos mercadores africanos poucas e vagas noticias sobre as terras centraes da Africa e as suas producções. E é natural que assim fosse: mais occupados de interesses commerciaes, que de investigações scientificas, contentavam-se com fazer permutações vantajosas, sem inquirir meudamente a natureza e origem das drogas. De mais, os berbéres semi-selvagens, e os arabes, na generalidade pouco mais cultos, mal poderiam esclarecel-os sobre productos, cuja origem elles proprios talvez ignorassem, havendo-os recebido da mão dos negros. Continuaram por muito tempo as coisas n'este estado: conhecida a droga e louvada, mais ainda do que rasoavelmente o mereciam as suas qualidades, ignorada a sua procedencia vegetal e geographica.

Corria o XV seculo quando os portuguezes dobraram o cabo do Bojador. Transposta esta temerosa meta das anteriores navegações, alongaram-se uns após outros e á porfia pela costa do Sahará, devassando os segredos do mar tenebroso, e delineando nas cartas os contornos do grande continente africano. Attingiram emfim a foz do Senegal e penetraram pelo occidente na terra dos negros, aonde os arabes haviam chegado pelo oriente e pelo centro. Costeando as praias da Guiné, e penetrando nas suas bahias e enseadas, subindo o curso do Senegal e do Gambia, explorando os vastos estuarios do rio de Cacheo, ou do rio de Geba, os portuguezes familiarisaram-se rapidamente com as principaes producções das novas terras. Nenhuma substancia vegetal attraiu mais as attenções do que a malagueta. O exame detido, que fizemos dos documentos contemporaneos, mostrou-nos o alvoroço com que foi acolhido o encontro da celebre especiaria, e o rapido incremento tomado pelo seu commercio, dando o nome a uma vasta região. Mostrou-nos tambem, o que mais nos interessa, como os portuguezes observaram a planta, até então desconhecida dos povos da Europa. É certo que não encontramos nos seus escriptos descripções acuradas e scientificas, nem o podiamos esperar: mas patenteiam-nos um conhecimento exacto da planta, que distinguiram bem das que produzem a pimenta de rabo, e a pimenta de Guiné. Noções mais perfeitas e rigorosas sobre a estructura da especie vegetal, não as havia então, nem as houve muito tempo[48] depois, e só as encontramos nos trabalhos dos botanicos do fim do seculo passado ou do principio d'este, que citámos nas paginas precedentes. Ao passo que os portuguezes observavam pela primeira vez a planta, determinavam tambem os confins da sua habitação, descobrindo essas terras mysteriosas, até então entrevistas apenas através das obscuras e incompletas relações dos arabes. De feito os limites norte e sul da parte occidental da área habitada por aquella especie foram bem conhecidos dos portuguezes: emquanto aos limites orientaes, se então permaneceram ignorados, ainda hoje estão pouco definidos. A impenetravel Africa não revelou por emquanto todos os seus segredos, não obstante os esforços de muitos exploradores, e o sacrificio de muitos martyres da sciencia, victimas das inclemencias do seu clima ou da crueza dos seus habitantes.

O descobrimento da malagueta e outros productos da Africa equatorial, além de ter interesse puramente botanico, resultante da observação de novas fórmas vegetaes, assignala uma época notavel na historia commercial do mundo. Os portuguezes abrindo a esses productos o caminho do Atlantico, vibram o primeiro golpe ao trafico dos arabes, e á prosperidade das cidades maritimas da Italia. Desviando algumas mercadorias dos negros das cidades de Djenni ou de Timbuktu, encetam a lucta com os arabes que se ha de proseguir na Africa oriental, e na peninsula Indo-gangetica, estendendo-se até Malaca, ilhas Molucas e China. Lucta que terminou pela victoria dos portuguezes sobre os arabes o os italianos; pela victoria do Atlantico sobre o Mediterraneo. O grande movimento commercial do Oriente, abandonou durante tres seculos o mar interior, para seguir o caminho apontado pelos navegadores de Portugal dobrando o cabo de Boa Esperança. Para que nos nossos dias o trato do Oriente voltasse á antiga via do Mar Vermelho, foi necessario que a industria moderna levasse a cabo um intento collossal, perante o qual haviam recuado os monarchas egypcios, e rasgasse a estreita faxa de terra que ligava os continentes africano e asiatico.

[1] Theophrasto menciona o χαρδαμωμον como procedente da India (Hist. pl. IX, 7, p. 147. ed. Wimmer) e egualmente o πεπερι (H. pl. IX, 20, p. 162). Dioscorides falla das mesmas substancias (lib. I, cap. V, p. 15 e cap. CLXXXVIII, p. 298 ed. Sprengel). Veja-se tambem Plinio (Hist. nat. L. XII, cap. VII et XIII). Laguna, nos seus commentarios a Dioscorides, pretendeu identificar um dos cardamomos do auctor grego com a malagueta. É porém erro manifesto, e que não passou inadvertido pelo nosso Garcia da Orta (Colloq. dos simples etc., p. 50 ed. 1872). Em quanto ao χμωμον dos antigos, é planta muito duvidosa, mas parece ser o Cissus vitiginea L. e em todo o caso é muito afastada d'aquellas especies que depois, por errada applicação do nome, se gruparam no genero Amomum. Veja-se o erudito commentario de Sprengel no seu Dioscorides (tom. II, p. 345, 352 e 475). Veja-se tambem a (Synopes pl. fl. classicae. de C. Fraas, p. 198 e 278).

[2] Serapio (De simpl. med. opus etc. pars II. 327. ed. Othonis Brunfelsii 1531.) falla de uma droga, a que dá o nome de hab el zelim e tambem segundo a Cyclopaedia de Rees e o dr. Hooker (Fl. nigr. p. 206) o de fulful alsuadem, (deve antes ler-se felfel el sudan pimenta da terra dos negros). Esta substancia tem sido geralmente identificada com o Piper AEthiopicum de Matthioli, e o Piper nigrorum Serapioni de Bauhinio, que é uma Anonacea, a Xylopia AEthiopica (Veja-se o que disse nas Noticias sobre alguns pr. veg. da Afr. Portugueza no Jornal de Sc. math. etc. num. XXII 1877. p. 105). A verdade é, que Serapio na citada passagem se refere a tres substancias diversas: uma o hab el zelim tambem chamado Piper nigrorum (felfel el sudan): outra o verdadeiro Piper nigrorum a que na Barbaria chamam croni: e uma terceira das terras de Chedensor chamada habese. Se uma d'estas subtancias é a Xylopia Æthiopica, as outras são de mui difficil identificação pela deficiencia das indicações.

