The Project Gutenberg EBook of Apontamentos sobre a via de communicação do
rio Madeira, by Antonio Rebouças

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org


Title: Apontamentos sobre a via de communicação do rio Madeira

Author: Antonio Rebouças

Release Date: October 26, 2007 [EBook #23201]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK APONTAMENTOS SOBRE ***




Produced by Pedro Saborano (This file was produced from
images generously made available by Cornell University
Digital Collections)







APONTAMENTOS

SOBRE A VIA DE COMUNICAÇÃO

DO

RIO MADEIRA

PELO

Engenheiro Antonio Rebouças

MEMORIA ESCRIPTA EM SANTIAGO DO CHILE EM 1868, E OFFERECIDA AO CONSELHEIRO FELIPPE LOPES NETTO, ENTÃO MINISTRO PLENIPOTENCIARIO DO BRASIL NA BOLIVIA.


RIO DE JANEIRO.

TYPOGRAPHIA NACIONAL.


1870.

[1]

ADVERTENCIA.

Quando, em 1868, achando-me em Santiago do Chile, emprehendi os estudos que derão em resultado a presente Memoria, tinha em vista requerer dos governos do Brasil e da Bolivia o privilegio para a construcção e custeio de uma estrada, transitavel a vehiculos de rodas, ligando a navegação do baixo á do alto Madeira e para o trafego por meio de vapores do Mamoré, e Guaporé e dos outros rios dessa região.

Esse intento, porém, frustou-se por causa de meu regresso ao Brasil em Abril do mesmo anno e ter seguido logo, em meiados de Junho, para a provincia do Paraná a dirigir a exploração de uma estrada de rodagem com destino a Matto Grosso, commissão que tive a felicidade de concluir no fim do anno passado.

Achava-me pois distrahido inteiramente de meus planos sobre a via de communicação do rio Madeira, quando vi publicado o Decreto de 20 de Abril do corrente anno, concedendo ao coronel George E. Church o privilegio para uma ferro-via lateral ás cachoeiras e para a navegação a vapor da parte superior daquelle rio.

Congratulando-me por ver em caminho de realização um projecto de tanto alcance politico, commercial e civilisador, a bem do Brasil e de uma Nação [2] vizinha e amiga, pareceu-me não ser inopportuno dar à luz da imprensa uma Memoria, onde eu demonstrára os elementos com que podia contar para fundar-se e progredir a empreza que tomasse a si levar a effeito a mesma obra.

Oxalá possão os factos confirmar minhas esperanças sobre tão auspiciosa communicação, a cujo emprezario, desejo, sobejem os meios de executal-a promptamente.

Rio de Janeiro, 18 de Julho de 1870.—Antonio Rebouças Filho, Engenheiro.

[3]

I.

Opportunidade de leval-a a effeito.—Tratado do Brasil com a Bolivia—Abertura do Amazonas.—Navegação a vapor no baixo Madeira até a primeira das Cachoeiras.—Falta transpol-as para lançar o vapor no alto Madeira e nos seus affluentes navegaveis da Bolivia e do Brasil.

Dous grandes acontecimentos, desses que fazem época na historia das nações, se realizárão no decurso do anno de 1867, ambos de influencia transcendente no sentido de estreitar as relações amistosas de dous estados sul-americanos, resolvendo as divergencias, que por acaso entre elles existissem, e predispondo a communidade dos interesses commerciaes, que no estado da civilisação actual é o mais seguro penhor da paz e da amizade dos povos e tambem dos governos que a estes representão.

Um foi o tratado de amizade, limites, navegação e commercio entre o Imperio do Brasil e a republica da Bolivia, celebrado em La Paz aos 27 de Março e definitivamente concluido pela troca das ratificações dos dous governos a 22 de Setembro do anno passado; o outro o decreto do governo imperial de 7 de Dezembro de 1866 abrindo as aguas do Amazonas aos navios mercantes de todas as nações, o que já se verificou no memoravel dia 7 de Setembro daquelle mesmo anno.

Corollario de tão importantes factos será sem duvida o desenvolvimento rapido das transacções commerciaes entre o Brasil e a Bolivia, as quaes, iniciadas desde muitos annos, têm sido até hoje peadas em seu incremento pela barreira ingente, que intercepta a via de communicação natural existente entre os dous paizes. São as cachoeiras, que obstruem o curso dos rios Madeira e Mamoré entre os 8 1/2 e 11 gráos de latitude sul, oppondo difficuldades quasi insuperaveis ao transito do commercio da Bolivia para o Atlantico pelas aguas francamente navegaveis do baixo Madeira e do grandioso Amazonas.

[4]

Romper este obstaculo ou desvial-o, é abrir as portas da vasta bacia do alto Madeira; é juntar a navegação do immenso valle do maior dos rios, cujo tronco se estende desde o centro do Perú até o Oceano, abrangendo por seus innumeraveis ramos terras do Equador, da Colombia, de Venezuela e do Brasil, desde seus confins septentrionaes e occidentaes até o proprio coração, com a navegação do Mamoré e seus affluentes, que de um lado tambem se interna no territorio brasileiro até encontrar na serra dos Parecis as vertentes do rio Paraguay, e d'outro irradia em diversas direcções até ás encostas, e inda além até aos cumes dos Andes, regando com placida corrente as dilatadas planicies da parte mais rica da Bolivia; finalmente, é completar praticamente o grande pensamento de paz e de união internacional, ha pouco formulado e consagrado no referido tratado de navegação e commercio e no decreto da abertura do Amazonas.

Desde muito o governo e o povo da Bolivia mirão a navegação a vapor dos tributarios do Alto Madeira e a communicação facil d'ahi com o Atlantico como uma necessidade indeclinavel do progresso moral e material da republica e como a base da prosperidade futura de suas ferteis provincias do Oriente.

Já nos fins do seculo passado, em 1792, quando ainda dominava o regimen colonial, o sabio naturalista Tadeu Haenke, apresentou ao governo hespanhol o projecto de navegar os rios da Bolivia. Em 1833, o governo da republica instituia premios para os primeiros barcos a vapor que sulcassem seus rios; em 1843 e 1851, o congresso autorisava o poder executivo a despender até a somma de 200.000 pesos nos serviços concernentes á mesma navegação e em 1853, declarando-a livre ao commercio e aos navios de todas as nações, renovava a offerta de premios aos que primeiro a emprehendessem, accrescendo a isto largas concessões de terras.

A opinião publica, manifestada quér na imprensa periodica e nos escriptos dos homens mais illustrados da Bolivia, quér por meio de obras praticas, tem sempre acompanhado neste assumpto ás vistas do governo. Assim é que não faltão memorias e outras publicações demonstrando as innumeras vantagens da communicação do Madeira e muitas explorações e até alguns trabalhos de construcção hão sido executados tanto nos rios que della fazem parte, como nas vias terrestres que a elles conduzem. Testemunhão-n'o, entre muitos outros factos, as explorações do naturalista francez [5] Alcide d'Orbigny, patrocinadas pelo governo da Bolivia; as do parocho de Exaltacion, Dr. D. Ramon Eustaquio Duran e de D. José Agustin Palacios, governador de Mojos, que ambos navegárão as cachoeiras do Madeira; a tentativa do cidadão Tudela para abrir um caminho breve de Cochabamba ao Beni e recentemente, em 1864, os trabalhos da companhia Securé, a fim de realizar o mesmo objecto ligando aquella capital ás margens do affluente do Mamoré, cujo nome a sociedade tomou.

Estes poucos factos bastão para provar que a idéa da utilisação effectiva da via do Madeira tem sido a aspiração constante da Bolivia desde os primeiros annos de sua independencia e parece indubitavel que, se o vapor já não cursa hoje as aguas de seus rios, é porque seria quasi impossivel transportal-o subindo as 17 arriscadas cachoeiras, que os separão das aguas accessiveis do baixo Madeira.

De sua parte o Brasil, de alguns annos a esta parte, não tem poupado trabalho e capital a fim de chegar á realização da mesma idéa. Desde 1851 que a companhia do Amazonas, generosamente subvencionada pelo governo imperial, percorre as aguas do maximo rio, cruzando em seu trajecto a embocadura do Madeira.

Em 1864, o engenheiro J. M. da Silva Coutinho chegou em um vapor brasileiro ao pé da cachoeira de Santo Antonio e dahi, embarcado em canôa, explorou na subida e na descida este e todos os outros empecilhos que se succedem até chegar ao de Guajaramirim no rio Mamoré.

No anno proximo findo, por decreto de 22 de Junho, o governo imperial subvencionou a uma companhia que se propõe estabelecer uma linha regular de vapores no baixo Madeira até áquella primeira cachoeira[1], e quasi ao mesmo tempo mandava uma expedição scientifica, dirigida por dous distinctos engenheiros, no intuito de averiguar, por meio de medições hydrographicas exactas, a possibilidade de canalisar a secção das cachoeiras, ou, em caso negativo, de abrir-lhes um desvio por terra.

[1] Estamos scientes pelos ultimos jornaes do Brasil que o Sr. Brito e Amorim, concessionario desta navegação, já conseguiu reunir na praça do Pará o capital necessario á mesma empreza.

Ha pois, tanto na Bolivia como no Brasil, o mais vivo empenho de communicar-se facil e effectivamente pela via do [6] Madeira, e ainda que lentamente, a execução desta empreza vai caminhando a seu desejado fim.

Os successos do anno de 1867 tendem sobretudo a imprimir-lhe mais vitalidade. A politica e a diplomacia a estipulárão por actos solemnes e a iniciativa individual, auxiliada pelo governo do Brasil, promette que em breve o vapor percorrerá todo o baixo Madeira e aportará junto ao degráo inferior da região das cachoeiras.

Conseguido isto, restará sómente franqueal-as artificialmente por agua ou por terra, a fim de ir tambem lançar o poderoso motor nas aguas superiores do Madeira.

Esta é a obra, que cumpre atacar com vigor desde logo, não deixando escapar a opportunidade presente em que acontecimentos diversos parecem promovel-a e apressal-a.

A utilidade, que della resultará no sentido de crear e desenvolver a industria e o commercio nos paizes a que vai servir, é incontestavel. Não ha que discutil-a quanto a seus effeitos sociaes e civilisadores. Falta sómente apresental-a por sua face pratica, propagal-a como empreza lucrativa, revelar suas vantagens economicas, demonstrar sua exequibilidade immediata e attrahir sobre ella a attenção de emprehendedores e capitalistas. É sob tal ponto de vista que nestes apontamentos nos propomos estudal-a, posto que baldos de informações sufficientes e conscios de nossa incapacidade para preencher a tarefa que emprehendemos como conviria á importancia subida do assumpto.

II.

Idéas geraes sobre a bacia do rio Madeira.—Seu curso e seus affluentes.—Rio Mamoré, rio Grande ou Guapay.—Piray.—Chaparé.—Securé.—Guaporé ou Itenez.—Beni.—Situação e comprimento da estrada das Cachoeiras.

A torrente, que baixa do nevado de Chacaltaya e corta a cidade de La Paz, a mais populosa e importante da Bolivia, é uma das nascentes mais remotas do Mosetenes, cujo nome se troca pelo de Beni desde o salto de Ictama[2]. Na propria [7] cidade de Cochabamba e em suas vizinhanças se encontrão varios cursos d'agua, que por duas vias differentes vão despejar ao rio Mamoré, cujo prolongamento é o Madeira. De um lado são as nascentes do Paracti e do Colomi, que são ambos affluentes principaes do Chaparé ou rio de S. Matheus; do outro lado é o rio Rocha, que tambem tem o nome de Sacaba, e é um dos numerosos tributarios do Calauta, confluente do rio Grande de Chayanta, que mais abaixo se chama simplesmente rio Grande ou Guapay e é o braço mais caudaloso do rio Mamoré.

[2] Estes e os seguintes dados são, em geral, extrahidos da excellente obra—Bosquejo estadistico de Bolivia—por José Maria Dalence. Chuquisaca, 1851.

A cidade de Sucre ou Chuquisaca está situada na ramificação dos Andes, que fórma na Bolivia o divortium aquarum entre o Amazonas e o Prata. Assim as aguas, que a banhão, de um lado se dirigem para o Sul pelo alveo do rio Pilcomayo, emquanto que do outro fluem para o já citado Guapay ou rio Grande.

Emfim, a cidade brasileira de Mato Grosso, antiga capital da capitania, hoje provincia do mesmo nome, demora ás margens do Guaporé ou Itenez, o mais poderoso dos affluentes do Madeira, que procedem das bandas do oriente, principalmente da famosa serra dos Parecis, onde se entrelação tantos rios que engrossão as aguas do Amazonas e do Prata.

O Beni, o Chaparé, o Guapay e o Guaporé são os ramos mais importantes, que compõem o volumoso tronco, que toma o nome de Mamoré desde a confluencia do Chaparé com o Guapay; recebe o de Madeira quando se lhe junta o Beni, e o conserva até que desemboca no Amazonas com um cabedal de aguas tamanho, que o classifica como um de seus maiores affluentes, senão o maior.

Assim em longinquas origens de seu curso o Madeira rega as tres cidades mais consideraveis da Bolivia, assim como á de mais valor que o Brasil possue em sua fronteira desse lado.

O Guapay ou rio Grande, tronco principal do Mamoré, se torna um rio notavel desde que se reune o Calauta, que vem de Cochabamba, ao rio grande de Chayanta. Nessa paragem, que se acha proximamente aos 19° de latitude, entre o povo de Uricari e o de Poroma, tem como 3 pés ou cerca de 1 metro de profundidade[3].

[3] O pé usado na Bolivia é igual a um terço de vara. Esta sendo igual a 0m,8359, o dito pé vale 0m,278.

O pé inglez é equivalente a 0m,3048. O pé portuguez tem 1 1/2 palmos ou 0m,33, conforme o valor de 0m,22, adoptado como o padrão do palmo. É com pequena differença igual ao pé francez, que tem 0m,324. Em geral se póde tomar approximadamente o metro por 3 pés.

[8]

Contada dahi até á foz no Amazonas, a navegação da arteria mãi do Madeira abraçaria mais de 900 leguas.

O rio, que a principio seguia o rumo de norte a sul, na dita latitude e na longitude de 68° O. de Paris, pouco mais ou menos, dirige-se para leste em linha quasi recta, costeando o grande esporão dos Andes, cujas contravertentes dão para o Pilcomayo. Chega assim aos 60° de longitude, perto de Abapó, onde se lhe incorpora o caudaloso rio Azero, e livre já dos obstaculos da Cordilheira torce de repente para norte, cujo rumo em geral conserva para diante nas innumeraveis sinuosidades de seu leito.

Antes de receber o Azero, já tem o Guapay duas varas ou 1m,66 de profundidade, e, ainda que seja pouco conhecida sua navegabilidade nestes lugares, ha quem assegure que elle não tem empecilho algum, pois collocão no rio Azero uma cachoeira que consta por ahi existir.

Passa o rio Grande ou Guapay a 10 leguas de Santa Cruz de la Sierra, a cidade campestre, como a appellida d'Orbiguy, interessante capital do departamento de igual nome; e mais abaixo recolhe pela margem esquerda as aguas do rio Piray, que banha os arrebaldes da mesma cidade e é navegado até cerca de 30 leguas a jusante della, em um porto chamado Cuatro-Ojos.

É depois de receber o Piray que alguns geographos dão ao Guapay o nome de Sara, que guarda até se lhe reunir o Chaparé, que, recebendo perto da boca um rio denominado Mamorechico ou Mamoré[4], transmitte este nome ao Sara, antes Guapay ou rio Grande.