No celebre Canon de Ibn Sina (Avicenna) vem mencionado o hab al zelem ou hab al zelim, que alguns referiram á droga mencionada com o mesmo nome por Serapio, e outros ao hab al zizi, a que os venezianos chamavam dolceghini e que parece ser um Cyperus. (Vid. a edição de Avicenna de Benedicto Rinio, Basileæ 1556, nos indices dos nomes arabes, tanto da antiga exposição, como da interpretação do Bellunense, e tambem a edição de Plempio de 1658).

Garcia da Orta falla de uma substancia, que (Avicenna) chama Combubague e diz que essa substancia é a malagueta (Collq. dos simpl. p. 51). Parece-me que o nosso auctor laborou em erro n'esta asserção. A substancia que Avicenna chama, não Combusbague, mas chair bawe como diz Clusio (Exotiorum libri etc., p. 249, ed. 1605) ou chir hawa (Ed. de Plempio 1658), vinha de Sofala e era semelhante ao Cacolla, ou antes Khakhalá, isto é a um dos Cardamomos da India. Julgo que Avicenna se referia ou ao Amomum angustifolium de Sonnerat, de Madagascar e da costa oriental da Africa, ou ao Amomum Korarima de Pereira, da Abyssinia e do paiz dos Gallas, mas não ao Amomum Granum paradisi, que produz a verdadeira malagueta e habita a Africa occidental.

[3] Transcrevo, por curiosa, a lista das substancias usadas no assalto: «rosis, liliis et violis, similiter ampullis balsami, amphii et aquæ rosæ, ambra, camphora, cardamo, cymino, garyofolis, melegetis, cunctis immo florum vel speciérum genéribus, quæumque redolent vel splendescunt.» Rolandinus Patavinus. (De factis in marchia Tarvisana. Lib I, cap. XIII. ap. Muratori Rer. It. scrip. t. VIII, p. 180).

[4] Nicolai Mirepsi Alex. medic. opus etc. a L. Fuchsio etc. De antidotis p. 19. Lugduni 1550. É de notar que Mirepso distingue a malagueta do cardamomo e outras drogas que entram na composição do seu medicamento.

[5] Clavis sanationis, Venet. 1510 citado por Flück. e Hanbury (Pharmac.)

[6] Documentos citados por Flück. e Hanbury (Pharmac. p. 590).

[7] Balducci Pegolotti era feitor da casa ou companhia commercial dos Bardi de Florença, e como tal muito versado no tracto de mercadorias do mediterraneo. O manuscripto do seu livro existe na Bibliotheca Riccardiana de Florença, e foi publicado em um tratado intitulado Della decima e di varie altre gravezze imposte dal commune di Firenze, cujo auctor parece ser Pagnini. No mesmo tractado vem inserido outro livro commercial, escripto pelo anno de 1440 por G. da Uzzano, aonde tambem se mencionam as malaguetas. Veja-se uma noticia do auctor e extractos do livro na obra do coronel H. Yule (Cathay and the way thither, p. 280 e Appendix III).

[8] Na Form of cury., manuscripto do chefe das cozinhas de Ricardo II de Inglaterra, do anno de 1390 vem a receita do hippocras. Veja-se Flük. et Hanbury (Pharmac. p. 479).

[9] Diz o chronista (Asia. dec. I, liv. II, cap. III), «sempre houve descobrimentos, assi como da costa donde veo a primeira malagueta, que se fez per o infante don Henrique. Da qual alguma que em Italia se havia, ante deste descobrimento, era per mão dos mouros d'estas partes de Guiné, que atravessavão a grande região de Mandinga e os desertos da Libya, a que elles chamão Çahará té aportarem em o mar mediterraneo, em hum porto por elles chamado Mundi Barca, e corruptamente Monte da Barca. E de lhe os Italianos não saberem o lugar de seo nascimento por ser especearia tam preciosa lhe chamarão Grana paradisi, que é nome que tem entrelles.» Sobre o conhecimento, que os portuguezes tiveram do commercio feito pelo interior da Africa com a terra dos negros, veja-se o que diz Azurara (Chr. do desc. de Guiné, p. 364 e seguintes). Veja-se tambem o que diz Leão Africano do commercio feito em Mesrata, e outros portos ao oriente de Tripoli, isto é não longe da região de Mundi barca, pelas galeras venezianas, que ahi carregavam mercadorias da Ethiopia (Ramusio. Delle nav. etc., I. p. 72. Venetia 1563). Das especiarias da terra dos negros falla o celebre viajante arabe, enumerando os objectos que compunham um explendido presente enviado ao rei de Fez por um grande senhor de Tensita, entre os quaes se incluia certo pepe di Ethiopia (ibid. p. 24 v.º), e tambem na relação de um singular banquete, que lhe deu um chefe berbér, no qual, além de carne de camello, e de abestruz assado, figurava buona quantitad di spetie della Terranegra (ibid. p. 6). O dr. Daniell em um excellente artigo sobre os Amoma d'Africa, publicado no Pharmaceutical joumal, diz, que Marmol deu a primeira indicação definida sobre o caminho por que antigamente se transportava a malagueta até á Europa, o que não é exacto, pois a primeira edição da Africa de Marmol é de 1573, e a primeira década da Asia de Barros, aonde vem a passsagem, tão explicita, acima citada, publicou-se em Lisboa no anno de 1552.

[10] Memoria sobre a prioridade dos desc. dos port. na costa d'Africa occidental. Paris, 1841.

[11] Life of Prince Henry, etc. preface XXV e p. 117.

[12] Collecção de not. para a hist. e geogr. das nações ultram etc. II p. 17. As viagens de Cadamosto, publicadas primeiro em italiano, e inseridas mais tarde na collecção de Ramusio, foram depois vertidas em portuguez pelo academico Sebastião Francisco de Mendo Trigoso, para fazer parte das citadas noticias dadas á estampa por ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa.

[13] Em uma carta encontrada por Gräberg nos archivos de Genova, publicada em 1802 (Ann. di geogr. e statist. tomo II, p. 385), e que vem transcripta na integra nas notas de Major (Life of Pr. Henry, p. 102). Veja-se tambem o que diz o visconde de Santarem (Chr. da conquista de Guiné por Azurara, p. 449 nas notas). O sr. Major põe em duvida a authenticidade d'esta carta, e de feito não só é de uma grande incoherencia de linguagem, como contém affirmações de todo o ponto inexactas.

[14] ... et venerunt Mauri de terra in suis almadiis, et portaverunt nobis de suis mercimoniis sc. pannos bombicinos seu cotonis, dentes elephantum et unam quartam mensuram de malagueta in grano et in corticibus suis sicut crescit, cum quo multum gavisus fui. Veja-se a relação de Diogo Gomes intitulada De prima inventione Guineae, na memoria do dr. Schmeller (Ueber Valenti Fernandes Alemã und seine Sammlung etc. p. 26). Sobre a collecção de manuscriptos, formada em Lisboa pelo celebre typographo Valentim Fernandes, veja-se, além da citada memoria, o que diz o sr. H. Major (Life of prince Henry etc. preface XVI e p. 228).