[4] Mamoré significa em lingua indigena mãi dos homens. O rio recebeu este nome porque em sua fonte ha um rochedo pyramidal formado de tres pedras sobrepostas, que se erguem á altura de mais de 20 metros, e coroado por uma gigantesca arvore de quina. Este rochedo é adorado pelos indios dessas paragens, porque é crença entre elles que devem sua origem aos amores dessa pedra com um tigre das selvas.—Podia julgar-se, acrescenta o autor de quem copiamos estas linhas, que semelhante origem devia tel-os feito selvagens e ferozes: são ao contrario meigos, humildes e serviçaes. (Favre—Apuntes sobre la navegacion de los rios de Boliyia. Cochabamba. 1858).

O Chaparé é digno de menção não tanto pelo avultado cabedal de suas aguas como pela navegação franca que offerece [9] quér em seu proprio curso, quér no de seus numerosos tributarios, entre outros o Mamoré chico, o Chimoré e o Coni.

Trazendo, como ficou dito, suas nascentes dos arredores de Cochabamba, tem a 35 leguas[5] desta cidade o porto de Vinchuta, junto á embocadura do Coni, d'onde é possivel navegar a vapor até a sua foz no Mamoré; pois neste espaço, que regulará em 200 milhas[6], o rio nunca tem menos de 2 metros (6 pés) de fundo nem correnteza superior a de 1 1/2 milhas por hora ou 0,77 metros por segundo.

[5] Alguns autores que consultamos dizem ser de 30 leguas a distancia de Cochabamba a Vinchuta; outros fazem-n'a de 40. Decidimo-nos pela media dos dous algarismos, approximando-nos muito da opinião de Gibbon, que attribue 34 leguas ao mesmo caminho.

[6] As distancias em milhas que citamos são extrahidas da obra de Gibbon ou fundadas no seu mappa. Suppomos ser a milha maritima de 60 ao gráo, equivalente a um terço de legua de 20 ao gráo e a 1.852 metros. Esta legua tem pois 5.556 metros e é pouco differente da boliviana, que é igual a 5.564 metros.

No rio Grande ou Guapay o mesmo systema de navegação talvez possa, na estação das aguas, começar desde muito arriba no seu curso; e não é duvidoso que alcançará ao lugar chamado Paylas, situado mais ou menos fronteiro a Santa Cruz. Dahi para baixo a navegação seria desimpedida em todo o anno, se na secca não se formasse um rapido ou uma cachoeira, que difficulta a subida além de um porto conhecido pelo nome de Bivosi. Entre este e a foz do Chaparé não consta que o Guapay tenha empecilhos e dessa foz até Trinidad, capital do departamento do Beni, foi averiguado por Gibbon que a profundidade d'agua na secca nunca é inferior a 7 metros, 21 pés, e a correnteza por hora não passa de 1/2 milha.

Proseguindo em condições de prestar transito a vapores sem necessidade de obras d'arte, o Mamoré passa perto de Exaltacion, outra cidade do Beni, e cada vez com mais fundo e corrente menos rapida, chega á confluencia do Guaporé ou Itenez, proximamente a 120 milhas da cidade de Trinidad.

Este ultimo rio, que reune a maior massa, que engrossa o Mamoré pela margem do Oriente, é formado pelo concurso de muitos mananciaes que descem da serra dos Parecis, com outros que provêm da de Aguapehy e das vertentes e lagôas da provincia de Chiquitos. Tendo, porém, as fontes de seu tronco principal na serra dos Parecis, aos 14o 42' de latitude e a 2 leguas das do Juruema, braço importante do rio Tapajoz, outro grande affluente do maximo Amazonas, o Guaporé, se [10] precipita pelas encostas das montanhas, d'onde se origina, em saltos a cachoeiras repetidas, que não facultão senão mui embaraçada á navegação até cidade de Mato Grosso. Corre primeiro a SO até os 15o, 10' de latitude, seguindo parallelo ao curso do Jaurú, tributario do rio Paraguay, e depois volta bruscamente tornando o rumo de nordeste, que conserva até desembocar no Mamoré, aos 11o 54' 46" de latitude é 68o 1' 30" de longitude oeste de Paris.

Seus confluentes mais notaveis são na margem direita o Sararé e o Galera; e na esquerda o Barbados, o Verde, o Branco ou Baures e o caudaloso Magdalena ou Itonama.

É pelo rio Barbados e seu affluente, o rio Alegre, que cruza as nascentes com o Aguapehy, tributario do Jaurú, que o é do Paraguay, que será possivel estabelecer o mais curto canal de união entre as aguas do Amazonas e do Prata, cortando o isthmo que separa o Alegre e o Aguapehy e que se estreita a ponto de reduzir-se á largura de 5.280 metros ou 2.400 braças do Brasil.

O Guaporé, desde a povoação de Mato Grosso até a sua boca, na extensão de 205 leguas[7], não tem saltos nem grandes cachoeiras, mas sómente alguns rochedos e muitos baixios, estes produzidos pelo excessivo espraiamento do seu alveo e que no tempo da secca não permittem chegar áquella cidade embarcações de mais de 1 metro ou tres pés de calado.

[7] Esta distancia é tirada do roteiro da commissão portugueza de limites, que cursou o Madeira e seus affluentes nos annos de 1780 e seguintes. Si a legua desta medição não fôr a maritima de 20 ao gráo, deve ser a de 17 1/2 ao gráo, que parece foi a estipulada nos tratados de então entre Portugal e Hespanha.

Na enchente porém, que se eleva de 10 metros ou 30 pés, como não ha correntezas fortes, navios de maior porte e movidos a vapor até lá poderão ir; e suppõe-se que em qualquer tempo navegarião sem estorvo, pelo menos até o forte do Principe da Beira e mesmo talvez, segundo outra opinião, até defronte das serranias de S. Carlos, a 70 leguas proximamente a jusante da dita cidade de Mato Grosso.

Depois de receber o Guaporé ainda corre o Mamoré sem embaraço algum por espaço de 26 leguas, no fim das quaes apresenta-se a corredeira de Guajaramirim, o primeiro da longa serie de obstaculos, que interrompem a continuidade da navegação entre o alto e o baixo Madeira.

Até ao ponto em que o Mamoré, assoberbado com as aguas [11] do Beni, adopta o nome de Madeira, elle contém, n'uma distancia de 18 leguas, 5 cachoeiras, denominadas na ordem da descida Guajaramirim, Guajaraassú, Bananeiras, Páo Grande e Lagens.

O Beni, que como vimos, vai buscar sua origem dos picos nevados vizinhos de La Paz, ou mais longe ainda, conforme affirma Dalence, de perto de Oruro nos altos de Pongo e Calliquiri, aos 18o de latitude, se une ao Mamoré aos 10o, 22', 30", tendo então a largura de 640 metros e a profundidade de 18m ou 54 pés (Gibbon). Consta que seu curso é obstruido por muitos bancos, saltos e cachoeiras, dos quaes são nomeados o salto de Ictama, onde o Beni deixa de chamar-se Mosetenes, e dous que se encontrão a poucas leguas acima da confluencia com o Mamoré, o Salto de Yata e a Cachoeira de Borda, tão temiveis que impedirão o passo á expedição do boliviano D. Agustin Palacios, quando em 1846 pretendeu subil-os para explorar o mesmo Beni. É sabido, porém, que os indios de suas margens viajão-n'o em balsas desde o Povo de Reyes e outros muito arriba no seu curso, e diz-se não ser impossivel levar a navegação pelo seu ramo, o rio Coroico, até o lugar deste nome, pouco distante da cidade de la Paz. Faltão, comtudo, dados exactos sobre a navegabilidade do rio Beni, que até hoje carece de uma exploração scientifica.

O Madeira, ao formar-se pela juncção do Beni ao Mamoré, tem a largura de uma milha ou 1.852 metros e profundidade que attinge a mais de 30. Prosegue ainda ao rumo de norte, em que vinha o Mamoré, e não corre grande trecho antes de despenhar-se em uma cachoeira, que leva seu proprio nome e dá principio á serie das 12, encadeadas por espaço de 65 leguas (de 20 ao gráo) até alcançar as aguas placidas do baixo Madeira, que sem mais tropeço algum conduzem ao Amazonas e dahi ao Oceano.

Os 12 degráos, que interceptão o leito do Madeira formando outros tantos obstaculos, são conhecidos pelos seguintes nomes de cima para baixo: Madeira, Misericordia, Ribeirão, Araras, Pederneiras, Paredão, Tres Irmãos, Giráu, Caldeirão do Inferno, Morrinhos, Salto Theotonio e Santo Antonio, d'entre os quaes os de passagem mais difficultosa são os saltos Ribeirão, Giráu e Theotonio.

Gibbon avalia em 250 milhas a distancia occupada tanto por estes impecilhos como pelos do rio Mamoré e nota que na parte correspondente os dous rios descrevem uma curva, que tem a concavidade voltada para leste e cujos ramos, um mede 190 [12] milhas em rumo geral de norte, desde Guajamirim até ás immediações da cachoeira das Pederneiras, ou melhor até á ponta do Abuna, como denominarão os geographos portuguezes este ponto, um dos mais occidentaes do territorio brasileiro; e o outro ramo tem 150 milhas dahi á cachoeira de Santo Antonio, em rumo de ENE.

A linha recta, que fórma a corda da mesma curva, se estende toda em terras do Imperio e mede proximamente 180 milhas de extensão, seguindo a direcção de NE—SO.

Desde o pé da cachoeira de Santo Antonio, que se entra na região do baixo Madeira, o qual se desenvolve por 170 leguas mais ou menos, sempre com grande fundo e velocidade de aguas muito moderada, até que desemboca no Amazonas, na latitude de 3o 23' 43" e longitude de 61o 37' 55", O de Paris e na distancia approximada de 270 leguas do Atlantico, pelo canal do grandioso rio.

Portanto, o unico obstaculo que se oppõe á communicação do Oceano com o vasto paiz banhado pelo Mamoré e seus tributarios, o qual se póde designar como a bacia do alto Madeira, são as 17 cachoeiras, que se succedem no espaço de 250 milhas, desde a de Guajaramirim no Mamoré ate á de Santo Antonio no Madeira.

Não resta duvida que ellas interpõe uma barreira invencivel a qualquer genero de navegação regular; pois assim não se póde qualificar a que hoje atravez dellas tem lugar, correndo innumeros riscos e pesadissimos trabalhos, descarregando a cada passo as embarcações e levando as cargas por terra e por vezes arrastando os proprios vehiculos por caminhos marginaes em longos trechos. Para dar idéa das contrariedades que encontra esta viagem, basta mencionar que as canôas de commercio gastão até 5 mezes em subir as cachoeiras, entretanto que a descida se póde realizar em 12 dias, como a fez Gibbon, e até em 7 1/2 como aconteceu ao engenheiro brasileiro Coutinho.

A exploração profissional, que ora devem estar levando a effeito por ordem do governo imperial os illustrados engenheiros Keller, resolverá com dados positivos—si essas cachoeiras podem ser canalisadas para prestar navegação desimpedida, quaes as obras necessarias a este effeito e emquanto importaráõ. Á vista, porém, das noticias de expedições anteriores, desde a da commissão portugueza demarcadora dos limites de 1777 até ás modernas do boliviano Palacios, do norte-americano Gibbon e do brasileiro Coutinho, nada ha [13] de temerario em assegurar que a canalisação das cachoeiras do Madeira, sem ser um projecto inexequivel, é obra de tal magnitude e por conseguinte exigirá tão enormes capitaes, que não é para ser tentada no presente, nem está em relação com a grandeza dos interesses, que por meio della se pretende promover.

Para suppril-a de prompto e quiçá preparar as cousas para sua futura execução, a opinião geral propende para uma outra empreza, que evitará a travessia das cachoeiras em vez de removel-as, sendo mais realisavel por ser menos custosa. É a de abrir uma via terrestre desde Santo Antonio até Guajaramirim, seguindo mais ou menos a corda do arco que descreve o rio, cujo comprimento Gibbon avaliou em 180 milhas isto é, 60 leguas de 20 ao gráo[8]. Esta estrada, que toda ficará em territorio do Brasil, tem segundo o mesmo viajante todas as probabilidades de percorrer um terreno livre de inundações, sem ser muito accidentado.

[8] O distincto engenheiro Coutinho e com elle o Dr. Tavares Bastos e outros illustres brasileiros, que modernamente se hão occupado da communicação do Madeira, dão á mesma linha o comprimento de 50 leguas. A differença deste numero para o que apresentamos e que em diante adoptaremos, provém da especie de legua considerada. Assim a extensão de 180 milhas, reduzida a leguas de 20 ao gráo ou de 5.555 metros, produz 60 leguas; ás de 18 ao gráo ou de 6.173 metros sómente 54 e ás de 3.000 braças ou 6.600 metros apenas 50. Sem duvida o engenheiro Coutinho considerou as leguas desta ultima especie, que são as mais usuaes no Brasil. Se não o seguimos nesta parte, é porque adoptando a legua de 5.555 metros reduzimos facilmente as medições de Gibbon, avaliadas em milhas maritimas, e sobretudo porque, referindo-nos frequentemente aos roteiros da Bolivia, era a que mais convinha por ser a de valor mais aproximado ao da boliviana, que como já foi dito tem 5.564 metros.

Os que fazem a estrada das cachoeiras sómente de 32 leguas, provavelmente suppõem-n'a começando não de Guajaramirim, mas da boca do Beni, conservando a navegação das 18 leguas do Mamoré, onde ha cinco cachoeiras.

É por tal meio que nos parece se devem unir os valles do alto e do baixo Madeira, abrindo assim caminho franco ao commercio da Bolivia com o Atlantico pelas aguas do Amazonas. Conjunctamente com o beneficio desta estrada, o vapor sulcará as aguas do Mamoré e de suas grandes ramificações, e aproveitando-se da navegabilidade que estes rios offerecem nas extensas planicies de Mojos, Santa Cruz e Chiquitos, irradiará em todos os sentidos e irá fecundar com a industria e com o commercio a um vasto paiz, que para desenvolver-se e prosperar sómente aguarda a possibilidade de exportar o [14] seus productos. É a extensão do seu territorio, sua população e seu commercio e os recursos que contem em si o que revistaremos em seguida, a fim de deduzir os elementos com que se póde contar para retribuir os capitaes necessarios á empreza de tornar regulares e expeditos os transportes por toda a via do Madeira.

III.

Região boliviana da bacia do Madeira.—Sua extensão e população.—Condições de seu commercio.—Estado presente.—Conjecturas sobre seu futuro.—Contingente do Brasil para o trafego da via do Madeira.

O systema orologico da Bolivia divide physicamente o seu territorio em quatro grandes regiões, cada uma das quaes verte as aguas que as regão com destino diferente:

1.o A região situada ao occidente da Cordilheira dos Andes, a qual as despeja no oceano Pacifico.

2.o A região da elevada altiplanicie entre as duas ramificações da mesma Cordilheira, que quasi toda desagua no lago Titicaca, o qual—na opinião dos naturalistas mais seguida—não tem sahida nem para o Pacifico nem para o Atlantico.

3.o A região da bacia do Madeira, que occupa o nordeste da republica, comprehendendo um immenso territorio desde as vertentes da Cordilheira Oriental e de seus ramos, que ao norte separão esta bacia da do Purús e ao sul da do Pilcomayo, até as fronteiras do Brasil e á linha das contra vertentes do rio Paraguay.

4.o Emfim a região da bacia do Prata, que em sua maior parte fica ao sul da precedente em posição symetrica, regada por affluentes do Pilcomayo e do Vermejo e á qual tambem pertence a zona da extrema oriental da Bolivia, que contém o rio Otuquis e deslinda com o Brasil pela série de lagôas, que acompanhão a margem direita do rio Paraguay.