[15] Sobre Martinho Behaim: veja-se de Murr (Note sur le chevalier portugais Martin Behaim, trad. de H. Jansen); veja-se tambem a erudita noticia de Humboldt (Hist. de la géogr. du nouveau Continent, I, p. 258-283), e uma excellente memoria de Sebastião Francisco de Mendo Trigoso (Memorias de Litteratura Portuguesa, t. VIII, p. 365 e seguintes, ed. 1856). A data da sua viagem com Diogo Cam, foi fixada com muito rigor por A. M. de Castilho (Etudes historico-géographiques, 2.e etude, etc., p. 33 e seguintes). Encontra-se no Atlas do visconde de Santarem, I, X, a reproducção de uma parte do globo.

[16] O merito de ter chegado ás regiões da Africa aonde cresce a malagueta, foi attribuido a Martinho Behaim, e foi-lhe depois negado e attribuido a Affonso de Aveiro por Sprengel (Gesch. der geogr. Entd., p. 376, citado por Humboldt, Hist. de la géogr. du nouveau Continent, I, p. 259). Ha aqui um erro, pois que João Affonso de Aveiro trouxe do reino de Benim não a malagueta, mas a baga do Piper Clusii, a pimenta de rabo, chamada por Martinho Behaim pimenta de Portugal. Demais, muito antes de João Affonso de Aveiro ter ido á costa de Benim, e Diogo Cam além da foz do Zaire, tinham os portuguezes encontrado a malagueta, como se vê da historia de João de Barros, da carta de Antonio da Nolle, e da narração de Diogo Gomes.

[17] Veja-se sobre Duarte Pacheco o que diz João de Barros (Asia, dec. I, livro VII, cap. II e seguintes), assim como Damião de Goes na (Chr. d'el-rei D. Manuel, I parte) e Camões nas oitavas 12 a 25 do canto X.

[18] O titulo do manuscripto é o seguinte: Esmeraldo de Situ orbis feito e composto por Duarte Pacheco cavalleiro da casa del Rey D. João o II de Portugal, que Deus tem, dirigido ao muyto alto e poderoso principe e serenissimo senhor, o senhor Rey D. Manuel nosso senhor, o primeiro d'este nome que reynou em Portugal. D'este livro existem duas copias, as mais completas e authenticas na Bibliotheca de Evora, das quaes deu noticia o distincto escriptor o sr. Rivara no vol. V do Panorama. Consultei a copia que possue a Bibliotheca Nacional de Lisboa, extraída de outra, que parece ter pertencido a D. Rodrigo da Cunha, bispo do Porto, e mais tarde arcebispo de Lisboa. Era para sentir, que esta importante obra se conservasse ainda inedita, mas julgo que em breve será publicada, por iniciativa e sob a direcção do sr. João de Andrade Corvo.

[19] Veja-se a curiosa relação de Ramusio, sobre as informações que lhe deu o piloto a quem chama «persona périta, non solamente del'arte dell mare, ma anchora per le lettere e per il molto legger di diverti auttori pieno di molta cognitione.» (Ramusio, Delle navig. etc. I. p. 112 V.º Venetia, 1563.)

[20] Cito a traducção publicada por ordem da Academia das Sciencias e feita pelo socio Sebastião Francisco de Mendo Trigoso. (Collec. de not. para a Hist. etc., II, p. 87.)

[21] No texto italiano vem em portuguez o nome de pimenta de rabo, que era effectivamente a expressão vulgar; mas foi convertida em fórma mais academica na versão portugueza.

[22] A mesma noticia se encontra nas notas com que Carlos de l'Escluze, mais conhecido pelo nome de Clusio, enriqueceu a sua traducção latina do livro de Garcia da Orta (Exoticorum libri decem etc., p. 184). João de Barros pelo contrario diz que el-rei mandou esta pimenta a Flandres, mas ahi não agradou tanto como a da India. Conciliam-se perfeitamente estas informações em apparencia encontradas. A noticia de João de Barros, confirmada pelo que diz Garcia de Resende, refere-se ao tempo de D. João II, época em que ainda não tinhamos attingido o termo tão desejado de nossas explorações, e em que o commercio das especiarias estava em mão dos venezianos, sendo natural que procurassemos attrair a attenção para os productos das terras africanas, de cujo commercio nos haviamos senhoreado. Pelo contrario, em tempos de D. Manuel e posteriores, já estava nas mãos dos portuguezes o monopolio das especiarias asiaticas, e, dadas as doutrinas commerciaes de então, bem se comprehendem as prohibições rigorosas de que falla a viagem a S. Thomé.

[23] Veja-se a nota 1, a pag. 7.

[24] O texto de Pordenone é o seguinte: «In ipsa (insula Jauá) nascuntur cubebae, melegetae, nuces que muscatae, multae que aliae species pretiosae». Veja-se H. Yule (Cathay and the way thither, etc., II. Appendix, I, XVII.)

[25] Sabemos que pelos tempos de Frey Odorico se differençavam perfeitamente as duas drogas. Pegolotti no seu (Libro di divisameuti di paesi, etc.) inserido no tratado (Della decima, etc. III) falla das meleghette e do cardamomo como de mercadorias diversas; a mesma distincção faz um seculo mais tarde G. da Uzzano no (Libro di gabelli, etc.) egualmente inserido no (Della decima, etc. IV). Veja-se H. Yule (Cathay and the way thither, etc., I, pag. 88). A passagem de Rolandino Patavino, assim como a de Nicolau Myrepso antes citadas, dão tambem a malagueta e o cardamomo como coisas diversas. Veja-se a nota a pag. 9.

[26] Eis a passagem em que Humboldt (Hist. de la géogr. du nouveau Continent, I, pag. 258), expõe esta theoria. «Como as producções vegetaes, analogas, e que se substituem mutuamente no commercio, tomam sempre o mesmo nome, o de malagueta, tão celebre no XV seculo, e que os pharmaceuticos transformaram em melegueta, maniguette e cardamomum piperatum parece-me derivar-se do nome indico do pimento, tal qual é usado na lingua de Sumatra. Acho na Cosmographia de Sebastião Munster (ed. de 1850 p. 1093), lingua patria sumatrensis piper molaga dicunt. O sabio auctor da Materia medica of Hindoostan, o sr. Ainslie dá tambem (ed. de Madrasta, 1813, p. 34) ao Piper nigrum o nome tamul de mellaghoo. Em sanskrito mallaja e maricha são synonymos de pippali. O primeiro designa mais particularmente, segundo Wilson, o Piper nigrum e o segundo o Piper longum.» A estes nomes apontados por Humboldt podemos accrescentar os que encontramos citados por Garcia da Orta (Colloquios dos simples, etc., p. 172, ed. 1872), pertencentes ás mesmas fórmas, como são molanga, meriche e merois. A semelhança de alguns d'estes nomes com a palavra melegueta é singular; julgo porém ser uma simples aproximação fortuita.