Se é uma verdade irrecusavel, como os factos sempre comprovão, que as correntes d'agua são as directrizes naturaes de quaesquer vias de communicação, se são ellas que apontão a vereda das estradas e dos caminhos terrestres, assim como a dos canaes artificiaes, quando em seu proprio alveo não prestão navegação ou sem auxilio do trabalho do homem ou com [15] elle, as sahidas do commercio da Bolivia estão de antemão designadas pelo curso de seus rios.

As da região das vertentes do Pacifico devem ser os portos de Arica, Cobija e outros da costa deste mar.

As da bacia do Madeira os portos do Beni, do Chaparé, do Guapay, do Mamoré, do Guaporé e de seus respectivos affluentes, d'onde as mercadorias seguindo a correnteza das aguas chegaráõ ao Atlantico, através do Madeira e do Amazonas.

Os productos da bacia do Prata buscaráõ os portos do Otuquis, do Paraguay, do Pilcomayo e do Vermejo, por cujos canaes se encaminharáõ para a arteria principal do Prata, que tambem os levará ao Atlantico.

Quanto á bacia do lago Titicaca, ella será uma especie de territorio neutro, cujo commercio se distribuirá parte para o Pacifico e parte para o Atlantico, como o determine a lei economica dos fretes.

Considerando particularmente a região boliviana da bacia do Madeira, nota-se que é a mais vasta e importante das quatro em que a natureza dividio essa republica. De facto ella comprehende os departamentos de Cochabamba, do Beni e de Santa Cruz em sua integridade e uma boa parte dos de La Paz e Chuquisaca. Seu perimetro do lado occidental abrange as tres capitaes mais ricas e populosas da Bolivia; e duas outras de grande porvir, Santa Cruz e Trinidad, achão-se em posições mui favoraveis para colherem grandes vantagens da navegação effectiva da rede fluvial do Madeira.

Calcula-se que a região de que se trata mede 270 leguas de norte a sul e 110 de leste a oeste, naquella direcção desde os confins da altiplanicie dos Andes até ás fronteiras do Brasil, nesta desde as serranias, que dividem o valle do Madeira do do Purús, até ás que fazem o mesmo effeito para o do Pilcomayo. A superficie que lhe pertence se estima em mais de 20.000 leguas quadradas, quasi metade da da Bolivia inteira, avaliada em 53.200.

Em 1864, a população total da republica era computada em 2.155.329 habitantes[9]. Destes 584.914 pertencião aos tres departamentos de Cochabamba, do Beni e de Santa Cruz, cabendo 379.783 ao primeiro, ao segundo 60.447 e ao terceiro 144.684.

O departamento de La Paz por si só continha 519.465 habitantes e o de Chuquisaca 193.124.

[9] Estractos do—Guia Geral de Rúck—Sucre—1865.

[16]

Dando que sómente um terço da povoação de cada um destes departamentos viva na bacia do Madeira, serão mais 230.000 almas pelo menos a acrescentar á somma daquelles tres departamentos, resultando um total de mais de 800.000 para o numero dos habitantes da Bolivia existentes na região dessa bacia.

As circumstancias especiaes, em que se acha este paiz, tornão difficil senão impossivel computar com exactidão a grandeza do commercio, que elle póde entreter com o exterior. Segregada por longas e invias distancias das transacções com os outros povos, a mór parte de sua população vive quasi exclusivamente de sua propria industria, permutando mui pouco com o estrangeiro.

Um tal estado de cousas, porém, não póde servir de norma para o futuro. Elle é a consequencia da difficuldade das communicações, originada sobretudo pelo obstaculo formidavel das cachoeiras do Madeira, que, cerrando o caminho natural desta região para o Atlantico, obriga seus habitantes a commerciar a grande custo pela costa do Pacifico, vencendo enormes distancias, aggravadas demais pela trabalhosa travessia de duas cordilheiras e seus frequentes ramaes, na qual sahindo de climas tropicaes se galga á altitude das neves perpetuas para depois baixar aos portos daquella costa, d'onde para chegar aos emporios do commercio do mundo é ainda necessario navegar quasi até o polo austral, a fim de effectuar a volta do continente sul americano pelo tormentoso cabo de Horn. Quando, porém, se desembaraçar a via directa para o Atlantico, seguindo as aguas do Madeira e do Amazonas, uma nova éra principiará para a Bolivia oriental, cujo trafego com o interior, mudando de direcção, soffrerá uma revolução essencial, que, reproduzindo a phrase de um distincto escriptor moderno[10], ser lhe ha tão importante e benefica: «como a que no commercio do mundo operou a descoberta da passagem para as Indias pelo Cabo da Boa Esperança ou a que ha de fazer no seculo actual a navegação directa pelo isthmo de Suez e o Mar Vermelho».

[10] O Dr. A. C. Tavares Bastos em sua excellente obra—O valle do Amazonas.—Rio de Janeiro.—1866.

Então a producção desse paiz, que hoje se reduz ao consumo dos proprios habitantes, dará abundantes sobras que serão levadas aos mercados estrangeiros, d'onde em retorno [17] viráõ as manufacturas da industria a mais aperfeiçoada, que alli chegaráõ por tão baixo preço que as grosseiras do paiz não poderão com ellas competir. Conhecidas as vantagens da permuta interior, habituados os individuos ás commodidades que ella proporciona, creadas todas as necessidades de uma civilisação mais refinada, crescendo a producção conjuntamente com o consumo, não ha duvidar que o movimento commercial augmentará progressivamente em avultada proporção tirando partido da feracidade proverbial destas terras dotadas dos mais variados fructos, correspondentes aos differentes climas que nellas se encontrão, desde o gelido das Punas até o mais calido da zona intertropical. Assim os departamentos de Cochabamba, Chuquisaca e La Paz, em suas provincias que gozão de um clima temperado, poderão exportar os cereaes e os fructos proprios do mesmo clima, os quaes sem irem mais longe, acharáõ consummidores em todo o valle do Amazonas e no norte do Brasil; entretanto que do Beni e do Santa Cruz sahiráõ para os mercados da Europa e de Norte-America o café, o algodão, o cacáo, o fumo e os demais artigos tropicaes, que nos terrenos destes departamentos se crião tão excellentes como os melhores do mundo.

Por outro lado a mineração inexplorada das encostas orientaes dos Andes, dos depositos ferruginosos de Mojos e de Chiquitos, tão preconisados pelo sabio d'Orbigny[11], e das minas de ouro da ultima provincia, que agora estão attrahindo exploradores, proporcionaráõ outras tantas fontes de riqueza e de commercio; assim como tambem a extracção dos productos silvestres, da quina, da borracha, das raizes, drogas, especiarias e madeiras preciosas, que abundão sem conta nas florestas do Beni, do Mamoré e do Itenez ou Guaporé. Nos espaçosos campos de Mojos e Chiquitos a criação de gado vaccum, cavallar e lanigero, que nelles já se acha estabelecida, póde muito augmentar e, uma vez que ahi se obtenha o sal por [18] baixo preço, o charque e outras carnes salgadas passaráõ a ser objecto de exportação mui lucrativa, mesmo para a parte superior do valle do Amazonas, que carece destes generos e os compra por elevado preço.

[11] Alcide d'Orbigny em sua viagem ás provincias de Mojos e Chiquitos trata mais de uma vez dos grandes depositos de ferro hydratado, que constituem todo o sólo da missão de Sant'Anna e dos plainos de Concepcion no paiz de Chiquitos, de Mojos e nos arredores da missão de S. Joaquim, que está a beira do rio Machupo, tributario do Magdalena ou Itonama, que desagua oo Guaporé, quasi defronte do forte do Principe da Beira. O mesmo naturalista mostra as immensas vantagens da exploração deste minerio pelo methodo Catalão, não faltando combustivel nas florestas vizinhas e dispondo-se de rios navegaveis para levar o ferro a lugares da Bolivia e do Brasil em que elle tem grande valor.

É pois de toda a probabilidade que, logo que seja franqueada a estrada das cachoeiras e introduzido o vapor nos rios da Bolivia, cerca de 800.000 de seus habitantes se utilisaráõ destes meios de communicação para chegar ao Atlantico e ahi entabolar transacções com os principaes centros do commercio do mundo. A corrente dos negocios infallivelmente deve encaminhar-se a este mar seguindo o curso dos rios, e não deixará de crescer rapidamente, quando a facilidade e presteza dos transportes, juntamente com a modicidade dos fretes, tiver induzido a ser productora e commerciante uma população numerosa, que para exercitar suas forças e sua intelligencia possúe uma natureza uberrima, onde não ha industria que não ache seu lugar.

O commercio existente da Bolivia pela via do Madeira, insignificante como é, já revela a propensão, por assim dizer innata, dos povos do Beni e de Santa Cruz, de pratical-o por ahi. Em 1865, o valor da exportação e importação foi de 64:000$ ou cerca de 32.000 pesos[12], sendo de 32.000 arrobas a quantidade das mercadorias. Este reduzido commercio occupou 98 embarcações, tripoladas por 1.276 indios, que de certo na viagem redonda não gastaráõ menos de seis mezes![13]. Estes algarismos, melhor que quaesquer ponderações, demonstrão cabalmente que só um vehemente desejo de commerciar levaria a empregar tanto material, tantos braços e tanto tempo, para conseguir resultado tão exiguo, correndo demais os riscos inherentes á perigosa travessia de 17 cachoeiras.

[12] No correr deste trabalho avaliaremos sempre o peso em dous mil réis de moeda brasileira. O conto de réis vale 500 pesos na dita hypothese.

[13] Dados do relatorio da companhia do Amazonas no anno de 1866, citados na obra—O valle do Amazonas—do Dr. Tavares Bastos.

Entretanto o mesmo commercio tem feito notavel progresso nos ultimos tempos, pois Dalence diz que em 1864 seu valor não passava de 1.000 pesos[14].

[14] Bosquejo statistico de Bolivia, por D. José Maria Dalence—Chuquisaca—1857.

Seria gravemente erroneo ajuizar do trafego futuro da via [19] do Madeira pelo que é e tem sido até o presente. Por ora elle apenas representa as transacções excepcionaes de um povo isolado, que restringe sua producção e a seu consumo por não ter meios de exportar vantajosamente e que só por vezes se aventura com grandes sacrificios a trocar com seus vizinhos o pouco que lhe sobeja pelos artigos que de todo não póde fabricar.

Mas depois que os transportes para o exterior se tornarem expeditos e baratos, o estimulo do lucro promoverá a producção, o consumo acompanhal-a-ha em progressão corelativa e a circulação commercial, que se deriva da troca dos generos de consumo pelos de producção, adquirirá a importancia que sóe ter nos paizes que se achão no gremio do movimento industrial e civilisador das nações mais adiantadas.

A deducção do valor do futuro commercio da Bolivia pelo Madeira, partindo da importancia total do que esta republica faz actualmente com o exterior, na mór parte pela via do Pacifico, vai fornecer-nos conjecturas, mais ou menos acceitaveis, a fim de dar idéa de sua grandeza; as quaes, porém, antes ficaráõ aquem do que ultrapassaráõ da realidade, porque, graças ás facilidades da nova communicação, o paiz entrará em condições de exportar e importar muito mais favoraveis do que as tem tido até agora.

A exportação de toda a Bolivia foi, em 1864, avaliada em 2.539.956 pesos[15]. A cifra exacta da importação nos é desconhecida. Vimol-a em um diario de La Paz estimada aproximadamente em 3.700.000 pesos, valor que nos parece verdadeiro, pois é pouco superior ao que se deduz pela consideração do numerario exportado no mesmo anno, o qual, segundo a distribuição das parcellas da exportação acima citada, figura pela quantia de 1.057.543 pesos, sem duvida remettida ao estrangeiro para saldar o excesso da importação. Dahi se conclue que esta provavelmente deveria ter subido a mais de 3.500.000 pesos; e portanto os valores da exportação e importação reunidos seguramente excederão de 6.000.000 de pesos, ou 12.000 contos de réis em moeda brasileira.

[15] Guia General de Ruck. 1865.

Si se reparte a cifra deste commercio exterior por toda a população da Bolivia, supposta de 2.000.000 de almas em numero redondo, caberia tres pesos por cabeça e aos 800.000 [20] habitantes da região do Madeira 2.400.000 pesos, ou 4.800 contos de réis entre exportação e importação.

Do mesmo artigo, em que achamos estimada a importação da Bolivia em 3.700.000 pesos, era esta somma repartida como segue pelos departamentos da republica:

Cochabamba $ 1.000.000
Oruro 100.000
Chuquisaca 500.000
La Paz 1.000.000
Potosi e Tarija 1.000.000
Santa Cruz 100.000
Somma $ 3.700.000

Não se menciona o departamento do Beni, porque seu consumo de mercadorias estrangeiras é fornecido de La Paz e Cochabamba.

Si com estes algarismos se faz a conta da importação da bacia do Madeira, incluindo nella toda a dos departamentos de Cochabamba e Santa Cruz e um terço dos de La Paz e Chuquisaca, á semelhança do que praticamos no calculo da população, acha-se o valor de 1.600.000 pesos.

Seguramente esta quantia não é agora retribuida no todo com productos exportados, mas sel-o-ha infallivelmente e quiçá com demasia, logo que o commercio para o exterior tomar o seu curso normal pela via dos rios, removidos os empecilhos que hoje a difficultão e aproximadas as distancias com o auxilio do vapor. Então a importação e exportação sommadas montaráõ a 3.200.000 pesos ou 6.400 contos, quantia, que é de esperar, não tardará em ser excedida em virtude do incremento rapido das transacções, que em toda a parte é consequencia immediata das communicações regulares.

Assim, por meio de raciocinios differentes, chegamos aos algarismos de 2.400.000 pesos e 3.200.000 pesos como representando os valores do futuro commercio exterior da parte da Bolivia, pertencente á bacia do Madeira; attribuindo-lhe talvez no primeiro resultado uma parte maior no commercio geral da republica, do que a que presentemente lhe compete; no segundo considerando mais o que será aquelle commercio no futuro, e em tal caso, a nosso ver, avaliando-o antes modesta do que exageradamente.

É o que se confirma de um modo positivo conjecturando sobre o progresso do mesmo commercio por comparação com [21] o que se tem observado em outros paizes, cujas circumstancias são muito semelhantes ás da região de que se trata. Referimo-nos ás provincias do Perú, situadas no valle do alto Amazonas, não ha muito vivificadas pela navegação a vapor e que, quanto á distancia em que se achão do oceano, quanto á indole de seus habitantes, gráo de sua civilisação e artigos que produzem e consomem, apresentão numerosos pontos de contacto com os departamentos bolivianos, ribeirinhos do Madeira.

Em 1855, pouco depois de iniciada a communicação a vapor daquellas provincias com o porto do Pará pelo curso do Amazonas, a importancia total do seu commercio nascente não excedeu durante o anno, de 180 contos ou 90.000 pesos.[16].

[16] Este e os seguintes dados sobre o commercio da provincia de Loreto e, em geral, do valle do Amazonas, são tirados da obra já citada do Dr. Tavares Bastos,—que de muito prestimo foi para a nossa instrucção no assumpto destes apontamentos.

Em 1865, dez annos mais tarde, elle passava de 1.100 contos ou 550.000 pesos, numero mais de seis vezes superior ao primeiro!

Já em 1857, só a exportação das mesmas provincias, quasi subia a 500 contos, ou 250.000 pesos, e embora a mór parte da importação ainda se effectuasse então pelos portos do Pacifico, o commercio exterior nos dous sentidos já equivalia neste anno a mais do triplo do que fôra em 1855!

Entretanto pouco excede de 50.000 almas a população da provincia de Loreto, que é a parte do Perú que concorre effectivamente para alimentar esse commercio!

Só nos dous departamentos do Beni e de Santa Cruz, ha mais de 200.000 habitantes, população quadrupla da que tem a provincia de Loreto; e é 16 vezes maior do que a desta toda a que vive na região da Bolivia, cuja sahida natural são as aguas do Madeira!

É, pois, presumivel que, logo depois de melhorada a via deste rio, o commercio que a Bolivia venha a fazer por meio delle seja quatro vezes maior do que era em 1855 o da provincia de Loreto, ou de 360.000 pesos mais ou menos, ainda na supposição de que a principio não seja fornecido senão pelos departamentos do Beni e de Santa Cruz.

Dentro de dous annos, se crescer na mesma proporção que o do Perú, poderá triplicar como lá aconteceu, elevando-se a mais de 1.000.000 pesos; somma que subiria de um modo [22] espantoso, caso já então entrassem com algum contingente Cochabamba, Sucre e La Paz, cujos departamentos no todo ou em parte estão destinados a ser tambem tributarios da linha do Madeira.

No termo de 10 annos, se continuar a progredir como o commercio da provincia peruana, sómente o dos departamentos de Santa Cruz e do Beni montará ao sextuplo de 360.000 pesos ou a mais de 3.000.000, e o commercio geral da via do Madeira attingirá a avultada cifra de $8.640.000 ou mais de 16.000 contos, se neste periodo de tempo, como é de todo provavel, já fôr alimentado pela producção e pelo consumo dos 800.000 bolivianos, que bebem das aguas do Madeira.

Isto em nada parece inverosimil quando se reflecte que hoje o commercio interior do porto do Pará, que é o emporio do valle do Amazonas, se eleva a 15.000:000$000 ou 750.000 pesos[17], provindo entretanto de uma população, que mesmo reunindo os contingentes do Perú, de Venezuela e até da propria Bolivia, que nelle têm parte, é inferior a 400.000 almas.

[17] Estes algarismos representão o resultado do anno financeiro de 1864-1865. No de 1851-1852, que precedeu ao estabelecimento da navegação a vapor do Amazonas, o valor do mesmo commercio não alcançou a 5.000:000$. Por conseguinte em menos de 15 annos elevou-se a mais do triplo, graças ao melhoramento dos meios de transporte!

Se se estabelece a proporção entre o valor do commercio e a população, chega-se a conclusão de que a Bolivia poderá vir a exportar e importar pelo Amazonas o duplo do que hoje corresponde a todo o valle, isto é, 15 milhões de pesos ou 30 mil contos, o que tem muitas probabilidades de verificar-se com o correr dos annos, pois que os bolivianos da bacia do Madeira não são menos activos e industriosos do que a generalidade dos productores do valle do Amazonas e porque tambem, ao passo que aqui os artigos de exportação consistem quasi exclusivamente nos productos da industria extractiva, lá podem abranger, além dos desta, os da mineira, agricultora e criadora, accrescendo sobre isto que haverá a permutar não sómente os fructos da zona intertropical, como tambem os de todos os climas, que se succedem nos degráos dos Andes desde suas fraldas até seus elevadissimos planaltos.

As cifras adduzidas em resultado dos calculos que fizemos para estimar a grandeza do futuro commercio da região boliviana [23] do Madeira, se bem que não passem de meras conjecturas, comtudo merecem alguma confiança, pois se baseão em dados irrecusaveis e dos mais competentes para fornecerem apreciações aproximadas do que esse commercio poderá ser, quando tornar-se uma realidade pratica a facilidade e a barateza dos transportes do mesmo paiz para o Atlantico pela via do Madeira.

Tambem do territorio brasileiro, ainda que em muito menor escala do que da Bolivia, procederão elementos para engrossar a circulação da mesma via. Toda a região da margem direita do Mamoré e do Guaporé até ás vertentes da serra dos Parecis e a da margem esquerda do ultimo rio pertencente ao Imperio, para cima da foz do rio Verde, escondem em suas virgens florestas riquezas vegetaes e mineraes, que não deixaráõ de ser exploradas logo que houver meio regular de commercio dahi com os mercados estrangeiros.

A população da provincia brasileira de Matto Grosso será no maximo de 100.000 habitantes, dos quaes talvez não passem de 20.000 os que existem na região mencionada. Mas a riqueza aurifera e diamantina de seus terrenos, que para ahi attrahio da beira do Oceano, através de centenares de leguas de desertos e de mil perigos, os primeiros povoadores portuguezes, quiçá volva a ser a causa de sua moderna colonisação, levando os novos colonos para a exploração das minas a sciencia e as machinas aperfeiçoadas com que a industria actual sabe economisar o trabalho e multiplicar o rendimento. Seja, pois, de tal origem ou antes da colheita dos productos silvestres ou dos da agricultura, ha razões para prognosticar que o territorio do Brasil no alto Madeira não deixará de contribuir com variados artigos de permuta para augmentar a importancia do trafego da communicação de que nos occupamos.

IV.

Até onde economicamente se póde estender na Bolivia o trafego pela Via do Madeira.—Preços a adoptar na via de navegação a vapor e nas secções de caminhos terrestres.—Frete de uma tonelada da Europa ás principaes cidades da Bolivia pela via do Madeira.—Confrontação com o frete de igual peso pelos portos do Pacifico.—Quadro synoptico comparativo.—Conclusões.

O curso dos rios, considerado como a directriz de qualquer genero de vias de communicação, marcou, como vimos, os [24] limites naturaes da região boliviana, que deve levar ao Amazonas o tributo de seu commercio, como leva o das aguas que a fertilizão.

A economia dos fretes, motivo de influencia preponderante para dirigir a corrente do trafego pelo caminho, que a produz em gráo mais alto, de preferencia a qualquer outro, não só não restringe aquelles limites, como ao contrario alarga-os consideravelmente, acrescentando novas provincias á parte da Bolivia, que tem de ser tributaria da via do Madeira.

É o que vamos evidenciar por um estudo comparativo dos preços dos fretes por esta via, em relação aos que têm lugar pelas dos portos de Arica e Cobija, os principaes que agora servem ás transacções da Bolivia com o estrangeiro.

Neste intuito, começaremos por estabelecer os preços dos transportes, que razoavelmente poderão ser adoptados na communicação fluvial e terrestre do Madeira, valendo-nos para isto da experiencia adquirida na navegação a vapor do Amazonas e na exploração de algumas estradas regulares do Brasil.

Uma arroba de carga dos artigos de pouco valor paga do Pará a Manáos, na subida do Amazonas 300 rs., 15 centavos,[18] sendo a distancia de 862 milhas ou 287 leguas. De Manáos a Tabatinga, que são 859 milhas ou 286 leguas, o frete augmenta-se com mais 270 rs. ou 13,5 cents. Emfim de Tabatinga a Yurimaguas, no Huallaga, distancia de 709 milhas, 263,6 leguas, o transporte do mesmo peso custa 792 rs., quasi 40 centavos.

Deduz-se, portanto, á vista destes algarismos, que o frete entre o Pará e Tabatinga regula em menos de 1 real ou 1/20 do centavo por legua e por arroba e que entre Tabatinga e Yurimaguas no alto Amazonas e no seu affluente o Hullaga, elle monta a mais de 1 real por milha, 3 réis ou 3/20 do centavo por legua[19].

[18] Devemos estes dados, como tantas outras informações, aproveitadas neste escripto, á preciosa obra do Dr. Tavares Bastos—O valle do Amazonas.

[19] A arroba portugueza, usual em todo o Brasil e a que se referem os preços citados, é superior em peso á arroba hespanhola, usada na Bolivia e em geral nas republicas da mesma origem.—Aquella tem 32 libras ao passo que esta só tem 25.—Quanto ás libras, portugueza e hespanhola, a differença entre ellas é mui pequena, sendo a primeira equivalente a 458,928 grammos e a segunda a 460 grammos—do systema decimal francez.

A arroba, que para adiante adoptaremos nos calculos, será a boliviana de 25 libras—; não levando porém em conta, na maioria dos casos a differença entre ella e a brasileira, embora isto aggrave notavelmente o preço dos fretes estabelecidos sob a base de dados procedentes do Brasil.

[25]

As condições da navegação do Madeira até o pé da cachoeira de Santo Antonio são semelhantes ás que existem do Pará a Tabatinga. Por conseguinte é natural que os preços dos fretes nas duas linhas tenhão valores analogos, proporcionalmente aos respectivos comprimentos. Ora, sendo a distancia do Pará áquella cachoeira de 440 leguas mais ou menos, a saber 270 no curso do Amazonas e cerca de 170 no do Madeira, tomaremos o custo do transporte de uma arroba entre os dous pontos valendo 500 réis ou 25 cents., custo que evidentemente contém um excesso de 60 réis ou 3 cents. sobre o preço proporcional á distancia na razão de 1 real por arroba e por legua.

Atravessada a secção das cachoeiras pelo caminho terrestre, que suppomos se construa para evitar o seu trajecto, chega-se a Guajarámirim, donde deve começar a navegação a vapor nas aguas do alto Madeira. Consideraremos que d'ahi os vapores se dirijão de um lado a Vinchuta, ultimo porto do rio Chaparé, accessivel a grandes barcos, tocando em Exaltacion, Loreto e Trinidad, e de outro lado, feitas as mesmas escalas, prosigão pelo alveo principal do Mamoré e aportem em Bivosi, Paylas ou melhor no porto a que possão chegar mais proximo da cidade de Santa Cruz de la Sierra.

A primeira destas linhas tem o comprimento de 500 milhas, segundo a opinião de Gibbon, e admitte até o ponto terminal vapores de 6 pés, quasi 2 metros de calado. Suas condições a assemelhão á carreira dos vapores peruanos, que funcciona entre Tabatinga e Yurimaguas, onde o frete, como ficou dito, regula de 1 real ou 1/20 do centavo por milha e por arroba. Admittindo-se este frete no trajecto de Guajaramirim a Vinchuta, o transporte de uma arroba importará em 500 rs. ou 25 cents.

Na tinha de Guajaramirim á Santa Cruz a distancia é muito maior do que na precedente. Os roteiros bolivianos attribuem-lhe 190 leguas ou 570 milhas, viajando sempre pelo tronco do Mamoré, tambem appellidado neste intervallo Sará, Guapay e Rio Grande, sendo menor o trajecto pelo rio Piray, seu affluente. Este, porém, por causa dos baixios e corredeiras, [26] que tem durante a secca, não é praticavel senão nas enchentes e só até o porto de Cuatro Ojos, a 30 leguas a jusante de Santa Cruz; emquanto que o rio Grande o é em todo o anno e por elle é possivel aportar a uma distancia menor da mesma cidade, a qual avalião em cerca de 10 leguas.

Dando, pois, que seja preferida a navegação do rio principal, acha-se o comprimento total da linha de Guajaramirim a Santa Cruz, addicionando a referida distancia de 190 leguas ou 570 milhas á de 300 milhas, que tanto ha de Trindade a Guajaramirim. Deste modo obtêm-se 870 milhas para a distancia que os vapores terão de percorrer desde a estação terminal da estrada das cachoeiras até o porto do Guapay, fronteiro a Santa Cruz.

Por conseguinte, o transporte de uma arroba entre os dous portos sahirá por 870 rs. ou melhor 900 rs., ou 45 centavos em cifra redonda, na hypothese já feita de custar 1 real ou 1/20 do centavo por cada milha.

Quanto ao transporte no desvio das cachoeiras, adoptaremos o preço geral de 1 centavo ou 20 rs. por legua e por arroba boliviana de 25 libras, frete correspondente com pequena differença ao de 25 rs. por arroba de 32 libras, que é o maximo mais em voga nas tarifas das vias ferreas do Brasil e um preço que nos parece modico e ao mesmo tempo remunerativo ás emprezas de transporte, sobretudo quando este se effeitúa em vehiculos de rodas por estradas regulares. Sendo de 60 leguas a extensão da mesma linha, o transporte da arroba custará 1$200 ou 60 cents.

Addicionando as differentes parcellas supraditas, o transporte de uma arroba entre o Pará e Vinchuta importará em 2$200 ou $1,10 a saber:

Do Pará a Santo Antonio 500 rs. $0,25
A Guajaramirim 1$200 0,60
A Vinchuta 500 0,25
Somma 2$200 $1,10

O mesmo transporte até o porto da cidade de Santa Cruz compôr-se-ha das seguintes parcellas:

Do Pará a Guajaramirim (ut supra) 1$700 $0,85
De Guajaramirim ao porto de Santa Cruz 900 0,45
Somma 2$600 $1,30
[27]

A esta somma ha que ajuntar o valor do transporte terrestre na distancia de 10 leguas, que, consta, separa a margem do Guapay da cidade de Santa Cruz. Orçando em dez cents. ou 200 rs. por arroba, fórma-se em definitiva o total de 2$800 ou $1,40 para o frete de uma arroba entre o Pará e a mesma capital.

Calculando o frete da tonelada metrica de 1000 kilogrammas ou 80 arrobas bolivianas proximamente, achão-se os seguintes preços:

Do Pará a Vinchuta 176$000 $88
Do Pará a Santa Cruz 224$000 $112

Vinchuta, no estado dos conhecimentos que possuimos sobre a navegabilidade dos affluentes do alto Madeira, é o porto accessivel a barcos de vapor, mais proximo da cidade de Cochabamba, capital do departamento de igual nome, da qual apenas dista 35 leguas pouco mais ou menos[20]. Esta capital, que conta 45.000 habitantes, dos mais intelligentes, civilisados e emprehendedores da republica, situada no centro de um paiz tão fertil e abundante nas producções da agricultura, que mereceu o nome de—celleiro da Bolivia—reune muitas condições para vir a ser o entreposto principal do commercio exterior do centro e do norte da republica pela via do Madeira.

[20] Temos noticia das tentativas feitas para communicar Cochabamba com a navegação do Mamoré por via do Securé e de seu tributario, o Isiboro; tentativas em que d'Orbigny tomou parte em 1832, cuja iniciativa Dalence attribue ao boliviano Tudela, e que em 1863 a companhia Securé, organisada em Cochabamba, pretendeu levar a effeito. Não estamos informados se esta companhia logrou abrir o caminho projectado. Sabemos, porém, que seu comprimento era avaliado de 40 a 45 leguas, superior por conseguinte ao que se dirige a Vinchuta. Demais, sobre a navegabilidade a vapor do Isiboro e do Securé faltão-nos informações autorisadas como as que Gibbon deu sobre o Chaparé.

Presentemente convergem a Cochabamba caminhos, que a ligão a todas as povoações da Bolivia, que d'ahi tirão os cereaes e outros productos de que carecem: e já existe aberta e utilisada uma vereda que conduz da mesma cidade a Vinchuta, descendo rapidamente as ingremes ladeiras da Cordilheira Oriental, pois Cochabamba demora n'um valle elevado, a 2.478 metros sobre o nivel do mar (Dalence).

O melhoramento de tal vereda para tornal-a um caminho regular será uma consequencia necessaria da abertura effectiva [28] da linha do Madeira, pois com toda a probabilidade ella tem de ser uma das grandes arterias, por cujo conducto a altiplanicie dos Andes e os ricos valles de sua ramificação oriental entraráõ em relação com as aguas que fluem para o curso do Amazonas e por elle com o Atlantico.