[27] A palavra portuguesa pimenta não vem da mesma origem, como quer o padre Raphael Bluteau no Vocabulario, fazendo-a derivar de pimpilim, nome usado no Malabar. Deriva-se de pigmentum, que na baixa latinidade significava especiaria em geral: species aromatis. Ducange. (Gloss. ad script. med. et infim. lat. voc. pigmentum.)

[28] Recherches sur la déc. des pays situés sur la cote occ. d'Afrique, etc. p. 266.

[29] Mem. sobre a prioridade, etc., p. 39, e nota 7.ª, p. 196.

[30] Na edição franceza da sua memoria (Recherches sur la déc. etc. Paris 1842), o visconde de Santarem cita Balducci Pegolotti, e a passagem onde falla da malagueta (p. LXV), mas não modifica a sua argumentação (p. 14 e 15).

[31] Eis o que diz Matthioli: i grani, i quali chiamano alcuni meleghette per rasomigliarsi eglino (come credo io) al miglio indiano, il quale in alcuni luoghi d'Italia si chiama melega (I discorsi di M. P. Matthioli etc., nei sei libri di Dioscoride, p. 24. Venezia, 1712).

[32] Foi publicado na (Storia d'Incisa, etc. Asti, 1810) e vem transcripta por Michaud (Hist. des Croisades, II, p. 494).

[33] Sobre a verdadeira natureza da meliga e a introducção da cultura do milho na Europa pode-se consultar Bonafous (Hist. nat. agric. et éc. du maïs); e tambem A. de Candolle (Géogr. bot. rais., p. 943).

[34] É esta a opinião apresentada pelo sr. Ernesto Renan (Hist. des langues sémitiques, p. 201-202, 4ème éd.), da qual, porém, se afastam alguns philologos, e entre outros o sr. Newman, que considera o berbér como um idioma semitico.

[35] Veja-se sobre o alphabeto tifinar ou tifinag uma noticia do sr. A. Judas: (Journal Asiatique. Mai 1847) assim como o (Essai de grammaire tamackek.) do sr. Hanoteau.

[36] Chron. da Conq. de Guiné. p. 83 e 365.

[37] Diz Pomet «nous l'appellons aussi maniquette ou melaquette a cause d'une ville d'Afrique appelée Melega d'ou elle était autrefois apportée» (Hist. gén. des drogues, I, 42, 2.me éd.) Nicolau Lémery repete a mesma asserção quasi pelas mesmas palavras (Traité univ. des drogues simples, p. 152. Paris, 1698); e não obstante La Martinière, no seu diccionario ter mostrado ser falsa, ainda se encontra no diccionario do sr. Littré.

Uma derivação inversa, e que vem apontada na Africa de Ogilby, tambem envolve um erro. Diz-se ahi: grain coast is named melliguette or melli, from the abundance of grain of paradise there growing, wich the natives call mellegette. Confunde-se n'esta passagem a costa da Malagueta, a qual de feito recebeu o nome da droga com a região de Melli, situada já no centro de Africa ao meio dia de Timbuktu, e bem conhecida desde tempos remotos. Foi visitada em 1352 por Ibn Batuta, que a designa com o nome de Melle ou Mali (segundo a traducção do padre Moura) e figura na carta Catalan de 1375. Cadamosto tambem a conhecia, e indica com bastante rigor o itinerario das caravanas, que transportavam o sal de Tagazza a Timbuktu e a Melli. Só muito depois se começou a usar o nome de costa da Malagueta e nenhuma relação tem com o de Melli.

[38] Eis alguns dos nomes citados pelo sr. Daniell: Attahre usado em Yorruba: Ussorgé em Ebo: Anniewhé em Accara: Weeza entre os Ashantis: Guetta e Emaneguetta entre os Krus: uma variedade de fructos mais pequenos é chamada Tosshan te timmané em Serra Leôa: Niammakyu entre os negros Susus: Bellankufo entre os Mandingas do interior; uma terceira variedade de fructos ainda menores recebe o nome de Tokoto m'pomah em Fernão do Pó, e de Dungo zargo e Dungo zenzambah no Congo. Conservei escrupulosamente a orthographia usada pelo sr. Daniell, que não é talvez a mais propria, e corresponde á impressão produzida em um ouvido inglez pelos sons dos dialectos africanos. Barbot, citado por Daniell, diz que nas proximidades do cabo Lopes, se dá á droga o nome de Calicute. Deve ser uma antiga designação portugueza, derivada da semelhança com a pimenta que vinha de Calecut.

[39] O genero Piper tal qual se acha constituido na monographia das Piperaceae do sr. Casimir de Candolle (Prodromus, XVI, S. I.), inclue os generos Chavica, Cubeba e outros, e abrange mais de 600 especies.

[40] Com este nome (poivre long noir) a menciona Pomet, negociante droguista de Paris, referindo-a a uma figura bastante exacta, para que se não possa duvidar da identidade da especie. (Hist. géner. des drogues, p. 225, f. 140, éd. de 1735.)

[41] Os nomes de maniguette, bois d'Ecorce, poivre d'Ethiopie são dados a uma planta denominada Waria Zeylanica, por Fusée Aublet (Hist. des plantes de la Guiane, I, p. 605, t. 243), a qual sem duvida é a Xylopia Ethiopica.

[42] Temos em favor d'esta opinião a auctoridade de Robert Brown (Exp. to the river Zaire, etc. Appendix. p. 469), e a não menos valiosa de A. de Candolle (Prodrom XIII, p. 412). Fraas é de opinião contraria, e suppõe que o Capsicum longum DC, fôra conhecido de Theophrasto. (Synops. pl. fl. classic., p. 160.)

[43] Veja-se a carta de Chanca nas (Select letters of Columbus, etc., na Coll. Hakluyt).

[44] Simplicium medic. ex novo orbe delatorum, traducção latina de Clusio inserida nos (Exotic. p. 343). Monardes excellente auctoridade pelo tempo (1565) e logar, em que escreveu, admitte a origem americana da planta.

[45] Clusio nas notas a Monardes, (Exotic. p. 343. A numeração das paginas vem errada na edição de 1605 e lê-se 341 mas deve ser 343). Na mesma nota diz Clusio, que a planta se chamava então em Lisboa pimenta do Brasil.

[46] Esta embaraçosa confusão fazia exclamar ao antigo auctor Geoffroy: «Nulla res est fortasse in re Pharmaceutica magis litigiata quam Cardamomi notitia.» (Tractatus de materia medica, II, p. 364.)

[47] Spec. plant. I p. 9 ed. Willd. 1797.

[48] Remedia guineensia, p. 71. Upsaliae; citado por Flück. et Hanb. Pharmac. p. 590.

[49] Monandrian plants of the order Scitamineae, etc. 1828.

[50] Hooker (On some afr. sp. of. Amomum. Kew gardens misc. VI, p. 293) vem transcripto em (Walpert Ann. bot. syst. VI, p. 19): póde-se tambem consultar (Bot. mag. t. 4663 e 4764 e noticias annexas).

[51] Guibourt (Hist. nat. des dr. simples II, p. 224. 1876).

[52] Daniell (On the Amoma of Western Africa. Pharm. Journal XIV, p. 312 e 356, XVI, p. 465 e 511).

[53] É esta a opinião de Daniell, da qual se afasta um pouco Hooker, e tambem Flüekiger e Hanbury na sua Pharmacographia.

[54] Encontra-se nas ilhas de S. Thomé e do Principe, aonde é conhecido com o nome de Uçame.

[55] Veja-se a noticia sobre os Dongos do Congo na (Synopse expl. das mad. e dr. medicinaes, p. 30, num. 51-74) e tambem (Apont. phytogeographicos, p. 544) nos Annaes do Conselho Ultramarino.

[56] É necessario advertir que estes limites se referem á planta espontanea, pois que se encontra cultivada não só em outras regiões da Africa, por exemplo nas margens do rio Coango, mas ainda na America, em Demerara e outros pontos.

[57] A substancia mencionada pelo capitão Lyon, sob o nome de Tammerat et filfil, entre as mercadorias trazidas do Sudan ao Fezzan, é, sem a menor duvida, a malagueta (A narr. of travels in northern Africa, etc., p. 156, 1821).

[58] Assim Pereira suppõe que o cardamomo conhecido na Abyssinia com o nome de Korarima é identico ao Amomum angustifolium Sonnerat, de Madagascar, e Hanbury (Pharm. Journ. 1872) considera um e outro identicos ao A. Danielli Hooker fil.

[59] O livro de Pegolloti, já muitas vezes citado, dá interessantes noticias sobre o commercio com o Oriente. Pode-se consultar tambem um curioso capitulo de João de Barros (Asia, dec. I, liv. VIII, cap. I), do qual se vê quanto eram extensas e exactas as suas informações sobre o modo porque se fazia o trafico das especiarias, antes de os nossos haverem dobrado o cabo da Boa Esperança; e egualmente o bem conhecido (Tratado dos diversos e desvairados caminhos, etc.) de Antonio Galvão.

[60] Sobre a supposta situação do parayso e a sua vegetação, póde ler-se a relação de Fr. João de Marignolli, e as eruditas notas de Yule (Cathay and the way, etc., pp. 360 e seguintes). Veja-se tambem uma carta de Letronne inserida na obra de Humboldt (Hist. de la géographie du nouveau continent, III p. 118). N'esta mesma obra se encontram expostas e discutidas as curiosas opiniões de Christovão Colombo sobre a proximidade em que deviam estar as novas terras por elle descobertas, do parayso terreal (Hist. etc. III, p. 111). Emquanto á influencia do parayso sobre a producção das especiarias ou substancias aromaticas, diz-nos Maçudi, escriptor arabe do X seculo, que Adão saíu do parayso coberto de folhas, e que estas depois de seccas, sendo espalhadas pelo vento sobre a India, deram origem a todos os aromas d'aquella região. (Les prairies d'or, etc. trad. de B. de Meynard et P. de Courteille. I. p. 60). O prudente arabe accrescenta no entanto (Deus sabe melhor a verdade). É curiosa a aproximação entre esta singular asserção e outra muito semelhante que encontramos nas obras de Santo Athanasio, o qual no dialogo Quaestiones ad Anthiocum (Opera, etc., n p. 279. Parisiis 1698), diz que a abundancia de substancias aromaticas nas regiões orientaes ou Indicas, é devida á proximidade do parayso, pois o vento que d'ali sopra póde tornar fragrantes e aromaticas as arvores das terras visinhas «sic fragrantia quae ex paradyso ventorum afflatu exit, arbores locorum illorum viciniores fragrantes efficit.» D'estas e de outras opiniões semelhantes resultou o nome de grana paradysi, dado, como vimos, á malagueta.

[61] O godo Alarico exigia da cidade de Roma para levantar o cerco, um resgate no qual figurava ao lado de avultada quantia de ouro e prata, uma porção relativamente pequena de pimenta. Constantino offerecia ao papa S. Silvestre vasos de ouro cravejados de pedrarias contendo quantidades minimas de perfumes e especiarias. Nos thesouros de Chosroes II, rei da Persia, mencionava-se a existencia da camphora, do almiscar e do sandalo. Muitos outros exemplos, que seria facil accumular, provam quanto eram considerados estes productos de afastadas regiões.

[62] Ao periodo de grande expansão que teve o christianismo no oriente, e particularmente na Tartaria e na China nos fins do seculo XIII e começo do seguinte, succede uma rapida decadencia, durante a qual quasi se apagou a sua memoria. Quando no XVI seculo os Jesuitas penetraram na India e na China, e tão cuidadosamente buscaram os vestigios dos christãos de S. Thomé, ou tiveram pouca noticia, ou intencionalmente callaram os grandes serviços feitos pelos Dominicanos, e sobretudo pelos Franciscanos, que ali os haviam precedido, e aos quaes só mais tarde se fez completa justiça. Veja-se Huc (Le christianisme en Chine, etc., I, p. 94 e seguintes) e tambem o livro já tantas vezes citado de Yule (Cathay and the way, etc).

[63] Quando o infante D. Pedro esteve em Veneza, foi-lhe ali offerecido um exemplar do livro de Marco Polo; o manuscripto original, como suppoz Ribeiro dos Santos (Mem. de litt. portugueza, VIII, p. 276, 2.ª ed.), ou, o que é mais provavel, uma copia authentica. Valentim Fernandes, no prefacio á traducção portugueza que depois fez, menciona esta circumstancia. Ramusio dá a mesma indicação (Discorso sopra la prima et secunda lettera di Andrea Corsali.-Delle nav. I. p. 176 v.º, Venetia 1563), e refere-se á influencia que o livro teve em Portugal «e che'l detto libro dapoi tradotto nella loro lingua fu gran causa che tutti quelli serenissimi Re s'infiammassero a voler far scoprir l'India orientale, e sopra tutti il Ré Don Giovanni.» Por esta, ou por outra copia, se fez desde logo uma traducção portugueza, pois entre os livros de uso d'el-rei D. Duarte, figura Marco Paulo, latim e linguagem em um volume (Provas da Hist. Geneal, etc. I. p. 844). Annos depois fez Valentim Fernandes a sua traducção, que imprimiu em Lisboa em 1502, obra muito rara, da qual a Bibliotheca nacional de Lisboa possue um exemplar.