Em 1851, quando Gibbon desceu de Cochabamba a Vinchuta, gastou 10 dias na viagem (35 leguas), e pagou 8 pesos pela carga de cada mula, ordinariamente de 10 arrobas de 25 libras; o que vem a dar em pouco mais de 2 1/4 centavos ou 45 rs. por legua e por arroba e em 64 pesos ou 128$000 por tonelada metrica. Este preço exorbitante era devido á inviabilidade do caminho, que consistia em uma tosca picada, estreita e mal traçada, atravancada de arvores a cada passo e com declives inadmissiveis. Beneficiada que seja esta senda de modo a dar passagem franca a animaes de carga, os fretes entre Cochabamba e Vinchuta poderão baixar ao preço medio de 20 rs. ou 1 centavo por legua e por arroba, e talvez a muito menos, a julgar pelo que de ordinario custão as conducções em outros caminhos da Bolivia, que tambem descem a encosta oriental da Cordilheira, e que, não sendo tão máos como o de que se trata, todavia longe estão de serem bons.

Assim, por exemplo, no de Sucre á Santa Cruz de la Sierra, cuja differença de nivel entre os pontos terminaes é maior do que a de Cochabamba para Vinchuta, na distancia de 127 leguas a carga de 10 arrobas não paga senão seis a sete pesos, o que vem a ser no caso mais caro menos de 12 reis ou 0,6 do centavo por legua e por arroba, e por tonelada em todo o trajecto 48 a 56 pesos[21]. Ainda n'um outro caminho, que consta ser dos mais ruins e que desce a cordilheira de um dos povoados mais elevados do seu plató superior[22], o frete é inferior a um centavo ou 20 reis por legua e por arroba.

[21] Os preços dos fretes que transcrevemos, são colhidos de varios documentos sobre a Bolivia, que temos revistado, e principalmente do interessante opusculo de Favre,—Apuntes sobre la navegacion de los rios de Bolivia.

[22] Taes são as altitudes em metros das principaes cidades da Bolivia. La Paz 3705,2m; Potosi 4416,5m; Sucre 2787,3m; Cochabamba 2478,0m; Oruro 4819,0m.

Referimo-nos ao caminho de Potosi a Tarija, onde se paga sete pesos por 10 arrobas na distancia de 80 leguas, regulando por conseguinte em menos do 18 réis ou 8,9 cents. por legua e por arroba.

[29]

Os fretes para os portos do Pacifico, que depois apresentaremos, são em geral muito mais caros do que os já citados, em razão, sobretudo, da aridez e soledade da maior parte dos caminhos junto ás difficuldades dos passos da cordilheira occidental que elles atravessão. Nos que cruzão a cordilheira oriental, sobretudo no de Sucre a Santa Cruz, ao contrario, a linha é quasi sempre povoada e cultivada, nunca faltando boas pousadas com pasto e agua para os animaes; o que acontecerá tambem entre Cochabamba e Vinchuta, logo que o respectivo caminho seja melhorado e frequentado.

É pois justificavel, relativamente aos fretes costumados na Bolivia, estabelecer neste caminho o preço de um centavo por legua e por arroba. Nesta hypothese, a arroba de carga pagará entre Vinchuta e Cochabamba, distancia avaliada em 35 leguas, 35 cents. ou 700 réis, e a tonelada $28 ou 56$000.

E do Pará a Cochabamba será o frete de uma arroba $1,45=2$900, e o de uma tonelada $116,0=232$000.

Para obter o preço do transporte da Europa a Cochabamba ou vice-versa, ha que ajuntar á estas sommas o frete ordinario do Pará para os portos daquelle continente. Para Liverpool ou para o Havre elle commummente não passa de 16$000 ou oito pesos por tonelada.

Por conseguinte, uma vez regularisada a communicação do Madeira, um tal peso de mercadorias, pagará, em termo médio, entre os portos principaes da Europa e Cochabamba, ou vice-versa, o frete de $124 ou 248$000.

Confrontemos agora este preço com o que actualmente custa igual transporte pelos portos do Pacifico.

Por onde elle é menos dispendioso para Cochabamba é pela via de Arica e de La Paz:

Da Europa a Arica o frete usual por tonelada é $21 42$000
De Arica a La Paz a carga de 10 arrobas paga entre 16 e 20 pesos ou na média $18 sendo por tonelada $144 288$000
Somma da Europa a La Paz $165 330$000
De La Paz a Cochabamba, seguindo o frete normal de 1 cent. ou 20 rs. por legua e arroba, importa na distancia de 80 leguas em 8 pesos por carga; por tonelada $64 128$000
Frete total de uma tonelada da Europa a Cochabamba pela via de Arica e La Paz $229 458$000
Idem pela do Pará e de Vinchuta $124 248$000
Differença $105 210$000

Haverá, portanto, a poupança desta avultada quantia na conducção de cada tonelada, fazendo-se o commercio de Cochabamba com a Europa pela via do Madeira.

Sucre, capital da Bolivia, demora a 65 leguas de Cochabamba e a 127 de Santa Cruz; e por intermedio de qualquer destas cidades póde commerciar com o Atlantico de preferencia á via usada hoje de Cobija.

Com effeito, a tonelada de mercadorias paga presentemente:

Da Europa a Cobija $21 42$000
De Cobija a Sucre, 187 leguas, paga-se de 24 a 40 pesos por carga de mula; 192 a 320 pesos por tonelada, em termo médio $256 512$000
Somma $277 554$000

Se Sucre supprir-se por intermedio de Santa Cruz, o frete da tonelada compor-se-ha da seguinte fórma:

Da Europa a Santa Cruz $112 224$000
De Santa Cruz a Sucre paga-se agora de 6 a 7 pesos por carga ou por tonelada 48 a 56, seja 56 112$000
Total $168 336$000
Frete pela via do Pacifico $277 554$000
Differença a favor da via do Amazonas $109 218$000
No caso de tomar-se o frete de 1 centavo por legua e por arroba entre Santa Cruz e Sucre, vem a sahir o transporte de uma tonelada entre os dous logares por $101,6 203$200
E de Europa a Sucre $213,6 427$200
Economisando todavia em cada tonelada sobre o frete actual por Cobija $66,4 132$800
[31]

Finalmente, si se adoptar o caminho que passa por Vinchuta e Cochabamba, o frete da tonelada será:

Da Europa a Cochabamba $124 248$000
De Cochabamba a Sucre, 65 leguas a razão de 1 centavo ou 20 rs. por legua e por arroba, por tonelada $52 104$000
Somma $176 352$000
Frete por Cobija $277 554$000
Differença a favor da via do Amazonas $101 202$000

Destes algarismos evidencia-se que a capital da Bolivia auferirá vantagens consideraveis commerciando com o exterior pela via do Madeira de preferencia á costumada de Cobija, quer faça seu entreposto em Santa Cruz de la Sierra, quer em Cochabamba, cidades estas que poderão disputar entre si os beneficios de servil-a. O natural, porém, é que, respeitando a corrente dos negocios já estabelecida, Santa Cruz com seu porto no Guapay seja a primeira escala para o Atlantico do trafego de Sucre, de seu departamento e tambem de toda a parte meridional da Bolivia, ao passo que Cochabamba com o porto de Vinchuta sel-o-ha para o centro e norte da republica.

Applicando calculos analogos ás capitaes dos outros departamentos, chega-se aos resultados, que vão consignados no adjunto quadro synoptico e que demonstrão com o argumento incontestavel dos algarismos toda a amplidão, que é capaz de alcançar em virtude da economia dos fretes o commercio da Bolivia por meio das aguas do Amazonas, quando o vapor sulcando as vias navegaveis encurtar todas as distancias e uma estrada de rodagem supprimir o transito difficultoso das cachoeiras do Madeira.

[32]
Quadro synoptico, comparativo dos fretes da Europa ás capitaes dos departamentos da Bolivia, pela via do Pacifico e pela do Amazonas.
Frete de uma tonelada.Differença.
Nomes das capitaes.Por Arica ou por Cobija.Pela via do Amazonas+ favoravel á via do Pacifico.- favoravel á via do Amazonas
Trinidad.$268,20(1)$76,00-$ 192,20
Santa Cruz.333,00(2)112,00(3)-221,00
Cochabamba.229,00(4)124,00(5)-105,00
Oruro.243,40(6)156,80(7)-68,60
Sucre.277,00(8)168,00(9)-109,00
Potosi.223,40(10)191,20(11)-32,29
Tarija.279,40(12)244,80(13)-34,60
La Paz.165,00(14)188,00(15)+23,00
(1) Caminho de La Paz, Cochabamba, Vinchuta e d'ahi descendo os rios Chaparé e Mamoré.
(2) Via de Cobija e Sucre com o modico preço d'ahi a Santa Cruz de 7 pesos por carga de 10 arrobas.
(3) Pela navegação dos rios até o porto do Rio Grande, a 10 leguas da cidade de Santa Cruz.
(4) Via de Arica e La Paz.
(5) Navegação fluvial até Vinchuta. Caminho melhorado d'ahi a Cochabamba, Frete de 1 centavo por legua e por arroba.
(6) Via de Arica e La Paz. Fretes actuaes.
(7) Por Vinchuta e Cochabamba. Frete por terra de 1 centavo por legua e por arroba.
(8) Pelo porto de Cobija com os fretes usuaes.
(9) Via de Santa Cruz e porto fronteiro do rio Mamoré. Transporte de Santa Cruz a Sucre a 7 pesos por 10 arrobas.
(10) Pelo porto de Cobija. Fretes costumados.
(11) Via de Santa Cruz e Sucre.
(12) Por Cobija e Potosi. Entre Potosi e Tarija 8 pesos por carga de 10 arrobas.
(13) Pelo caminho de Sucre a Tarija. Frete de 1 centavo por legua e por arroba.
(14) Via de Arica.
(15) Via de Vinchuta e Cochabamba.
[33]

Os algarismos, confrontados no quadro precedente, patenteião que ha vantagem economica de commerciar pela via do Madeira, para 7 dos 9 departamentos em que a Bolivia se acha dividida.

Os que restão, para que apparece preferivel a via do Pacifico, são: La Paz pelo porto Peruano de Arica, e Cobija que pelo facto de ficar a beira mar está fóra de questão.

Comtudo, posto que a via de Arica se avantaje á de Cochabamba e Vinchuta para o trafego de La Paz com o exterior, fica ainda por decidir se o mesmo acontecerá, dada a possibilidade de navegar-se o Beni e algum de seus affluentes até o pé da Cordilheira.

Em tal caso, La Paz possuiria um porto fluvial com sahida para o Atlantico em posição analoga á de Vinchuta relativamente a Cochabamba, e não necessitando o seu commercio de fazer o longo rodeio por esta cidade para chegar ao principio da navegação fluvial, provavelmente poderia conseguir pelas aguas do Madeira fretes menos elevados do que os que ora lhe faculta a via do Pacifico.

Entretanto, independente disto, para as provincias do departamento de La Paz comprehendidas n'um circulo de 30 a 40 leguas traçado com o centro em Cochabamba, o calculo dos fretes ainda leva a preferir o commercio pela via do Madeira, passando por esta cidade, ao que se faz pelo Pacifico; assim como para as provincias, situadas nas encostas e nos plainos baixos a leste da Cordilheira, o caminho natural é o curso do Beni.

Nestas e naquellas provincias certamente o departamento de La Paz contém um terço de sua população total, que foi a parte que suppozemos concorreria nelle para o trafego da linha do Madeira.

Portanto, pela consideração dos fretes não só subsistem a extensão e a população, attribuidas em virtude da distribuição dos rios á região boliviana, tributaria do futuro commercio do Madeira, como ellas se augmentão consideravelmente apropriando-se das que pertencem ao departamento de Oruro, á parte excluida do de Sucre e até aos de Potosi e Tarija; apezar de que este ultimo já esteja nos valles do Pilcomayo e do Vermejo, tributarios que são do Prata; e o de Potosi, tanto pela vizinhança com o de Tarija, como tambem pelo escoamento de suas aguas, pareça dever adoptar para permutar com o estrangeiro os canaes que conduzem a esse grande rio.

[34]

Certamente assim deverá ser, quando a navegação do Pilcomayo e do Vermejo for um facto consummado. Por emquanto, admittido que tal navegação seja praticavel por vapor sem prévias obras d'arte, o que é questionavel sobretudo quanto ao Pilcomayo, ella é uma empreza por crear e effeituar como é a do lançamento do vapor no Mamoré e seus ramaes e a construcção da estrada das cachoeiras do Madeira.

Parece, porém, fóra de duvida que este ultimo projecto conta mais do que o outro com motivos capazes de fazel-o nascer e prosperar; pois na Bolivia interessa directamente a um territorio muito mais vasto e a uma população mais numerosa; e além disto tem a seu favor o concurso do Brasil, a quem cabe fazer a parte da obra mais difficil, a estrada das Cachoeiras, e que tem o maior empenho em ver expedita a communicação do Madeira para desenvolver sua provincia de Matto Grosso e colher os immensos beneficios, que podem provir do transito em seus portos do Amazonas do valioso commercio da Bolivia. Se, pois, como tudo induz a crer, a linha do Madeira for a primeira a receber os melhoramentos de que carece, a lei efficiente dos fretes determina que por ella se encaminhe o movimento de permuta com o exterior não só dos cinco departamentos da propria bacia do Madeira, como tambem de quasi todas as provincias da altiplanicie dos Andes e até mesmo das dos valles tributarios da bacia do Prata. Assim não serão sómente, como suppozemos, 800.000 habitantes os que se utilisaráõ daquella via de communicação, mas pouco menos da totalidade da população boliviana.

Vinchuta e o porto do Rio Grande, correspondente a Santa Cruz, passarão a ser na navegação interior da republica o que hoje são Arica e Cobija no litoral do Pacifico, um o emporio do commercio do norte da republica, o outro o do sul; e as já importantes cidades de Cochabamba e Sucre, collocadas a meia altura dos Andes e a beira de sua ramificação oriental, prosperarão immensamente permutando no exterior os productos de seu delicioso clima e sendo demais os entrepostos da exportação e importação de todo o paiz circumvizinho.

Na deducção dos resultados referidos, consideramos que de Guajaramirim, termo superior da estrada das Cachoeiras, sómente partissem duas linhas de vapores, uma para Vinchuta e outra para o porto da cidade de Santa Cruz; deixando de tratar da via fluvial do Beni e do Guaporé ou Itenez, das quaes, sobretudo a primeira, já contém elementos de commercio mui dignos de serem attendidos.

[35]

É que a navegabilidade do Beni para barcos a vapor é ainda problematica e o uso de tal motor foi condição primordial dos fretes que hemos applicado.

Entretanto cumpre observar, que a empreza da communicação do Madeira não póde prescindir do importante contingente, que devem trazer-lhe os paizes ribeirinhos do Beni; e estes de sua parte têm por ahi o seu caminho directo, que deve succeder ao retrogrado, hoje praticado, transpondo enormes distancias através de duas cordilheiras.

A fertil provincia de Campolican possúe rios que desaguão no Beni. O Taichi, um dos tributarios deste, cruza quasi pelo meio o rico districto de Apolobamba. Dous outros, o Guanay e o Mapiri, que o sabio Haenke affirma haver navegado com seguridade, regão os plainos orientaes de Larecaja; e o Coroico e o Yrupama percorrem a fecundissima provincia de Yungas e outros districtos do departamento de La Paz, indo buscar aguas de sua propria capital.

É destas comarcas do valle do Beni que se exporta a preciosa quina ou cascarilla de que se extrahe a quinina, e cujo commercio entra na somma da exportação da Bolivia como uma das parcellas de mais vulto. Nellas tambem o cacáu, o café, o fumo, a canna de assucar e todos os fructos da zona torrida se crião das qualidades mais apreciadas.