[64] A relação da viagem do Nicolo di Conti, foi, por ordem do papa Eugenio IV, dictada ao seu secretario Poggio Bracciolini e por este escripta em latim. Foi depois vertida em portuguez por Valentim Fernandes e publicada juntamente com a obra de Marco Polo, com o titulo Ho livro de Nycolao Veneto. Quando Ramusio a quiz inserir na sua collecção não pôde encontrar o original latino, e teve de recorrer á versão portugueza, bastante defeituosa. (Dell. nav. etc. p. 338-1563.) Depois porém se publicou a relação em latim juntamente com outras obras de Poggio (De varietate fortunæ libri quatuor-1723) e por esta fez o sr. Major a traducção ingleza inserida no livro (India in the fifteenth century-Collec. Hakluyt). Sobre a influencia exercida pelo livro de Conti, veja-se Humboldt (Hist. de la géogr. du nouv. cont. I. p. 216).

[65] Primeiro mandou D. João II, Fr. Antonio de Lisboa, e Pero de Montarroyo, que por ignorarem a lingua arabica não proseguiram na sua viagem; depois Affonso de Paiva e Pero da Covilhan, e finalmente, em busca d'estes, dois judeos, Rabbi Abram de Beja, e um sapateiro de Lamego, chamado José. Veja-se o que diz Barros (Asia, dec. I, liv. III, cap. V) e sobretudo a relação muito mais detalhada dada pelo padre Francisco Alvares, na (Verdadeira informaçam das terras do Preste Joam).

[66] Diz João de Barros fallando da pimenta de rabo «a qual ElRei mandou a Frandes, mas não foi tida em tanta estima como a da India.» (Asia, dec. I, livr. III, cap. III.) Garcia de Rezende diz tambem da mesma pimenta «da qual foi logo mandado a Frandes.» (Chron. del Rey D. João II. pag. 43 verso. Lisboa).

[67] Sobre as informações que o infante tomava dos arabes veja-se o que diz João de Barros: «Donde assi na tomada de Cepta como as outras vezes que lá passou sempre inquiria dos mouros as cousas de dentro do sertão da terra» vindo a saber não só das terras dos Alarves e do Sahará mas tambem dos Azenegnes «que confinam com os negros de Jalof onde se começa a regiam de Guiné.» (Asia dec. I, livr. I, cap. II). Damiam de Goes falla tambem «das muitas informações que (o infante) cada dia tomava de mouros e azenégues practicos nas cousas de Africa» (Chron. do Princ. D. Joam. etc. cap. VII). Diogo Gomes conta que estando em Cantor, no Rio Gambia, ahi soubera de uma batalha travada entre dois regulos negros do interior, e que voltando ao reino, dera esta noticia ao infante, o qual lhe respondeu, que por uma carta de um mercador de Oran já fôra informado d'aquelle successo. Prova curiosissima de quanto eram extensas as relações que D. Henrique mantinha com o interior de Africa.

Sobre o conhecimento que os arabes tiveram do Sudan desde o tempo de Ibn Haucal (X seculo), e a influencia que as noções por elles obtidas e transmittidas mais tarde aos christãos exerceram na construcção da carta Catalan de 1375, na do museu Borgia, e em outros monumentos cosmographicos, veja-se o que diz o visconde de Santarem (Essai sur l'hist. de la cosm. etc). A curiosa viagem de Ibn Batuta ás terras do Alto Niger, em 1352, dá uma idéa clara das relações dos arabes com aquellas regiões. (Viagens ext. e dil. de Abu-Abdallah etc. versão de fr. J. de Santo Antonio Moura. II. pag. 140 e seguintes).

[68] Azurara (Chron. da conq. etc. pag. 400). Barros (Asia dec. I, liv. I, cap. XIV).

[69] No mesmo anno de 1446. Azurara (Chron. etc. pag. 410). Barros (Asia ibid).

[70] Em 1448; veja-se Major (Life of Princ. Henry etc. pag. 288).

[71] Em 1454 e 1455. (Collecção de not. etc. II. pag. 28 e seguintes). As datas citadas não são as admittidas na versão portugueza, mas as que se encontram em Ramusio, tidas geralmente por mais exactas.

[72] Collecção de not. II. pag. 73.

[73] Barros (Asia dec. I, livr. II, cap. II).

[74] Barros (ibid.)

[75] Veja-se o que diz Azurara (Chron. da conq. etc. pag. 158), em uma curiosa passagem na qual define bem o sentido em que toma a palavra. Pode-se consultar egualmente o admiravel capitulo, cheio de observações curiosas e exactas de João de Barros (Asia dec. I, livr. III, cap. VIII). Sobre o conhecimento que os arabes tiveram da Guiné e sobre os erros commettidos em relação á sua situação geographica antes dos descobrimentos dos portuguezes, veja-se o visconde de Santarem (Essai sus l'hist. de la cosm. etc. I. pag. 300) e tambem a (Mem. sobre a prior. etc. pag. 161 e seguintes).

[76] É nel libro del primo viaggio dice, que egli vide alcune sirene nella costa della Manegueta. (Hist. del signor D. Fernando Colombo etc. pag. 16. Venezia 1676). Esta biographia do almirante foi escripta por seu filho D. Fernando Colombo em hespanhol, vertida por Affonso Ulloa em italiano, e havendo-se perdido o manuscripto original o qual nunca fôra publicado, vertida de novo em hespanhol e inserida na collecção de Historiadores primitivos de Andre Gonzales Barcia. A versão italiana, de que se fizeram diversas edições, é por tanto a mais authentica.

[77] «Yo estuve en el castillo de la Mina del Rey de Portugal.» Veja-se a Historia de las Indias, de Las Casas, contemporaneo do almirante. (Navarrete. Collection de Doc., etc. I. LXII). Na biographia antes citada, escripta por D. Fernando Colombo, encontra-se a mesma asserção. Em quanto ás outras viagens, Las Casas diz, que o almirante «affirma haber navegado muchas veces de Lisbona a Guinéa.» As datas, porém, são duvidosas, e o proprio D. Fernando Colombo confessa não saber bem quando tiveram logar estas viagens de seu pae.

[78] É a data marcada por Herrera (Historia de las Ind. ocid., dec. I, libr. I, cap. VII).

[79] É evidente que a designação empregada era a usada e vulgar entre os portuguezes. Colombo, como antes Cadamosto, A. da Nolle e outros, fez as suas viagens nos navios portuguezes, unicos que então se dirigiam para a Africa. O celebre genovez pelo seu casamento com a filha de Bartholomeu Perestrello, homem principal, e demais mui versado na navegação, tinha adquirido muitas relações em Portugal, e tão portuguez se havia tornado, que Toscanelli, seu compatriota, parece olvidar-se da sua nacionalidade e confundil-o com os portuguezes dizendo-lhe em uma carta, se não admira da sua grande coragem, e da de toda a nação portugueza, na qual sempre houve homens assinalados em todas as empresas: «Non mi maraviglio che tu, che sei di gran cuore, e tutta la natione Portoghese, la quale ha havuto sempre huomini segnalati in tutte le imprese etc.» segunda carta de Toscanelli a Colombo inserida na (Hist. del signor D. Fernando Colombo etc. cap. VIII).

Las Casas diz, do modo o mais explicito, que as viagens a Guiné foram feitas em companhia dos portuguezes «y assi navegó algunas veces aquel camino en compania de los portuguezes, como persona ya vecina y quasi natural de Portugal.» (Hist. de las Indias. Collec. de doc. etc. t. LXII). Estas informações colheu Las Casas da boca de D. Diogo Colombo, filho do almirante.

[80] Eis as localidades mencionadas na descripção da costa da Malagueta por Duarte Pacheco.

 

Cabo do Monte. Rio dos Cestos. Rio de S. Vicente.
Cabo Mesurado. Ilha da Palma. Praia dos Escravos.
Matta de Santa Maria. Ilhéos. Lagea.
Rio de S. Paulo. Cabo Formoso. Cabo de S. Cremente.
Rio do Junco. Resgate do Genovez. Cabo das Palmas.

 

É facil definir a situação da maior parte d'estas localidades. Na excellente obra de A. M. de Castilho, encontram-se o Cabo do Monte, Cabo Mesurado, Rio de S. Paulo, Rio dos Juncos, Rio dos Cestos, Ilha da Palma e Cabo das Palmas (Descr. e Rot. da costa occ. de Africa, I, p. 264 a 301 e mappa VIII), situados por modo, que não póde haver duvida em serem as localidades mencionadas, com os mesmos nomes, por Duarte Pacheco.

As outras designações, ou não se encontram no Roteiro como são a Matta de Santa Maria, os Ilhéos, o Resgate do Genovez, o Rio de S. Vicente, a Praia dos Escravos e a Lagea, ou se encontram applicados por modo diverso d'aquelle, que se adopta no Esmeraldo, como são o Cabo Formoso e o de S. Clemente.

A Matta de S. Maria é uma localidade bem conhecida, situada logo adiante do Mesurado, e aonde segundo a relação de Cadamosto, já muitas vezes citada, terminou a viagem de Pero de Cintra.

O Cabo Formoso do Roteiro de Castilho não póde ser o Cabo Formoso do Esmeraldo. De feito o primeiro, a Ponta Timbo de algumas cartas (Rot. p. 276), fica ao norte do Rio dos Cestos; em quanto que o do Esmeraldo demora muito ao sul, a 7 leguas da Ilha da Palma, e ainda ao sul dos Ilhéos. Deve corresponder á Ponta de Baffa ou á Ponta Tassou (Rot. p. 282). Não ha erro da parte de Duarte Pacheco em o collocar n'esta situação, pois temos uma prova de que segue a nomenclatura usada no seu tempo. Na carta de João Freire, de 1546, vem do mesmo modo Ilha da Palma, Ilhéo Cayado (é um dos ilhéos citados no Esmeraldo, e ahi se diz, que eram muito brancos, d'onde lhe veiu o nome) e depois Cabo Formoso, por tanto na mesma successão que adopta o nosso auctor.

Segue-se o Resgate do Genovez, assim chamado porque um marinheiro genovez foi o primeiro que ahi resgatou malagueta, deverá collocar-se nas proximidades de Battoa Grande (Rot. p. 284).

O Rio de S. Vicente é talvez o Rio do Sino (Rot. pag. 285): em quanto á Praia dos Escravos, que tinha, no dizer de Pacheco, duas leguas de extensão, é sem duvida a parte do littoral aonde vem desembocar os pequenos rios Dru, dos Escravos e Ferroowah (Rot. pag. 290 a 292).

A Lagea, rochedo separado da costa coisa de um quarto de legua, póde com alguma duvida, identificar-se com o Carpenter rock ao mar da Ponta de Setre (Rot., pag. 293).

Em quanto ao Cabo de S. Clemente, tambem não concorda a sua posição com a que vem no Roteiro: Castilho dá este nome á Ponta de Battoa Grande, sendo certo que o Cabo de S. Clemente de Duarte Pacheco fica muito para o sul, e já proximo ao Cabo das Palmas. Deve, me parece, corresponder á Ponta dos Bretons ou á de Fish town. (Rot. pag. 297). Na carta de Freire, que não vi, mas de que o visconde de Santarem transcreve os nomes por sua ordem (Mem. sobre a prior., etc., pag. 213) vem por estas alturas o Cabo do Sacramento; haverá erro de leitura e será Cabo de S. Cremente com a orthographia então usada? N'este caso a nomenclatura de Freire estaria mais uma vez de accordo com a do Esmeraldo.

As latitudes ou «graos de ladeza» dadas por Duarte Pacheco não se afastam muito das que hoje se admittem. Sendo para notar que as citadas no texto differem ás vezes das que estão reunidas em uma taboada geral, o que sem duvida é devido a erros de copia. As que se referem á parte da costa que nos occupa são as seguintes:

 

No Esmeraldo Roteiro de Castilho
Cabo do Monte 6° 40' 6° 44'
Cabo Mesurado 6° 20' 6° 19'
Rio dos Cestos 5° 30' 5° 26'
Cabo das Palmas 4° 22'

 

A divergencia maior no Cabo das Palmas, é devida sem duvida, a ter o copista omittido os minutos.

Estas aproximações foram feitas rapidamente e de modo algum as tenho por seguras, pois levantam não poucas difficuldades, cuja discussão saíria completamente do plano n'este trabalho.

[81] Com quanto todo este trabalho se prenda á questão tão disputada da prioridade do descobrimento da costa occidental da Africa, e particularmente d'esta costa da Malagueta pelos portuguezes, mui deliberadamente a não tenho querido tratar, porque, com prefeita sinceridade e desprendido de todo o falso patriotismo a julgo fóra de contestação. No entanto, não posso deixar de recordar que Villaud de Bellefond, diz do Rio dos Cestos, que fôra assim chamado pelos portuguezes: «a cause d'une espèce de poivre qui y croit, quils appellent sextos:» e em outra parte, fallando dos negros da Costa, diz: le peu de langage qu'on peut entendre est français. Ils n'appellent pas ce poivre sextos a la portugaise, ni grain a la hollandaise, mais malaguette.» É difficil accumular tantos e tão palmares erros em tão poucas palavras! Pena é que estas ridiculas asserções fossem admittidas por escriptores serios e de boa nota.