Se não fôr possivel que sejão navios a vapor os que um dia conduzão taes productos até ás aguas do Madeira e em retorno introduzão no paiz as mercadorias estrangeiras, cumpre acoroçoar e regularisar no Beni o trafego de canoas e botes, que já existe, quando não seja desobstruindo o rio e abrindo canaes lateraes, ao menos facilitando o transito dos rapidos e das cachoeiras por meio de caminhos marginaes, que sirvão para puxar as embarcações a sirga e mesmo para transportar por terra as cargas, caso isto seja indispensavel. Com estas e outras medidas semelhantes, será possivel diminuir em muito os riscos e embaraços que estorvão a navegação do Beni, dos quaes os de mais valor, consta, achão-se perto de sua foz, em tal situação que parecem ser formados pela intersecção com o curso do rio das mesmas jazidas de rochas, que produzem as cinco cachoeiras do Mamoré, logo antes de confluir com o mesmo Beni. No caso porém de ser demasiado trabalhoso o transito deste rio em sua parte inferior, ha como evital-o por meio de alguns affluentes do Mamoré. São principalmente o Yacuma e o Yrnyane, dos ques o primeiro é praticavel desde sua embocadura ate o povo de [36] Santa Cruz, situado a 12 leguas de Reyes, missão que demora á beira do Beni.

A via do Yacuma póde, pois, supprir a navegação do Beni até Reyes, e, se tornar-se frequentada, é de esperar que no futuro, para salvar as 12 leguas de trajecto terrestre deste povo ao de Santa Cruz, se abra um canal artificial, a cuja escavação o terreno intermedio deve prestar-se optimamente, si fôr chato como é em geral toda a zona entre o Beni e o Mamoré.

Além do commercio, alimentado pela região quente das planicies, que se estendem nas fraldas e a leste da cordilheira em longas distancias, o Beni, como já notamos anteriormente, deve ser o meio de transporte para o curso do Madeira do commercio que póde entreter a cidade de La Paz, assim como toda a porção da altiplanicie circumvizinha, fertilisada pelas aguas que confluem a formar o mesmo rio. Para que isto aconteça, a condição necessaria é que se estabeleça nelle uma navegação desimpedida; o que feito, a primeira cidade da Bolivia, em população e em commercio, ficará no caso de commerciar pela via do Amazonas, provavelmente com mais economia do que pelo porto de Arica, participando assim dos beneficios que suas irmães, Cochabamba e Sucre, hão de auferir infallivelmente, logo que se verifique a desejada reversão da corrente dos negocios do Occidente para o Oriente, abandonando as aridas e inhospitas costas do Pacifico pelas fecundas e formosas margens dos tributarios do Madeira.

A navegação do Guaporé ou Itenez póde tambem contribuir com um bom cabedal de permutas para a circulação da via do Madeira; pois aproveita ás provincias bolivianas de Chiquitos e Guarayos e tambem ás terras da bacia do alto Madeira, pertencentes ao Imperio do Brasil. Barcos a vapor subindo o proprio Guaporé podem chegar nas cheias até á cidade de Matto Grosso, e pelos afluentes d'elle da margem meridional, o Magdalena ou Itonama com seus braços o Machupo e o S. Miguel, o Baures ou rio Blanco e outros, penetrar até muitas missões Bolivianas, que demorão ás margens e nas proximidades destes rios. Assim a navegação a vapor poderá expandir-se até mui longe em differentes direcções na bacia do Guaporé, em cujo solo uberrimo sobejão artigos de permuta, quer nos fructos silvestres, quer nos que o homem póde conseguir da cultura da terra, da criação de gados e da mineração.

Em summa, a investigação economica dos fretes alargando consideravelmente o perimetro da região, que em consequencia [37] do escoamento das aguas é physicamente tributaria do Madeira, leva a comprehender nella a maior parte da Bolivia; que entrará em communicação com a grande arteria do mesmo rio por 4 grandes canaes do modo que se segue: 1.o O do Beni, que será o conducto do commercio das provincias de Caupolican, Apolobamba, Larecaja, Yungas e todos os paizes de sua vasta bacia, incluindo até a propria cidade de La Paz e por via della grande parte da altiplanicie do Lago Titicaca.

2.o O canal do Mamoré, continuado pelo Chaparé, por onde o vapor irá até o porto de Vinchuta, destinado a ser o entreposto da industriosa cidade de Cochabamba e por meio della do centro da Bolivia até á cidade de Oruro e quiçá todo o seu departamento.

3.o A linha do Mamoré e seu prolongamento, o Sara, Guapay ou Rio Grande, que vai servir á cidade de Santa Cruz de la Sierra com todo o paiz de seus contornos e d'ahi tambem a Sucre, d'onde ha possibilidade de estender-se o commercio da via do Madeira a todo o sul da Bolivia, inclusive as cidades de Potosi e Tarija e seus departamentos.

No seu trajecto esta linha servirá, assim como a precedente, á Trinidad, capital do Beni, e ás outras povoações que se achão na ribeira ou a pouca distancia do rio Mamoré.

4.o Emfim o canal do Guaporé ou Itenez, que é a sahida natural de uma grande parte da provincia brasileira de Matto Grosso, e das Bolivianas de Chiquitos e Guarayos, as quaes para communicar-se com o rio Guaporé têm excellentes linhas navegaveis no Itonama ou Magdalena e seus braços, o S. Miguel e o Machupo, no Baures ou rio Branco, no Serre e no rio Verde.

V.

Esboço do projecto de melhoramento da via do Madeira.—Plankroad ou madeirocarril das cachoeiras.—Sua construção e seu custo.—Ensaio da navegação a vapor.—Primeiras linhas a estabelecer.—Orçamento da despeza respectiva.—Importancia total do capital da empreza.

Do que tem sido mais de uma vez expendido no correr deste trabalho, se deprehende que consiste em duas obras distinctas [38] o que ha a fazer para estabelecer na linha do Madeira um systema de meios de transporte, regular e economico:

1.o Abrir uma via terrestre para dispensar a navegação trabalhosa das cachoeiras, que separão o alto do baixo Madeira.

2.o Crear carreiras de vapores na arteria mãi do alto Madeira, isto é, no rio Mamoré e tambem em alguns de seus affluentes, as quaes entrarão em correspondencia pela estrada com a linha que em breve deve funccionar ligando os portos do Amazonas e o Atlantico a Santo Antonio, ao pé da primeira cachoeira.

Ficou manifesto que n'um futuro mais ou menos afastado o commercio da communicação de que se trata, chegará ás proporções mais elevadas; mas forçoso é confessar que será modesto em seu principio.

A empreza projectada vai descerrar as portas de um paiz dotado de uma natureza prodiga e já em parte povoado, contendo por conseguinte em si todos os elementos essenciaes para produzir e consumir em grande escala. Mas a corrente de suas transações com os outros paizes ou não se acha estabelecida, ou, onde já existe, se escôa em direcção diversa de communicação que nos cccupa. Ha, pois, de um lado tudo por crear, do outro que alterar um antigo estado de cousas, contrariando habitos inveterados, interesses individuaes arraigados, a que se juntará o espirito de rotina, que não deixa de despertar-se sempre que se trata de fazer opposição a qualquer reforma por mais vantajosa que ella seja.

Infallivelmente travar-se-ha a luta do costume entre as novas e as antigas vias; e em quanto a luz irrecusavel dos factos não esclarecer aos mais obstinados e não revelar que, se a innovação é prejudicial a alguns, redunda em proveito do maior numero, emquanto de outra parte, as fontes de producção não se fundarem e começarem a dar fructos abundantes, correrá algum tempo antes que a circulação da via do Madeira attinja a grandeza correspondente á extensão, á fecundidade e ao numero de habitantes do territorio, de cujo commercio é a sahida natural e a mais conveniente.

Portanto, no projecto dos melhoramentos, que nella ha que introduzir, convem não perder de vista, que não se trata de uma communicação de um trafego existente em altas proporções, mas sómente de um caminho, que se póde chamar de exploração, pois que é destinado a ser o proprio creador e promotor da industria e do commercio que ha de sustental-o em [39] seus primeiros annos e depois pouco a pouco fornecer recursos para aperfeiçoal-o successivamente, satisfazendo sempre ás exigencias da frequentação crescente que delle se utilise.

Assim é que o desvio das cachoeiras do Madeira não póde ser de principio um meio de viação perfeito, senão uma estrada das mais simples, cujo custo de estabelecimento possa achar compensação lucrativa nos fretes do limitado trafego, que nos primeiros tempos della se aproveite; e de sua parte a navegação a vapor do alto Madeira, cingindo-se ás mesmas idéas, não deve passar de um modesto ensaio.

Entre os systemas de vias terrestres baratas, o mais facil e commum é o que só dá lugar ao transporte com animaes de carga. Tal systema, em sua singeleza primitiva, póde não passar de uma estreita vereda mais ou menos seguindo um rumo certo, de que não se desvia nem por causa de subidas e descidas ingremes, nem por outros impecilhos naturaes, senão quando são inteiramente inaccessiveis ao pé seguro da mula ou dos outros animaes, que habitualmente carregão sobre o dorso.

Sem duvida esta especie de caminhos realisa a extrema barateza, mas em contraste é tambem do mais insignificante effeito util, quanto ao trabalho que nelles fazem os motores empregados, comparativamente a outras vias de transporte menos imperfeitas.

É sabido, com effeito, que o producto do trabalho dos animaes, quando carregados sobre o dorso, é muito inferior ao de sua força de tracção, aproveitada em conduzir pesos por meio de vehiculos de rodas, cuja acção mecanica occasiona a multiplicação da potencia motriz diminuindo proporcionalmente as resistencias passivas, que se oppoem ao movimento.

Destas resistencias a mais importante é o attrito entre o contorno das rodas e a superficie do solo, attrito cuja intensidade depende principalmente do gráo de solidez e de lisura do material sobre que as rodas girão.

De taes principios, baseados nas leis physicas e confirmados pela experiencia, procede a superioridade consideravel das estradas de rodagem sobre os caminhos de cargueiros, e, confrontados entre si os diversos systemas daquellas, a superioridade das de leito empedrado sobre as que o tem do terreno natural, a dos madeiro-carris ou plankroads sobre as empedradas e a excellencia sobre todas as outras dos carris de ferro ou railways.

[40]

Se, pois, no projecto da linha do Madeira se pretender, como de razão, poupar força motriz, e com isto realisar economia e presteza nos transportes, cumpre prescindir de adoptar ahi um caminho de cargueiros, preferindo-lhe uma estrada propria para vehiculos de rodas.

E, como, convem reduzir quanto possivel o capital necessario para sua construcção, a escolha d'entre os differentes systemas de taes estradas deve fixar-se na que concilie melhor, no caso presente, os requisitos de viabilidade e barateza.

A estrada das cachoeiras do Madeira, provavelmente virá a ser um ferro-carril, com o decorrer dos annos, quando já esteja desenvolvido na grandeza a que póde attingir o commercio da dilatada bacia do Alto Madeira.

Por ora, porém, o alto preço da fundação deste systema de viação exclue sua applicação, não só no estado perfeito em que é adoptado á locomoção a vapor, como mesmo no menos dispendioso em que só serve para a de motores animaes.

Tambem não é admissivel o emprego das mais baratas d'entre todas as estradas de carros, quaes as que têm o leito do proprio solo natural, porque em uma região chuvosa e humida, como é em geral o valle do Amazonas, ellas serião quasi sempre intransitaveis.

Resta a escolher entre as estradas empedradas e os madeiro-carris.

Partindo de que seja uma companhia que construa e explore a estrada do Madeira, o monopolio do transito é condição implicita de sua concessão. Por conseguinte, o movimento do transito póde ser submettido a uma certa organisação methodica, fazendo-o por combois de carros, que como os trens das vias ferreas partão a horas fixas, caminhem com uma velocidade conhecida e se cruzem com os vindos em sentido opposto em lugares de antemão determinados.

Isto permitte realizar uma economia importante na construcção de qualquer systema de estrada com fazel-a em quasi toda sua extensão sómente com a largura indispensavel para a passagem de um vehiculo, dispondo de distancia em distancia logares com dupla largura, para o cruzamento dos carros, precisamente como sóe ser nos ferro-carris a vapor de uma só via; com a differença porém de que empregando-se motores animaes as collisões são isentas de perigos e por conseguinte o telegrapho electrico, que nos ferro-carris, é [41] destinado a prevenil-as, deixa de ser um acessorio imprescindivel.

Dado pois que o leito da estrada das cachoeiras só tenha a largura necessaria ao transito de um carro, a qual póde não exceder de 3 metros, a consideração das circumstancias peculiares do terreno que tem de percorrer e da facilidade de tracção ou viabilidade nos induz a preferir para sua consolidação uma superstructura de madeira em vez de um empedramento.

É que nos parece que o traçado da estrada em questão terá de se desenrolar, parte nos terrenos de alluvião que constituem as immensas planuras do valle do Amazonas, parte nas fraldas e encostas da cadeia de montanhas, cujo encontro com o curso do Madeira dá lugar ás cachoeiras deste rio e que deve ser um prolongamento da serra dos Parecis, onde consta ser o grèz vermelho a rocha dominante. A ser assim, é de crer que em grande extensão da linha a pedra seja escassa e até possa faltar, e na parte em que abunde seja de uma qualidade pouco adequada á construcção de empedramentos solidos. Entretanto que as grandiosas florestas, que cobrem o o mesmo terreno, offerecem uma provisão inesgotavel de madeiras rijas e duradouras, que as mais das vezes nem será preciso cortar de proposito, mas apenas escolher as mais convenientes das derrubadas feitas para desassombrar o caminho.

Com troncos falquejados n'uma face compor-se-hão os dous carris parallelos, sobre que as rodas dos carros devem assentar e que para mais firmeza serão apoiados em madeiros transversaes enterrados. O intervallo entre os carris, onde hão de caminhar os animaes no trabalho da tracção, será consolidado ou tambem com madeira ou com materiaes pedregosos, onde estes se encontrem mais a mão.

O plankroad, executado sob estas prescripções, além de ter a seu favor mais probabilidades de construcção facil e barata do que a estrada empedrada, apresenta ainda a vantagem essencial de oppor menos resistencia á tracção, sendo por conseguinte mais viavel do que ella. Na verdade, a experiencia tem provado que, ao passo que n'uma via macadamisada horizontal um cavallo de força média não puxa nos carros usuaes mais de 2.100 kilogrammas, ou cerca de 175 arrobas de 25 libras, n'um madeiro carril tambem de nivel, transporta até 4.900 kilogrammas ou perte de 400 arrobas, sendo que nas declividades sempre se dá vantagem para esta especie de caminho, embora com menos differença.

[42]

Os algarismos adduzidos servem igualmente para dar a medida da grande superioridade das vias de rodagem a que elles se referem, sobre as que só prestão para animaes de carga, quando em confrontação se considera que um cargueiro conduz ordinariamente 10 arrobas, 250 libras ou cerca de 120 kilogrammas, isto é, menos de 1/18 de peso que o mesmo animal é capaz de transportar em carro sobre estrada empedrada e 1/40 do que póde fazel-o sobre carris de madeira, sendo em ambos os casos o terreno horizontal. Subindo planos inclinados, as ditas relações tornão-se menos avultadas, porém até os declives de 3 e 5% ainda denotão que é muito mais vantajoso utilizar os animaes pela força de tracção do que carregando-os sobre o dorso.

Contra os madeiro-carris não ha que objectar senão a pouca duração do material de sua structura superficial, sujeito a deteriorar-se promptamente nas condições em que permanece, exposto á acção simultanea do calor atmospherico e da humidade perenne do solo. Este inconveniente, que tambem assiste ás estradas de ferro, onde na generalidade se empregão dormentes de madeira, não obstante aggravar consideravelmente as despezas de conservação, decresce de importancia na estrada de que se trata, porque as madeiras ahi são abundantissimas. Demais ha todo o fundamento para presagiar que o madeiro-carril será um systema provisorio, a que succederá um ferro-carril de sangue ou quiçá de vapor depois de um curto periodo, logo que tenhão fructificado os germens de industria e civilisação que a abertura definitiva da communicação do Madeira vai derramar no solo fecundo das provincias da Bolivia e do Brasil, situadas no valle superior do mesmo rio. E com taes vistas é mais uma razão para antepôr o madeiro-carril ás simples estradas de rodagem o elle assemelhar-se na fórma e no serviço ás vias ferreas, cujo percursor tem de ser, esboçando no terreno o traçado e nivelamento, que posteriormente só carecerão de aperfeiçoamento nas curvas e nos declives para receber os rails e dar passo á veloz locomotiva.

Admittido, pois, que a estrada das cachoeiras seja um madeiro carril de tosca superstrutura, composto como acima foi descripto; suppondo demais que elle se amolde ás sinuosidades do terreno, quanto seja compativel com uma tracção regular, adopte pontes e obras de arte, da construcção mais singela e economica, e emfim cinja-se em todas as suas partes [43] ás condições menos dispendiosas; porque preço poderá ser construido?

Impossivel é resolver esta questão com exactidão, quando não ha, como acontece no caso actual, conhecimento completo do terreno, que a linha tem de percorrer, sendo no emtanto indispensavel para organisar um orçamento regular de qualquer via estudos previos e minuciosos de seu traçado e de seu nivellamento longitudinal e transversal. Na falta total de taes dados, só nos resta o recurso de aventurar uma estimativa provavel fundando-a no preço médio, que commummente poderá custar um madeiro-carril em circunstancias naturaes, parecidas ás que attiribuimos á da linha das cachoeiras, onde não suppozemos que o terreno seja de todo facil nem tambem que se encontrem obstaculos de grande vulto e em extremo custosos de vencer.

Nesta conformidade, apoiando-nos na autoridade de engenheiros competentes e em alguma pratica que temos de obras semelhantes, nos abalançamos a orçar o preço geral do madeiro-carril das cachoeiras em 20 contos do réis ou 10.000 pesos por cada legua (de 5.555 metros); importancia que não excederia uma via da mesma especie, através de florestas, em qualquer parte do Brasil, com o preço dos salarios e dos materiaes, mais commum no paiz e num terreno da natureza antes difficultosa do que facil.

Adoptada esta estimativa, as 60 leguas de estrada do Madeira importaráõ em 1.200 contos de réis ou 60.000 pesos. A este custo, que é o da via unicamente, ha que aggregar o do material, carros e animaes, o das estações terminaes com seus armazens de deposito, o das intermedias para pousadas e casas de posta com os campos e culturas necessarias, e o de outros accessorios mais, que a communicação exigir. Dando que nisto se dispenda até 300 contos ou 150.000 pesos, chega-se ao total de 1.500 contos ou 750.000 pesos para a importancia do estabelecimento completo da estrada em questão.

Falta computar o capital preciso para simultaneamente com a abertura desta estrada introduzir a navegação a vapor no tronco e nos ramaes do Mamoré.

Quando se reflecte no processo a seguir na execução da estrada, apparece o mais conveniente acommetter os trabalhos della a um tempo pelos dous extremos, por Santo Antonio no baixo Madeira e por Guajaramirim no Mamoré.

Daquelle lado se receberião para a obra operarios, instrumentos de trabalho e meios de manutenção de Crato e de [44] Borba no baixo Madeira, dos portos do Amazonas e até do Pará, aproveitando para isto a communicação já contractada e que em breve estará funccionando até o pé da primeira cachoeira. Mas para manter relações promptas e regulares de Guajaramirim com Trinidad, Exaltacion, Santa Cruz e as demais povoações da Bolivia Oriental, donde é possivel tirar a maior cópia de recursos, conviria lançar um ou dous vapores nas aguas dos rios que a ellas conduzem.

Bastarião para este fim simples lanchas movidas por machinas locomoveis, com capacidade de rebocar canôas, pranchas e barcas chatas de lotação moderada.

O casco destas lanchas, se de necessidade devem ser de ferro, poderia ser transportado através das cachoeiras em secções de pouco peso, juntamente com os orgãos componentes de suas machinas motrizes, da mesma fórma por que até agora se levão as cargas que por ahi transitão. Talvez tambem não fosse impossivel conduzir as mesmas lanchas inteiras, se suas dimensões e seu peso não excedessem ás dos barcos que desde tempo remoto sobem o Madeira até Matto Grosso, passando através das cachoeiras, cuja lotação alcança a 2.000 arrobas de 32 libras, proximamente 30 toneladas metricas. No caso porém, de não haver inconveniente de serem de madeira as lanchas a vapor, em vez de transportar os cascos dellas a grande custo, seria preferivel fabrical-as em Guajaramirim, reunindo ahi para este fim carpinteiros, seja bolivianos de Santa Cruz ou de Mojos, seja brasileiros levados do Amazonas com a primeira expedição destinada ao serviço da estrada. Qualquer porém que seja o meio de obtel-as nas aguas do alto Madeira, as lanchas de que nos occupamos serão as iniciadoras da navegação a vapor neste rio e em seus tributarios, servindo a transportar operarios, animaes e provisões para os trabalhos da estrada, auxiliando desde logo ao commercio existente e predispondo as populações ribeirinhas, instruindo-as pela experiencia pratica das vantagens dos navios movidos a vapor, a se apromptarem a utilisar-se em escala maior do beneficio completo da estrada e da navegação a vapor definitiva.

Esta não seria inaugurada senão depois de concluida a estrada das cachoeiras, por onde serião levados sem estorvo os barcos adequados, ou por partes assim como suas machinas, se é que elles devessem ser de ferro, ou sómente estas, no caso de serem os cascos de madeira e estes construidos em Guajaramirim, como acima propuzemos.

[45]

Para encetar a navegação a companhia emprezaria poderia applicar sómente dous vapores; um destinado a cursar o Mamoré e o Chaparé, com escalas em Exaltacion, Trinidad e Loreto, até o Porto de Vinchuta; outro a seguir sempre o tronco principal do Mamoré o Sara e o Guapay, seus prolongamentos, até o porto fronteiro á Santa Cruz de la Sierra. A estes dous vapores se juntarião as duas lanchas já referidas, que servirião para suppril-os e coadjuval-os nas respectivas carreiras e para entreter uma communicação periodica pelo Guaporé acima, que chegaria pelo menos até o forte do Principe da Beira, em qualquer estação do anno e na enchente quiçá até á cidade de Matto Grosso, recolhendo no trajecto os productos das missões de Chiquitos e Guarayos, que existem ás margens dos tributarios meridionaes do dito Guaporé.

Com estes quatro barcos a vapor e mais o numero conveniente de barcaças, canôas e embarcações proprias para andar a reboque, a companhia teria o material sufficiente para ensaiar o seu primeiro trafego.

Este material, avaliado com largueza, não excederá de 300 contos ou 150.000 pesos, distribuidos como se segue:

Dous vapores de calado de menos de dous metros, machina de 50 a 80 cavallos, capazes de conduzir no casco ou a reboque de 150 a 200 toneladas, comprehendido o respectivo transporte até o porto superior das cachoeiras 100.000 pesos.
Duas lanchas a vapor com os mesmos gastos de transporte 30.000 »
Embarcações diversas proprias para andarem a reboque, etc., etc.20.000 »
Somma 150.000 »

Sobre esta somma deverá a companhia ter á disposição mais uns cem contos ou 50.000 pesos para construir pontes de embarque e desembarque, com armazens, etc., nos pontos principaes, e crear factorias ou agencias de deposito na embocadura do Beni e de alguns confluentes do Mamoré e do Guaporé, em cujo curso haja povoados donde convenha facilitar as transacções com o interior por meio dos vapores. Serião por conseguinte 400 contos de réis ou 200.000 pesos no todo, o capital preciso para organisar as primeiras linhas de paquetes no alto Madeira.

Addicionando a mesma quantia á de 1.500 contos ou 750.000 pesos, importe da estrada das cachoeiras, acha-se a [46] somma de 1.900 contos ou 950.000 pesos; a que acrescentando mais 100 contos ou 50.000 pesos para despezas geraes e imprevistas, deduz-se a final a cifra redonda de 2000 contos ou 1 milhão de pesos, como sendo capital necessario para levar a effeito a communicação expedita pela via do Madeira; não, por certo, de um modo perfeito, mas como convém que principie, nas proporções de um ensaio dos mais modestos, porém em sua essencia adequado a transformar-se progressivamente, aperfeiçoando-se na razão do incremento que o trafego tiver.

Resta agora, partindo dos fretes admittidos em um dos capitulos precedentes, deduzir-se a quantidade do trafego que deve circular annualmente na via de que se trata, para que não só se consiga renda com que cobrir as despezas do custeio, como tambem sobra capaz de compensar os interesses do capital, no valor qne vimos de fixar-lhe.

VI.

Que circulação é necessaria para retribuir ao capital da empreza—Deducção do trafego de que precisa a estrada das cachoeiras.—O mesmo trafego é mais que sufficiente para sustentar a navegação a vapor.—Probabilidades de que elle se verifique na linha do Madeira.—Necessidade de auxilios á empreza por parte dos governos interessados.—Em que podem consistir.—Solução a mais simplificada do melhoramento da communicação do Madeira.—Conclusão.

Das duas obras, que tem de effectuar a empreza da communicação regular do Madeira, a de mais monta e cujo valor é menos susceptivel de reducção é a estrada das cachoeiras. Para ser viavel por carros, ella difficilmente poderá ser mais barata do que foi avaliada, e a condição de prestar-se ao transporte sobre rodas é imprescindivel para obter-se o baixo preço dos transportes e para que a via possa aperfeiçoar-se para diante sem mudar de direcção, mas sómente por modificações mais ou menos profundas em seu estado primitivo.

A navegação a vapor, ao contrario, exigindo para seu estabelecimento sómente um terço da importancia da estrada, sem haver tamanha desigualdade entre os fretes respectivos, [47] evidentemente poderá sustentar-se e até auferir lucro de um trafego menos avultado do que o que aquella necessita para os mesmos effeitos. E quando tal não acontecesse, a empreza da navegação, não tendo como a da estrada a necessidade forçosa de construir e conservar uma via apropriada a seu serviço, pois que aproveita a natural dos rios, gosa da faculdade de proporcionar até certo ponto seus gastos á grandeza do trafego, reduzindo o numero dos seus vapores ao estrictamente preciso ou mesmo estabelecendo que, em vez de serem as viagens mensaes ou em curtos periodos, tenhão lugar sómente quando haja carregamento completo para os barcos, n'um ou n'outro sentido.

É, pois, presumivel que o trafego, que bastar para cobrir o custeio e o interesse do capital da estrada, em todo o caso chegará para as mesmas despezas concernentes á navegação a vapor; asserto que se evidencia melhor dos calculos em que vamos entrar, principiando por deduzir a quantidade de mercadorias, que deve transitar na estrada das cachoeiras para cobrir a despeza annual que lhe compete, e mostrando em seguida que a mesma frequentação dá tambem rendimento sufficiente para equilibrar as despezas das carreiras de vapores, organisadas no pé em que as suppozemos.

A despeza annual de uma empreza qualquer de viação, em estado de serviço normal, consta em geral de duas parcellas em que se podem incluir todos os differentes desembolsos.

Uma é a do custeio, comprehendendo quaesquer quantias que se empreguem na direcção e administração da empreza, na conservação e reparação da via e do material de transporte, nos salarios do pessoal e em outros fins semelhantes.

A outra parcella é a do serviço do capital, que consiste na importancia de seu juro, á qual se junta ordinariamente uma quota, ou para fundo de reserva, a fim de occorrer a futuras reformas ou melhoramentos na via ou no material, ou para a amortisação progressiva do capital desde que se decide começal-a. A esta parte deve satisfazer a renda liquida da empreza, que não é senão a differença entre a renda bruta ou o rendimento total dos transportes e as despezas do custeio.

Se, como é de crer, sendo uma companhia que tome a si estabelecer a estrada e a navegação do Alto Madeira, attenta a escassez de capitaes e ao pouco espirito emprehendedor que ha nos paizes mais interessados nessas obras, ella se constituir com capitaes europeus, o juro de 7% ao anno, póde ser considerado como bastante remunerativo.

[48]

Suppondo que alem deste interesse se destine annualmente 1% do capital, seja para sua amortisação paulatina, seja para fundo de reserva, vem a ser de 8% do mesmo capital a quantia a que deve montar a renda liquida da empreza ou a sobra de sua renda bruta, feita a deducção das despezas do custeio.

Quanto a estas despezas, para cada especie de caminho, evidentemente varião com a quantidade do trafego; porém, tem-se observado que nas emprezas de viação, administradas regular e economicamente, e onde a circulação não é inferior nem excede á capacidade do systema de transporte, dá-se uma certa relação entre o importe do custeio e a renda bruta, a qual não varia notavelmente embora o trafego cresça ou decresça dentro de certos limites.

Assim é que em todas as vias férreas, em estado de exploração normal, cujo trafego é bastante avultado para tirar um partido proficuo da locomoção a vapor, o importe do custeio oscilla nas immediações do valor de 50% ou metade da renda bruta, sendo por conseguinte igual á renda liquida que a outra metade representa.

Este dado nos servirá de fundamento para arbitrarmos um valor approximado á despeza do custeio do madeiro carril das cachoeiras, onde em razão de ser mais onerosa a conservação do que numa via férrea, assim como a tracção de animaes relativamente á de locomotivas, é razoavel suppor que o custeio absorverá, em vez de 50% ou metade, 66,6% ou 2/3 do rendimento total do trafego.

Em tal hypothese, o terço restante será a quantia correspondente á renda liquida, igual por conseguinte á metade do importe do custeio.

E, pois que a dita renda liquida equivale, como suppozemos, a 8% do capital, e sendo elle no caso presente de 1.500 contos ou 750.000 pesos; eis como se comporá a renda bruta annual:

Renda liquida, 8% do capital de 750.000 pesos $60.000
Despezas do custeio $120.000
Renda bruta $180.000

Ora, ficou dito que o frete de uma arroba de carga em todo o trajecto das 60 leguas do madeiro-carril das cachoeiras pagaria 60 centavos ou 1$200, á razão de 20 réis ou um centavo por legua.

[49]

Como o trafego em geral cursará toda a linha, não levando em conta senão o de mercadorias, facil é deduzir sua grandeza em arrobas dividindo a importancia do rendimento total pelo preço do transporte da mesma unidade de carga.

Deste modo acha-se que é necessaria a circulação de 300.000 arrobas de mercadorias nos dous sentidos do trajecto, para que a empreza do madeiro-carril em questão consiga manter-se com sua propria renda, dando demais o lucro liquido de 8% do capital empregado em sua fundação.

Agora na condição de ser de 300.000 arrobas o trafego do desvio das cachoeiras, é possivel averiguar por meio de uma estimativa aproximada que é sufficiente a quantia de 120.000 pesos ou 240 contos de réis para cobrir as despezas annuaes do custeio. Com effeito, a nosso ver, estas despezas podem ser orçadas da fórma que se segue:

Conservação da via.
Em 60 leguas á razão de 1.000 pesos ou 2 contos de réis por legua 60.000
Serviço dos transportes, etc.
100 jornaleiros, carroceiros, carregadores, serventes, etc., pagos á razão do preço medio de 200 pesos ou 400$000 por anno 20.000
Conservação, reparo e renovação de todo o material, carros, estações, etc., 10 por cento de seu valor orçado em 50.000 pesos 5.000
Sustento de 200 animaes á razão de 100 pesos por anno para cada um120.000
Remonta dos mesmos de 5 em 5 annos, 20 por cento de seu custo avaliado em 10.000 pesos 2.000
Somma 107.000
Saldo para gastos de administração 13.000
Total 120.000

quantia que, portanto, satisfaz a todas as exigencias do custeio.