[82] Veja-se a p. 25.

[83] Taes foram as viagens feitas pelos hespanhoes no anno de 1475, de que falla D. Diogo Ortiz de Zuniga (Annales ecl. y sec. de Sevilla, p. 373. Madrid, 1677); e outras levadas a cabo, ou projectadas, no anno de 1478, a que se refere um documento citado por Navarrete (Coll. t. II, pag. 386). Mas logo no anno seguinte de 1479, feitas as pazes com Hespanha, se reconheceram os direitos de Portugal ao exclusivo do commercio de Guiné. Veja-se tambem em Garcia de Rezende (Chron. d'elrey D. João III, cap. XXXIII e cap. LXXIII) a relação das duas embaixadas enviadas a Inglaterra em resultado dos preparativos, feitos por João Tintam e Guilherme Fabiam, por ordem do duque de Medina Sidonia, para passar a Guiné, no anno de 1481; e annos depois, no de 1484, em virtude de egual tentativa do conde de Penamacor. Em um e outro caso foram desde logo dadas ordens expressas para que taes viagens não tivessem logar, sendo mesmo o conde de Penamacor encarcerado na torre de Londres. Sobre estas e outras reclamações diplomaticas, veja-se o que diz o visconde de Santarem (Recherches sur la déc., etc., p. 198 a 222).

[84] (Annaes de el-rey D. João III por fr. Luiz de Sousa, publicados por Alexandre Herculano, p. 374.) Os plenipotenciarios francezes, cujos nomes citei com a orthographia usada nos Annaes, eram: Antonio du Prat, chanceller de França, que abraçando em edade já avançada o estado ecclesiastico, veiu a ser arcebispo de Sens, cardeal e legado a latere: o bem conhecido Anne de Montmorenci, que então ainda não fôra elevado á dignidade de condestavel, sendo simplesmente grão mestre: e provavelmente João de Gontault, barão de Biron, que consta fôra empregado em missões diplomaticas junto do imperador e do rei de Portugal. No entanto não o encontro entre os almirantes de França, sendo este cargo desempenhado, na data das negociações, por Philippe de Chabot, conde de Charny: é porém possivel, que exercesse as funcções de almirante temporariamente e no impedimento do titular.

Estas negociações sobre as viagens dos francezes, e as cartas de marca, continuaram por muito tempo, passando a França o conde da Castanheira, e depois Bernardim de Tavora. Este ultimo levava, ao que parece, instrucções para offerecer ao chanceller, ao grão-mestre e ao almirante, quatro mil cruzados a cada um, em cada anno, para os dispor melhor em favor dos interesses de Portugal. Veja-se (Ann. d'el-rei D. João III. p. 370 e 379), e o que diz o visconde de Santarem (Recherches sur la déc. etc. p. 216 e seguintes).

[85] Os capitulos de concerto foram passados a 11 de julho de 1531. Mais tarde os nossos direitos foram tambem reconhecidos no tratado concluido em Lyão a 14 de julho de 1536, e nas cartas patentes de Francisco I, datadas de Valença e de Lyão de 8 e 27 de agosto do mesmo anno. Veja-se o visconde de Santarém (Recherches, etc., pag. 219).

[86] Em um extenso e curioso despacho, de que vi o original na Torre do Tombo (Corp. Chron. p. I, maço 47, doc. 75).

[87] Veja-se (Delle nav. et viagg., etc. III, p. 417, v.º ed. de 1565).

[88] Annaes d'el-rey D. João III, p. 306.

[89] (Ibid., p. 404.) Deve-se notar, que o conde se não refere unicamente ao trato da droga, mas ao commercio de toda a costa, pois a palavra malagueta significa aqui a região e não a especiaria. Encontra-se muitas vezes, nos escriptores d'aquelle tempo, empregada a expressão a malagueta, por costa da Malagueta.

Se este documento é, como parece, do anno de 1542, segue-se que as viagens dos francezes haviam começado pelos annos de 1513 ou 1514, um pouco mais cedo do que suppõe o visconde de Santarem (Recherches, etc., pp. 213-223).

[90] As narrativas d'estas viagens, publicadas por Eden e outros, foram depois reunidas na importante collecção de Hakluyt. Não tive esta obra á minha disposição, e só póde consultar a versão franceza má e incompleta, que faz parte da (Hist. gén. des voyages, etc. II p. 242 e seguintes. Paris, 1746).

[91] Penteado tinha feito viagens a Africa, sendo mesmo encarregado da guarda da costa da Malagueta, antes de passar a Inglaterra, aggravado por uma prisão que julgou injusta. Dos esforços feitos pelo infante D. Luiz para que voltasse ao reino, se deduz que era pessoa de importancia. Foi victima n'esta viagem dos maus tratos e dissabores, porque o fizeram passar os inglezes.

[92] A bota ou antes botta, segundo a orthographia proposta por Duarte Nunes de Leão, correspondia a duas terças partes de uma pipa. Dava-se tambem este nome a um barril grande ou barrica d'aquellas dimensões. Em barricas se trazia então habitualmente a malagueta. João Lok, trouxe em 1554 «thirty six butts of graines.» O butt é uma barrica da capacidade de cento e vinte e seis gallões.

[93] O visconde de Santarem cita brevemente este despacho, e diz que elle fixa a época em que a primeira malagueta foi levada ao mercado de Ruão. Do theor do despacho não resulta bem claramente que fosse a primeira vez, e unicamente se vê que não era um acontecimento vulgar e corrente.

[94] ... a very hote fruit, and much like unto a fig, as it groweth on the tree. (Hakluyt II, p. 12, citado por Daniell.)

[95] They grow a foot and a half, or two foot from the ground, and are red as blood when they are gathered. The graines themselves are called by the Physicians Grana Paradisi. (Ibid. p. 22, citado por Daniell.)

[96] Já fiz notar que esta asserção, referindo-se a uma época posterior perto de um seculo ao descobrimento d'aquella parte da costa, nenhuma importancia tem relativamente á primitiva origem do nome.

[97] Annaes d'el-rei D. João III, etc., p. 378.

[98] (Ibid. p. 401). Esta venda foi talvez realisada nas feitorias de Flandres, que ainda então existiam, sendo n'este anno feitor Jorge de Barros: a feitoria de Flandres só foi desfeita no anno de 1549.

[99] Flükiger and Hanbury (Pharmacographia p. 592.)






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