Cumpre em seguida ver como o mesmo trafego de 300.000 arrobas tambem será lucrativo para a navegação a vapor.

[50]

Não levando em conta senão as duas carreiras principaes que propuzemos; a 1.a que, servindo a Exaltacion, Trinidad e Loreto termina em Vinchuta, porto que será a sahida da cidade de Cochabamba e por ella do centro e do norte da Bolivia; e a 2.a, que fazendo escala tambem naquellas povoações, se destina a conduzir o commercio da cidade de Santa Cruz de la Sierra e por intermedio della o de Sucre, capital da republica, e a de suas provincias meridionaes, supporemos que em cada uma das citadas linhas haja movimento igual de negocios, e recordaremos que de Guajaramirim, termo da estrada das cachoeiras, a Vinchuta o frete foi avaliado em 25 cents. ou 500 rs. e que o daquelle porto ao do Rio Grande, fronteiro a Santa Cruz, o foi em 45 cents. ou 900 rs.

O termo medio destes fretes sóbe a 35 cents. ou 700 rs., preço que na hypothese que indicamos de haver trafego igual nas duas linhas, representa o valor medio do frete da navegação a vapor.

Reduzil-o-hemos porem a 30 centavos ou 600 rs. attendendo que na frequentação, quer da linha de Guajaramirim a Vinchuta, quer na que vae a Santa Cruz, terá alguma parte o commercio de Trinidad, Loreto, Exaltacion etc., cujos fretes rasoavelmente devem ser inferiores aos citados, de cuja fusão resultou aquella media.

Sendo pois de 30 centavos ou 600 rs. o frete geral de cada arroba de carga na navegação do alto Madeira, o trafego annual de 300.000 arrobas vem a produzir a renda bruta de 90.000 pesos ou 180 contos de réis, somma que facil é demonstrar, excede á necessaria para equilibrar o custeio e deixar o lucro liquido de 8 por cento ao capital, applicado no material da navegação e em todos os seus accessorios, que admittimos fosse quando muito de 250.000 pesos ou 500 contos.

De facto, subtrahidos os 8 por cento desta somma, que montão a 20.000 pesos ou 40 contos, de 90.000 pesos ou 180 contos, total do rendimento dos transportes, sobrão 70.000 pesos ou 140 contos para cubrir as despezas do custeio.

Na supposição de que se faça uma viagem redonda por mez em cada uma das linhas referidas, estimamos como segue os gastos respectivos:

1.a Linha de Guajaramirim a Vinchuta.

Distancia 500 milhas. Subida em 72 horas.

Descida em 48. Viagem redonda 120 horas.

Despeza mensal de um vapor da força de 50 cavallos e porte de 150 a 200 toneladas:

[51]
Tripolação[23] $ 750
Combustivel[24] $ 300
Despezas diversas $ 200
Somma $ 1250

[23] Consideramos a tripulação de cada vapor composta como segue e tendo os soldos designados;

1 mestre $ 100; 1 piloto $ 50; 1 machinista $ 150; 1 foguista $ 50; 16 homens de tripulação a $ 25 pesos por mez—$ 400. Somma $ 750; como foi adoptado acima.

[24] A despeza de combustivel fui calculada sobre a base da media de alguns dados relativos ao consumo de lenha dos vapores da companhia do Amazonas. Deduzimos assim que uma machina de 50 cavallos consumiria, na media, 125 achas por hora, cujo valor foi calculado pelo preço commum no Amazonas, isto é $ 20 ou 40$000 rs. por milheiro.

2.a linha.—De Guajaramirim ao porto de Santa Cruz. Distancia 870 milhas. Subida 130 horas. Descida 90. Viagem redonda 220 horas.

Despeza mensal para um vapor nas condições precitadas:

Tripolação $ 750
Combustivel $ 550
Despezas diversas $ 200
Somma $ 1.500

Logo nas 12 viagens redondas do anno se despenderia:

Na 1.a linha $ 15.000
Na 2.a » $ 18.000
Total $ 33.000

Confrontada esta somma com a de 70.000 pesos, que, como se vio acima, fica disponivel para o custeio, deduz-se o excesso de 37.000 pesos por anno, quantia mais que sufficiente para occorrer aos gastos do serviço das lanchas a vapor e das embarcações menores, conservação e renovação do material, manutenção dos armazens e agencias e a todos os mais desembolsos concernentes á navegação.

Em summa, em resultado do que fica exposto, se deprehende que a empreza da estrada das cachoeiras e da navegação do alto Madeira poderia subsistir por si só e realizar um beneficio razoavel se pudesse contar annualmente com um trafego effectivo de 300.000 arrobas, tanto de exportação como de importação.

[52]

Probabilidades bem fundadas existem de que o commercio desta communicação attinja de principio a esta quantidade e depois progrida cada dia consideravelmente, quanto permittão a producção e o consumo crescentes dos numerosos habitantes da Bolivia e do Brasil, que nella vão achar um conducto livre de embaraços para fomentar as relações com o exterior de que até hoje têm estado privados.

Na parte terceira destes apontamentos apreciamos o valor que um tal commercio alcançaria, a julgar pelo que hoje faz a Bolivia inteira pelos portos do Pacifico, e comparativamente ao actual da provincia peruana de Loreto, situada em circumstancias muito parecidas ás das provincias bolivianas da bacia do Madeira. Então vimos que, a julgar pela população dos departamentos de Santa Cruz e do Beni unicamente, sem tratar da de outros, que no todo ou em parte movida pela razão decisiva da economia dos fretes, adoptará a via do Amazonas de preferencia a qualquer outra, população aquella que é quadrupla da da provincia de Loreto, o commercio dos mesmos dous departamentos poderia adquirir em curto prazo o valor de 360.000 pesos ou 720 contos de réis, quatro vezes tambem o que era em 1855 o da provincia peruana, pouco depois de favorecida com a linha de vapores da companhia do Amazonas.

Para avaliar o peso de mercadorias correspondente a este valor, não possuimos mais do que um dado, que é porém digno de toda a confiança por ser tambem referante ao commercio da Bolivia pela via do Madeira.

No anno de 1860, como já foi dito, a quantidade de 32.000 arrobas de exportação e importação correspondeu a um valor de pouco mais de 32.000 pesos ou 64 contos, ou cêrca de 1 peso ou 2$000 por cada arroba.

A continuar, sendo este o preço medio dos artigos de commercio, a somma de 360.000 pesos representará o valor de mais de 300.000 arrobas, quantidade em que, segundo os calculos precedentes, foi orçado o trafego capaz de compensar vantajosamente o estabelecimento e o custeio da estrada e da navegação do alto Madeira.

Se ainda nos reportamos a outras apreciações, anteriormente apresentadas sobre o desenvolvimento progressivo do commercio da Bolivia pela mesma via, os resultados dos annos seguintes não deixão duvidar que a empreza com o tempo prosperará enormemente. Em verdade, quando o valor de seu trafego montar a mais de 1 milhão de pesos, como póde [53] acontecer em 2 annos, ou a mais de 2 milhões, como póde ser em 10, conforme conjecturamos somente sobre os dous departamentos de Santa Cruz e do Beni, ainda por comparação com o progresso observado no commercio da provincia de Loreto pelo Amazonas, então será infallivel que a quantidade de mercadorias, correspondente aos ditos valores, não só alcançará a 300.000 arrobas, como excederá de muito, por mais valiosos que sejão os objectos de permuta.

E que proporções não tomará o trafego da via do Madeira, quando ella tornar-se o caminho da exportação e importação da metade, pelo menos, da população da Bolivia, não isolada do resto do mundo, pouco productiva e menos consumidora, como hoje se acha, mas aproximada pelo vapor dos grandes centros commerciaes do Atlantico, laboriosa pela certeza de obter larga recompensa dos esforços que empregar na producção, civilisada e industriosa pelo trato e pelo exemplo dos estrangeiros activos e emprehendedores, que de toda a parte viráõ a explorar e cultivar regiões quasi desconhecidas, que occultão immensos thesouros em seu solo!!

Quando se recolhão em profusão os fructos das sementes ahi depositadas desde o começo do novo estado de cousas, que a empreza do Madeira vai crear, temos confiança que não bastará o tosco plankroad primitivo nem o reduzido numero de vapores, que propuzemos, para dar vasão ao commercio que então existirá. Elle exigirá para seu escoamento um ferro-carril ou um canal artificial de grandes dimensões, auxiliado com muitos vapores; e tamanho engrandecimento de meios de viação se effectuará nessa occasião na escala conveniente com plena segurança de que a circulação produzirá renda sufficiente para remunerar com usura quaesquer melhoramentos.

Para aquelles, que têm estudado os verdadeiros milagres operados pelas vias de communicação, expeditas e baratas, em todos os paizes do mundo, onde hão sido introduzidas, não póde haver temor algum de que a empreza que advogamos careça de elementos para fundar-se, subsistir e prosperar. Talvez em seus primeiros passos haja alguma cousa de incerto; porém sua prosperidade no porvir é segura e infallivel como é o progresso dos povos da Bolivia e do Brasil, quando sejão vivificados pela sciencia e pela industria, que lhes hão de vir dos paizes mais adiantados através dessa communicação, cujo projecto tentamos esboçar.

Os governos do Brasil e da Bolivia, directamente interessados [54] nas consequencias fecundas da empreza do Madeira, não devem poupar esforços para fundal-a e promovel-a.

Talvez parecesse vantajoso que de accordo mutuo, ambos por si mesmo abrissem a estrada das cachoeiras e lançassem os primeiros vapores nas aguas do alto Madeira. A nós, porém, parece esta medida a menos conveniente e efficaz, e que não deve ser adoptada senão no caso de se frustarem todas as tentativas para organisar uma companhia particular que se incumba de effectuar taes melhoramentos. Se está reconhecido geralmente a inferioridade da administração de emprezas destas pelo Estado, comparativamente á de associações particulares, nas condições presentes apparece ainda menos contestavel este facto, attenta a desmesurada distancia em que se acha o lugar da obra a emprehender dos centros dos governos nella interessados.

A acção destes, em nossa opinião, não deve pois estender-se aos cuidados do estabelecimento e do custeio dos meios de transporte projectados, mas reduzir-se a facilitar e acoroçoar a creação da companhia, que disto se encarregue, e depois a protegêl-a por todos os meios opportunos.

A semelhança de todas as emprezas, que têm de operar em paizes novos e pouco conhecidos e carecem de fundar-se com capitaes angariados nos mercados estrangeiros, a da estrada e navegação do alto Madeira, não obstante seu futuro esperançoso, não póde prescindir de garantias effectivas, capazes de inspirar confiança mesmo aos mais timoratos ou incredulos.

A melhor fórma para conseguir tal effeito seria, a nosso ver, garantir uma certa quota de juros annual, que désse um interesse razoavel aos capitaes engajados na empreza, até um maximo de antemão fixado. Um tal favor junto com o privilegio do transito na estrada e nos rios por um largo prazo, concessões de terras com liberalidade, direito de exploração de minas numa certa zona e outras concessões semelhantes, das que sóem fazer-se ás emprezas de viação mais favorecidas, não deixarião de actuar no sentido de alcançar a incorporação de uma companhia.

Em taes concessões os governos do Brasil e da Bolivia tomarião a parte que naturalmente a cada um devesse competir; este promovendo sobre tudo a navegação de seu systema fluvial, aquelle, com especialidade, a abertura da estrada das cachoeiras, que toda deve estender-se em territorio brasileiro. Mas si, contra nossa spectação, de todo não fosse [55] possivel constituir-se uma companhia para realizar na via do Madeira os melhoramentos concebidos, seria como já indicamos, o caso de tomarem a si a empreza os governos do Brasil e da Bolivia. Então não aconselhariamos se pozesse em obra um projecto nas proporções do que deixamos esboçado, mas outro muito mais simples e barato, porém capaz todavia de attrahir e fomentar o trafego da vasta região do alto Madeira para o Atlantico seguindo o curso de seus rios.

Com taes vistas, proporiamos que nas cachoeiras do Madeira, para tornar menos difficultosa e demorada sua travessia, se fizessem algumas obras de pouca monta a fim de desobstruir os canaes que quasi todas têm; que se abrissem caminhos marginaes regulares nos passos mais trabalhosos para facilitar o serviço da halagem a sirga dos barcos e mesmo para servir ao transporte das cargas e até das proprias embarcações, quando isto fosse de todo indispensavel, e que se fundassem de distancia em distancia á beira do rio nucleos coloniaes, situados adequadamente no intuito de protegerem a passagem das mesmas cachoeiras não só com reforço de gente, como tambem com mantimentos e outros soccorros.

Caso porém não fossem efficazes expedientes semelhantes para desembaraçar e abreviar de um modo sensivel a navegação das cachoeiras, sobretudo na subida, e houvesse que recorrer necessariamente a um desvio terrestre, então em vez de abril-o como uma estrada de carros, poderia não passar-se de um simples trilho para animaes de carga, a cujos lados se collocarião os estabelecimentos coloniaes, de que atraz fallamos, a fim de ahi serem do mesmo prestimo que lhes destinamos na travessia das cachoeiras.

Entretanto em qualquer alternativa, quer se tenha de levar a effeito a empreza da utilisação da via do Madeira nestas reduzidas proporções ou nas que anteriormente delineamos, ha que fazer um trabalho preliminar de uma utilidade incontestavel, cuja execução recommendamos instantemente aos governos do Brasil e da Bolivia para ser emprehendido sem detença.

Por parte do primeiro é proseguir nas explorações que por sua ordem presentemente estão em actividade no curso do Madeira, applicando-as não só á secção das cachoeiras, na idéa de desobstruil-as ou canalisal-as, como tambem á linha terrestre que póde desvial-as; e além disto ao curso superior do Mamoré, do Guaporé e dos affluentes destes rios que regão o territorio brasileiro.

[56]

Ao governo da Bolivia compete mandar explorar scientificamente a magnifica rede dos affluentes do alto Madeira, que banha suas ricas provincias do oriente; a importante arteria do Beni com seus braços, a do grande Mamoré no seu dilatado curso e em seus numerosos tributarios e a de todos esses caudalosos rios, que desaguão no Guaporé ou Itenez pela margem meridional e que consta offerecem navegação tão facil quanto extensa.

Com os resultados de taes estudos, juntos a dados estatisticos exactos e recentes sobre o commercio da região do alto Madeira e os recursos que ella contem para desenvolvel-o para diante progressivamente, se possuirião as informações necessarias a fim de proceder com segurança e acerto no projecto e na execução da importante obra, cujos traços geraes, com debil penna e mal habilitados, temos delineado nestes ligeiros apontamentos.

Santiago, 19 de Fevereiro de 1868.—Antonio Rebouças, engenheiro.






End of the Project Gutenberg EBook of Apontamentos sobre a via de
communicação do rio Madeira, by Antonio Rebouças

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK APONTAMENTOS SOBRE ***

***** This file should be named 23201-h.htm or 23201-h.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
        http://www.gutenberg.org/2/3/2/0/23201/

Produced by Pedro Saborano (This file was produced from
images generously made available by Cornell University
Digital Collections)


Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties.  Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark.  Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission.  If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy.  You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research.  They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks.  Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.



*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
http://gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH F3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
http://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit http://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including checks, online payments and credit card donations.
To donate, please visit: http://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     http://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.